versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.43 no.3 São Paulo mai./jun. 2017 Epub 23-Jan-2017
http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562016000000033
A fadiga é uma queixa subjetiva de pacientes com diversas doenças crônicas e pode afetar o desempenho no trabalho e as atividades de vida diária, bem como as responsabilidades sociais e familiares.1 A fadiga relacionada ao câncer estaria na faixa de 70-80%.1-3 A fadiga mais grave é relatada entre pacientes com câncer de pulmão (CP) e persiste por vários meses ou anos após o término do tratamento, tendo grande impacto negativo na qualidade de vida desses pacientes.4-7
A patogênese da fadiga relacionada ao câncer é pouco compreendida. Na tentativa de explicar a fadiga, foram desenvolvidos modelos baseados tanto em aspectos fisiológicos quanto psicológicos. Os mecanismos envolvem efeitos do câncer ou de seu tratamento no sistema nervoso central, metabolismo energético muscular, sono/ritmos circadianos,8,9 mediadores de inflamação,10 estresse,10 ativação imune11 e alterações hormonais relacionadas a efeitos no eixo hipotálamo-hipofisário.12-14 A ativação imune tem sido associada a fadiga e depressão em pacientes com câncer ou outras doenças crônicas.15,16 Por isso, uma melhor compreensão da fadiga relacionada ao CP e de sua correlação com biomarcadores, função física e parâmetros psicológicos é importante para permitir intervenções mais personalizadas.
A fadiga é também um dos sintomas mais frequentemente relatados por pacientes com doenças cardíacas crônicas (DCC). As causas de fadiga na insuficiência cardíaca incluem baixo débito cardíaco, baixa perfusão tecidual, anormalidades metabólicas musculares, anormalidades do sistema nervoso autônomo, efeitos descondicionantes e disfunção endotelial.17,18
A fatiga é mais frequentemente avaliada por meio de questionários de autorrelato.2-5 A Escala de Identificação e Consequências da Fadiga (EICF) é um questionário abrangente e validado que identifica os níveis de energia dos pacientes e é apropriada para identificar as consequências tanto mentais quanto comportamentais da fadiga relacionada ao câncer.19,20 O objetivo deste estudo foi avaliar as propriedades de medida da EICF, bem como a intensidade da fadiga e os fatores associados, em pacientes com CP. Até onde sabemos, este é o primeiro estudo a avaliar a fadiga utilizando a EICF em pacientes com CP. Como a EICF é um questionário de fadiga genérico, ela permite fazer comparações entre diferentes populações de pacientes.
Trata-se de um estudo transversal com 50 pacientes consecutivos anteriormente diagnosticados com CP de células não pequenas (grupo CP) encaminhados ao ambulatório de um hospital-escola na cidade de Fortaleza (CE) para estadiamento e potencial tratamento cirúrgico. Foram excluídos os pacientes que não conseguiram compreender a escala, bem como aqueles com doenças neurológicas, vasculares ou musculoesqueléticas que limitassem sua capacidade de realizar o teste de caminhada de seis minutos (TC6). Além disso, dois outros grupos, pareados por idade e sexo, foram estudados para comparação: 50 pacientes com DCC recrutados do ambulatório de cardiologia do mesmo hospital-escola (grupo DCC); e 50 voluntários saudáveis de um centro comunitário local para idosos (grupo controle).
Todos os participantes com CP foram inicialmente avaliados para a determinação de parâmetros demográficos e clínicos relevantes. O estadiamento do CP foi obtido dos prontuários médicos dos pacientes. Todos os pacientes com CP foram submetidos a espirometria, realizaram o TC6, preencheram questionários/escalas (ansiedade e depressão, fadiga, sonolência diurna e qualidade de vida relacionada à saúde) e foram submetidos a dosagem sérica de proteína C reativa (PCR). Questionários específicos foram preenchidos em entrevista presencial por dois investigadores médicos. Estabeleceu-se um equivalente metabólico da PCR para a determinação da validade da EICF, pois levantamos a hipótese de que a fadiga estava associada a inflamação. Os participantes dos grupos DCC e controle preencheram a EICF apenas uma vez.
