versão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.32 no.9 Rio de Janeiro 2016 Epub 19-Set-2016
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00118215
This study aimed to assess the cascade of care in the reduction of mother-to-child HIV transmission in the states of Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Rio de Janeiro, and Rio Grande do Sul and the Distrito Federal, Brazil, using data from the Brazilian Information System on Diseases of Notification (SINAN). From 2007 to 2012, there was an increase (from 7.3% in Distrito Federal to 46.1% in Amazonas) in intra-gestational detection of HIV in 5 states, with a 18.6% reduction in Rio de Janeiro. Fewer than 90% of the women received antiretroviral therapy during their prenatal care, including those that already knew they were HIV-positive. The elective cesarean rate was low. The AIDS detection rate in children under 5 years as a proxy for mother-to-child HIV transmission showed a reduction of 6.3% from 2007 to 2012, and was highest in Rio Grande do Sul (50%), the state with the highest rates in the period, while Espírito Santo showed the highest increase (50%). Evaluation of the cascade of HIV care in pregnant women identified flaws in all the points. A link is needed between primary care and referral centers for HIV/AIDS, organizing care for the family and better outcomes for the children.
Keywords: HIV; Pregnancy; Infectious Disease Vertical Transmission; Primary Health Care
Este estudio tuvo por objetivo evaluar la cascada de cuidado de la reducción de la transmisión vertical del VIH en los Estados del Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Río de Janeiro, Río Grande do Sul y en el Distrito Federal, usando datos del Sistema de Información de Enfermedades de Notificación Obligatoria (SINAN por sus siglas en portugués). Entre los años de 2007 y 2012 creció la tasa de detección de VIH durante la gestación en 5 estados, variando de 7,3% en el Distrito Federal a 46,1% en Amazonas, con una reducción de 18,6% en Río de Janeiro. Menos de un 90% de las mujeres usaron antirretrovirales durante el período prenatal, incluidas quienes ya se sabían portadoras del VIH. La realización de cesárea electiva fue baja. La tasa de detección de SIDA en niños menores de 5 años como proxy de la transmisión vertical del VIH presentó una reducción de 6,3% entre 2007 y 2012, siendo la mayor en Río Grande do Sul (50%), la cual presentó las mayores tasas del período, mientras que en Espírito Santo se produjo el mayor aumento (50%). La evaluación de la cascada del cuidado del VIH en la gestante apuntó fallos en todos los puntos. Es necesaria una conexión entre la atención básica y los centros de referencia para VIH/SIDA, buscando el cuidado de la familia y el mejor desenlace para el niños.
Palabras-clave: VIH: Embarazo; Transmisión Vertical de Enfermedad Infecciosa; Atención Primaria de Salud
Os padrões de disseminação da infecção pelo vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) mudaram, inclusive no Brasil, devido ao predomínio da forma de transmissão heterossexual 1. A tendência de crescimento relativo da epidemia de AIDS em mulheres 2), (3, especialmente daquelas em idade reprodutiva, trouxe como consequência a elevação do número de crianças infectadas pela transmissão vertical, que consiste na passagem do vírus da mãe para filho, o que pode ocorrer durante a gestação, o parto ou a lactância 4), (5.
A transmissão vertical tem sido responsável pelos casos de AIDS em crianças em todo o mundo 6 e, no Brasil, cerca de 84% desses casos em crianças com até 13 anos de idade são decorrentes dessa forma de transmissão 1. A probabilidade de ocorrer a transmissão vertical pode chegar a 25,5% sem qualquer intervenção. No entanto, por meio de intervenções preventivas, a transmissão pode reduzir-se para níveis entre zero e 2% 5), (7. O relatório da Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) sobre transmissão vertical do HIV apontou uma redução de cerca de 50% no número de casos novos de AIDS em crianças, no período entre 2001 e 2012 8.
Um estudo, realizado em uma amostra representativa de parturientes brasileiras entre 15 e 49 anos de idade, revelou que a prevalência de mulheres portadoras do HIV no momento do parto foi de 0,42%, correspondendo a 13 mil infectadas dentre cerca de 3 milhões de parturientes 9. Em novo estudo nacional, com mais de 23 mil puérperas entre 2011 e 2012, a prevalência de HIV encontrada foi de 0,4% 10, muito semelhante à anterior.
