versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.8 no.1 São Paulo jan/mar. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1342
A vídeo-histeroscopia tornou-se, nos últimos anos, um excelente método propedêutico em Ginecologia, sendo considerada a abordagem padrão-ouro para as patologias intrauterinas. O desenvolvimento tecnológico associado à melhora do treinamento e à capacidade médica tornou a histeroscopia um método simples, seguro e altamente preciso para acessar o canal cervical, a cavidade uterina e o óstio tubário, sendo realizada com o mínimo de desconforto para as pacientes em consultórios ou ambulatórios(1).
As principais indicações para esse procedimento são sangramento uterino anormal, infertilidade, abortos repetidos, diagnóstico e acompanhamento da hiperplasia endometrial e estadiamento do câncer endometrial, identificação de corpos estranhos, investigação de patologias intrauterinas suspeitas em outros exames, controle pré e pós-operatório de cirurgias histeroscópicas e esterilização tubária por canalização das tubas com cateter. A técnica não tem contraindicações absolutas, mas, em geral, não é indicada em casos de doença pélvica inflamatória aguda, cervicite mucopurulenta, após perfuração uterina recente e, em caso suspeito ou confirmado de gravidez, quando os riscos e benefícios devem ser considerados(2–3). A histeroscopia tem 98% de sensibilidade na investigação da cavidade uterina em comparação a apenas 65% da curetagem, oferecendo as vantagens do cuidado ambulatorial, sem necessidade de anestesia geral, reduzindo, assim, o tempo e os custos para o médico, o paciente e o sistema de saúde(4). Apesar da grande aceitação pelos médicos, é muito importante saber se as pacientes toleram bem o procedimento, uma vez que a principal limitação é o fato de ser um exame invasivo e que pode causar dor e desconforto.
Considerando cada componente isolado envolvido na causa da dor, começa com o reflexo vaginal quando o espéculo é introduzido, seguido pela limpeza cervical e a tração com o tenáculo. Próximo ao istmo, encontra-se disposto um grande número de terminações neurais, justificando porque esse é o local mais doloroso. O amadurecimento cervical é outra causa importante de dor e depende do diâmetro da lente óptica, aumentando a dor com o aumento da lente. Terminações nervosas também estão presentes no miométrio e podem causar dor quando a cavidade é distendida com CO2. A biópsia realizada para a obtenção de uma amostra endometrial, dependendo da técnica, pode ser tão dolorosa ou mais do que o próprio exame(1,4–5).
Durante e imediatamente após a realização da histeroscopia, as pacientes podem referir dor hipogástrica semelhante à da menstruação, especialmente aquelas submetidas a pressões intracavitárias elevadas ou rápida distensão uterina. A abertura do óstio tubário pode ocorrer quando a pressão de distensão ultrapassa 75 a 100 mmHg e o CO2 entra na cavidade peritoneal, sendo ocasionalmente referida como dor no ombro causada pela irritação do diafragma e nervo frênico(4–5).
O objetivo deste estudo foi avaliar a aceitação das pacientes quanto à histeroscopia diagnóstica ambulatorial, medida por uma escala verbal de dor e a concordância para ser submetida ao mesmo exame novamente, se necessário.
Um estudo de coorte do tipo prospectivo observacional foi conduzido no Hospital do Servidor Público Estadual “Francisco Morato de Oliveira” (HSPE-FMO), um hospital-escola público de São Paulo, Brasil, entre 1º de Abril de 2005 e 21 de Julho de 2006. Foram incluídas mulheres encaminhadas ao Departamento de Endoscopia Ginecológica com a indicação de serem submetidas à histeroscopia (suspeita de doenças endometriais) e que preencheram os seguintes critérios: idade acima de 18 anos, sem contraindicações ao exame e que concordaram em participar do estudo assinando um consentimento informado por escrito.
