versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.104 no.5 São Paulo maio 2015 Epub 13-Fev-2015
https://doi.org/10.5935/abc.20150006
A ecocardiografia sob estresse físico é a metodologia estabelecida para diagnóstico e estratificação de risco de doença arterial coronária em pacientes com capacidade física preservada. Em obesos (índice de massa coporal ≥ 30 kg/m2), já foi demonstrada a utilidade da ecocardiografia sob estresse farmacológico. Todavia, não tem sido relatado o uso da ecocardiografia sob estresse físico nesse grupo crescente da população.
Avaliar a frequência de isquemia miocárdica em obesos e não obesos submetidos à ecocardiografia sob estresse físico, e comparar suas diferenças clínicas e ecocardiográficas.
Foram estudados 4.050 pacientes, submetidos à ecocardiografia sob estresse físico em esteira ergométrica, segundo o protocolo de Bruce, divididos em dois grupos: obesos (n = 945; 23,3%) e não obesos (n = 3.105; 76,6%).
Não houve diferença quanto ao sexo. Os obesos foram mais jovens (55,4 ± 10,9 anos vs. 57,56 ± 11,7 anos) e apresentaram maior frequência de hipertensão arterial sistêmica (75,2% vs. 57,2%; p < 0,0001), diabetes melito (15,2% vs. 10,9%; p < 0,0001), dislipidemia (59,5% vs. 51,9%; p < 0,0001), antecedentes familiares para doença arterial coronária (59,3% vs. 55,1%; p = 0,023) e de sedentarismo (71,4% vs. 52,9%; p < 0,0001). Os obesos apresentaram maiores dimensões da aorta (3,27 vs. 3,14 cm; p < 0,0001) do átrio esquerdo (3,97 vs. 3,72 cm; p < 0,0001) e da espessura relativa do ventrículo esquerdo (33,7cm vs. 32,8 cm; p < 0,0001). Quanto à presença de isquemia miocárdica, não houve diferença entre os grupos (19% vs. 17,9%; p = 0,41). Na regressão logística ajustada, isquemia miocárdica permaneceu associada de maneira independente a idade, sexo feminino, diabetes melito e hipertensão arterial sistêmica.
A obesidade não se comportou como fator preditor de presença de isquemia à ecocardiografia sob estresse físico. A aplicação desse instrumento de avaliação em amostra de larga escala demonstra a exequibilidade da metodologia, também em obesos.
Palavras-Chave: Isquemia Miocárdica; Ecocardiografia sob Estresse / métodos; Doença da Artéria Coronariana / mortalidade
Physical stress echocardiography is an established methodology for diagnosis and risk stratification of coronary artery disease in patients with physical capacity. In obese (body mass index ≥ 30 kg/m2) the usefulness of pharmacological stress echocardiography has been demonstrated; however, has not been reported the use of physical stress echocardiography in this growing population group.
To assess the frequency of myocardial ischemia in obese and non-obese patients undergoing physical stress echocardiography and compare their clinical and echocardiographic differences.
4,050 patients who underwent treadmill physical stress echocardiography were studied according to the Bruce protocol, divided into two groups: obese (n = 945; 23.3%) and non-obese (n = 3,105; 76.6%).
There was no difference regarding gender. Obese patients were younger (55.4 ± 10.9 vs. 57.56 ± 11.67) and had a higher frequency of hypertension (75.2% vs. 57, 2%; p < 0.0001), diabetis mellitus (15.2% vs. 10.9%; p < 0.0001), dyslipidemia (59.5% vs 51.9%; p < 0.0001), family history of coronary artery disease (59.3% vs. 55.1%; p = 0.023) and physical inactivity (71.4% vs. 52.9%, p < 0.0001). The obese had greater aortic dimensions (3.27 vs. 3.14 cm; p < 0.0001), left atrium (3.97 vs. 3.72 cm; p < 0.0001) and the relative thickness of the ventricule (33.7 vs. 32.8 cm; p < 0.0001). Regarding the presence of myocardial ischemia, there was no difference between groups (19% vs. 17.9%; p = 0.41). In adjusted logistic regression, the presence of myocardial ischemia remained independently associated with age, female gender, diabetes and hypertension.