A EICF é uma ferramenta de autorrelato com 31 itens que avalia cinco domínios de fadiga (sensação de fadiga, sensação de vigor, impactos na concentração, impactos na energia e impactos nas atividades diárias) e fornece duas pontuações resumidas: experiências de fadiga e impactos da fadiga.19
A pontuação de “experiências de fadiga” é a média das pontuações nas subescalas “sensação de fadiga”, “sensação de vigor” e “impactos na concentração”. A pontuação de “impactos da fadiga” é a média das pontuações nas subescalas “impactos na energia” e “impactos nas atividades diárias”. Para os itens dos domínios “sensação de fadiga”, “sensação de vigor”, “impactos na energia” e “impactos na concentração”, as âncoras são “Nunca” (pontuação = 0); e “Quase nunca”, “Algumas vezes”, “Várias vezes”, “Muitas vezes” e “Sempre” (pontuação = 5). Para os itens do domínio “atividades diárias”, as âncoras são “Nunca” (pontuação = 0); e “Só ocasionalmente”, “Às vezes, porém menos que o habitual”, “Quase tão frequente como de costume” e “Como de costume” (pontuação = 4). Para dois itens da subescala “impactos na energia” (“Eu consegui muito pouco no dia a dia.” e “Eu não tive energia para fazer as coisas que normalmente eu faço.”), as pontuações são classificadas da seguinte forma: 0 = “Concordo plenamente”; 1 = “Concordo”; 2 = “Neutro”; 3 = “Discordo”; e 4 = “Discordo plenamente”. As pontuações são expressas como uma porcentagem da máxima pontuação possível disponível para cada participante. Neste estudo, utilizamos a versão brasileira da EICF.
Primeiro, a versão em inglês da EICF foi traduzida para o português do Brasil, de forma independente, por dois dos investigadores. As duas traduções foram comparadas até se chegar a uma versão de consenso. Essa versão foi aplicada a uma pequena amostra de cinco pacientes com CP para avaliação da clareza e para garantir que nenhum dos termos ou situações do questionário fosse considerado obscuro ou de difícil compreensão. Essa versão brasileira foi então retrotraduzida para o inglês por um tradutor que não tinha conhecimento sobre a escala original. O autor da escala original avaliou a retrotradução, que foi discutida com os investigadores, e obteve-se então a versão final. A versão final (Anexo) foi aplicada aos participantes do presente estudo. O anexo encontra-se disponível no site do JBP (http://jornaldepneumologia.com.br/detalhe_anexo.asp?id=50).
Para testar a confiabilidade interobservador da versão brasileira da EICF, o instrumento foi aplicado aos pacientes com CP duas vezes por dois avaliadores, com intervalo de 30 minutos, durante a primeira visita (V1). A segunda visita (V2) ocorreu 7 dias após a V1, e a EICF foi novamente aplicada aos mesmos pacientes por apenas um dos avaliadores para testar a confiabilidade intraobservador. Optamos por um intervalo de 7 dias porque era mais prático para os participantes que moravam fora da cidade de Fortaleza e para aqueles que tinham iniciado a quimioterapia. Um intervalo de 7 dias entre as visitas também foi utilizado em outros estudos de confiabilidade intraobservador.21 Todas as outras avaliações foram realizadas na V1.
A Fatigue Severity Scale (FSS)22 é uma escala Likert de 7 pontos na qual 1 significa “Discordo plenamente” e 7 significa “Concordo plenamente”. Pontuações mais altas indicam fadiga mais grave. No presente estudo, utilizamos a versão da FSS validada para uso no Brasil.23
Sintomas de depressão e estados de ansiedade foram avaliados utilizando-se a Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS). Essa escala é composta por 14 itens, dos quais 7 são voltados para a avaliação da ansiedade (subescala HADS-A) e 7, para a depressão (subescala HADS-D). Cada item pode ser pontuado de 0 a 3, sendo que a pontuação máxima em cada subescala é de 21 pontos. Essa escala foi selecionada por ter sido especificamente desenvolvida para avaliar ansiedade e depressão em pacientes clinicamente enfermos; por isso, ela exclui itens relacionados a sintomas somáticos.24 Utilizamos a versão da HADS validada para uso no Brasil.25
O Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey (SF-36) é um questionário de estado de saúde autorrelatado. Ele consiste em oito pontuações escalares que são as somas ponderadas das questões em cada seção. Cada escala é diretamente transformada em um escala de 0-100 sob o pressuposto de que cada questão tem igual peso. Pontuações mais baixas indicam maior incapacidade. O SF-36 foi traduzido e adaptado para uso no Brasil.26
A Epworth Sleepiness Scale (ESS) é um instrumento simples e confiável que tem sido amplamente utilizado para medir a sonolência diurna; utilizamos a versão da ESS traduzida para o português e adaptada para uso no Brasil.27 Os indivíduos são solicitados a classificar a probabilidade de adormecerem em uma escala crescente de probabilidade (de 0 a 3) para 8 situações diferentes nas quais a maioria das pessoas se encontra durante as atividades de vida diária. As pontuações para as oito questões são somadas para se obter um único número.28
A espirometria foi realizada de acordo com Miller et al.29 As medidas incluíram VEF1, CVF e relação VEF1/CVF. Os resultados foram comparados com valores de referência estabelecidos por Pereira et al.30
O TC6 é um teste padronizado simples e prático para a avaliação da capacidade de exercício. A distância percorrida no TC6 (DTC6) é definida como a distância que o pacientes consegue percorrer rapidamente em uma superfície plana e rígida no período de seis minutos.31 O teste foi realizado em ambiente interno, em um corredor 30 m, reto e plano. Os participantes foram instruídos a caminhar o mais rápido possível de uma extremidade à outra do corredor tantas vezes quanto possível. A DTC6 foi então medida.
