versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.83 no.1 São Paulo jan./fev. 2017
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.01.010
A tuba de Eustáquio (TE), ou tuba auditiva, é a principal estrutura responsável pelo equilíbrio pressórico entre a orelha média com o ambiente externo, possibilita a ventilação dos espaços pneumatizados do osso temporal e protege a orelha média das secreções da nasofaringe.1 Uma disfunção persistente da TE pode gerar uma pressão negativa na cavidade timpânica, o que resultará em um desvio do líquido intravascular para os espaços intersticiais e, portanto, para o lúmen da orelha média,2 ou poderá causar retração da membrana timpânica (MT). Portanto, esse é um dos primeiros indicadores clássicos da patogênese da otite média crônica (OMC).3,4 Assim, vários estudos apontaram explicitamente a disfunção da MT como um dos fatores da perpetuação da otite média com efusão (OME), da progressão da OME para uma retração MT moderada e grave e da progressão dessa última condição para a otite média colesteatomatosa.
Portanto, o diagnóstico de disfunção da TE torna–se essencial para um melhor entendimento da patogênese da OMC. Vários testes para a disfunção da TE já foram descritos na literatura.5–7 No entanto, esses testes se mostram metodologicamente heterogêneos em aspectos que variam desde os protocolos de aplicação até a padronização dos testes e seus resultados. Assim, ainda se discute a real aplicabilidade de tais testes, particularmente em pacientes com permeabilidade questionável da TE. Os testes de função da tuba de Eustáquio (FTE) mais frequentemente empregados em pacientes com MT intacta são a manobra de Valsalva, o Sniff Test e a manobra de Toynbee.1,8,9
No presente estudo, procuramos avaliar a variação na pressão na orelha média em pacientes com retração leve e moderada/grave da MT e em indivíduos normais durante os testes de FTE (manobra de Valsalva, Sniff Test e manobra de Toynbee); além disso, avaliamos a variação intraindividual nesses testes nos três grupos de pacientes acima mencionados.
Este é um estudo observacional do tipo transversal e contemporâneo. O fator em estudo foi a variação na pressão na orelha média durante os testes FTE em pacientes com retração leve da MT, retração moderada/grave da MT ou em MTs normais. Foram incluídos 38 pacientes entre 8 e 18 anos, recrutados da clínica ambulatorial de otorrinolaringologia de um centro de saúde terciário de 1° de dezembro de 2012 a 31 de março de 2013. Os pacientes foram designados para três grupos, de acordo com a gravidade da retração da pars tensa na orelha pior, com o uso da classificação de Sadé & Berco (1976) com modificação proposta por Costa et al., conforme segue: grupo 1 – pacientes com MTs bilateralmente normais (controles); grupo 2 – pacientes com retração leve da MT em pelo menos uma orelha; e grupo 3 – pacientes com retração moderada ou grave da MT em pelo menos uma orelha.
Os critérios de inclusão para o grupo de pacientes foram: entre 8 e 18 anos; apresentação de retração leve, moderada ou grave em pelo menos uma das orelhas. Os critérios de inclusão para os controles foram: boa saúde em geral; mesma distribuição etária em relação aos participantes no grupo de pacientes; em acompanhamento por pós operatório de adenoidectomia ou de adenoamigdalectomia há mais de 6 meses; em acompanhamento por pós operatório de adenoidectomia ou de adenoamigdalectomia há mais de 6 meses; e ambas as orelhas com MT normal. Os critérios de exclusão, tanto para os pacientes como para os controles, foram: presença de efusão na orelha média; presença de fenda labial, fenda palatina ou outra anormalidade craniofacial; síndrome de Down; mucopolissacaridoses; doenças associadas à imunossupressão; obstrução nasal ou nasofaríngea; incapacidade de fazer audiometria, toalete das orelhas, videotoscopia ou testes de FTE; e recusa em participar no estudo.
Todos os pacientes foram submetidos a anamnese minuciosa e direcionada durante a primeira avaliação. Videotoscopia em ambas orelhas foram realizadas e as imagens gravadas. Os achados foram sistematicamente descritos por um otologista experiente em um formulário padronizado. Todos os pacientes foram submetidos à endoscopia nasal, para avaliação de obstrução nasofaríngea. Também foi realizada audiometria tonal e vocal durante a primeira avaliação de todos os pacientes e controles.
