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Avaliação da função pulmonar e sintomas respiratórios em trabalhadores da mineração de pirocloro

Avaliação da função pulmonar e sintomas respiratórios em trabalhadores da mineração de pirocloro

Autores:

Ritta de Cássia Canedo Oliveira Borges,
José Cerqueira Barros Júnior,
Fabrício Borges Oliveira,
Marisa Andrade Brunherotti,
Paulo Roberto Veiga Quemelo

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756

J. bras. pneumol. vol.42 no.4 São Paulo jul./go. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562015000000221

INTRODUÇÃO

Historicamente, a mineração está associada a problemas de saúde decorrentes da exposição ocupacional e ambiental aos resíduos das minas, principalmente nos países em desenvolvimento.1) A poluição ocupacional e ambiental na forma de poeiras, fumos, vapores e gases tóxicos são fatores de risco para distúrbios respiratórios. 2) A prevalência e a gravidade das doenças pulmonares ocupacionais relacionadas à mineração são decorrentes do produto básico extraído, da duração e dos níveis de exposição à poluição, assim como de doenças associadas, das condições ambientais e do estilo de vida.3 Os dados epidemiológicos sobre pneumoconiose são escassos no Brasil e se referem a alguns ramos e situações focais.4 Em relação ao adoecimento do trabalhador, sabe-se que a exposição à poeira mineral é uma das causas desencadeantes, embora existam outros fatores que podem participar efetivamente da patogênese.5 Dentre as pneumopatias ocupacionais de destaque em mineradores estão a silicose, a asbestose e a pneumoconiose em mineiros de carvão.6 O tempo médio previsto para o surgimento da enfermidade e seu diagnóstico é de aproximadamente 10 anos de atividade mineradora5; porém, no que tange a função exercida pelo trabalhador, o período de surgimento da doença pode ser menor que 5 anos.7) As pneumopatias ocupacionais são consideradas como um problema de saúde pública, com riscos potenciais à economia do país, uma vez que passa a sustentar uma parcela de trabalhadores inaptos à atividade laboral. Assim, o entendimento dos mecanismos fisiopatológicos decorrentes desse tipo de exposição tem o intuito de reduzir a incidência dessas doenças.6,7

O estado de Minas Gerais responde por 75% de toda a produção mundial de pirocloro. O estado exporta aproximadamente 62 mil toneladas de liga ferro-nióbio (Fe-Nb) anualmente, e estima-se que esse tipo de mineração pode ainda ser explorado por 400 anos.8 O pirocloro faz parte de um grupo de minerais que apresentam grande interesse econômico, principalmente como fonte de nióbio,9 com muitas utilidades e aplicações em diversos ramos econômicos, tais como nas indústrias aeroespacial, bélica e nuclear, além de outras inúmeras aplicações, como lentes óticas, lâmpadas de alta intensidade e bens eletrônicos.10 O nióbio é considerado um metal inerte e com baixa reatividade pulmonar.11,12 Entretanto, não foram encontrados estudos científicos voltados para o comprometimento da função pulmonar e para os sintomas respiratórios em trabalhadores expostos ao nióbio (pirocloro).

Diante do exposto e devido à escassez na literatura de estudos com trabalhadores expostos ao pirocloro, é importante verificar os efeitos da exposição aos poluentes desse minério nos sintomas respiratórios e na função pulmonar desses trabalhadores, a fim de se estabelecer parâmetros de intervenção, prevenção e promoção de saúde. Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi avaliar a função pulmonar e a presença de sintomas respiratórios nesses mineradores e verificar a existência de correlações entre as variáveis.

MÉTODOS

Sujeitos e local da pesquisa

Trata-se de um estudo observacional de caráter transversal realizado com trabalhadores do setor de produção de uma das principais produtoras a céu aberto de ligas Fe-Nb do mundo. Para a produção das ligas de Fe-Nb é realizada primeiramente a extração mecânica do pirocloro do solo. Em seguida, o concentrado de pirocloro é transformado em concentrado de nióbio, que posteriormente é misturado a óxido de ferro e alumínio, originando o produto final, a liga Fe-Nb. O particulado é medido anualmente através de monitorização por amostragem, sendo considerado como poeira respirável, com baixa toxicidade. Não há sílica ou asbesto. A mineradora realiza as avaliações dos riscos ocupacionais anualmente, segundo as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho. As avaliações são voltadas para cada trabalhador, focando o meio ambiente, a segurança e a saúde, e monitoradas pelos programas legais, como o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, que inclui a realização de radiografia de tórax, e o Programa de Proteção Respiratória. A empresa disponibiliza e fiscaliza o uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs) sob rigoroso controle documental, com periodicidade controlada, e sua utilização é monitorada através de inspeções contínuas em campo. Os funcionários fazem o uso de um respirador valvulado com proteção contra partículas finas, fumos e névoas tóxicas (PFF2, penetração máxima através do filtro de 6%) e, para a contenção da poeira, é realizado o umedecimento do local.

