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Avaliacao da percepcao de fala ao telefone em individuos que receberam o implante coclear no periodo de 1993 a 2003

Avaliacao da percepcao de fala ao telefone em individuos que receberam o implante coclear no periodo de 1993 a 2003

Autores:

Pricila Perini  Rigotti,
Orozimbo Alves  Costa,
Maria Cecília  Bevilacqua,
Leandra Tabanez do  Nascimento,
Kátia de Freitas  Alvarenga

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.25 no.5 São Paulo set./out. 2013

http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822013000500003

INTRODUÇÃO

O implante coclear multicanal (IC) é um dispositivo de tecnologia sofisticada que tem sido indicado como uma opção de tratamento para indivíduos com deficiência auditiva neurossensorial de grau severo e profundo bilateral. Desde a sua idealização, estudos têm o considerado um recurso efetivo, já que com ele é possível alcançar limiares tonais próximos da normalidade e proporcionar melhora da percepção de fala até mesmo em ambientes ruidosos. Além disso, o IC veio restabelecer a habilidade do indivíduo deficiente auditivo em se comunicar em situações específicas, como por meio do telefone.

O telefone é um meio de comunicação mundialmente utilizado e sua tecnologia possibilitou que o tempo e as fronteiras fossem diminuídos na vida contemporânea, ainda mais com o advento do telefone celular digital. Atualmente torna-se difícil não se deparar com situações nas quais o seu uso é necessário, facilitando a vida das pessoas.

No entanto, comunicar-se via telefone é um desafio especial para qualquer indivíduo com perda de audição, inclusive para os usuários de IC. Alguns indivíduos podem começar a usar o telefone pela primeira vez, enquanto é possível que outros, após muito tempo sem utilizá-lo, voltem a introduzi-lo em sua rotina.

O bom desempenho ao se comunicar pelo telefone requer criterioso processo de habilitação e reabilitação, já que a mudança na capacidade auditiva, que resulta do IC, afeta o paciente, sua família, amigos e colegas de trabalho. O processo de reabilitação é acelerado e as oportunidades de sucesso aumentam se os usuários de IC estiverem envolvidos no processo.

Estudiosos aplicaram um questionário referente ao uso do telefone em 66 indivíduos que utilizam IC Ineraid e observaram que 51% passaram a se comunicar ao telefone, na maioria das vezes com familiares ou amigos. Constataram também que 49% dos indivíduos referiram que eram capazes de identificar pela voz o sexo ou idade do interlocutor, 27% conseguiam identificar um interlocutor familiar e 48% relataram ser capazes de manter o diálogo com um interlocutor conhecido, abordando um assunto do qual já tinham conhecimento prévio( 1 ).

Posteriormente, os benefícios do IC foram analisados em uma população geriátrica composta por 28 indivíduos. Constatou-se que 65% dos pacientes foram capazes de reconhecer vozes por telefone, mais de 80% acreditavam que sua qualidade de vida havia melhorado significativamente e que o IC traz benefícios à população geriátrica e que o fator idade não deve ser uma limitação para a sua indicação( 2 ).

Pesquisadores também investigaram a habilidade de comunicação ao telefone sem e com a utilização do adaptador em pacientes usuários de IC capazes de manter diálogo sem dificuldades a viva-voz. Os resultados demonstraram que geralmente a habilidade do indivíduo usuário do implante coclear para se comunicar ao telefone não é suficiente para manter uma conversação efetiva, entretanto, com a utilização do adaptador de telefone, o desempenho obtido aproxima-se da observada a viva-voz( 3 ).

Foram avaliados 67 adultos e os resultados com relação ao uso do telefone concluíram que o IC proporcionou benefícios para a audição e o reconhecimento de fala destes indivíduos( 4 ). Estudiosos demonstraram que cerca de 50% dos indivíduos de sua casuística foram capazes de utilizar o telefone com um interlocutor familiar após um ano da ativação do IC( 5 ). Resultados semelhantes foram descritos em outros estudos( 6 - 8 ).

Por outro lado, algumas pesquisas apresentaram resultados inferiores a 30% ao analisar a percepção de fala comparando os tipos de telefone. Constataram que 51 (84%) dos 61 indivíduos avaliados foram capazes de responder ao telefone fixo. Porém, apenas 27 deles também se portavam adequadamente quando era utilizado o telefone celular digital( 9 , 10 ).