Obesity did not behave as a predictor of the presence of ischemia and the physical stress echocardiography. The application of this assessment tool in large scale sample demonstrates the feasibility of the methodology, also in obese.
Key words: Myocardial Ischemia; Obesity; Echocardiography, Stress / methods; Coronary Artery Disease / mortality
A Doença Arterial Coronária (DAC) constitui, atualmente, a principal causa de mortalidade no Brasil, contribuindo com mais de 30% dos óbitos, além de onerar, substancialmente, os sistemas de saúde1 - 5.
Trata-se de doença causada por fatores de risco independentes, tais como Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), Diabetes Melito (DM), dislipidemia e tabagismo. A obesidade, condição clínica que vem crescendo substancialmente em nosso meio, é considerada, em algumas publicações, fator de risco condicional e, em outras, fator de risco independente, para DAC6 - 15. Existem ainda evidências epidemiológicas conferindo à obesidade um fator protetor ou, pelo menos, neutro, em portadores de doenças cardiovasculares, constituindo o paradoxo da obesidade15 - 17.
A obesidade é caracterizada por excesso de tecido adiposo, associada a diversas comorbidades. Dentre estas, temos a aterosclerose coronária, que compreende uma série de respostas inflamatórias em nível celular e molecular, cujas reações se encontram mais exacerbadas em pacientes obesos18 , 19. A ecocardiografia sob estresse tem sido largamente utilizada na investigação não invasiva da DAC20. O esforço físico é o agente provocador de estresse cardiovascular de primeira escolha para indivíduos com capacidade física preservada, por provocar maior aumento do inotropismo, fornecer informações fisiológicas sobre a presença, a localização e a extensão da isquemia21 , 22. Em obesos, alguns estudos já demonstraram viabilidade, segurança e utilidade diagnóstica da ecocardiografia sob estresse farmacológico23 , 24.Todavia, a utilização da Ecocardiografia sob Estresse Físico (EEF) em obesos tem sido pouco relatada na literatura, talvez em decorrência da suspeita de que esse grupo populacional não teria capacidade de se exercitar o suficiente para obtenção de Frequência Cardíaca (FC) adequada para a realização do método.
Neste estudo, especula-se a capacidade da EEF para diagnosticar DAC, em obesos com capacidade física preservada. O objetivo da presente investigação foi verificar a frequência de isquemia miocárdica em obesos e não obesos submetidos à EEF e comparar suas diferenças clínicas e ecocardiográficas.
Entre janeiro de 2000 a janeiro de 2012, foram incluídos 8.751 voluntários de ambos os gêneros, com DAC estabelecida ou suspeita. Todos os indivíduos realizaram, por recomendação de seus médicos assistentes, EEF no Serviço de Ecocardiografia do Hospital São Lucas, considerado referência cardiológica em Sergipe e possuidor de acreditação nível 3 segundo o Instituto Qualisa de Gestão (IQG). Os dados desses pacientes, bem como os resultados de seus exames, foram padronizados e armazenados em um banco de registros digital.
Os seguintes critérios de exclusão foram adotados: recusa em participar da pesquisa, pacientes com dados duplicados no banco de registros (em pacientes que realizaram exames anuais, foi selecionado o exame mais recente) e indicações inapropriadas do exame (pacientes jovens, sem fatores de risco para doença aterosclerótica coronariana e sem alterações ao exame clínico e ao eletrocardiograma − ECG de repouso). Em apenas sete pacientes do grupo de obesos não foi possível realizar o exame devido a dificuldades técnicas. Desse modo, restaram 4.050 pacientes com DAC suspeita ou estabelecida, divididos em dois grupos: (G1) obesos (n = 945) e (G2) não obesos (n = 3105).