Com base no número total de funcionários do setor pesquisado (N = 237), utilizou-se uma amostra de conveniência, constituída por 147 funcionários, correspondente a uma margem de erro igual a 5% e um intervalo de confiança de 95%. Os critérios de inclusão de seleção dos participantes foram apresentar uma carga horária semanal de trabalho ≥ 30 horas e ter um tempo de prestação de serviço na mineração de no mínimo um ano. Foram excluídos cardiopatas graves, pacientes com pneumopatias crônicas e/ou em exacerbação e com condições patológicas (reumatológicas, ortopédicas e neurológicas) que impossibilitassem a coleta dos dados. Os trabalhadores avaliados foram dos setores de operação: operadores de máquina (n = 69), motoristas (n = 53), apontadores (n = 17), amostradores (n = 9) e do setor de mecânica de máquinas pesadas (n = 11). Os trabalhadores podiam estar envolvidos em mais de uma função (operador de máquina e motorista). Os operadores de máquinas e motoristas desenvolvem atividades de operação de tratores, escavadeiras e rolos compressores; os motoristas são aqueles destinados aos caminhões de carga próxima a 12 toneladas, que fazem o transporte do material extraído para os pontos de entrega do material. Os apontadores são trabalhadores de apoio na dinâmica de carregamento dos caminhões e de locomoção das máquinas nas frentes de trabalho. Os amostradores ficam na coleta do material para a amostragem mineralógica do mesmo. Os mecânicos exercem funções gerais de mecânica de máquinas. O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade de Franca, protocolo 20973213.0.0000.5495, conforme a Resolução CNS 466/12.

Instrumentos de coleta dos dados

Para a coleta dos dados utilizou-se um questionário com informações sociodemográficas, antropométricas e ocupacionais. Os sintomas respiratórios, fatores de exposição ocupacional e frequência do tabagismo foram avaliados pelo questionário de sintomas respiratórios do British Medical Research Council (MRCQ). Esse questionário de sintomas respiratórios e exposições inalatórias ocupacionais é utilizado pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho, localizada na cidade de São Paulo (SP).13 O MRCQ avalia sintomas respiratórios (tosse, secreção, chiado e dispneia), doenças nos últimos 2 anos, história do tabagismo e um check-list de doenças pregressas. As questões são elencadas com respostas dicotômicas, sendo o questionário aplicado sempre pelo mesmo avaliador e no ambiente laboral.

Posteriormente à aplicação do questionário, foi avaliada a função pulmonar utilizando-se um espirômetro portátil Spirobank G(r) (MIR, Roma, Itália), com capacidade de registro gráfico direto em conformidade com critérios da American Thoracic Society .14) Os procedimentos técnicos e os critérios de aceitabilidade e de reprodutibilidade do teste de espirometria seguiram a padronização adotada pelo Consenso Brasileiro de Espirometria.15,16 Foi selecionado o maior valor obtido da CVF e, no caso do VEF1, foi considerado o maior valor retirado das curvas com valores de PFE situados entre os critérios de aceitação.15,16 As medidas foram realizadas pelo mesmo examinador.

Análise dos dados e tratamento estatístico

Os trabalhadores foram classificados, em relação aos sintomas respiratórios, como sintomáticos quando apresentassem pelo menos um dos quatro sintomas respiratórios: presença de tosse e catarro por pelo menos três meses no ano, chiado (somente quando associado à falta de ar) e dispneia (relato de não conseguir acompanhar o passo de pessoas da mesma idade quando andando no plano ou ainda relato de necessidade de parar para descansar quando andando na mesma superfície com passo normal).