A avaliação do FTE consistiu nos testes a seguir, que foram feitos com audiômetros de impedância Interacoustics AZ26 e AT235 h, para medir a pressão na orelha média depois de cada manobra de teste. Inicialmente, timpanometria foi feita nas duas orelhas para registrar a pressão basal em cada orelha antes do teste e para a determinação do tipo curva timpanométrica, conforme a classificação de Jerger (1970). Essa etapa foi seguida pela manobra de Valsalva, Sniff Test e manobra de Toynbee, feitas em sequência, primeiramente na orelha direita e em seguida na esquerda. Durante cada teste, a pressão na orelha média foi medida por cinco vezes consecutivamente, conforme descrição adiante.
Manobra de Valsalva: o paciente foi solicitado a fazer cinco manobras de Valsalva consecutivas. A pressão na orelha média foi medida e gravada imediatamente após cada manobra (PV1–PV5) e durante esse período o paciente foi orientado para que não falasse ou deglutisse.
Sniff Test: o paciente foi solicitado a inspirar vigorosamente pelas narinas (com a boca fechada) por cinco vezes, consecutivamente. Também nesse caso a pressão na orelha média foi medida e gravada imediatamente após cada manobra (PS1–PS5) e durante esse período o paciente foi orientado para que não falasse ou deglutisse.
Manobra de Toynbee: o paciente foi solicitado a tomar um gole de água enquanto suas narinas eram cerradas por pinçamento pelo investigador, por cinco vezes e consecutivamente. A pressão na orelha média foi medida e gravada imediatamente após cada manobra (PT1–PT5) e durante esse período o paciente foi orientado para que não falasse ou deglutisse.
Entre cada teste, o paciente tinha um intervalo de cinco minutos, ocasião em que era instruído para beber água, na tentativa de fazer com que a pressão retornasse aos valores basais. Antes de cada teste, a pressão basal (pressão basal antes de Valsalva – PBV; pressão basal antes do Sniff Test – PBS; e pressão basal antes da manobra de Toynbee – PBT) também foi registrada.
Todos os testes acima mencionados foram novamente feitos em um segundo momento de avaliação, 15 a 30 dias após a primeira avaliação do estudo. Os resultados foram referidos como correspondentes ao primeiro ou segundo momento de avaliação.
Com o objetivo de detectar uma diferença na FTE medida por meio de uma variável quantitativa com distribuição aproximadamente normal nos três grupos de estudo, com poder estatístico de 80% e nível de significância de α = 0,05, calculamos que o tamanho mínimo da amostra deveria ser de 12 controles e 24 pacientes com retração da MT (12 leves e 12 moderadas/ graves). Os dados foram lançados em um banco de dados específicos no programa Excel. Nas análises estatísticas, foi empregado o programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 18.0 para Windows. Os dados quantitativos foram expressos na forma de média ± desvio padrão e os dados categóricos como frequências absolutas e relativas. A análise das medidas da pressão na orelha média tomaram por base modelos de efeitos mistos (fixos e aleatórios), levaram em consideração as observações intraindividuais correlacionadas, tanto para as orelhas como para as medidas repetidas. Os dados categóricos foram analisados por meio de um modelo de equações de estimativas generalizadas (EEG). Finalmente, para avaliação da concordância entre medidas, foram usados o método de Bland–Altman e coeficientes de correlação intraclasse.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Grupo de Pesquisa e Pós–Graduação, sob o número 12–0432. Termo de consentimento livre foi assinado pelos responsáveis legais de todos os participantes, com vistas ao uso anônimo dos dados dos pacientes. O tratamento não foi influenciado, tendo ou não sido obtido o consentimento informado. Considerando que o estudo usou dados históricos para análise, todos os autores assinaram um termo para o uso confidencial dos dados.