O Ministério da Saúde recomenda como estratégias para a redução da transmissão vertical do HIV o uso de medicamentos antirretrovirais combinados (terapia antirretroviral - TARV) na grávida e no recém-nascido, o parto cesáreo e a não amamentação 5. Ações encadeadas, desde o acesso ao atendimento pré-natal e à testagem anti-HIV, até a finalização do seguimento da criança exposta, irão garantir o sucesso do programa para a redução da transmissão vertical do HIV 5), (11. Entretanto, relato de oportunidades perdidas para essa prevenção continuam a ser publicados no Brasil, como a alta prevalência de mulheres grávidas não testadas 12, e o baixo acesso ao pacote de medidas preventivas para HIV 13, resultando, por exemplo, em uma taxa de transmissão vertical do HIV de 9,9% no Amazonas no período de 2007 a 2009 14.
O objetivo deste estudo foi identificar, mediante dados de notificação, as oportunidades perdidas de redução da transmissão vertical do HIV em cinco estados da federação e no Distrito Federal. O conceito de cascata de cuidado ou continuum of care foi utilizado para acessar os passos que fariam parte desse cuidado e, quando não alcançados, representariam as oportunidades perdidas 11.
Estudo descritivo dos casos de HIV na gestação, incluindo avaliação ecológica e transversal, conduzido nos estados do Amazonas, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, seis estados da Federação com representatividade macrorregional dos casos de infecção pelo HIV no período de 2007-2012. Os casos foram aceitos como tendo sido notificados de acordo com a definição de caso de HIV em gestante do Ministério da Saúde. As distribuições proporcionais das variáveis sociodemográficas e clínicas disponíveis no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) foram comparadas pelo teste de qui-quadrado de Pearson. As medianas de idade foram comparadas por Anova. Os dados foram analisados no pacote estatístico Stata 11.2 e a significância estabelecida ao nível de 5%.
As fontes de informação dos casos de HIV/AIDS em crianças menores de 13 anos foram o SINAN, o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), o Sistema de Controle de Exames Laboratoriais (SISCEL) e o Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (SICLOM) da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.
Como a base de dados sobre crianças expostas ao HIV não se encontra disponível, não foi possível calcular a taxa de transmissão vertical do HIV por unidade federada. Para substituir tal informação, os dados referentes ao indicador de taxa de detecção de AIDS em crianças menores de 5 anos foram retirados do Boletim Epidemiológico do Departamento Nacional de DST/AIDS e Hepatites Virais 1.
O projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo, sob o número 640.580/2014.
A taxa de detecção de HIV na gestação por mil nascidos vivos apresentou um incremento em quatro estados e no Distrito Federal entre 2007 e 2012, variando de 7,3% no Distrito Federal a 46,1% no Amazonas, com uma redução no Rio de Janeiro de 18,6%.
Na base de dados de gestantes notificadas com HIV, o percentual de municípios "silenciosos", ou seja, aqueles que não apresentaram nenhuma notificação de HIV na gestação no período foram de 45,2% no Amazonas, 44% no Ceará, 35,9% no Espírito Santo, 16,3% no Rio de Janeiro e 47,7% no Rio Grande do Sul, sendo que o último apresenta 497 municípios.
A Tabela 1 apresenta a distribuição proporcional das características sociodemográficas e clínicas das mulheres notificadas com HIV na gestação em seis estados brasileiros, de 2007-2012. A mediana de idade foi de 23 anos no Amazonas, 26 anos no Ceará e Rio de Janeiro e 27 anos no Distrito Federal, Espírito Santo e Rio Grande do Sul. O Amazonas e o Distrito Federal apresentaram maior escolaridade. A heterogeneidade na distribuição de raça/cor acompanhou as características regionais, com maior percentual de indígenas no Amazonas. Esse estado, junto com o Rio de Janeiro, teve uma maior proporção de casos notificados em residentes na capital, enquanto o Ceará, o Espírito Santo e o Rio Grande do Sul distribuíram mais a residência entre outros municípios. A maior parte das gestantes já sabia ser portadora do HIV no Distrito Federal, Espírito Santo e Rio Grande do Sul, mas as residentes no Amazonas, Ceará e Rio de Janeiro descobriram ser portadoras do HIV em maior proporção durante o pré-natal. Ainda assim, no Amazonas, 19,6% só souberam de sua soropositividade no parto. A realização de pré-natal variou de 79% no Amazonas a 91% no Espírito Santo. A utilização de TARV durante o pré-natal foi de 41,6% no Amazonas e 77,2% no Espírito Santo, enquanto no parto a variação foi de 37,9% no Amazonas a 74,2% no Rio Grande do Sul. A cesárea eletiva foi a via de parto de 32,3% dos nascimentos no Amazonas e 61,4% no Distrito Federal. O produto do parto foi de nascidos vivos em sua maioria, mas houve um percentual alto de informação ignorada para a variável no Amazonas (45,3%) e Rio de Janeiro (30,8%). O uso de antirretroviral pelo recém-nascido vivo foi iniciado nas primeiras 24 horas em 87,9% no Distrito Federal e 95,7% no Rio Grande do Sul.