Os resultados dos parâmetros espirométricos foram expressos como percentual do previsto.16) Para tanto, valores de normalidade para CVF e VEF1 foram calculados empregando-se as equações previstas para a população brasileira.17) A classificação dos distúrbios ventilatórios e da gravidade foi realizada de acordo com as Diretrizes Brasileiras de Espirometria.15

O índice de massa corpórea (IMC) foi classificado em normal (18,5-24,9 kg/m2), sobrepeso (25,0-29,9 kg/m2), obesidade classe I (30,0-34,9 kg/m2), obesidade classe II (35,0-39,9 kg/m2) e obesidade classe III (≥ 40,0 kg/m2).18

Em relação ao tabagismo, os participantes foram categorizados em fumantes, ex-fumantes e não fumantes, e pela carga tabágica em anos-maço. Foi considerado fumante todo trabalhador que referiu consumir um ou mais cigarros ao dia, por um período superior a um ano, e que mantinha o consumo no momento da entrevista. Como ex-fumante foram classificados os trabalhadores que referiram ter deixado o vício há mais de um ano. Os trabalhadores que nunca experimentaram o cigarro foram considerados como não fumantes. Para a análise da carga tabágica, utilizou-se o cálculo do número de cigarros fumados por dia, dividido por 20 e multiplicado pelo número de anos que o trabalhador fumou.19

A população estudada foi caracterizada em tabelas de distribuição dos dados em frequência, proporção, média, desvio-padrão e mediana. Para a tabulação e a análise dos dados foram utilizados os programas Microsoft Excel(r) e GraphPad Prisma, versão 6.0 (GraphPad Software, San Diego, CA, EUA). Foi realizada a verificação da normalidade através do teste de Kolmogorov-Smirnov, sendo evidenciada a sua natureza não paramétrica. Para verificar a associação entre os sintomas respiratórios e os resultados da espirometria foi aplicado o teste do qui-quadrado, sendo que, para as tabelas de associação com pelo menos um valor esperado inferior a 5, foi utilizado o teste exato de Fisher. Para verificar a correlação entre tempo de mineração com os índices espirométricos foi utilizada a correlação de Spearman. Para essa análise de correlação, os dados dos trabalhadores foram divididos em trabalhadores que nunca fizeram uso do tabaco e trabalhadores fumantes, somado aos trabalhadores ex-fumantes. O nível de significância estabelecido para os testes estatísticos foi de 5%.

RESULTADOS

Todos os participantes eram do sexo masculino, com faixa etária entre 23 a 61 anos e média de idade de 41,37 ± 8,71 anos. A categorização por faixa etária revelou que 72,78% dos trabalhadores apresentaram idade entre 30 e 50 anos. Dos 147 funcionários, a maioria era casada (76,87%) e com ensino médio completo (80,27%). A maioria dos trabalhadores foi classificada como com sobrepeso (48,97%). Em relação ao tempo de exposição à poeira ocupacional, evidenciou-se uma média de 12,26 ± 7,09 anos, e, quanto ao consumo de tabaco, foi observado que 61,20% dos trabalhadores não eram fumantes (Tabela 1).

Tabela 1 Características gerais da amostra (N = 147). 

Características n % Média ± dp Mediana
Faixa etária, anos 41,37 ± 8,71 42
< 30 9 6,12
30-50 107 72,78
> 50 31 21,10
IMC, kg/m2 27,83 ± 3,83 27
Normal 33 22,44
Sobrepeso 72 48,97
Obesidade 42 28,59
Classe I 35 83,33
Classe II 6 14,28
Classe III 1 2,39
Tempo de exposição à mineração, anos 12,26 ± 7,09 11
< 10 88 59,86
10-20 57 38,77
> 20 2 1,36
Tabagismo
Não fumantes 90 61,20
Ex-fumantes 35 23,80
Fumantes 22 15,00
Carga tabágica, anos-maço 23,67 ± 17,32 20
Prova de função pulmonar
CVF, % previsto 94,17 ± 14,45 91
VEF1, % previsto 95,24 ± 15,17 93
VEF1/CVF, % previsto 98,63 ± 7,18 100
FEF25-75%, % previsto 101,26 ± 28,60 97

IMC: índice de massa corpórea.

A presença de sintomas respiratórios foi relatada por 33 trabalhadores (22,44%), sendo que alguns relataram a presença de mais de um sintoma; vale ressaltar que desses classificados como sintomáticos, 20 (35,08%) apresentavam história de tabagismo ou ex-tabagismo (Tabela 2).

Tabela 2 Distribuição dos trabalhadores segundo os sintomas respiratórios e status tabágico (N = 147).a 

Sintomas Tabagistas/ex-tabagistas Não tabagistas
(n = 57; 38,8%) (n = 90; 61,2%)
Tosse 5 (8,77) 7 (7,77)
Catarro 9 (15,78) 6 (6,66)
Chiado 5 (8,77) 10 (11,11)
Dispneia 1 (5,75) 2 (2,22)

aValores expressos em n (%).

