versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.85 no.5 São Paulo set./out. 2019 Epub 07-Nov-2019
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.04.011
Os aparelhos auditivos de ancoragem óssea (BAHA, do inglês Bone-anchored Hearing Aid) ou os aparelhos auditivos de condução óssea (BCHD, do inglês Bone Conduction Hearing Devices) são atualmente soluções bem estabelecidas para o tratamento de pacientes com deficiência auditiva. São usados em pacientes com perda auditiva unilateral e bilateral, mista e condutiva, bem como em pacientes com surdez unilateral. O primeiro implante foi relatado por Tjellström e Granström em 19771 e desde então mais de 150.000 indivíduos foram implantados em todo o mundo.2 Atualmente, dois tipos de implantes de condução óssea estão disponíveis para os pacientes: percutâneos (que penetram na pele) e transcutâneos (não penetram na pele).
O BAHA percutâneo é composto de um implante de titânio conectado a um pilar de fixação (abutment) percutâneo e um processador de som que é anexado ao pilar. Tal solução permite a transmissão direta e de alta qualidade do som, mas requer cuidados higiênicos diários ao longo da vida. Há também risco de complicações locais da pele, inclusive infecções, crescimento excessivo da pele e, às vezes, até perda do implante.3,4 A frequência de reações recorrentes nos tecidos moles e infecções ao redor do pilar foi relatada em 8%-59% dos casos, perda do implante em 8,3% e a necessidade de cirurgia de revisão em 5%-42%.3 Além disso, o efeito cosmético não é o ideal e alguns pacientes que poderiam se beneficiar do sistema recusam o implante.5 Atualmente, existem dois sistemas percutâneos comercialmente disponíveis: o sistema Baha® Connect (Cochlear Ltd, Austrália) e o sistema Ponto® (Oticon A/S, Dinamarca).
O BAHA transcutâneo usa força de atração magnética para fixar o processador sobre o implante, em vez do pilar. Não há defeito permanente da pele e, portanto, não há problemas de higiene. O efeito estético também é bom. Atualmente, três sistemas estão disponíveis no mercado: Sophono® (Medtronic, EUA), Bonebridge® (Medel, Áustria) e Baha® Attract (Cochlear Ltd, Austrália).
O sistema relatado no estudo - Baha® Attract (Cochlear Bone Anchored Solutions AB, Mölnlycke, Suécia) - foi introduzido em 2013. É composto de um implante de titânio, um processador de som e dois discos magnéticos: um sob a pele, fixado ao implante, e o outro externo, ao qual o processador de som está conectado. Além disso, um coxim de material macio recobre a superfície do ímã externo e distribui a pressão para a pele e tecidos moles entre os ímãs.
O objetivo do estudo é avaliar a cirurgia de implantação do sistema Baha® Attract, o processo de cicatrização e a condição dos tecidos moles após a ativação do processador.
Foram implantados 331 pacientes com diferentes sistemas disponíveis de ancoragem óssea em nosso departamento entre 1992 e setembro de 2017. Desses, 125 pacientes (37,8%) foram implantados com o sistema Baha® Attract (Cochlear Bone Ancorado Solutions AB, Mölnlycke, Suécia) entre setembro de 2014 e setembro de 2017 e todos eles foram incluídos neste estudo prospectivo. Os primeiros 20 pacientes implantados com o Baha® Attract em nosso departamento, inicialmente relatados em um estudo anterior,6 também foram incluídos no grupo analisado. O procedimento cirúrgico foi padronizado (incisão em forma de C, consistente com o Surgical Quick Guide do sistema Cochlear Baha® Attract), executado da mesma forma para todos os pacientes, e foi feito por dois cirurgiões (WG e AB) nas mesmas condições. O prontuário clínico que abrangeu aspectos cirúrgicos e de seguimento de cada paciente operado possibilitou a coleta de dados, usados para avaliação posterior. Os dados completos da coorte do estudo estão disponíveis. A investigação foi aprovada pelo comitê de ética local (decisão nº 1234/17).