Foram avaliados 38 participantes: 14 controles normais, 12 pacientes com retração leve da MT em pelo menos uma orelha e 12 pacientes com retração moderada/grave da MT em pelo menos uma orelha. No estudo em separado de cada orelha, havia 36 orelhas normais, 23 com retração leve e 17 com retração moderada/grave. A média ± desvio padrão (DP) foi de 11 ± 2,72 anos (variação: 8–17 anos). Com relação ao gênero, a amostra apresentou 55,3% do gênero masculino e 44,7% do feminino.
A prevalência da curva timpanométrica do tipo A foi maior nos grupos 1 e 2, enquanto a prevalência da curva do tipo C foi maior no grupo 3, nos dois momentos de avaliação. Foram observadas diferenças significantes entre os três grupos no primeiro e no segundo momentos de avaliação (p = 0,002 e p < 0,001, respectivamente, teste do qui–quadrado).
No primeiro momento de avaliação, com a manobra de Valsalva observamos uma tendência de aumento das pressões da orelha média, em relação à pressão basal (PBV), durante cada uma das cinco manobras de Valsalva consecutivas (PV1 a PV5) nos três grupos de orelhas, com p = 0,012 (p [medida]). As médias das pressões (PV1 a PV5) foram diferentes em cada grupo, com p < 0,001 (p [grupo]). Por outro lado, no segundo momento de avaliação, a tendência de aumento das pressões com relação à PBV persistiu, durante cada uma das cinco manobras consecutivas (PV1 a PV5); contudo, devido ao comportamento das medidas de pressão no grupo 3, os valores de p não atingiram significância estatística (p[medida] = 0,707). As médias das pressões (PV1 a PV5) também foram diferentes em cada grupo, como ocorreu no primeiro momento de avaliação (p [grupo] < 0,001). As tabelas 1 e 2 listam as estimativas das pressões médias no início da avaliação e em seguida às cinco manobras de Valsalva consecutivas, com ajuste por modelos mistos nos três grupos de estudo, no primeiro e segundo momentos de avaliação, respectivamente. Observou–se que nos dois momentos de avaliação, o pico de aumento da pressão na orelha média ocorreu durante as três primeiras manobras, para os três grupos de estudo, ao longo do processo da manobra em teste (PBV e PV1 a PV5) no primeiro e no segundo momentos de avaliação (fig. 1).
Tabela 1 Estimativas das médias obtidas com um modelo linear misto para a manobra de Valsalva nos três grupos, no primeiro momento de avaliação
Medida | Orelhas normais (n = 36) | Retração leve (n = 23) | Retração moderada/grave (n = 17) |
---|---|---|---|
PBV | –51 (±17) | –85 (±19) | –199 (±21) |
PV1 | –23 (±17) | –73 (±19) | –167 (±21) |
PV2 | –16 (±17) | –57 (±19) | –148 (±21) |
PV3 | –15 (±17) | –56 (±19) | –166 (±21) |
PV4 | –24 (±17) | –59 (±19) | –175 (±21) |
PV5 | –28 (±17) | –63 (±19) | –163 (±21) |
Dados expressos como média ± erro padrão; (p [medida]) = 0,012; (p [grupo]) < 0,001.
Tabela 2 Estimativas das médias obtidas com um modelo linear misto para a manobra de Valsalva nos três grupos, no segundo momento de avaliação
Medida | Orelhas normais (n = 36) | Retração leve (n = 23) | Retração moderada/grave (n = 17) |
---|---|---|---|
PBV | –53 (±18) | –84 (±20) | –154 (±22) |
PV1 | –42 (±18) | –89 (±20) | –136 (±22) |
PV2 | –37 (±18) | –67 (±20) | –156 (±22) |
PV3 | –36 (±18) | –68 (±20) | –148 (±22) |
PV4 | –37 (±18) | –70 (±20) | –168 (±22) |
PV5 | –36 (±18) | –73 (±20) | –185 (±22) |
Dados expressos como média ± erro padrão; (p [medida]) = 0,707; (p [grupo]) < 0,001.