Todos os exames foram realizados por um dos dois médicos especialistas, sem analgesia ou anestesia, em um consultório ambulatorial apropriado. O procedimento foi realizado com a abordagem padrão, começando em posição de litotomia com exposição cervical com espéculo e tração do lábio anterior com tenáculo. Um histeroscópio rígido com lente Storz Hamou II (óptica 4 mm, 30º, dentro de uma bainha de 5 mm) foi introduzido sob visão direta na cavidade uterina. O dióxido de carbono foi o meio de distensão com a pressão controlada por um histeroinsuflador, mantida entre 50 e 75 mmHg, com a taxa de fluxo de 50 ml/min. A imagem foi transmitida em tempo real para um monitor, permitindo que médicos, enfermeiros e o paciente assistissem ao exame. Foi coletada amostra endometrial apenas quando necessário (achados histeroscópicos de doença), sendo orientada e realizada com uma cureta de Novak de 3 a 5 mm ao final.
Antes do início do procedimento, todas pacientes responderam a um questionário sobre o exame, se sabiam o motivo pelo qual ele foi indicado, como seria realizado e quanta dor elas supunham que o exame poderia causar. Imediatamente após o término do exame, as pacientes eram interrogadas novamente sobre a dor que apresentaram durante o exame e se concordariam em repetir o exame em outra ocasião, se necessário. A pontuação da dor foi quantificada com o uso da escala verbal de dor graduada de 0 (sem dor) a 10 (a pior dor que já teve), na qual a pontuação entre 0 e 4 indicava dor mínima; 5 e 7, dor moderada; e 8 e 10, dor de forte intensidade.
O cálculo da amostra foi realizado considerando um desvio padrão de 2,7 pontos(6) para detectar a variação mínima na escala verbal da dor (1,0) com significância estatística definida como p = 0,05 e poder do estudo igual a 95%. Esse cálculo resultou em 43 pacientes e, assim, 58 pacientes foram distribuídos aleatoriamente por conveniência.
As variáveis estudadas foram: idade, número de gestações, paridade, estado de pós-menopausa, história de parto vaginal, história de cirurgia uterina (incluindo cesariana, curetagem, conização e cirurgias histeroscópicas), necessidade de amostras de endométrio, satisfação com o exame e pontuação de dor. Todos os dados foram analisados com o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 15.0. As variáveis quantitativas foram inicialmente avaliadas quanto à homogeneidade e distribuição; mediana, média e desvio padrão foram definidos. Foram avaliadas as frequências absoluta e relativa das variáveis qualitativas. O teste t de Student foi usado para comparar as médias nas amostras independentes.
O Comitê de Ética em Pesquisa do HSPE-FMO aprovou este estudo.
O estudo incluiu 58 pacientes com as características listadas na tabela 1. A média de idade foi 53 anos; 33,3% das pacientes estavam na pós-menopausa e nenhuma delas usava terapia de reposição hormonal. Duas pacientes (3,4%) eram nulíparas e foram excluídas no cálculo da paridade média. A média de gestações foi de 2,81 (variação entre 1 e 13) e de partos foi 2,37 (variação entre 1 e 5). Quanto ao tipo de parto, 58,9% tiveram pelo menos uma cesariana e 66,1% tiveram pelo menos um parto vaginal. História positiva de cirurgia uterina em 60,3% e a biópsia endometrial foi realizada em 32 pacientes (62,1%).
Tabela 1 Características das pacientes e da histeroscopia ambulatorial (n = 58), HSPE, São Paulo, 2005-2006
Características | Média (desvio padrão, variação) |
---|---|
Idade (anos) | 50,93 (12,6; 21-86) |
História gestacional | |
Gestação* | 2,81 (1,75; 1-13) |
Paridade* | 2,37 (1,07; 1-5) |
Duração da menopausa (anos)† | 16 (11,41; 1-41) |
*Exceto nulíparas (n = 56);† inclui apenas pacientes na pós-menopausa (n = 19) |
Características | n (%) |
---|---|
Nulíparas | 2 (3,3) |
Estado genital | |
Pós-menopausa | 19 (32,8) |
Pré-menopausa | 38 (67,2) |
Parto vaginal prévio (um ou mais)* | 37 (63,8) |
Cesariana prévia (uma ou mais)* | 33 (58,9) |
Cirurgia uterina prévia | 35 (60,3) |
Histeroscopia prévia | 10 (17,2) |
Sabe como o exame é realizado | 14 (24,1) |
Necessidade de biópsia | 36 (62,1) |
Dificuldade técnica | 10 (17,2) |
Exame satisfatório | 52 (89,7) |
Aceitação da paciente em repetir o exame | 53 (91,4) |
n = 58
*Exceto nulíparas, n = 56.