Os dados foram analisados estatisticamente com o programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 17.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Utilizamos análise descritiva e frequências para a avaliação das características da amostra. O teste H de Kruskal-Wallis foi utilizado para comparar as pontuações da fadiga nos três grupos. Utilizamos o coeficiente de correlação intraclasse (CCI) para a análise de reprodutibilidade da aplicação e reaplicação da EICF (V1 vs. V2). O teste de Wilcoxon foi utilizado para comparar as pontuações obtidas a partir da aplicação da EICF pelo mesmo avaliador em V1 e V2. As distribuições gráficas de Bland-Altman foram utilizadas para melhorar a visualização da confiabilidade teste-reteste obtida a partir das diversas aplicações da EICF. A consistência interna da EICF foi avaliada pelo coeficiente alfa de Cronbach. Para validar a EICF, utilizamos o teste de correlação de Spearman para avaliar a força das correlações entre as pontuações na mesma e as obtidas na FSS, HADS, SF-36 e ESS, e também a DTC6, valores espirométricos e níveis de PCR. A correção de Bonferroni foi utilizada para comparações múltiplas para alterar o valor de p para um valor mais rigoroso a fim de reduzir a probabilidade de erro tipo I. O nível de significância adotado foi de 5%. O tamanho da amostra (50 indivíduos) foi calculado com base na hipótese de correlação moderada (r = 0,5) entre o grau de fadiga medido pela EICF e o medido por outros instrumentos. Esse nível foi fixado em α bilateral = 0,05 e β = 0,20.
Este estudo foi realizado de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que estabeleceu os princípios éticos para as pesquisas em seres humanos, e foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição. Todos os pacientes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido antes de sua inclusão no estudo.
A amostra do estudo foi composta por 150 pacientes, 50 em cada grupo (CP, DCC e controle). As principais características dos pacientes do grupo CP estão resumidas na Tabela 1. O teste H de Kruskal-Wallis mostrou que houve diferença estatisticamente significativa nas pontuações de “experiências da fadiga” entre os três grupos - χ2(2) = 23,63; p = 0,001- com média da pontuação por categoria de 80,2 no grupo CP, 92,2 no grupo DCC e 51,6 no grupo controle (Tabela 2). O teste post hoc mostrou que não houve diferença entre os grupos CP e DCC quanto à variável resumida “experiências de fadiga” da EICF; ambos os grupos apresentaram maior nível de fadiga quando comparados ao grupo controle. Houve aumento progressivo na média por categoria das pontuações na variável resumida “impactos da fadiga” da EICF (χ2(2) = 41,74; p = 0,001). O teste post hoc mostrou que houve diferença significativa quando o grupo controle foi comparado aos grupos CP e DCC (p < 0,001 para ambos), e quando o grupo CP foi comparado ao grupo DCC (p < 0,001). Não foram observadas diferenças nas variáveis resumidas “experiências de fadiga” e “impactos da fadiga” da EICF quanto a sexo, idade (≤ 65 anos vs. > 65 anos), estadiamento do CP (estágios I/II vs. III/IV) ou quimioterapia.