Dislipidemia foi caracterizada pela presença de níveis séricos (após jejum de 12 horas) de colesterol total > 200 mg/dL e/ou de triglicerídeos maiores que 150 mg/dL ou pelo uso de agentes hipolipemiantes (estatinas e/ou fibratos). DM foi definido como níveis de glicemia de jejum > 126 mg/dL ou pelo uso de insulina ou agentes hipoglicemiantes orais.
As indicações isoladas ou combinadas para a EEF foram avaliação de precordialgia; avaliação pré-operatória para cirurgia não cardíaca; presença de teste ergométrico (TE) positivo para isquemia miocárdica em pacientes com baixo risco para DAC; TE negativo para isquemia miocárdica em pacientes com risco intermediário para DAC; surgimento de arritmia durante o TE; estratificação de DAC previamente estabelecida e estratificação de risco pós-síndrome coronária aguda.
Os princípios éticos que regem a experimentação humana foram seguidos, e todos os pacientes assinaram Termo de Consentimento informado. O trabalho foi autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe (CAAE: 0121.0.107.000-09).
O exame ecocardiográfico foi realizado em todos os participantes desta investigação, observando-se os aspectos técnicos classicamente descritos25. Utilizou-se o protocolo de Bruce para realização dos testes ergométricos. O esforço físico foi interrompido se surgissem os seguintes sintomas e/ou sinais: dor precordial, dispneia, fadiga muscular, HAS (Pressão Arterial − PA ≥ 240 x 120 mmHg), hipotensão arterial (não elevação da pressão no decorrer do esforço ou queda da mesma), pré-síncope e arritmias graves (fibrilação ventricular e taquicardia ventricular). Durante a prova, os indivíduos eram mantidos monitorizados continuadamente, mediante ECG de três derivações. A FC foi continuamente monitorada e os pacientes foram encorajados a ultrapassar 85% da FC máxima preconizada para a idade, sendo considerados negativos para isquemia miocárdica. A carga de esforço foi expressa em Equivalentes Metabólicos (METs). O TE foi considerado positivo para isquemia miocárdica quando se constatava infradesnivelamento horizontal ou descendente do segmento ST ≥ 1 mm para homens e ≥ 1,5 mm para mulher, a 0,08 segundos do ponto J22.
Os registros ecocardiográficos foram efetuados com aparelhos Hewlett-Packard/Phillips SONOS 5500, Estados Unidos (EUA), mediante transdutor de 2,5 mHz também da Hewlett-Packard/Phillips. As imagens ecocardiográficas bidimensionais foram obtidas e gravadas, com o paciente em decúbito lateral esquerdo a 45° (ou obliquidade adequada à obtenção de imagens ecocardiográficas satisfatórias), nas janelas acústicas paraesternais (longitudinal e transversal) e apicais (duas e quatro câmaras) durante o repouso, imediatamente após o esforço, ainda com a FC elevada, e no período de recuperação.
A motilidade segmentar foi avaliada por um mesmo ecocardiografista experiente, com nível III, conforme preconizado pela American Society of Echocardiograph 26. O espessamento parietal segmentar do Ventrículo Esquerdo (VE) foi avaliado quantitativamente no repouso e após o esforço, com a utilização do modelo de 16 segmentos e graduado em 1 se normal, 2 se hipocinético, 3 se acinético e 4 se discinético. O Índice de Escore da Motilidade Ventricular Esquerda (IEMVE) foi obtido somando-se o escore de cada segmento e dividindo-se o valor encontrado por 16 − número total de segmentos do VE. O desenvolvimento de alterações de motilidade segmentar induzida pelo esforço foi considerado indicador de isquemia miocárdica.
Tanto as imagens digitalizadas quanto as impressas foram utilizadas para interpretação e laudo imediatamente após o exame, por um único ecocardiografista, ciente das condições clínicas e história prévia do paciente.
Para o cálculo do IEMVE, foi utilizado o escore padronizado pela American Society of Echocardiograph 26, conferindo, para cada um dos 16 segmentos, os seguintes valores: 1 se normal, 2 se hipocinético, 3 se acinético e 4 se discinético. O IEMVE foi obtido pela soma dos valores obtidos para cada um dos 16 segmentos, divididos pelo número de segmentos estudados.