Tanto no primeiro como no segundo momento de avaliação com o Sniff Test, observamos que não houve uma tendência de queda nas pressões da orelha média em relação à pressão basal (PBS), durante cada uma das cinco manobras de teste consecutivas (PS1 a PS5) em qualquer dos três grupos de orelhas, o que ficou representado pelos valores de p obtidos no primeiro e no segundo momentos de avaliação (p[medida] = 0,716, p[medida] = 0,477, respectivamente). As médias das pressões (PS1 a PS5) foram diferentes entre si em cada grupo, nos dois momentos de avaliação (p < 0,001). As tabelas 3 e 4 listam as estimativas das médias de pressão basal e após as cinco manobras de teste consecutivas, ajustadas por modelos mistos para os três grupos de estudo, no primeiro e segundo momentos de avaliação, respectivamente. A figura 2 ilustra a variabilidade das médias das pressões nos três grupos de estudo, ao longo do processo da manobra em teste (PBS e PS1 a PS5) no primeiro e segundo momentos de avaliação.
Tabela 3 Estimativas das médias obtidas com um modelo linear misto para o Sniff Test nos três grupos, no primeiro momento de avaliação
Medida | Orelhas normais (n = 36) | Retração leve (n = 23) | Retração moderada/grave (n = 17) |
---|---|---|---|
PBS | –31 (±15) | –85 (±16) | –157 (±18) |
PS1 | –40 (±15) | –79 (±16) | –140 (±18) |
PS2 | –45 (±15) | –78 (±16) | –176 (±18) |
PS3 | –46 (±15) | –84 (±16) | –152 (±18) |
PS4 | –41 (±15) | –79 (±16) | –169 (±18) |
PS5 | –41 (±15) | –77 (±16) | –16 3(±18) |
Dados expressos como média ± erro padrão; (p [medida]) = 0,716; (p [grupo]) < 0,001.
Tabela 4 Estimativas das médias obtidas com um modelo linear misto para o Sniff Test nos três grupos, no segundo momento de avaliação
Medida | Orelhas normais (n = 36) | Retração leve (n = 23) | Retração moderada/grave (n = 17) |
---|---|---|---|
PBS | –42 (±17) | –71 (±19) | –146 (±21) |
PS1 | –47 (±17) | –72 (±19) | –124 (±21) |
PS2 | –46 (±17) | –74 (±19) | –130 (±21) |
PS3 | –49 (±17) | –76 (±19) | –134 (±21) |
PS4 | –49 (±17) | –72 (±19) | –165 (±21) |
PS5 | –54 (±17) | –73 (±19) | –167 (±21) |
Dados expressos como média ± erro padrão; (p [medida]) = 0,477; (p [grupo]) < 0,001.
Tanto no primeiro como no segundo momento de avaliação com a manobra de Toynbee, observamos que não houve uma tendência – nem de queda, nem de aumento das pressões na orelha média em relação à pressão basal (PBT) durante cada uma das cinco manobras de teste consecutivas (PT1 a PT5) em qualquer dos três grupos de orelhas, conforme indicado pelos valores de p obtidos no primeiro e segundo momentos de avaliação (p[medida] = 0,945 e 0,440, respectivamente). As pressões médias (PT1 a PT5) eram diferentes em cada grupo, nos dois momentos de avaliação (p < 0,001). As tabelas 5 e 6 listam as estimativas das médias de pressão basal e depois de cinco manobras de teste consecutivas, ajustadas por modelos mistos para os três grupos de estudo, no primeiro e segundo momentos de avaliação, respectivamente. A figura 3 demonstra a variabilidade das médias das pressões nos três grupos de estudo, ao longo do processo da manobra em teste (PBT e PT1 a PT5) no primeiro e no segundo momentos de avaliação.
Tabela 5 Estimativas das médias obtidas com um modelo linear misto para a manobra de Toynbee nos três grupos, no primeiro momento de avaliação
Medida | Orelhas normais (n = 36) | Retração leve (n = 23) | Retração moderada/grave (n = 17) |
---|---|---|---|
PBT | –50 (±16) | –44 (±18) | –152 (±20) |
PT1 | –47 (±16) | –51 (±18) | –138 (±20) |
PT2 | –46 (±16) | –56 (±18) | –143 (±20) |
PT3 | –44 (±16) | –58 (±18) | –143 (±20) |
PT4 | –49 (±16) | –47 (±18) | –124 (±20) |
PT5 | –43 (±16) | –52 (±18) | –141 (±20) |
Dados expressos como média ± erro padrão; (p [medida]) = 0,945; (p [grupo]) < 0,001.
