versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.9 no.3 São Paulo jul./set. 2011
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011ao1772
Estima-se que, anualmente, 20 milhões de novos casos de acidente vascular cerebral (AVC) ocorram no mundo. Desse total, a mortalidade pode ser de 5 milhões de indivíduos. Os 15 milhões restantes são de casos não fatais de AVC, e um terço deles evolui com alguma sequela neural. Constitui assim uma das principais causas de óbito e incapacidade em todo mundo(1).
O AVC apresenta manifestações clínicas que refletem a localização e a extensão da lesão vascular(2). Lesões no sistema corticoespinal após AVC interferem em atividades de vida diária, mobilidade e comunicação. Pacientes com sequelas de AVC demonstram dificuldade em controlar o início do movimento, bem como o controle motor voluntário(3). A principal causa dessa interferência é a espasticidade, fazendo com que haja acometimento da habilidade do paciente em produzir e regular o movimento voluntário. A espasticidade pode acarretar deformidades estáticas; contudo, pode também alterar a angulação articular durante a marcha dinâmica(4). Evidências que suportam esse argumento incluem a velocidade angular reduzida em músculos espásticos durante movimento articular isolado(5).
A disfunção motora é um dos problemas mais frequentemente encontrados após o AVC. O déficit motor é caracterizado por hemiplegia ou hemiparesia do lado oposto à lesão no hemisfério cerebral. A hipotonia usualmente está presente imediatamente após o AVC, tendo duração breve. Muito raramente, a hipotonia pode persistir indefinidamente. A espasticidade emerge cerca de 90% dos casos e desencadeia uma resistência aumentada à mobilização passiva, que dificulta ou impossibilita a movimentação ativa, e dificulta a atividade motora voluntária com déficit na amplitude de movimento e força muscular(1).
O padrão da marcha dos pacientes hemiparéticos varia de acordo com a localização anatômica, a extensão da lesão, os mecanismos compensatórios desenvolvidos, o grau de tônus muscular, o controle motor seletivo preservado, o equilíbrio e as possíveis alterações da sensibilidade(3).
A marcha hemiparética é comum em pacientes com hemiparesia espástica e apresenta alterações em sua velocidade, cadência, simetria, tempo e comprimento dos passos, desajustes quanto à postura, equilíbrio e reação de proteção, alterações quanto ao tônus muscular e quanto ao padrão de ativação neural, principalmente do lado parético, caracterizadas pelas dificuldades na iniciação e duração dos passos e em determinar o quanto de força muscular será necessário para deambular(6).
O uso da água no tratamento das disfunções sensório-motoras causadas pelo AVC constitui prática antiga(4). O tratamento em piscina terapêutica se utiliza de alguns princípios físicos que direcionam a intervenção do fisioterapeuta. A flutuação e a densidade da água podem facilitar ou fazer resistência aos movimentos, sustentar ou deslocar o corpo(7,8). A pressão hidrostática auxilia na diminuição da descarga de peso, na resolução de edemas e pode servir como exercício respiratório(9,10). A viscosidade provoca resistência ao deslocamento(11).
Variações no ambiente aquático, como a produção de turbulência, cria um meio interessante para o trabalho do equilíbrio estático e dinâmico(12). O movimento no meio aquoso pode ser modificado de inúmeras maneiras, criando as mais diversas situações terapêuticas(11,13).
Dentre os resultados de pesquisas publicadas, há efeitos terapêuticos da hidroterapia já comprovados, dentre os quais destacam-se benefícios como, aumento da amplitude de movimento, diminuição da tensão muscular, relaxamento, analgesia, melhora na circulação, absorção do exudato inflamatório e debridamento de lesões, bem como incremento na força e resistência muscular, reeducação dos músculos paralisados, aperfeiçoamento do equilíbrio e propriocepção, além da melhora das atividades funcionais e da marcha. O espasmo muscular pode ser reduzido pelo calor da água, auxiliando na redução da espasticidade. Os autores sustentam ainda que a imersão na água provoca redução do tônus muscular, enquanto que a dor pode ser reduzida por estímulos térmicos. Além disso, a imersão na água facilita a mobilidade articular, relacionada à redução do peso corporal(14).