O grupo total com 125 pacientes (79 mulheres e 46 homens, com 12 a 86 anos, com média de 52) não tinha histórico de qualquer condição que pudesse comprometer a osseointegração e a cicatrização das feridas. As indicações otológicas mais frequentes para a cirurgia foram otite média crônica, após tentativa malsucedida de reconstrução do sistema de transmissão de som (54%), e otosclerose, após stapedotomia ou restapetotomia sem sucesso (19%). As indicações audiológicas mais frequentes foram perda auditiva mista bilateral (48%) e surdez unilateral (31%). Os detalhes são apresentados na tabela 1.
Tabela 1 Características dos pacientes (n = 125)
Categoria | n | % |
---|---|---|
Idade | ||
< 20 anos (adolescentes) | 3 | 2,4 |
20-40 anos | 26 | 20,8 |
41-60 anos | 50 | 40 |
61-80 anos | 45 | 36 |
> 80 anos | 1 | 0,8 |
Sexo | ||
Masculino | 46 | 36,8 |
Feminino | 79 | 63,2 |
Indicações otológicas | ||
Otite média crônica | 67 | 53,6 |
Otosclerose | 24 | 19,2 |
Má-formação congênita | 8 | 6,4 |
Atresia adquirida do conduto auditivo externo | 5 | 4 |
Surdez unilateral de etiologia desconhecida | 21 | 16,8 |
Indicações audiológicas | ||
Perda auditiva condutiva bilateral | 6 | 4,8 |
Perda auditiva mista bilateral | 60 | 48 |
Perda auditiva condutiva unilateral | 3 | 2,4 |
Perda auditiva mista unilateral | 10 | 8 |
Surdez unilateral | 39 | 31,2 |
Outros (por exemplo, uma orelha condutiva, orelha contralateral mista etc.) | 7 | 5,6 |
Cirurgia: tipo de anestesia, duração da cirurgia, redução de tecido mole, polimento ósseo, uso de coagulação bipolar e qualquer problema ou dificuldade cirúrgica.
Cicatrização: quaisquer problemas com a cicatrização e os sentimentos subjetivos dos pacientes com relação à dor, dormência e parestesia medidos pela escala analógica visual - de 0 (ausente) a 10 (o mais forte possível).
Estado do tecido mole após o acoplamento do processador (ativação).
Informações sobre a condição da pele e queixas relacionadas foram registradas no 10º dia após a cirurgia, um mês após a cirurgia (entre 4-6 semanas, no dia da ativação do processador) e três meses após o implante. Além disso, no caso de um problema na área operada, todos os pacientes tiveram a possibilidade de ter uma consulta complementar a qualquer momento após a cirurgia.
Durante a cirurgia, 96% dos pacientes receberam anestesia local e 4% anestesia geral (cinco casos: três primeiras cirurgias, uma criança e um paciente com epilepsia). O sistema foi implantado no lado direito em 58 casos (46,8%) e no lado esquerdo em 67 (53,2%). O tempo médio de cirurgia (da anestesia local ao curativo final) foi de 42 minutos (variou de 25 a 70) e dependeu da necessidade de redução de tecido mole e polimento ósseo (sem redução e sem polimento - 39,4 minutos, com redução e polimento - 46,5, apenas redução - 41,7, apenas polimento - 46,5). Uma incisão típica em forma de C foi feita em todos os casos. Houve necessidade de redução de tecido mole em 43,2% dos pacientes, polimento ósseo em 23,2% e uso de coagulação bipolar em todos os casos. Diversos problemas relacionados à cirurgia foram observados em 12,1% dos pacientes (15 casos): 1) Sangramento de uma veia emissária (três casos); 2) Sangramento cortical intenso do osso (três casos); 3) Espessura óssea < 3 mm no local do implante primário, requereu novo posicionamento sem incisões adicionais na pele (três casos); 4) Osso muito esponjoso no local do implante primário (cinco casos, uma nova perfuração óssea foi feita em três deles); 5) Célula pneumatizada no local do implante primário, o que exigiu uma nova perfuração (um caso).