Tabela 6 Estimativas das médias obtidas com um modelo linear misto para a manobra de Toynbee nos três grupos, no segundo momento de avaliação
Medida | Orelhas normais (n = 36) | Retração leve (n = 23) | Retração moderada/grave (n = 17) |
---|---|---|---|
PBT | –54 (±16) | –67 (±18) | –148 (±20) |
PT1 | –50 (±16) | –78 (±18) | –137 (±20) |
PT2 | –45 (±16) | –76 (±18) | –144 (±20) |
PT3 | –40 (±16) | –75 (±18) | –125 (±20) |
PT4 | –40 (±16) | –74 (±18) | –110 (±20) |
PT5 | –42 (±16) | –84 (±18) | –118 (±20) |
Dados expressos como média ± erro padrão; (p [medida]) = 0,440; (p [grupo]) < 0,001.
Figura 3 Variabilidade das médias de pressão na orelha média durante a manobra de Toynbee no primeiro e no segundo momentos de avaliação.
Para avaliar o grau de concordância entre os dois momentos das medidas de pressão na orelha média durante os testes de FTE, obtivemos gráficos de dispersão com plotagem de pontos para cada teste e calculamos os coeficientes de correlação intraclasse (CCIs). Os CCIs foram 0,65 para a manobra de Valsalva; 0,67 para o Sniff Test; e 0,63 para a manobra de Toynbee, corresponderam a uma concordância moderada entre os dois momentos de avaliação para todos os três testes. Com o uso do método de Bland–Altman para verificação da concordância entre as pressões da orelha média nos dois momentos de avaliação, foi constatada pouca replicabilidade dos resultados para as três manobras.
Na análise da variância dos erros entre as medidas do primeiro e segundo momentos de avaliação nos três grupos de estudo, obtivemos resultados estatisticamente significantes (p = 0,018 para a manobra de Valsalva; p < 0,001 para o Sniff Test; e p = 0,005 para a manobra de Toynbee). Aparentemente, a variância nas discrepâncias entre as medidas obtidas no primeiro e segundo momentos de avaliação foi maior no grupo de retração moderada/grave da MT para todos os três testes de FTE, conforme ilustram os gráficos de Box Plot nas figuras 4–6.
Figura 4 Box plot das diferenças entre os momentos 1 e 2 para a manobra de Valsalva nos três grupos em estudo.
Figura 5 Box plot das diferenças entre os momentos 1 e 2 para o Sniff Test nos três grupos em estudo.
A função da tuba de Eustáquio tem sido objeto de muitos estudos clínicos e experimentais; a maioria deles tenta definir os melhores métodos para avaliação desse órgão, bem como a caracterização e o aprimoramento do tratamento das disfunções da TE.1,6,9–16 Ainda assim, restam muitas questões em aberto, tais como: Qual é a utilidade clínica dos testes de FTE em pacientes com MTs intactas e qual é o melhor protocolo de teste?; Qual nível de variação na pressão da orelha média, depois da aplicação de cada teste, deverá ser definido como um resultado positivo ou negativo e qual o significado de um achado positivo ou negativo no cotidiano da prática clínica?; Qual é a utilidade desses testes em pacientes sob suspeita de disfunção da TE antes do teste?
Essas dúvidas persistem, pois embora vários estudos tenham avaliado a função tubária em orelhas com MTs intactas por meio de diversos testes, ainda não existe consenso com relação à padronização das técnicas dos testes. Portanto, a comparação dos resultados entre esses estudos é tarefa complicada, diante da heterogeneidade na escolha do teste e em sua administração, e também na aferição e descrição dos resultados. Assim, se fazem necessários protocolos rígidos para a aplicação do teste e descrição dos resultados.