Avaliar a mobilidade funcional de pacientes com acidente vascular cerebral (AVC) no decorrer de 12 sessões de hidroterapia .
Para realização desse estudo, utilizamos o teste Timed Up and Go (TUG), que tem apresentado bons resultados como teste de equilíbrio envolvendo manobras funcionais como: levantar-se, caminhar, dar uma volta e sentar-se(15).
Foi utilizado um cronômetro da marca Technos Digital Quartz®, contador referência YP2151/8P para avaliar o tempo de marcha do paciente antes e após o atendimento. Também foi utilizada uma cadeira padrão, na qual os pacientes iniciaram o teste, realizando a transferência de sentado para em pé.
O teste TUG foi utilizado no início e ao final do atendimento de hidroterapia em um total de 12 terapias. Esse teste avalia a mobilidade funcional do indivíduo, incluindo itens como equilíbrio, velocidade da marcha e transferência de sentado para em pé. Nesse teste, os participantes iniciam com as costas em contato com o dorso da cadeira (quando se inicia a cronometragem), andam 3 m, retornam os 3 m e se sentam na cadeira novamente até encostar as costas no dorso da cadeira (quando se encerra a cronometragem)(16,17).
Como intervenção, foram realizados exercícios de hidrocinesioterapia padronizados pelos participantes da pesquisa, incluindo alongamentos, fortalecimento muscular, treino de equilíbrio e marcha, dentro das necessidades e capacidades de cada indivíduo do estudo.
Foram incluídos no estudo pacientes que apresentaram como diagnóstico AVC isquêmico (AVCI) e/ou hemorrágico (AVCH) com predomínio hemiparético, com idade de 5 a 85 anos e deambulação com qualquer tipo de aditamento (bengala, muletas e/ou andador).
Foram excluídos do estudo os pacientes que apresentaram patologias associadas que comprometiam a execução da tarefa, com déficits cognitivos, cadeirantes e que não concordaram com o termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme Resolução 196/96 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.
A inclusão de pacientes com idades diferentes e discrepantes, como 5 e 85 anos, baseou-se na necessidade do teste ser utilizado em indivíduos capazes de deambular e entender as instruções, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão citados anteriormente.
O presente estudo direcionou-se em comparar a performance da mobilidade funcional de cada paciente com ele mesmo, desconsiderando as diferenças diagnósticas (AVCI/AVCH), hemi lado acometido ou diferença de idade.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), protocolo n.° 09/1133.
Foram selecionados 17 pacientes que realizam hidroterapia no HIAE portadores de AVC. Destes, foram excluídos sete, pois não se adequavam aos critérios de inclusão definidos. Os 10 pacientes restantes (8 homens) formaram um grupo com marcha supervisionada e hemicorpo acometido (direito ou esquerdo). A representação desses dados encontrase na tabela 1.
Tabela 1 Dados clínicos dos participantes do estudo
Paciente | Sexo | Idade | Hemicorpo acometido | Marcha (FIM) |
---|---|---|---|---|
Paciente 1 | M | 67 | Esquerdo | FIM 6 |
Paciente 2 | M | 84 | Direito | FIM 5 |
Paciente 3 | F | 7 | Direito | FIM 6 |
Paciente 4 | M | 55 | Direito | FIM 6 |
Paciente 5 | M | 83 | Esquerdo | FIM 5 |
Paciente 6 | M | 47 | Direito | FIM 5 |
Paciente 7 | M | 64 | Direito | FIM 6 |
Paciente 8 | F | 22 | Direito | FIM 6 |
Paciente 9 | M | 57 | Esquerdo | FIM5 |
Paciente 10 | M | 66 | Direito | FIM5 |
FIM: Functional Independence Measure.