Tabela 1 Características sociodemográficas, clínicas e de tratamento das gestantes notificadas por HIV na gestação em cinco estados e no Distrito Federal, Brasil, 2007-2012.
Na Tabela 2, encontram-se as distribuições proporcionais, com seus respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%), das oportunidades de redução da transmissão vertical do HIV a partir do momento do diagnóstico de HIV das gestantes. Os valores se referem à cascata de ações desenvolvidas para mulheres que foram diagnosticadas com HIV antes da gestação, durante o pré-natal ou na admissão para o parto. Em cada cenário, a gestante precisava estar no grupo selecionado anteriormente para estar no seguinte, isto é, saber ser portadora do HIV, ter feito pré-natal, ter recebido TARV na gestação, ter recebido TARV no parto, ter sido submetida à cesárea eletiva, de modo que a cascata de cuidado fosse avaliada em todos os seus componentes, sendo sempre considerados os produtos vivos das gestações para o tempo de início de antirretroviral no recém-nascido.
Tabela 2 Distribuição proporcional e intervalo de 95% de confiança (IC95%) da cascata de cuidado para a profilaxia da transmissão vertical do HIV por momento de diagnóstico do HIV materno e por Unidade de Federação, Brasil, 2007-2012.
Para as gestantes que já conheciam o status sorológico de HIV antes da gestação que deu origem à notificação a proporção de realização de pré-natal foi mais baixa no Amazonas (81,7%) e mais alta no Espírito Santo (94,2%). A utilização de TARV durante a gestação foi menor no Amazonas (68,3%) e maior no Distrito Federal (89,9%) e Espírito Santo (89,8%). A utilização de TARV no momento do parto correspondeu a 24,1% no Amazonas e 64,9% no Distrito Federal. A via de parto foi a cesárea eletiva em 18,7% das mulheres do Amazonas e 53,6% naquelas do Ceará. Entre os recém-nascidos vivos, a TARV foi iniciada nas primeiras 24 horas de vida em 18% no Amazonas e 51,9% no Ceará.
Quando o diagnóstico de HIV foi realizado durante o pré-natal, a utilização de TARV durante a gravidez variou de 50,8% no Amazonas a 82,6% no Espírito Santo, e a utilização de TARV no parto foi novamente menor no Amazonas (20,9%) e maior no Distrito Federal (61,8%), proporcionalmente. A cesárea eletiva como via de parto ocorreu em 16,7% das parturientes do Amazonas e 54,2% daquelas no Distrito Federal. A TARV para os recém-nascidos vivos iniciou-se nas primeiras 24 horas em 16,5% no Amazonas e 50,4% no Distrito Federal.
No caso das gestantes com diagnóstico somente na hora do parto, verificou-se que entre 45,8% (Rio de Janeiro) e 65,7% (Ceará) delas informaram ter comparecido ao atendimento pré-natal sem, entretanto, referir testagem para o HIV. Ainda foi possível utilizar TARV no parto em 60% daquelas do Distrito Federal e 75,5% no Ceará. Os recém-nascidos vivos receberam TARV nas primeiras 24 horas em 43,5% das vezes no Rio de Janeiro e em 70,6% no Ceará.