Tabela 1 Características dos pacientes com câncer de pulmão no estudo (N = 50).a
Variáveis | Resultados |
---|---|
Idade, anosb | 60 ± 12,2 |
Sexo | |
Masculino | 27 (54) |
Feminino | 23 (46) |
Estágio do câncerb | |
I ou II | 24 (48) |
III ou IV | 26 (52) |
Quimioterapiac | |
Sim | 6 (12) |
Não | 44 (88) |
VEF1, % do previstob | 86,3 ± 19,8 |
CVF, % do previstob | 86,9 ± 17,8 |
DTC6, mb | 478,4 ± 104,6 |
IMC, kg/m2b | 25,9 ± 3,5 |
EICFd | |
Sensação de fadiga | 32 (12-44) |
Sensação de vigor | 45 (5-60) |
Impactos na energia | 35,7 (28,5-50,0) |
Impactos na concentração | 22 (8-40) |
Impactos nas atividades diárias | 14,3 (1,0-27,0) |
Variáveis resumidas da EICF | |
Impactos da fadigad | 24,3 (17,6-38,0) |
Experiências de fadigab | 31,9 ± 18,6 |
Epworth Sleepiness Scale b | 7,1 ± 3,8 |
MCS do SF-36b | 47,7 ± 13,3 |
PCS do SF-36b | 45,6 ± 8,4 |
Fatigue Severity Scale d | 23 (12-33) |
HADS-Ad | 5 (3-8) |
HADS-Dd | 4,5 (2,0-7,0) |
PCR, mg/ld | 2,9 (1,1-6,1) |
DTC6: distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos; EICF: Escala de Identificação e Consequências da Fadiga; MCS: mental component summary (resumo do componente mental); SF-36: Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey; PCS: physical component summary (resumo do componente físico); HADS-A: subescala de ansiedade da Hospital Anxiety and Depression Scale; HADS-D: subescala depressão da Hospital Anxiety and Depression Scale; e PCR: proteína C reativa. aValores expressos em n (%), exceto onde indicado. bValores expressos em média ± dp. cNo dia da avaliação, esses pacientes estavam sendo avaliados para um potencial tratamento quimioterápico. dValores expressos em mediana (intervalo interquartil).
Tabela 2 Comparações entre os três grupos estudados (N = 50 para todos).
Variáveis | Grupos | p | ||
---|---|---|---|---|
Controle | Câncer de pulmão | Doenças cardíacas crônicas | ||
Sexo masculino, n (%) | 27 (54) | 27 (54) | 24 (50) | 0,8 |
Idade, anosa | 60,5 ± 12,2 | 60,4± 12,0 | 60,3 ± 12,2 | 0,9 |
EICF-experiências de fadigab | 51,6 | 80,2 | 92,2 | 0,001* |
EICF-impactos da fadigab | 47,5 | 73,7 | 103,7 | 0,001** |
EICF: Escala de Identificação e Consequências da Fadiga. aValor expresso em média ± dp. bValores expressos em média da pontuação por categoria. *Grupo controle vs. grupos câncer de pulmão e doenças cardíacas crônicas. **Grupo controle vs. grupos câncer de pulmão e doenças cardíacas crônicas; e grupo câncer de pulmão vs. grupo doenças cardíacas crônicas.
Não houve diferenças significativas entre as pontuações nas variáveis resumidas “experiências de fadiga” e “impactos da fadiga” da EICF obtidas pelo mesmo avaliador nas diferentes visitas (V1 = 30,9 ± 18,4; V2 = 31,8 ± 17,1; p = 0,8; e V1 = 28,1 ± 15,0; V2 = 25,3 ± 12,9; p = 0,3; respectivamente). Os CCI para a confiabilidade intraobservador (V1 vs. V2) para as mesmas variáveis resumidas foram de 0,94 (IC95%: 0,90-0,97) e 0,76 (IC95%: 0,57-0,86), respectivamente. Também não houve diferenças significativas entre os dois avaliadores do estudo para as pontuações das mesmas variáveis resumidas (30,9 ± 18,4 vs. 32,5 ± 19,8; p = 0,6; e 28,1 ± 15,0 vs. 28,2 ± 10,0; p = 1,0; respectivamente). Os CCI para a confiabilidade interobservador para as variáveis resumidas “experiências de fadiga” e “impactos da fadiga” da EICF foram de 0,94 (IC95%: 0,90-0,96) e 0,79 (IC95%: 0,64-0,88), respectivamente. Também foi identificada excelente confiabilidade inter e intraobservador nas disposições gráficas de Bland-Altman (Figuras 1 e 2). O coeficiente alfa de Cronbach para a EICF foi de 0,88 (IC95%: 0,82-0,92), indicando excelente consistência interna.