A tabela 2 mostra a média do tempo de realização do teste dentro de cada sessão. Assim, aponta a média do teste na pré-terapia e a média do teste na pós-terapia obtida dentro de cada sessão, ao longo das 12 sessões de hidroterapia (curto prazo).
Tabela 2 Média da pré-terapia e pós-terapia considerando cada uma das 12 sessões de fisioterapia aquática (curto prazo)
Paciente | Média (pré e pós-terapia) | Tempo (em segundos) |
---|---|---|
Paciente 1 | Média (pré-terapia) | 44” |
Média (pós-terapia) | 41” | |
Paciente 2 | Média (pré-terapia) | 71” |
Média (pós-terapia) | 56” | |
Paciente 3 | Média (pré-terapia) | 8” |
Média (pós-terapia) | 7” | |
Paciente 4 | Média (pré-terapia) | 16” |
Média (pós-terapia) | 15” | |
Paciente 5 | Média (pré-terapia) | 29” |
Média (pós-terapia) | 29” | |
Paciente 6 | Média (pré-terapia) | 134” |
Média (pós-terapia) | 79” | |
Paciente 7 | Média (pré-terapia) | 11” |
Média (pós-terapia) | 10” | |
Paciente 8 | Média (pré-terapia) | 12” |
Média (pós-terapia) | 11” | |
Paciente 9 | Média (pré-terapia) | 73” |
Média (pós-terapia) | 85” | |
Paciente 10 | Média (pré-terapia) | 27” |
Média (pós-terapia) | 27” |
A tabela 3 mostra a comparação da performance de cada paciente do estudo realizado em longo prazo, isto é, ao longo das 12 sessões, comparando, dessa forma, o pré-teste do primeiro dia de avaliação com o pós-teste do último dia de avaliação.
Tabela 3 Comparação do pré-teste da primeira avaliação com o pós-teste da última avaliação
Paciente | Antes/após as 12 sessões | Tempo (em segundos) |
---|---|---|
Paciente 1 | Antes das 12 sessões | 52”34 |
Após as 12 sessões | 36”51 | |
Paciente 2 | Antes das 12 sessões | 61”83 |
Após as 12 sessões | 54”03 | |
Paciente 3 | Antes das 12 sessões | 8”31 |
Após as 12 sessões | 7”06 | |
Paciente 4 | Antes das 12 sessões | 22”03 |
Após as 12 sessões | 15”69 | |
Paciente 5 | Antes das 12 sessões | 34”67 |
Após as 12 sessões | 29”58 | |
Paciente 6 | Antes das 12 sessões | 101”11 |
Após as 12 sessões | 76” | |
Paciente 7 | Antes das 12 sessões | 14”51 |
Após as 12 sessões | 9”53 | |
Paciente 8 | Antes das 12 sessões | 13”84 |
Após as 12 sessões | 11”55 | |
Paciente 9 | Antes das 12 sessões | 89”17 |
Após as 12 sessões | 88”7 | |
Paciente 10 | Antes das 12 sessões | 37”9 |
Após as 12 sessões | 24”03 |
Nesse contexto, comparando o pré-teste do primeiro dia de avaliação com o pós-teste do último dia de avaliação foi visto que todos os dez pacientes diminuíram seu tempo em longo prazo, portanto, melhoraram sua performance.
A figura 1 mostra as interferências que o setor de fisioterapia aquática ocasionou na aplicação do teste TUG. As queixas foram anotadas em cada teste aplicado aos pacientes.
Em curto prazo, isto é, quando foi realizada a média da pré e pós-terapia das 12 sessões, o resultado apontou dois pacientes que mantiveram a mesma performance no tempo para realização do TUG e um paciente que aumentou o tempo para realização do mesmo como mostra a tabela 4.