A cicatrização transcorreu sem complicações em 92,8% dos casos; 7,2% dos pacientes (casos com redução de tecido mole) foram diagnosticados com hematoma no dia seguinte à cirurgia, que foi tratado com sucesso por drenagem e compressão nos dias seguintes. Na primeira consulta no pós-operatório (10 dias após a cirurgia), dor foi relatada por 48% dos pacientes, dormência por 84% e parestesia por 15,2%. Durante a segunda consulta de seguimento (4-6 semanas), a dor estava presente em 18,4%, a dormência em 60% e a parestesia em 11,2% dos pacientes. Três meses após a cirurgia, dor foi relatada por 2,4%, dormência por 17,6% e parestesia por 1,6% dos pacientes. A intensidade média de dor, dormência e parestesia durante a primeira, segunda e terceira consultas é apresentada na tabela 2.
Tabela 2 Intensidade média da dor, dormência e parestesia medida pela escala visual analógica (de 0 a 10) no grupo de pacientes implantados
Primeira consulta (10 dias após a cirurgia) | Segunda consulta (4 a 6 semanas após a cirurgia) | Terceira consulta (3 meses após a cirurgia) | |
---|---|---|---|
Dor | 1,02 | 0,27 | 0,05 |
Dormência | 3,04 | 1,35 | 0,27 |
Parestesia | 0,48 | 0,14 | 0,02 |
Após o implante do processador, nenhum problema grave foi observado nos pacientes durante as consultas de seguimento. No entanto, em 9,6% dos pacientes, observou-se leve vermelhidão e/ou leve dor sobre o ímã. Em todos esses casos, foi aconselhada a redução da potência do ímã ou a limitação no uso diário do processador, o que levou à resolução dos problemas.
Dispositivos que usam condução óssea têm sido implantados com sucesso há muitos anos e hoje em dia vários sistemas com pilar percutâneo de fixação ou atração magnética são usados em todo o mundo, juntamente com diferentes técnicas cirúrgicas. Nosso estudo diz respeito à implantação do sistema Baha® Attract - o dispositivo que foi introduzido em 2013 e, até onde sabemos, o que apresenta a maior série de pacientes operados em um único departamento descrita até agora.
Diferentemente de Işeri et al., Briggs et al. e Hougaard et al., que fizeram cirurgia exclusiva ou principalmente sob anestesia geral,7-9 96% dos pacientes em nosso estudo foram operados sob anestesia local. Como os dados pós-operatórios mostram, essa abordagem se mostrou segura e adequada para a maioria dos pacientes adultos. O tempo médio de cirurgia em nosso estudo foi de 42 minutos e foi semelhante aos descritos na literatura, que variaram entre 37 e 57 minutos.7-11 Todas as nossas cirurgias foram feitas com incisão consistente com o Surgical Quick Guide do sistema Cochlear Baha® Attract; no entanto, a literatura descreve algumas modificações dessa incisão ou uma incisão linear bem diferente.12,13 A redução de tecido mole em nosso estudo foi necessária em 43,2% dos pacientes e foi significativamente maior em comparação com a relatada anteriormente, que variou entre 11,1% e 31,2%.8,10,11 A discrepância pode ser explicada apenas pelas diferenças individuais na espessura da pele e do tecido subcutâneo. O estudo apresentado por Wróbel et al., que usou o exame ultrassonográfico da espessura da pele na região retroauricular, revelou uma correlação positiva entre a espessura da pele e o peso e o índice de massa corpórea (IMC), mas apenas até certo limite.14 No caso da cirurgia de implantação do sistema Baha® Attract, a decisão sobre a redução de tecidos moles depende dos resultados das medições diretas desses tecidos com o uso de uma ferramenta específica. O polimento ósseo em nosso grupo foi feito em 23,2%, e foi inferior ao relatado anteriormente (30% a 41,6%).7,11 Em nossa opinião, é o resultado da experiência que permite escolher o local ideal para o implante e o ângulo ideal de perfuração. O estudo revelou outros problemas cirúrgicos em 12,1% dos pacientes, que são relatados na literatura de forma muito limitada. Esses incluem sangramentos, morfologia óssea (condição) e espessura óssea. Apenas Hougaard et al. descreveram que usaram um implante de 3 mm nos casos em que a dura-máter foi exposta após perfuração de 3 mm.9
