versão impressa ISSN 1808-8694
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.81 no.1 São Paulo jan./fev. 2015
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.08.005
A deformidade dentofacial pode ser definida como qualquer condição na qual o esqueleto facial difere do normal, existindo má oclusão e aparência facial alterada. Para a correção destes tipos de deformidades está indicada a cirurgia ortognática, que tem como objetivo recuperar a função e a estética. A cirurgia, associada à ortodontia, melhora a função mastigatória e a aparência facial, com um resultado estável do ponto de vista oclusal, sendo a melhor forma de tratamento para pacientes com problemas dentários e esqueléticos.1
Pacientes com deformidades dentofaciais representam aproximadamente 20% da população e podem apresentar vários graus de comprometimento funcional ou estético.2 Estas malformações podem ocorrer em um dos maxilares isoladamente, se estenderem para múltiplas estruturas craniofaciais ou serem uni ou bilaterais, além de se apresentarem expressas em vários graus nos planos faciais vertical, horizontal ou transverso.
De acordo com o grau do problema, a cirurgia varia de pequenas movimentações de grupos de dentes até a movimentação completa da mandíbula e maxila. A cirurgia ortognática está indicada quando o fator de crescimento terminou e o tratamento ortodôntico não é mais suficiente para um equilíbrio entre dentes e osso.2 O objetivo desses tratamentos, cirúrgico e ortodôntico, é a correção da deformidade dentofacial e o estabelecimento do equilíbrio dos dentes, estrutura óssea e tecidos moles para uma melhor aparência facial.
A técnica cirúrgica da osteotomia da maxila tipo Le Fort I inclui procedimentos realizados na parte óssea e cartilaginosa e tecidos moles do nariz que podem provocar mudanças na forma e função nasal, e que, algumas vezes, podem ser imprevisíveis.3
Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar a forma nasal através de estudo cefalométrico em pacientes submetidos a cirurgias ortognáticas de avanço e/ou impacção maxilar através da osteotomia Le Fort I.
Todos os pacientes foram submetidos à cirurgia de avanço e/ou impacção da maxila usando a técnica Le Fort I, sob anestesia geral, sem segmentação, para correção de deformidades horizontais e verticais. Antes da cirurgia os pacientes passaram por uma fase de planejamento e tratamento ortodôntico pré-cirúrgico, o qual foi continuado após o tratamento cirúrgico. Eles foram avaliados no período pré e pós-operatório (seis meses). Pacientes sindrômicos ou fissurados foram excluídos. Todos os participantes que aceitaram participar do estudo assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
Para a realização da técnica cirúrgica, uma incisão vestibular maxilar padrão da linha média ao segundo molar foi realizada bilateralmente, seguida de dissecção dos tecidos e descolamento subperiostal até exposição dos rebordos orbitários inferiores e proeminência malar com preservação dos nervos infraorbitários. A osteotomia foi iniciada com serra reciprocante na maior concavidade do recesso piriforme, no sentido horizontal, até ultrapassar o pilar zigomático. Cinzéis finos foram utilizados para complementar as osteotomias da parede lateral do nariz e do septo nasal, e com um cinzel curvo forte realizou-se a disjunção ptérigopalatina. Então, foi realizada a mobilização da maxila em sentido caudal, com manipulação manual, para verificar sua mobilidade. O fórceps de Rowe foi utilizado para completo reposicionamento maxilar. Posicionou-se a maxila conforme o guia cirúrgico ou na oclusão classe I do paciente com fixação maxilomandibular com fio de aço. A osteossíntese da maxila foi realizada utilizando-se quatro placas em "L" 1,5 mm com cinco orifícios, pré-moldadas para o avanço desejado, posicionadas nos pilares canino e zigomático.4 , 5 A medida da extensão da impacção maxilar foi realizada da borda incisal dos dentes incisivos e um ponto fixo na glabela.