Os 1.780 casos incluídos na análise de casos de AIDS em crianças menores de 13 anos de idade e representando os 5 estados e o Distrito Federal tiveram suas informações extraídas do SISCEL em 1.681 casos, 448 do SINAN e 122 do SIM. A informação encontrava-se disponível apenas no SISCEL em 1246 casos, apenas no SINAN em 48 e foram retirados do SIM somente 41 casos. Vinte e seis casos estavam nos 3 sistemas, 364 no SISCEL e SINAN e 45 no SISCEL e SIM (Figura 1).
Figura 1: Fontes de informação para crianças menores de 13 anos notificadas com AIDS por Unidade de Federação, Brasil, 2007-2012.
Na base de dados de crianças notificadas com HIV/AIDS, o percentual de municípios "silenciosos", ou seja, aqueles que não apresentaram nenhuma notificação de HIV/AIDS em crianças no período foi de 69,4% no Amazonas, 77,7% no Ceará, 59% no Espírito Santo, 48,9% no Rio de Janeiro e 78,3% no Rio Grande do Sul.
Dos 185 casos de HIV/AIDS em crianças no Amazonas, 84,3% residiam na capital, assim como 52% dos 127 casos do Ceará, 11,2% dos 161 do Espírito Santo, 46,3% dos 529 do Rio de Janeiro e 31,8% dos 746 do Rio Grande do Sul. O Distrito Federal contribuiu com 22 casos.
A taxa de detecção de AIDS em crianças menores de 5 anos reduziu-se em 6,3% entre 2007 e 2012. A maior redução se deu no Rio Grande do Sul (50%), que apresentou as maiores taxas do período, enquanto o maior aumento ocorreu no Espírito Santo, de 50% (Figura 2).
Desde que a utilização dos antirretrovirais se mostrou efetiva em reduzir a transmissão vertical do HIV 7, algumas intervenções passaram a ser recomendadas para serem iniciadas no acesso da gestante ao pré-natal. O presente estudo aponta alta cobertura de pré-natal entre as gestantes infectadas pelo HIV (variando de 79 a 91%), abaixo da relatada por Domingues et al. 10, com quase 99% com pelo menos uma consulta. Esses autores encontraram 81,7% de realização de teste anti-HIV no pré-natal, com uma prevalência de 0,4% de HIV nas gestantes.
Entre os estudos brasileiros, encontra-se um paradoxo. Há estudos de base hospitalar (ou de centros de referência) e estudos utilizando dados secundários com resultados divergentes, por conta da seleção prévia de gestantes já com diagnóstico de HIV nos primeiros, e a adição de casos notificados sem nenhuma intervenção para redução da transmissão vertical do HIV nos dados secundários. Exemplos de sucesso no Rio de Janeiro, com 2,8% de transmissão em uma coorte com 145 crianças 15 e outra com 3,6% entre 297 crianças 16; em Belo Horizonte, 939 crianças resultaram em 3% 17; e 4,9% de infeção entre 144 crianças em Rio Grande do Sul 18. Já em Pernambuco, 1.200 crianças expostas foram seguidas entre 2000 e 2009, resultando em 9,2% infectadas pelo HIV 19, comparável aos achados do Amazonas entre 2007 e 2009 14, com dados do SINAN. Porém, em 1998, a taxa de transmissão vertical no Estado de São Paulo foi de 16% em estudo de base hospitalar 20. Em 2006, no mesmo estado, houve uma redução para 2,7%, utilizando-se dados secundários, o que pode ser considerado um grande sucesso programático 21.
Essas diferenças refletem as falhas na cascata de cuidado para a prevenção da transmissão vertical HIV, que neste estudo estiveram presente, não importando a época do diagnóstico materno de HIV. Quase 20% das mulheres no Amazonas chegaram ao parto sem saber seu status HIV, concordando com outro estudo nacional, em que 29% das mulheres não foram testadas durante o pré-natal (12. As regiões Norte e Nordeste apresentaram as menores prevalências de realização do primeiro teste anti-HIV no pré-natal, respectivamente, 69,9% e 68,4%, apontando para uma menor adesão aos protocolos de redução de transmissão vertical do HIV (10. Em nenhuma das seis Unidades de Federação foi possível identificar o uso de TARV durante o pré-natal em proporção superior a 90% das mulheres notificadas, mesmo entre aquelas que já se sabiam portadoras do HIV. Foi ainda mais difícil conseguir realizar o parto como cesárea eletiva previamente agendada, e o uso da TARV pelo recém-nascido nas primeiras 24 horas também ficou muito aquém do desejado, quando avaliado pela cascata completa de cuidado. Na região metropolitana do Rio de Janeiro, apenas 52,7% das mulheres atendidas em um hospital de referência receberam todo o pacote de intervenções necessárias para a prevenção da transmissão vertical HIV 13. Em São Paulo, em hospital universitário, falhas nos fluxos de referência e de atendimento foram identificadas, sendo menores para o HIV do que para a sífilis 22.