Neste estudo, não consideramos se os resultados do teste foram positivos ou negativos, como em alguns estudos na literatura, e sim se ocorreu uma variação estatisticamente significante nas médias das pressões. Esse critério foi o escolhido porque, após uma exaustiva revisão bibliográfica, determinamos que não existe consenso sobre qual mudança na pressão constituiria um resultado positivo. Alguns estudos defendem a posição de que qualquer aumento na pressão em seguida à manobra de Valsalva seja considerado como positivo;11,15,17 já outros estudos, consideram o teste positivo somente se houver aumento de 10 daPa.1,9,18 Em nossa opinião, é extremamente difícil estabelecer qual nível de mudança deve ser adotado para que haja relevância clínica, uma vez que a análise da diferença de pressão na orelha média, que faria com que um timpanograma fosse classificado como normal ou anormal, revelou enorme variação nas variações pressóricas (de até 100 daPa). Essa análise revelou, também, que a diferença de 10 daPa é simplesmente um valor arbitrário.
Com a administração do protocolo proposto neste estudo, o desempenho das manobras de Valsalva consecutivas levou a um aumento nas médias de pressão no interior da cavidade timpânica nos três grupos de estudo no primeiro momento de avaliação. Também constatamos que o aumento na pressão induzido pela manobra de Valsalva já se revelava significativo após a primeira manobra, permaneceu essencialmente estável com as repetições subsequentes. Portanto, não há necessidade da repetição consecutiva da manobra de Valsalva para que seja obtido um aumento na pressão no interior da orelha média. Além disso, ainda que tenha ocorrido um aumento final na pressão após a última das manobras consecutivas, as orelhas do grupo de retração moderada/grave continuaram a exibir pressões negativas em seguida à sequência completa das cinco manobras, o que foi confirmado pela presença de curvas timpanométricas do tipo C. Portanto, colocamos em dúvida se a repetição das manobras, conforme foi sugerido por vários autores para o tratamento da disfunção da TE, seria realmente capaz de melhorar a FTE.14,16
Com a análise do segundo momento de avaliação, observamos uma tendência persistente para aumento das pressões na orelha média em seguida às cinco manobras consecutivas, embora os valores obtidos não tenham alcançado significância estatística. Acreditamos que essa observação possa ser atribuída à ampla variação nas pressões no grupo de retração MT moderada/grave.
As respostas ao Sniff Test foram diferentes das respostas à manobra de Valsalva. No primeiro e no segundo momentos de avaliação, não ocorreu o esperado decréscimo nas pressões na orelha média em qualquer dos três grupos de orelhas. Embora a variabilidade das respostas tenha sido maior em orelhas com retração MT moderada/grave, em comparação com os demais grupos, não foi observada associação entre a administração das manobras dos testes e alterações significativas na pressão da orelha média. Da mesma forma, respostas semelhantes foram observadas com a manobra de Toynbee, tanto no primeiro como no segundo momento de avaliação: não foram notadas mudanças significativas nas pressões da orelha média em comparação com as pressões basais, depois de feitas as cinco manobras consecutivas do teste.
Na comparação das médias de pressão em cada grupo de orelhas, observamos que essas medidas foram diferentes entre si nos três testes, uma vez que os pacientes com retração moderada/grave apresentaram pressões basais significativamente mais negativas, em comparação com os demais grupos de pacientes. Na presente amostra, pacientes com retração leve da MT – apesar das respostas praticamente normais às manobras dos testes e da apresentação de timpanogramas normais na maioria dos casos – também apresentaram pressões basais mais negativas do que os pacientes com orelhas normais (todos esses achados com significância estatística).
Swarts et al. relataram que 81% dos pacientes conseguiam induzir aumentos de pressão na orelha média em seguida à manobra de Valsalva.17 Em um grupo de pacientes normais, Falk verificou que apenas 14% das orelhas testadas tinham pressão negativa após o Sniff Test.19 Um estudo que envolveu 32 pacientes verificou que apenas 5 (16%) exibiram mudanças na pressão da orelha média após esse teste.17 Ryding et al. notaram que pacientes com histórico de OMC apresentaram pioria significativa na FTE ativa, quando comparados com controles normais, e que as orelhas em que ficou evidenciada uma disfunção tubária ou tuba patente demonstravam disfunção mais grave da MT.20 O presente estudo confirma os achados desses autores, demonstra que as orelhas com as mais alterações da MT foram as que apresentaram a menor resposta à manobra de Valsalva. Bunne et al. também informam que a manobra de Valsalva foi mais efetiva em orelhas sadias, em comparação com orelhas após OM.9 Outro estudo, feito pelos mesmos autores, demonstrou uma taxa de sucesso para a equalização pressórica da orelha média em 90% com essa manobra em indivíduos normais vs. apenas 48% em pacientes que apresentavam retração da MT.11 Nesse mesmo estudo, 26% das orelhas com retração da MT e 44% das orelhas normais apresentaram um Sniff Test positivo. É interessante observar que, nesse estudo, as retrações não foram classificadas por seu grau de gravidade e, assim como ocorre na presente investigação, cada grau de retração estava associado a um padrão distinto de resposta aos testes de permeabilidade tubária. As orelhas com retração leve responderam de uma forma muito mais parecida com as orelhas normais, em comparação com as orelhas que exibiam uma retração significativa da MT.