A literatura também apresenta que após um período de utilização do implante coclear, e com treinamento auditivo adequado, todas as seis crianças treinadas desenvolveram a habilidade de usar o telefone para se comunicar com seus familiares( 10 ). Resultados semelhantes foram descritos em estudos posteriores, ou seja, antes do IC, a criança não era apta a usar o telefone independente da idade, contudo, após a cirurgia, o desempenho melhorou significativamente ano a ano após o IC, exceto no terceiro para o quarto ano. O desempenho ao telefone demonstrou correlação significante com os resultados dos testes de percepção de fala, realizados em conjunto aberto e fechado( 10 , 11 ). Entretanto, esta correlação depende do tipo de teste aplicado, uma vez que o pobre desempenho no Central Institute of the Deaf Telephone Sentences Test, não impediu a utilização do equipamento pelos indivíduos avaliados( 12 ).

Um novo método de extensão da largura de banda para melhorar a percepção de fala ao telefone teve seu resultado avaliado em usuários de IC. A transmissão da informação acústica da fala pelo telefone tem um alto alcance (3.400 Hz). O efeito do método de extensão de banda foi avaliado com testes de reconhecimento de sentenças IEEE Recommended Practices for Speech Quality Measurements em sete usuários de IC. Os resultados mostraram discreta melhora no desempenho ao telefone, porém um significativo progresso no reconhecimento de fala com o método proposto. Além disso, observou-se que os usuários de IC tornaram-se altamente dependentes do método de extensão de banda( 13 ).

Outro estudo comparou e caracterizou o tempo de uso do telefone e o desempenho na compreensão entre crianças normais e usuárias de IC há pelo menos oito meses por meio de um questionário enviado pelo correio. Houve diferença significante entre os dois grupos na taxa de relatos do tempo de uso do aparelho e para a compreensão da fala de pessoas familiares e estranhas, o que foi significante entre os adolescentes. A qualidade do som relatado pelos dois grupos foi semelhante( 14 ).

Desta forma, constata-se que os estudos sobre a comunicação ao telefone em indivíduos usuários de IC multicanal apresentam como resultados desempenhos variáveis nesta situação tão específica. Não foram encontrados estudos na literatura nacional com este enfoque.

Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar a percepção de fala ao telefone em indivíduos usuários de IC multicanal de tecnologia inicial, com perda auditiva pré e pós-lingual caracterizando um dos benefícios possíveis pelo uso deste dispositivo.

MÉTODOS

O estudo foi desenvolvido com indivíduos usuários de IC multicanal do Programa de Implante Coclear do Centro de Pesquisas Audiológicas do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, da Universidade de São Paulo, sob protocolo nº 13/2003. Todos os indivíduos e/ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da própria instituição.

Foram selecionados indivíduos usuários de IC há no mínimo seis meses e que realizavam teste de percepção de fala em conjunto aberto.

A casuística foi constituída por 27 usuários de IC multicanal, divididos em dois grupos de acordo com a idade do início da perda auditiva:

• pré-lingual: formado por nove indivíduos, sendo cinco (55%) do gênero feminino e quatro (45%) do masculino, na faixa etária entre cinco a 11 anos (8,11±1,90 anos). • pós-lingual: formado por 18 indivíduos, sendo 11 (61,11%) do gênero feminino e sete (38,88%) do masculino, na faixa etária entre seis a 63 anos (31,94±17,23).

A distribuição da casuística quanto ao tempo de uso do IC (anos), média dos limiares tonais (dB) e desempenho na avaliação clínica da percepção de fala para os grupos pré e pós-lingual encontra-se na Tabela 1.