As medidas da largura e do deslocamento da ponta nasal foram utilizadas para a avaliação da forma nasal no pré e no pós-operatório (seis meses). A largura foi obtida pela medição de ponto mais lateral das asas do nariz, com o uso de um paquímetro.
A movimentação óssea e a modificação da ponta do nariz após a cirurgia foram medidas utilizando uma radiografia cefalométrica em perfil pré e pós-operatórias, as quais foram realizadas por um mesmo profissional e analisada por três vezes, com uma diferença de um mês entre elas, e houve concordância em 90% das avaliações. Após, foi realizado um traçado nas radiografias baseado em Heliovaara et al.6 (fig. 1) e, então, foram comparadas para observar as modificações dos tecidos moles. Para isso, as radiografias cefalométricas laterais foram realizadas de forma padronizada, tomadas com o paciente com a cabeça posicionada no plano de Frankfurt, molares ocluídos e lábios em repouso, no pré-operatório e seis meses após a cirurgia. Após a obtenção das radiografias, foi elaborado um cefalograma, adaptando-se uma folha de papel ultraphan de 18 × 24 cm e, em seguida, com um lápis 0,5 foram traçados sobre o negatoscópio as estruturas e os pontos anatômicos. Neste cefalograma foram traçados pontos S (centro da sela túrcica), N (násion) e as linhas SN, o eixo X (linha horizontal iniciando no ponto N ascendendo 7º da linha SN), e o eixo Y (linha vertical perpendicular à linha horizontal passando pelo ponto S) correspondentes às estruturas que não são alteradas pela cirurgia e que servem de referência para a análise do movimento das estruturas alteradas pela cirurgia. Em seguida, foram marcados os pontos de referência da maxila: ENP (espinha nasal posterior), A (ponto mais profundo do contorno anterior do arco alveolar maxilar) e o ponto PR (prosthion - ponto mais anteroinferior da margem dentoalveolar superior). A posição pós-operatória da maxila foi obtida pelas distâncias entre os eixos X, Y e ENP (espinha nasal posterior); os eixos X, Y e A (ponto mais profundo do contorno anterior do arco alveolar maxilar); e os eixos X, Y e PR (ponto mais anteroinferior da margem dentoalveolar superior). As mudanças no tecido mole foram avaliadas usando o ponto PRN (ponto mais anterior da ponta do nariz), medindo a distância entre este ponto e as linhas de referência X e Y e o ângulo S.n.PRN (fig. 1).
Figura 1 Demonstração esquemática dos pontos cefalométricos utilizados, baseada em Heliovaara et al.6
A análise estatística consistiu de box-plot e teste t-Student pareado, com significância a 5%.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade (178/02).
No presente estudo, a amostra foi constituída por 20 pacientes (12 mulheres e oito homens). A média de idade foi de 21,4 anos (mínima de 14 e máxima de 37). Apresentavam deformidade esquelética tipo classe III 20 pacientes.
Houve uma elevação da ponta do nariz em 85% dos pacientes, um avanço da ponta nasal em 80%, uma elevação da rotação do ângulo da ponta nasal em 80% e um aumento da largura nasal em 95% dos casos (tabela 1).
Tabela 1 Teste t para altura nasal, deslocamento e rotação e largura da base nasal
Variáveis (mm) | Média | DP | T | p |
---|---|---|---|---|
Altura ponta nasal | ||||
Pré-operatório | 45,80 | 5,52 | ||
Pós-operatório | 48,13 | 5,84 | 4,59 | 0,000201 |
Deslocamento ponta nasal | ||||
Pré-operatório | 106,72 | 6,56 | ||
Pós-operatório | 108,38 | 6,19 | –5,97 | 0,000010 |
Rotação ponta nasal | ||||
Pré-operatório | 119,45 | 3,99 | ||
Pós-operatório | 121,83 | 3,78 | –3,94 | 0,000875 |
Largura ponta nasal | ||||
Pré-operatório | 35,50 | 3,51 | ||
Pós-operatório | 38,25 | 3,58 | –5,74 | 0,000016 |
DP, desvio-padrão.