Tabela 4 Pacientes que mantiveram ou aumentaram seu tempo na realização do teste quando foi verificado a média de cada terapia dentro das 12 sessões de hidroterapia
Paciente | Média (pré/pós-terapia) | Tempo (em segundos) |
---|---|---|
Paciente 5 | Média (pré-terapia) | 29” |
Média (pós-terapia) | 29” | |
Paciente 9 | Média (pré-terapia) | 73” |
Média (pós-terapia) | 85” | |
Paciente 10 | Média (pré-terapia) | 27” |
Média (pós-terapia) | 27” |
Segundo os dados obtidos com os pacientes portadores de AVC neste estudo, quando a comparação foi realizada entre o pré-teste da primeira avaliação com o pós-teste da última avaliação, vimos que todos os pacientes diminuíram o respectivo tempo. Esse dado nos traz a informação de que, em longo prazo, a fisioterapia aquática pode melhorar a mobilidade funcional dos pacientes portadores de AVC(18). Em curto prazo, isto é, quando foi realizada a média da pré e pós-terapia das 12 sessões, o resultado apontou pacientes que mantiveram a mesma performance ou que aumentaram o tempo de realização do TUG.
Nesse contexto, podemos associar a não diminuição do tempo na performance do teste em curto prazo possivelmente às queixas e interferências que o setor de hidroterapia apresentou durante a aplicação do teste TUG, visto que esses mesmos pacientes obtiveram melhora, isto é, diminuição do tempo para realização da tarefa, quando o primeiro dia de avaliação foi comparado ao último dia (longo prazo).
O teste TUG foi realizado dentro do setor de fisioterapia aquática do HIAE, seguindo os critérios padronizados no estudo de validação desse mesmo teste(16,17); contudo, no decorrer das avaliações, deparamos-nos com interferências do setor de hidroterapia na aplicação do teste em alguns momentos, afetando os padrões estabelecidos pelo artigo de validação do TUG(16). As interferências a seguir foram queixas mencionadas pelos pacientes após as aplicações do teste: frio, fadiga pós-hidroterapia, cansaço prévio, piso molhado, corpo molhado, medo, dinâmica do setor e não entendimento do teste.
Para que o resultado de uma avaliação realizada dentro de um setor de fisioterapia aquática fosse o mais fidedigno possível, vimos a necessidade de solucionar os componentes que interferem em sua aplicação. Dessa forma, em estudos futuros, poderíamos ter um método de avaliação mais seguro e, como consequência, resultados mais consistentes e precisos.
Com isso, para a utilização do teste TUG no setor de fisioterapia aquática, sugerimos que o paciente realize o teste com sua roupa habitual antes e depois da fisioterapia aquática; antes da realização do teste é importante que o local da avaliação esteja totalmente seco e tranquilo; além da instrução verbal, o teste poderá ser demonstrado pelo avaliador antes do paciente realizar para melhor entendimento; poderá ser aplicado algum índice de fadiga antes do teste, para que o cansaço prévio não interfira em sua performance - caso o paciente esteja muito cansado, o teste não deverá ser realizado naquela dia; os pacientes mais ansiosos ou com tempo restrito de permanência no setor também deverão ser excluídos do teste.
Essas medidas servem como precauções e não alterariam o padrão do teste descrito no estudo de validação do mesmo(16).
Os resultados obtidos neste estudo mostraram que todos pacientes com sequela de AVC tiveram melhora na performance da mobilidade funcional no decorrer de 12 sessões com a hidroterapia, comparando o primeiro dia de avaliação com o final da 12ª sessão.
Esses dados evidenciaram que um programa de exercícios em piscina terapêutica pode ser benéfico para a melhora da performance da mobilidade funcional em pacientes portadores de AVC.
Sugerimos que, em estudos futuros, o teste seja aplicado de forma que o ambiente não atrapalhe a mobilidade dos pacientes, para que tenhamos dados cada vez mais concretos sobre a condição da mobilidade funcional dos portadores de AVC após tratamento em piscina terapêutica.