O índice de escore da motilidade do miocárdio 1 (normal) foi obtido somando-se o escore de cada segmento visualizado e dividindo-se o valor encontrado por 16 (número de segmentos do VE). Essa avaliação foi realizada em repouso e após o esforço. A contratilidade da parede ventricular foi estudada, com base no IEMVE: normal se igual a 1; disfunção ventricular leve se entre 1,1 e 1,6; disfunção ventricular moderada se entre 1,61 e 2,0; disfunção ventricular grave se ≥ 2,0.
O exame ecocardiográfico sob estresse físico foi definido como anormal quando na presença de EEF isquêmica, ou seja, IEMVE > 1 no repouso e /ou no esforço.
As variáveis quantitativas foram descritas como média e Desvio Padrão (DP). Foi aplicado o teste de Kolmogorov‑Smirnov para avaliar o pressuposto de normalidade da amostra estudada. Em seguida, utilizou-se o teste t de Student ou o de Mann-Whitney para grupos independentes, de acordo com padrão de normalidade da amostra. Quanto às variáveis categóricas, utilizaram‑se frequência absoluta e percentagem. Para comparar características das variáveis categóricas entre os dois grupos, utilizou-se o teste qui quadrado ou exato de Fisher, quando mais adequado. Realizou-se uma regressão logística tendo como desfecho a presença de isquemia no EEF, com ajustes para as variáveis: idade, sexo, DM, dislipidemia, HAS, sedentarismo e antecedentes familiares. Foram apresentados os valores de hazard ratio, acompanhados do Intervalo de Confiança de 95% (IC95%). Para realizar os cálculos estatísticos, recorreu‑se ao software BioEstat, versão 5.0, e, para a regressão logística, foi utilizado o Stata, versão 13,0. Foi considerado como significância estatística para todos os testes um p < 0,05, bicaudal.
De 4.050 pacientes que realizaram EEF no período de 12 anos (2000 a 2012), 945 obesos foram analisados e comparados com 3.105 não obesos. Foram considerados obesos os pacientes com IMC ≥ 30 kg/m², o que correspondeu a 23,3% da amostra total. Não houve diferença quanto ao sexo, porém os obesos foram mais jovens (55,4 ± 10,9 anos vs. 57,6 ± 11,7 anos; p < 0,0001), conforme a Tabela 1.
Tabela 1 Características clínicas de obesos e não obesos submetidos à ecocardiografia sob estresse físico
Variável | Obesos (n = 945) | Não obesos (n = 3.105) | Valor de p |
---|---|---|---|
Idade (anos)* | 55,4 ± 10,9 | 57,6 ± 11,7 | < 0,001 |
Sexo feminino, n (%) | 492 (52,1%) | 1637 (52,7%) | 0,738 |
Hipertensão arterial sistêmica, n (%) | 711 (75,2%) | 1775 (57,2%) | < 0,001 |
Dislipidemia, n (%) | 562 (59,5%) | 1612 (51,9%) | < 0,001 |
Diabetes melito, n (%) | 144 (15,2%) | 338 (10,9%) | < 0,001 |
História familiar de DAC, n (%) | 560 (59,3%) | 1710 (55,1%) | 0,023 |
Circunferência abdominal (cm)* | 108 ± 12,7 | 91,7 ± 9,95 | < 0,001 |
Sedentarismo, n (%) | 675 (71,4%) | 1644 (52,9%) | < 0,001 |
Tabagismo, n (%) | 46 (4,9%) | 135 (4,3%) | 0,50 |
Infarto prévio, n (%) | 39 (4,1%) | 118 (3,8%) | 0,63 |
*Valores expressos em média e desvio padrão. DAC: doença arterial coronária.
Quanto aos fatores de risco cardiovascular, os obesos apresentaram significativamente (p < 0,0001) maior frequência de HAS, DM, dislipidemia, antecedentes familiares para DAC e de sedentarismo (Tabela 1). Na análise de regressão logística ajustada, a isquemia miocárdica permaneceu associada de maneira independente à idade à dislipidemia ao gênero feminino, ao DM e à HAS (Tabela 2).