Na maioria dos casos houve modificação do ápice nasal, aumento da largura e rotação para cima, de acordo a quantidade de avanço maxilar, impacção posterior ou anterior (tabela 2).
Tabela 2 Modificação do ápice nasal, aumento da largura nasal e rotação nasal de acordo com a movimentação cirúrgica
Movimentação cirúrgica | Variáveis analisadas | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Mod. ápice nasal | Aumento largura nasal | Rotação nasal | ||||||
Sim N (%) | Não N (%) | Sim N (%) | Não N (%) | Cima N (%) | Baixo N (%) | Não N (%) | Total N (%) | |
Avanço maxilar | 16 (84,21) | 3 (15,79) | 17 (89,47) | 2 (10,53) | 13 (68,42) | 2 (10,53) | 4 (21,05) | 19 (100,00) |
Até 6 mm | 12 (63,16) | 3 (15,79) | 13 (64,40) | 2 (10,53) | 10 (52,63) | 1 (5,26) | − | 15 (78,95) |
> 6,1 mm | 4 (21,05) | − | 4 (25,07) | - | 3 (15,79) | 1 (5,27) | − | 4 (21,05) |
Impacção posterior | 16 (80,00) | 4 (20,00) | 18 (90,00) | 2 (20,00) | 13 (65,00) | 2 (10,00) | 5 (25,00) | 20 (100,00) |
Até 2 mm | 7 (32,00) | 2 (10,00) | 8 (40,00) | 1 (10,00) | 6 (30,00) | − | − | 9 (45,00) |
> 2,1 mm | 9 (48,00) | 2 (10,00) | 10 (50,00) | 1 (10,00) | 7 (35,00) | 2 (10,00) | − | 11 (55,00) |
Impacção anterior | 14 (87,50) | 2 (12,50) | 16 (100,00) | − | 13 (81,25) | 2 (12,50) | 1 (6,25) | 16 (100,00) |
Até 2 mm | 4 (25,00) | 4 (25,00) | − | 4 (25,00) | − | − | 4 (25,00) | |
> 2,1 mm | 10 (62,50) | 2 (12,50) | 12 (75,00) | − | 9 (56,25) | 2 (12,50) | − | 12 (75,00) |
Com relação aos tecidos moles da região nasal, observou-se que houve uma diminuição das distâncias do eixo X - prn medidas do pré para pós-operatório, indicando uma elevação do ápice nasal em 85% dos casos. Após comparar as medidas pré e pós-operatórias do eixo Y - prn foi observado um aumento desta distância entre as duas avaliações, o que indica a ocorrência de um avanço da ponta do nariz em 80% do casos.
Após a comparação das medidas do ângulo S.N.prn no pré e pós-operatório, foi observado um aumento na medida deste ângulo, indicando uma rotação do ápice nasal para cima em 80% dos casos e rotação para baixo em 10%, e não houve rotação do ápice nasal em 10% dos pacientes. A medida da largura nasal pós-operatória aumentou em 95% dos casos.
A correção das deformidades dentofaciais por meio de cirurgia ortognática tem o objetivo de proporcionar uma relação maxilomandibular mais funcional e, consequentemente, uma melhora na harmonia facial do paciente.
A osteotomia Le Fort I é indicada para movimentação da maxila nos três planos espaciais, permitindo a correção de diversas deformidades. Neste estudo, esse tipo de tratamento foi usado para movimentos de avanço e impacção em pacientes com deformidades classes II e III.7 - 11 Todos os pacientes tiveram alterações pós-operatórias na região nasal, o que está de acordo com a literatura.3
O reposicionamento superior e o avanço da maxila podem causar elevação da ponta nasal e o alargamento da base alar.6 Independentemente da quantidade de avanço maxilar, impacção posterior ou anterior, na maioria dos casos houve modificação do ápice nasal, aumento da largura e rotação para cima. Uma provável explicação para tal fato é que há um novo posicionamento da espinha nasal anterior, assim como, com a dissecção dos tecidos moles, os padrões de medidas pré-operatórias são parcialmente perdidos, gerando leves distorções.