Apenas 16 (24,1%) das mulheres sabiam como o exame seria realizado, mas 54 (93,1%) acreditavam que ele seria importante para ajudar na definição do diagnóstico. O exame foi considerado satisfatório em 52 (89,7%) pacientes e 53 (91,4%) disseram que repetiriam o exame, se necessário.
A pontuação de dor foi semelhante antes e após o exame, com média de dor esperada igual a 6,05 (DP = 2,39) e média de dor relatada igual a 6,1 (DP = 2,34), valor de p = 0,91 (Não significativo). As pacientes foram estratificadas de acordo com os possíveis fatores determinantes da dor (Tabela 2). Quando estratificadas de acordo com o estado pós-menopausa, as médias da pontuação de dor foram iguais a 6,47 antes e 5,81 após, com diferença estatisticamente não significativa. Também não houve diferença em pacientes com antecedente de cirurgia uterina. A necessidade de biópsia mudou a pontuação média de dor de 5,3 para 6,38 (p = 0,06), com tendência a aumento, mas ainda não significativo.
Tabela 2 Escala média da dor após histeroscopia estratificada de acordo com as características da paciente e do exame, HSPE, São Paulo, 2005-2006
Características | Escala média da dor (escala verbal analógica 0-10) | ||
---|---|---|---|
Sim | Não | Valor de p* | |
Aceitação em repetir o exame | 5,79 | 9,40 | 0,003 |
Parto vaginal prévio | 5,54 | 7,10 | 0,03 |
Pós-menopausa | 6,47 | 5,81 | 0,08 |
Histeroscopia prévia | 7,30 | 5,85 | 0,12 |
Sabe como o exame é realizado | 5,42 | 6,31 | 0,28 |
Necessidade de biópsia | 6,39 | 5,64 | 0,30 |
Cirurgia uterina prévia | 5,60 | 6,15 | 0,66 |
*Teste t de Student (bicaudal), significância considerada p < 0,05
As pacientes que concordaram em realizar o mesmo exame novamente, caso fosse necessário, apresentaram menor pontuação de dor, com média de 5,79, em comparação àquelas que não repetiriam o exame (média de 9,4, p = 0,03).
O único fator independente envolvido na diminuição da pontuação da dor com significância estatística foi o antecedente de parto vaginal (p = 0,03), diminuindo a média de dor relatada após o exame de 7,1 (no grupo de nulíparas ou apenas com cesarianas) para 5,54 no grupo que teve pelo menos um parto normal.
A histeroscopia diagnóstica ambulatorial e a amostra endometrial substituíram a curetagem como método de investigação padrão-ouro para o sangramento uterino anormal e as alterações endometriais, proporcionando uma avaliação precisa da cavidade intrauterina, além de todas outras vantagens óbvias da não necessidade de anestesia ou hospitalização(6).
De acordo com vários autores, a dor é o principal fator limitante do procedimento ambulatorial e uma das causas da menor precisão do exame, algumas vezes levando a resultados insatisfatórios(1,4-5).
No presente estudo, a pontuação média de dor referida após o exame foi considerada moderada, de acordo com a classificação de dor: dor mínima (entre 0 e 4), moderada (4,1 a 7) e intensa (7,1 a 10)(7). Essa pontuação foi maior do que a publicada por alguns autores, provavelmente porque foram utilizados, em todas as pacientes, a óptica com diâmetro de 5 mm e o tenáculo como protocolo de pesquisa padrão(8). Cicinelli(9) demonstrou que o histeroscópio de pequeno diâmetro tem grande valor para reduzir a dor e o reflexo vagal. Morgan et al., em um estudo realizado após a histeroscopia, relataram que 45% das mulheres classificam a dor como moderada ou grave e, apesar disso, a maioria preferiu repetir o exame no ambulatório em razão do retorno mais rápido às atividades diárias e para evitar a anestesia geral(10–11).