Tabela 2 Resultados da regressão logística entre fatores de risco para doença arterial coronária, tendo como variável de desfecho a isquemia miocárdica
Variável | OR ajustado | IC95% | Valor de p |
---|---|---|---|
Dislipidemia | 2,02 | 1,69-2,42 | < 0,001 |
Antecedente familiar | 1,55 | 1,30-1,84 | < 0,001 |
Diabetes melito | 1,54 | 1,23-1,92 | < 0,001 |
Hipertensão arterial sistêmica | 1,45 | 1,20-1,76 | < 0,001 |
Idade (anos) | 1,03 | 1,02-1,04 | < 0,001 |
Obesidade | 1,01 | 0,83-1,24 | 0,877 |
Sexo feminino | 1,82 | 1,54-2,15 | < 0,001 |
OR: odds ratio; IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Dentre os sintomas prévios que motivaram a indicação do exame, os obesos apresentavam mais precordialgia atípica (49,4%) e dispneia (7,5%). Durante a realização do exame, a presença de arritmias simples (extrassístoles isoladas) predominou no grupo de não obesos (Tabela 3).
Tabela 3 Sintomas prévios para indicação da ecocardiografia sob estresse físico
Variável | Obesos (n = 945) | Não Obesos (n = 3105) | Valor de p |
---|---|---|---|
Assintomáticos, n (%) | 347 (36,7%) | 1442 (36,8%) | 0,97 |
Precordialgia típica, n (%) | 55 (5,82%) | 179 (5,76%) | 0,95 |
Precordialgia atípica, n (%) | 467 (49,4%) | 1332 (42,9%) | < 0,001 |
Dispneia, n (%) | 71 (7,5%) | 143 (4,6%) | < 0,001 |
Arritmia simples, n (%) | 253 (26,8%) | 871 (28,1%) | 0,44 |
Quanto ao comportamento das FC atingidas pelos dois grupos, verificamos que 251 obesos (26,6%) atingiram frequência acima da máxima, o que demonstrou que alguns deles possuíam capacidade física suficiente para atingir valores elevados de FC à EEF (Tabela 4).
Tabela 4 Frequências cardíacas (FC) atingidas por obesos e não obesos durante a ecocardiografia sob estresse físico
Variável | Obesos (n = 945) | Não Obesos (n = 3.105) | Valor de p |
---|---|---|---|
FC abaixo da submáxima | 110 (11,6%) | 230 (7,4%) | < 0,001 |
FC submáxima | 431 (45,6%) | 1064 (34,3%) | < 0,001 |
FC máxima | 154 (16,3%) | 590 (19%) | 0,06 |
FC acima da máxima | 251 (26,6%) | 1219(39,3%) | < 0,001 |
A análise das características ecocardiográficas mostrou diferença significativa (p < 0,0001) nas dimensões da aorta, átrio esquerdo, volume do átrio esquerdo e espessura relativa do VE. No entanto, constatou-se que não houve diferença quanto à fração de ejeção do VE (p = 0,5), à relação E/e’ (p= 0,5), ao IMVE de repouso (p = 0,4) e ao IMVE de esforço (p = 0,6), conforme visto na Tabela 5.