As cirurgias bimaxilares5 podem ser uma opção quando a discrepância anteroposterior for maior do que 8 mm, o que não ocorreu nos casos do presente estudo. Aydil et al.5 referem que a cirurgia de Le Fort I em conjunto com a osteotomia sagital mandibular para o avanço mandibular, quando bem indicada, afetou significativamente as posições vertical e anteroposterior da maxila e da mandíbula, respectivamente. Quando realizada em combinação, estas técnicas cirúrgicas podem eficientemente alterar a posição dos incisivos superiores e a posição nasal em ambas as direções vertical e anteroposterior. Cirurgia ortognática bimaxilar parece ser um método eficiente para obtenção de resultados satisfatórios na aparência do tecido mole, do tecido dental e dos tecidos esqueléticos associados ao perfil facial em pacientes com classe II e alto ângulo deformidade esquelética.
Araújo1 comparou pontos cefalométricos em radiografias laterais pré e pós-operatórias e observou que, nas cirurgias de avanço maxilar, o ponto mais anterior do nariz é alterado horizontalmente em 30%, e se for realizada a sutura na base alar pode chegar aos 35%. Em relação aos achados deste experimento, verificamos que entre os pacientes operados houve uma relação média de 40%, embora alguns pacientes tivessem um índice distante desta média, para mais ou para menos (0 a 90%), pois todos os pacientes também se submeteram a reposicionamentos superiores da maxila e à sutura da base alar e, com fio prolene 3-0 fixando a região interna da asa do nariz direita e esquerda, o lábio foi suturado utilizando a sutura convencional ou V-Y, de acordo com o tipo facial do paciente, pois este aspecto é muito importante para que o paciente possa ter um nariz proporcional ao restante da face, resultando em uma aparência mais harmônica.
A maxila pode ser impactada, na grande maioria das vezes, sem comprometer o fluxo aéreo.12 , 13 O alargamento da área anterior do nariz, diminuindo a resistência aérea, mesmo tendo sido reduzida a área esqueletal do nariz, pode explicar a significante melhora na respiração nasal após impacção maxilar.14 , 15 Mesmo que haja ganho de área da região anterior do nariz devido à movimentação anterior da maxila após a cirurgia, os autores concordam com Bottini et al.4 no que se refere a não realização de rinoplastias no momento da cirurgia ortognática para corrigir defeitos pré-existentes, como uma giba dorsal, uma base nasal muito alargada ou muito estreita, um desvio da pirâmide nasal, ou outros defeitos estéticos resultantes de cirurgia ortognática.
A determinação do estágio de desenvolvimento e crescimento ósseo é de suma importância para o correto diagnóstico, planejamento e tratamento dos indivíduos, principalmente aqueles que se encontram na fase de crescimento puberal.16 A radiografia carpal pode ser utilizada para este tipo de diagnóstico. O paciente do presente estudo, com idade de 14 anos, sexo feminino, foi operado após pedir avaliação do endocrinologista e exame radiográfico das mãos, que diagnosticou o mesmo como já em fase final de crescimento.
Alguns aspectos relativos à técnica cirúrgica podem interferir na forma nasal e na respiração, tais como: a remoção do septo ósseo e cartilaginoso para evitar interferências e desvio na maxila; a remoção de cornetos hipertrofiados; a ampliação da abertura piriforme nos pacientes de face longa para aumentar a cavidade nasal; e a sutura da base nasal.2
Tendo em vista esses aspectos, é mandatório entrevistar o paciente no pré e pós-operatório para observar quais são suas reais expectativas estéticas e funcionais, assim com explicar sobre os possíveis resultados que a cirurgia ortognática pode trazer.
Cirurgias de avanço e reposicionamento superior da maxila tendem a causar elevação e avanço da ponta do nariz, assim como um alargamento da base nasal.