A avaliação da função pulmonar evidenciou que a maioria dos funcionários (n = 121; 82,31%) apresentaram valores espirométricos normais (Tabela 3). Dentre os funcionários que apresentaram espirometria normal, 44 (36,4%) eram tabagistas ou ex-tabagistas. Ainda, dentre os funcionários que foram classificados com alguma alteração espirométrica, 13 (22,8%) apresentavam história de tabagismo ou ex-tabagismo.

Tabela 3 Distribuição dos funcionários segundo a classificação espirométrica e o status tabágico (N = 147).a 

Classificação (padrão) Geral Tabagistas/ex-tabagistas Não tabagistas
Normal 121 (82,31) 44 (36,4) 77 (63,6)
Obstrutivo 13 (8,84) 6 (46,2) 7 (53,8)
Restritivo 12 (8,17) 6 (50,0) 6 (50,0)
Misto 1 (0,68) 1 (100,0) 0 (0,0)

aValores expressos em n (%).

A Figura 1 mostra a dispersão da correlação entre os valores espirométricos e o tempo de mineração, discriminada em não fumantes (Figuras A) e fumantes e ex-fumantes (Figuras B). Ambos os casos apresentaram uma baixa correlação entre as variáveis analisadas.

Figura 1 Dispersão da correlação entre os resultados espirométricos e o tempo de mineração, discriminada em não fumantes (em A) e em fumantes e ex-fumantes (em B). 

Em relação à associação entre os sintomas respiratórios e os índices espirométricos dos participantes da pesquisa, não foram observados valores significativos (Tabela 4).

Tabela 4 Associação entre os sintomas respiratórios e os resultados espirométricos (N = 147).a 

Sintomas respiratórios Espirometria p
Normal Alterada
Tosse 0,446*
Não 112 23
Sim 9 3
Total 121 26
Catarro 0,306*
Não 110 22
Sim 11 4
Total 117 26
Chiado 0,144*
Não 111 21
Sim 10 5
Total 121 26
Dispneia 0,470**
Não 86 16
Sim 35 10
Total 121 26

aValores expressos em n. *Teste exato de Fisher. **Teste do qui-quadrado.

DISCUSSÃO

Os resultados de sintomas respiratórios encontrados para os funcionários classificados como sintomáticos (22,4%) frente às alterações respiratórias (tosse, catarro, chiado e dispneia) no presente estudo não corrobora os achados de um estudo que utilizou um questionário semelhante de sintomas respiratórios e que identificou que 78% dos trabalhadores entrevistados apresentavam algum sintoma respiratório, sendo que desses, 35% apresentaram sintomas respiratórios graves.13 A diferença entre os achados pode estar relacionada com as diferentes atividades dentro da mineração e aos tipos de poeiras minerais às quais os trabalhadores estavam expostos, visto que a sílica é mais agressiva que o pirocloro. Um estudo semelhante evidenciou que os principais sintomas, em ordem de frequência, foram catarro (41,7%), chiado (33,0%), tosse (31,9%) e dispneia (9,7%)20; no presente estudo, os resultados foram similares, porém com percentuais menores. A maior prevalência do sintoma respiratório de catarro (36,4%), também foi observada em mineiros de carvão.21 A presença de sintomas respiratórios pode estar associada à gravidade da doença e indicar uma preocupação permanente com o estado de saúde dos trabalhadores.22 No entanto, o presente estudo aponta que os sintomas mais comuns foram catarro e chiado (em 10,2% da amostra para ambos); esses índices não sugerem agravos significativos frente às alterações respiratórias, como observado em pesquisas com agravos ocupacionais.20,23 A baixa frequência de sintomas respiratórios no presente estudo pode ser justificada pela especificidade do minério extraído (pirocloro) e pela adoção institucional de medidas preventivas, como o Programa de Proteção Respiratória, que envolve desde a monitorização do nível de poeira até a disponibilização integral dos EPIs e o controle sobre a sua utilização a todos os funcionários. Embora o instrumento MRCQ tenha sido utilizado em outras pesquisas e investigações, é importante ressaltar que não foram encontrados estudos específicos sobre o processo de tradução e validação do instrumento, o que deve ser considerado como um fator limitante da presente pesquisa.