Tabela 5 Características ecocardiográficas de obesos e não obesos submetidos à ecocardiografia sob estresse físico
Variável | Obesos (n = 945) | Não Obesos (n = 3105) | Valor de p |
---|---|---|---|
Aorta (cm) | 3,27 ± 0,41 | 3,14 ± 0,39 | < 0,001 |
Átrio esquerdo (cm) | 3,97 ± 0,43 | 3,72 ± 0,43 | < 0,001 |
Fração de ejeção | 0,66 ± 0,06 | 0,70 ± 1,79 | 0,506 |
Índice de volume do AE | 23,65 ± 8,95 | 21,50 ± 7,75 | < 0,001 |
Espessura relativa do VE | 33,76 ± 5,31 | 32,80 ± 5,16 | < 0,001 |
Índice de massa do VE | 90,88 ± 29,12 | 85,92 ± 22,50 | < 0,001 |
Relação E/e' | 8,95 ± 2,88 | 8,72 ± 3,06 | 0,510 |
IEMVE repouso | 1,01 ± 0,076 | 1,01 ± 0,089 | 0,46 |
IEMVE repouso | 1,02 ± 0,091 | 1,02 ± 0,097 | 0,65 |
AE: átrio esquerdo; VE: ventrículo esquerdo; E/e': Relação entre a velocidade da onda "E" obtida pelo Doppler convencional e a velocidade da onda e', obtida pelo Doppler tecidual; IEMVE: índice do escore de motilidade do ventrículo esquerdo.
Quanto à ocorrência de isquemia miocárdica, a frequência, na amostra total, foi de 18,1% (IC95%: 17,0-19,3) e ambos os grupos tiveram comportamento homogêneo (Figura 1).
Neste estudo, observou-se que a EEF, uma metodologia estabelecida para diagnóstico e estratificação de risco de DAC, pode ser utilizada em investigação de isquemia miocárdica em obesos com capacidade física de realizar o teste em esteira, sem apresentar complicações. Portanto, por se constituir como indutor de isquemia de primeira escolha em indivíduos com capacidade de exercício físico preservada25, o esforço pode ser incorporado na prática clínica também para a avaliação de pacientes obesos.
Apesar da descrita menor tolerância ao esforço em obesos26, não logramos identificar, na presente investigação, diferença entre os grupos quanto à ocorrência de isquemia miocárdica à EEF: 19% nos obesos e 17,9% nos não obesos.
Vários trabalhos publicados evidenciam o efeito protetor da obesidade, de acordo com o IMC, nos pacientes submetidos à Intervenção Coronária Percutânea (ICP)27. No estudo CADILLAC, Nikolski e cols.27 encontraram relação entre IMC elevado e menor mortalidade. O “paradoxo da obesidade” também tem sido observado em pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio e em portadores de insuficiência cardíaca congestiva. Acredita-se que essa proteção decorra da presença, em obesos, de maior diâmetro coronariano e de faixas etárias mais baixas, e até mesmo do uso excessivo de anticoagulantes nessa população28 - 30.
Existe escassez, na literatura médica, de estudos sobre ecoestresse em obesos; os poucos existentes utilizaram somente o estresse farmacológico.
Segundo nosso conhecimento, esta foi a primeira investigação brasileira que utilizou EEF em obesos. Novas pesquisas são necessárias para corroborar o resultado deste estudo, a fim de expandir o uso dessa metodologia, na investigação de DAC em obesos.
A EEF exibe acurácia semelhante à da modalidade farmacológica, com o atrativo de apresentar custo mais baixo, fato que, seguramente, tem importância, considerando-se o baixo poder aquisitivo da maioria da população brasileira31 - 35.
Este estudo apresentou as seguintes limitações: (1) os pacientes foram selecionados em um único centro, que não pertence ao sistema de referência do Sistema Único de Saúde (SUS) para a realização de EEF, o que indiretamente levou a um maior diferenciação amostral em relação à população-alvo; (2) trata-se de uma amostragem não probabilística sob a forma de registro; (3) os pacientes não foram estratificados em isquemia fixa e induzida, o que identifica aqueles com DAC estabelecida; (4) a obesidade não foi classificada em graus de severidade, não permitindo, portanto, a avaliação da presença de isquemia nos subgrupos de obesos.
O grande volume amostral, todavia, conferiu confiabilidade aos resultados encontrados. Como perspectivas futuras, seria interessante a realização de estudos que abordassem o uso desta metodologia em obesos com diferentes graus de obesidade e que ela seja comparada com a técnica farmacológica, para maior consolidação de sua utilização clínica.
Não houve diferença entre os grupos obesos e não obeso quanto aos preditores e a frequência de isquemia miocárdica,