Nenhuma grande complicação pós-operatória foi observada e a cicatrização transcorreu sem intercorrências na maioria dos casos. Entretanto, em 7,2% dos pacientes, um pequeno hematoma foi observado no dia seguinte à cirurgia. Da mesma forma, estudos prévios relataram hematoma ou seroma tratados com sucesso no pós-operatório por meio de drenagem e curativo.7,10,15
A dor e a dormência observadas em nosso estudo são típicas após a cirurgia de implantação do sistema Baha® Attract e foram relatadas anteriormente. Carr et al. observaram dor leve em 30% e dormência em 80% dos pacientes implantados.11 Dimitriadis et al. concluíram que a dormência da pele acima da incisão em forma de C é uma complicação comum, mas a reinervação ocorre com o tempo e o local dormente diminui em tamanho.12 Briggs et al. relataram dormência no período inicial de adaptação (a 4ª semana) em 62,9%, mas após o 3º mês a dormência estava presente em apenas 25,9%.8
Apesar da recuperação pós-operatória sem complicações e da cicatrização da pele, podem ocorrer problemas no lado do implante após a conexão do processador. Eles geralmente são causados por um ímã externo muito forte. Atualmente, existem seis potências de ímãs disponíveis no mercado. A escolha da força do ímã para o paciente é subjetiva, depende da estabilidade da atração, do conforto do paciente e da experiência pessoal do cirurgião. Portanto, em alguns casos é necessário alterá-lo ao longo do tempo. Sensibilidade, vermelhidão ou dor no lado do implante, exige redução ou limitação da potência do ímã no uso diário, foram descritos na literatura.8,10,13,15 Reddy-Kolanu et al. observaram sensibilidade no lado do implante em 17,6%, dos casos.13 Dimitriadis et al. relataram sensibilidade e vermelhidão da pele em 3,8%,3 Iseri et al., dor em 18,7% e vermelhidão com dor em 6,2%,10 e Briggs et al., eritema leve em 14,8% dos pacientes.8 Na maioria desses estudos, o seguimento após o implante Baha® Attract foi menor do que um ano; portanto, a avaliação do efeito em longo prazo da atração magnética sobre a condição do tecido mole requer mais estudos. Além disso, foram descritas em casos individuais13,16,17 infecção grave no lado do implante ou necrose da pele sobre o ímã, leva à necessidade de remoção dele e conversão adicional para conectar o sistema após a cicatrização da ferida. Todas essas complicações graves foram observadas em um curto período após a conexão do processador (período inicial de adaptação) e foram causadas por um ímã externo muito forte. Isso indica que a potência adequada do ímã e os cuidados adequados nas primeiras semanas de uso do dispositivo são cruciais para evitar problemas com os tecidos moles.
Em nosso estudo, observou-se leve vermelhidão e/ou leve dor sobre o ímã após a ativação do processador em 9,6% dos casos, o que foi resolvido após o tratamento habitual, sem complicações graves. No entanto, o tempo de observação é curto e há necessidade de maior seguimento e registro de quaisquer efeitos adversos resultantes da compressão dos ímãs.
A implantação do sistema Baha® Attract é um procedimento fácil e seguro. Pode ser feito sob anestesia local em adultos. Não há grandes problemas ou complicações cirúrgicas e, na maioria dos pacientes, o processo de cicatrização é bastante eficiente. A dor pós-operatória é geralmente leve, diminui gradualmente nos meses seguintes. A dormência em uma área operada é frequente, mas como a reinervação ocorre com o tempo, a área dormente diminui de tamanho e finalmente desaparece por completo na maioria dos casos.