Em relação ao tabagismo, foi encontrado no presente estudo que 15% dos trabalhadores eram fumantes e 23,8% eram ex-fumantes. O consumo de tabaco é considerado a maior causa isolada e evitável de morbidade e mortalidade no mundo.23 A importância relativa do tabagismo na saúde respiratória de grupos ocupacionais foi previamente analisada, sendo observado que, em mineiros de carvão, a contribuição do tabagismo na morbidade e mortalidade respiratória era mais importante do que a exposição ocupacional, e ainda, no caso de exposição a sílica ou asbesto, os efeitos desses minérios na função pulmonar eram similares em magnitude.24 Para as doenças respiratórias ocupacionais, essa interação de causa e efeito parece inquestionável; o consumo de tabaco constitui-se no principal viés de confusão que deve ser considerado na análise do fator de risco envolvido na gênese dos sintomas respiratórios.23 A cessação do fumo leva à regressão de sintomas bronquíticos, assim como a uma tendência à lentificação do declínio funcional. 25 Pouco se sabe sobre os efeitos da cessação de exposições ocupacionais sobre sintomas e a função pulmonar; entretanto, conhecendo-se a patogenia, é de se supor que os efeitos sobre os sintomas sejam similares aos da cessação do fumo.23

Os resultados normais das espirometrias dos trabalhadores estudados (em 82,3% dos casos) estão de acordo com uma pesquisa realizada no Rio Grande do Sul em um grupo de trabalhadores envolvidos na produção de fertilizantes em diferentes exposições ocupacionais,26 assim como com trabalhos realizados na área de pneumopatias ocupacionais.21,23 Em uma pesquisa realizada na região carbonífera do extremo sul de Santa Catarina, foi constatado que a maioria dos mineradores de carvão apresentou espirometrias normais. Esses achados foram atribuídos a melhorias nas condições de trabalho, ao uso de EPIs, bem como à adoção de medidas de redução da poeira no ambiente de trabalho.7

A não semelhança entre as variáveis espirométricas e o tempo de exposição à mineração está de acordo com outros trabalhos que também não evidenciaram diferenças significativas entre o tempo de exposição à poeira ocupacional e a função pulmonar.23,27 Os achados são semelhantes com os índices espirométricos de mineiros de rocha fosfática no Canadá, não se observando reduções nos índices espirométricos devido a essa exposição ocupacional.28 Os trabalhadores estudados realizaram espirometrias seriadas anuais ao longo de 3 a 7 anos, não sendo encontrada nenhuma evidência de declínio acentuado do VEF1 que pudesse ser atribuída à exposição ocupacional.28 Por outro lado, um recente estudo publicado apresentou uma correlação do tempo de exposição aos poluentes do ar presentes no processo produtivo das cerâmicas com as alterações da função pulmonar; porém, em funcionários que não utilizavam os EPIs.29

No presente estudo não foram observadas associações significativas dos sintomas respiratórios com alterações espirométricas, semelhante à pesquisa de De Capitani com trabalhadores expostos a rocha fosfática.30 Já em trabalhadores de marmorarias, foi evidenciada diferença estatisticamente significativa entre a presença de dispneia e resultados da espirometria.23) Em outra pesquisa, os sintomas se associaram somente com a presença de antecedentes de doenças respiratórias e com o tabagismo.20) É importante pontuar que as comparações dos achados do presente estudo foram realizadas com trabalhadores expostos a outras poeiras minerais e com efeitos potencialmente diferentes. Adicionalmente, o presente estudo não realizou estudos radiográficos de tórax, o que impossibilita a confirmação de pneumoconiose. Informações da empresa indicam que, até o presente momento, não existem casos de pneumoconiose registrados nos trabalhadores expostos a poeira mineral.

É de pleno conhecimento a importância da adoção de medidas de promoção para a saúde do trabalhador nos processos de melhoria da qualidade de vida, funcionalidade e produtividade, seja no âmbito laboral, seja no âmbito pessoal. Tais premissas são evidenciadas na presente pesquisa, pois a empresa apresenta programas de atenção direcionados ao funcionário, com base em ações permanentes de monitorização contínua do empregado e do ambiente laboral, estímulo às boas práticas de saúde, além de acompanhamentos periódicos com especialistas.

A presente pesquisa apresentou-se como um importante norteador da avaliação pulmonar de trabalhadores vinculados à extração do minério pirocloro, tendo em vista que há poucos estudos na literatura que avaliaram possíveis agravos no aparelho respiratório de trabalhadores expostos a extração desse minério. É possível que a baixa frequência de sintomas respiratórios e de alterações espirométricas nos mineradores de pirocloro, a baixa correlação dos sintomas respiratórios com os valores espirométricos, bem como a baixa correlação dos sintomas respiratórios com o tempo de exposição à poeira indiquem boas condições de trabalho e a prevenção de doenças nesse setor, aliadas a baixa toxicidade do minério pirocloro.

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