A utilização de testes rápidos no parto e no pré-natal 23 deveria ser uma estratégia para corrigir falhas programáticas e recolocar mulheres infectadas com HIV em um curso favorável para um bom desfecho da gestação. A rede de serviços destinados a prestar assistência às mulheres com HIV/AIDS deve estar articulada às unidades de atenção básica, local onde deve se iniciar todo processo de cuidado, considerando que se trata do espaço no qual é feito o diagnóstico de gravidez e consequentemente a solicitação dos exames de rotina, dentre eles a testagem para o HIV 5.
Como pode ser constatado, a cascata de cuidados para a redução da transmissão vertical do HIV apresentou perdas de seguimento relevantes, que podem estar relacionadas a questões não listadas no modelo biomédico dessa cascata. Uma revisão sistemática das ações para a redução da transmissão vertical do HIV na China entre 2003 e 2011 mostrou uma queda da transmissão vertical de 12,9% para 2,3% no período. Contudo, ao incluir as mulheres que não foram captadas pela cascata de cuidado, esses valores subiram para 27,1% e 11,5%, respectivamente 24. Um modelo que serve a todos não tem se mostrado eficiente no cuidado dispensado aos portadores de HIV. Um enfoque centrado nas trajetórias individuais dos pacientes, focando nas vulnerabilidades de cada um, pode reduzir as perdas 25. Pelo visto neste estudo, o Brasil poderia se beneficiar desse enfoque em trajetórias, pois conta tanto com um ativismo comunitário em HIV/AIDS com grande experiência, como também com a expansão da Estratégia Saúde da Família, que congrega a atuação de agentes comunitários de saúde com um olhar das equipes sobre as famílias, o que reduziria as perdas ao atender melhor o indivíduo em seu cenário de vida.
O fato de o SINAN não ter condições de armazenar a ficha de investigação de criança exposta traz mais uma barreira programática ao conjunto de barreiras a serem superadas. A informação proveniente da notificação de casos de AIDS em crianças menores de 13 anos é demorada, e só recentemente a notificação de HIV, além da de AIDS, foi introduzida no Brasil 1. O uso de múltiplas fontes para resgatar a informação de casos de AIDS contribui muito, mas não substitui o quadro mais acurado que se teria caso o seguimento de todas as crianças expostas estivesse disponível. Portanto, lidar com um proxy, o indicador de taxa de detecção de AIDS em menores de 5 anos ainda pode estar subestimando a real taxa de transmissão vertical HIV, mascarando ainda mais um quadro que já se desenha, de uma população mais vulnerável, que não alcança e não é alcançada pelos serviços de saúde.
O percentual de respostas ignoradas para variáveis relacionadas ao uso de TARV nas várias etapas, especialmente nos estados do Amazonas e Rio de Janerio, pode ter reduzido a capacidade de avaliação do conjunto. Todavia, a possibilidade de avaliar as ações propostas para a prevenção da transmissão vertical do HIV em base populacional se justifica ao se notar que ainda não se atingiu a redução desejada na transmissão vertical, embora as estratégias estejam traçadas e os protocolos disponíveis.
Os dados secundários ainda apontam falhas importantes na cascata de cuidados para prevenção da transmissão vertical do HIV, mostrando que oportunidades são perdidas nos diferentes serviços e em todas as etapas da assistência à mulher, sobretudo após a descoberta do diagnóstico de HIV. Uma conexão forte entre a atenção básica e os centros de referência para HIV/AIDS se faz necessária, tendo em conta a importância da primeira como ordenadora do cuidado da família sob sua responsabilidade. A melhoria da completude dos dados de notificação permitirá uma melhor avaliação de uma política pública que sabidamente resulta em grande impacto na saúde da criança.