Vários estudos tentaram sem sucesso encontrar um método eficiente de analgesia sem hospitalização. Uma grande parte do desconforto atribuído ao exame é causada pela contração uterina; assim, foi suposto que os inibidores da síntese de prostaglandinas poderiam reduzir a dor, mas quando o ácido mefenâmico foi usado uma hora antes do exame, o desconforto era semelhante ao do grupo placebo durante o procedimento, sendo significativo apenas após o mesmo(12). Resultados semelhantes foram encontrados com o uso de tramadol via intravenosa e buprenorfina via sublingual(13-14).
Alguns autores estudaram anestesia local intrauterina com lidocaína diluída em solução salina – isolada ou combinada com anestesia cervical – e afirmaram que tal procedimento pode ser ainda muito mais doloroso do que o próprio exame(4,15). A anestesia paracervical, não reduz a dor e também pode causar sangramento, apesar do risco de injeção intravascular levar à bradicardia e à hipotensão arterial(4,12).
Readman e Maher(4), em uma revisão da literatura incluindo 10.232 pacientes submetidas à histeroscopia ambulatorial, relatam que não houve aumento da taxa de sucesso do exame com quaisquer dos protocolos de analgesia, e a taxa de aceitação variou entre 83 e 93% na população do estudo.
No presente estudo, o exame foi considerado insatisfatório quando a cavidade uterina não era alcançada ou a sua visualização não era suficientemente boa para permitir uma conclusão; isto ocorreu em seis exames e as causas foram sangramento em quatro pacientes, problemas técnicos com má luminosidade e uma via falsa. A taxa de sucesso do presente estudo foi semelhante às encontradas na literatura, as quais variam entre 69 e 100%; as principais causas de falha descritas em artigos e revisões são dor, estenose cervical e má visualização(4).
Apesar de alguns autores considerarem o estado pós-menopausa como fator preditivo do aumento da dor, encontram-se resultados semelhantes nesse grupo em comparação àqueles durante a menacme(5).
Um dado relevante foi que a pontuação média da dor após o exame foi estatisticamente menor nas pacientes com pelo menos um parto vaginal e, apesar de que seria óbvio, isto não foi verificado em outros estudos(4).
Com base na hipótese de que um canal cervical maior e de consistência mais mole poderia ajudar a evitar a dor, alguns autores usaram misoprostol antes do exame, mas os resultados não mostraram benefícios(15).
A amostragem endometrial é considerada um momento de grande desconforto, algumas vezes pior do que a própria histeroscopia(16). As mulheres deste estudo apresentaram um aumento da pontuação da dor, ainda não estatisticamente significativo, mas, pelo fato de a biópsia ter sido realizada em apenas 62,1% do grupo e este estudo não ter sido desenhado para avaliar a biópsia como principal fator, provavelmente o grupo de amostras não foi suficientemente grande para medir o efeito daquele desfecho(4).
Supõe-se que o exame poderia ter maior aceitação se as pacientes recebessem a explicação detalhada do método, o que reduziria a ansiedade e a expectativa(6,12), mas este estudo mostrou que as pacientes informadas previamente pelos seus médicos sobre o procedimento não apresentaram qualquer alívio do desconforto. As pacientes já submetidas à histeroscopia uma vez e que conheciam todas as etapas do exame relataram ainda mais dor do que as pacientes submetidas ao exame pela primeira vez.
Cinco pacientes disseram que não repetiriam o exame e todas apresentaram dor intensa, com pontuação média de 9,4. Excluindo essas pacientes do estudo, a pontuação média da dor no grupo cai para 5,7.
É bastante provável que, se fosse usada óptica de pequeno diâmetro e se o exame fosse realizado sem a necessidade de tração cervical com o tenáculo, a dor seria menor. Artigos recentes demonstram que o uso de solução salina como meio de distensão em vez do gás dióxido de carbono reduz a dor e que a abordagem da vaginoscopia desenvolvida por Bettocchi et al., sem a necessidade do uso de espéculo ou tenáculo, parece ser bem tolerada pelas pacientes(1,4,6,17–21).
A histeroscopia ambulatorial com gás pode estar associada ao desconforto moderado, mas tolerável (pontuação média da dor igual a 6 na escala de dor entre 0 e 10, com 91,4% de aceitação em repetir o exame), com resultados satisfatórios.