Já ficou devidamente estabelecido que os resultados dos testes de FTE podem depender do modo como são executados (p. ex. a força de insuflação do ar, deglutição imediatamente após a manobra). Embora essas variações possam ter ocorrido em nosso estudo, particularmente pela não ocorrência de qualquer aumento nas médias de pressão no grupo de retração moderada/grave no segundo momento de avaliação, depois da manobra de Valsalva, nossos achados são consistentes com aqueles descritos na literatura, sugerem que a manobra de Valsalva é mais efetiva do que os demais testes.11 Outra razão possível para que a pressão não tenha aumentado significativamente em seguida à manobra de Valsalva no grupo das orelhas com retração mais grave da MT é que esses pacientes sofrem maior desconforto nas suas orelhas ao fazer a manobra, o que pode levar a uma insuflação com menor força; com isso, o teste de Valsalva se torna menos efetivo, em comparação com outros pacientes.
Em nosso estudo, observamos uma concordância apenas de fraca a moderada entre as medidas obtidas nos dois momentos de avaliação para os três testes; com isso, nossos achados concordam mais uma vez com os dados na literatura existente e demonstram uma substancial variabilidade intraindividual.9 Além disso, com o uso dos três testes, a variação da diferença entre medidas obtidas no primeiro e segundo momentos foi maior nas orelhas com retração moderada/grave da MT; isso demonstra que o comportamento dessas orelhas em respostas aos testes de FTE é ainda mais instável. Essa variabilidade é consistente com a instabilidade clínica frequentemente observada em pacientes com retração e atelectasia da MT.16,21
Em vista da grande variabilidade nos testes de FTE, uma única avaliação da abertura tubária terá pouca aplicabilidade, sobretudo em pacientes com doença de orelha média.
A abertura e o fechamento da TE variam menos em orelhas normais vs. orelhas com retração da MT.11,14,16,22 Se for obtido um resultado positivo com o teste, provavelmente a FTE é boa; porém, um resultado negativo não pode levar a uma conclusão definitiva com relação à função. Segundo Bunne et al., os resultados dos testes mudam de positivo para negativo, ou vice–versa, em um percentual significativo de pacientes, quando a manobra de Valsalva e o Sniff Test são retestados em 30 minutos.7,11 Falk e Magnuson relataram resultados semelhantes com relação à instabilidade dos testes, em que as respostas qualitativas ao Sniff Test mudaram em 30% dos pacientes, quando foram retestados no mesmo dia.14
Portanto, os testes de FTE – que já foram amplamente usados no passado – são atualmente considerados como de aplicabilidade clínica questionável, visto que seus resultados são mais variáveis e menos confiáveis precisamente na população de pacientes para os quais seriam mais indicados (orelhas com retração e atelectasia da MT).
Na população estudada, a média das pressões na cavidade timpânica tendeu a aumentar a partir dos valores da pressão basal durante a manobra de Valsalva, nos três grupos em estudo, apenas no primeiro momento de avaliação. As mudanças esperadas em pressão durante o Sniff Test e a manobra de Toynbee não ocorreram em qualquer dos três grupos em estudo, em qualquer momento de avaliação. Os grupos com orelhas normais e com retração leve se comportaram de maneira semelhante entre si nos testes. As manobras aqui estudadas apresentaram variação interindividual de fraca a moderada, demonstraram baixa replicabilidade dos testes. Ocorreu maior variação entre as medidas nas orelhas com retração moderada/grave.