Figura 1 Disposições gráficas de Bland-Altman. Em A, análise intraobservador para experiências de fadiga: média = −0,98; LS = 15,24; LI = −17,00. Em B, análise intraobservador para impactos da fadiga: média = 2,78; LS = 25,15; LI = −19,58. LS: limite superior; and LI: limite inferior.
Figura 2 Disposições gráficas de Bland-Altman. Em A, análise interobservador para experiências de fadiga: média: −1,61; LS = 14,95; e LI = −18,18. Em B, análise interobservador para impactos da fadiga: média = −0,04; LS = 22,38; e LI = −22,46. LS: limite superior; e LI: limite inferior.
Houve correlações significativas das pontuações na FSS com as pontuações nas variáveis resumidas “experiências de fadiga” e “impactos da fadiga” da EICF (r = 0,60 e r = 0,52, respectivamente). As escalas de ansiedade e depressão correlacionaram-se significativamente com as variáveis resumidas “experiências de fadiga” (r = 0,43; p = < 0,01; e r = 0,60; p = < 0,01; respectivamente) e “impactos da fadiga” (r = 0,62; p = < 0,01; e r = 0,63; p = < 0,01; respectivamente). As mesmas variáveis resumidas correlacionaram-se negativamente com o resumo do componente mental do SF-36 (r = −0,55; p < 0,01; e r = −0,48; p = < 0,01; respectivamente). Após a correção de Bonferroni para comparações múltiplas, os níveis séricos de PCR apresentaram correlação positiva com a variável resumida “impactos da fadiga”. Porém, não foram encontradas correlações significativas com a pontuação na ESS (Tabela 3).
Tabela 3 Correlações da fadiga, medida pelas pontuações nas variáveis resumidas (experiências de fadiga e impactos da fadiga) da Escala de Identificação e Consequências da Fadiga, com outras variáveis estudadas.
Variáveis | Experiências de fadiga | Impactos da fadiga | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
r | p | p a | R | p | p* | |
Fatigue Severity Scale | 0,60 | < 0,001 | 0,007 | 0,52 | < 0,001 | 0,007 |
VEF1, % do previsto | 0,14 | 0,313 | 2,171 | 0,12 | 0,376 | 2,591 |
DTC6 | −0,16 | 0,261 | 1,827 | −0,09 | 0,950 | 6,651 |
HADS-A | 0,43 | 0,002 | 0,014 | 0,62 | < 0,001 | 0,007 |
HADS-D | 0,60 | < 0,001 | 0,007 | 0,63 | < 0,001 | 0,007 |
MCS do SF-36 | −0,55 | < 0,001 | 0,007 | −0,48 | < 0,001 | 0,007 |
PCS do SF-36 | 0,29 | 0,239 | 0,16 | 0,102 | 0,714 | |
Epworth Sleepiness Scale | 0,19 | 0,181 | 1,267 | 0,32 | 0,021 | 0,147 |
PCR, mg/l | 0,28 | 0,048 | 0,336 | 0,50 | < 0,001 | 0,007 |
DTC6: distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos; HADS-A: subescala de ansiedade da Hospital Anxiety and Depression Scale; HADS-D: subescala de depressão da Hospital Anxiety and Depression Scale; MCS: mental component summary (resumo do componente mental); SF-36: Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey; PCS: physical component summary (resumo do componente físico); e PCR: proteína C reativa. *Após correção de Bonferroni: α crítico = 0,048.
O presente estudo mostra que a versão brasileira da EICF apresenta excelente confiabilidade interobservador/intraobservador, alta consistência interna e boas correlações com parâmetros clínicos e psicológicos. A EICF distinguiu claramente as diferentes populações de pacientes.
Um problema para clínicos e pesquisadores é a escolha da escala de fadiga a ser utilizada. Certamente ainda há trabalho a ser feito no sentido da compreensão do fenômeno da fatiga e de como ele deve ser medido. A EICF foi escolhida pelos avaliadores porque é um instrumento multidimensional que captura múltiplas características e manifestações da fadiga.
No presente estudo, a EICF correlacionou-se com uma ampla gama de variáveis. A forte correlação entre a FSS e a EICF é notável, considerando-se que as mesmas foram desenvolvidas utilizando diferentes amostras de pacientes, e também que apresentam estruturas, layouts e formatos de resposta diferentes.
O resumo do componente mental do SF-36 correlacionou-se negativamente com ambas as variáveis resumidas da EICF. O motivo é que o resumo do componente mental do SF-36 inclui a subescala vitalidade, que aborda o nível de energia e a fadiga. Tang et al.32 mostraram uma associação entre o SF-36 e a fadiga medida pela FSS. A magnitude da correlação foi maior para o domínio vitalidade.
Ambas as variáveis resumidas da EICF correlacionaram-se com ansiedade e depressão. Nossos resultados são compatíveis com os de relatos anteriores que mostraram forte correlação entre depressão e fadiga.14,33 Uma característica marcante da depressão é a diminuição da motivação para fazer coisas que antes o paciente apreciava. Isso é abordado pelos itens da EICF (e.g., “Foi difícil para mim encontrar motivação para realizar as minhas atividades diárias.”).
Foi encontrada uma correlação notável entre fadiga e ansiedade. Isso pode ser explicado pelo fato de que pessoas com ansiedade são propensas a pânico, medo e outra respostas de estresse elevado que causam fadiga, aumentando os níveis de hormônios do estresse.34
Anteriormente, foram notadas correlações entre fadiga e distúrbios do sono em pacientes submetidos a radioterapia e cirurgia, bem como nos com diversos tipos de câncer, incluindo o CP.35 Em nosso estudo, sob o critério da correção de Bonferroni para comparações múltiplas, a fadiga não se correlacionou com sonolência diurna excessiva. Uma possível explicação pode ser o fato de que apenas alguns pacientes (10%) apresentaram sonolência diurna excessiva.
Constatamos que a presença de resposta inflamatória sistemática (evidenciada por elevados níveis circulantes de PCR) associou-se a aumento da fadiga. Foi demonstrado que algumas células cancerígenas secretam IL-6 e IL-8, que, por sua vez, induzem a produção de PCR.36 Anteriormente, de Raaf et al.37 observaram que dimensões da fadiga associaram-se a marcadores inflamatórios em diferentes grupos de pacientes com câncer. Decidimos realizar a dosagem de PCR porque a PCR é um biomarcador para o qual dosagens de rotina estão disponíveis na prática clínica.
No presente estudo, medimos a fadiga de forma multidimensional e encontramos correlação entre níveis de PCR e impactos da fadiga. Estudos anteriores mediram a fadiga de forma unidimensional e não conseguiram encontrar correlações significativas com marcadores inflamatórios.38,39 Esses estudos são controversos, e mais pesquisas são necessárias para investigar a relação entre concentrações séricas elevadas de marcadores inflamatórios e queixas subjetivas de fadiga.
Em contraste com os nossos resultados, foi relatado anteriormente que a fadiga correlaciona-se com o estágio do CP e o uso de quimioterapia.6,12 Como apenas 12% dos nossos pacientes estavam em quimioterapia no dia da avaliação, possivelmente nosso estudo não teve poder estatístico para detectar essa associação. Um efeito semelhante pode estar presente no que tange ao estadiamento do câncer.
Nossa amostra de pacientes com CP relatou maior intensidade de fadiga do que os pacientes do grupo controle. Ao compararmos o grupo CP com o de pacientes com outra doença crônica (grupo DCC), constatamos que as pontuações para “experiências de fadiga” foram semelhantes, embora as para “impactos da fadiga” tenham sido menores no primeiro grupo. Pacientes com doenças cardíacas apresentam restrições nas atividades de vida diária (conforme medido pela variável resumida “impactos da fadiga”); uma explicação para isso pode ser a de que pacientes com doenças cardíacas apresentam comprometimento da perfusão circulatória periférica e, consequentemente, redução do fornecimento de oxigênio e comprometimento da força muscular.
Uma das limitações de nosso estudo é o seu delineamento transversal; por isso, o mesmo não fornece nenhuma indicação da responsividade da EICF ao longo do tempo. Outra limitação é que os indivíduos foram recrutados em um único centro e podem diferir de pacientes com CP em tratamento em outros lugares. De maneira geral, mais pesquisas são necessárias para a compreensão da significância clínica atribuível aos relatos de fadiga dos pacientes.
A força do estudo é o uso de uma medida mais abrangente de fadiga. A EICF fornece uma avaliação geral para uso em diversas situações médicas em que se deseje uma avaliação completa da fadiga. É importante medir a fadiga em pacientes com CP para o desenvolvimento de estratégias eficazes de manejo centradas no paciente, e também a melhora do funcionamento físico, qualidade de vida e saúde emocional/psicológica desses pacientes.
Em conclusão, o presente estudo apresenta evidências de que a versão brasileira da EICF é uma ferramenta confiável para medir a fadiga em pacientes com CP.