Tabela 1 Distribuição da casuística quanto ao tempo de uso do implante coclear, média dos limiares tonais e percepção de fala análise clínica 

Média± DP Min–Máx
Pré-lingual (n=9)
Tempo de uso IC (anos) 4.77±0.83 3– 6
Media LT (0,5, 1, 2 e 4 KHz) 28.31±7.22 20– 41.75
Percepção fala – AC 61.69±23.25 17– 94
Pós-lingual (n=18)
Tempo de uso IC (anos) 4.47±2.71 0.6– 9
Media LT (0,5, 1, 2 e 4 KHz) 29.65±5.83 18.75– 40
Percepção fala – AC 81±24.86 16– 100

Legenda: IC = implante coclear; LT = limiares tonais; AC = análise clínica; DP = desvio-padrão; Mín-Máx = Mínimo-Máximo

Já quanto à idade atual, tipo de IC, inserção, modelo do processador de fala, estratégias do processador, velocidade e modo de estimulação dos grupos pré e pós-lingual encontram-se na Tabela 2.

Tabela 2 Distribuição da casuística quanto à idade atual, tipo de implante coclear, inserção, modelo do processador de fala, estratégia do processador, velocidade e modo de estimulação dos grupos pré e pós-lingual 

Indivíduo IA EDA Tipo IC Inserção MPF EP Velocidade ME
1 10 Pós-lingual CI24M-Nucleus24 Total Esprit ACE 1.200 Hz MP1+2
2 10 Pós-lingual CI24M-Nucleus24 Total Esprit ACE 1.200 Hz MP1+2
3 9 Pós-lingual CI24M-Nucleus24 Total Esprit ACE 1.200 Hz MP1+2
4 20 Pós-lingual CI24M-Nucleus24 Total Esprit SPEAK 1.200 Hz MP1+2
5 22 Pós-lingual Med-el C40+ Total TEMPO + CIS+ 925,9 pps MP
6 41 Pós-lingual CI22M-Nucleus22 Total Spectra SPEAK 250 Hz BP+1
7 40 Pós-lingual CI22M-Nucleus22 Total Spectra SPEAK 250 Hz BP+1
8 39 Pós-lingual Med-el C40+ Total TEMPO+ CIS+ 983,6 pps MP
9 40 Pós-lingual Clarion Total SP-Series CIS 812,5 pps BP medial
10 56 Pós-lingual CI24M-Nucleus24 Total Esprit ACE 1.200 Hz MP1+2
11 36 Pós-lingual CI22M-Nucleus22 Total Spectra SPEAK 250 Hz BP+1
12 50 Pós-lingual Clarion Total SP S-SERIES CIS 812,5 pps BP medial
13 34 Pós-lingual Med-el C40+ Total CIS PRO+ CIS 925,9 pps MP
14 6 Pós-lingual CI24M-Nucleus24 Total Sprint ACE 1.200 Hz MP1+2
15 41 Pós-lingual Clarion Total SP-S SERIES CIS 812,5 pps BP medial
16 9 Pré-lingual CI24M-Nucleus24 Total Sprint ACE 1.200,0 Hz MP1+2
17 8 Pré-lingual CI24M-Nucleus24 Total Sprint ACE 1.200,0 Hz MP1+2
18 43 Pós-lingual Med-el C40+ Total TEMPO+ CIS+ 1.652,9 pps MP
19 5 Pré-lingual CI24M-Nucleus24 Total Sprint ACE 1.200,0 Hz MP1+2
20 63 Pós-lingual CI22M-Nucleus22 Total Spectra SPEAK 250,0 Hz BP+1
21 6 Pré-lingual Med-el C40+ Total CIS-PRO+ CIS 925,9 pps BP medial
22 15 Pós-lingual Med-el C40+ Total CIS PRO+ CIS 1.818,2 pps MP
23 11 Pré-lingual Med-el C40+ Total CIS-PRO + CIS 925,9 pps BP medial
24 9 Pré-lingual CI24M-Nucleus24 Total Sprint ACE 1.200,0 Hz MP1+2
25 7 Pré-lingual CI24M-Nucleus24 Total Sprint ACE 1.200,0 Hz MP1+2
26 8 Pré-lingual CI22M-Nucleus22 Total Spectra SPEAK 250,0 Hz BP+1
27 10 Pré-lingual CI24M-Nucleus24 Total Sprint ACE 1.200,0 Hz MP1+2

Legenda: IA = idade atual; EDA = época da deficiência auditiva; IC = implante coclear; MPF = modelo do processador de fala; EP = estratégia do processador, ME = modo de estimulação

Para alcançar os objetivos propostos, a percepção de fala foi avaliada em dois momentos com indivíduos utilizando seu dispositivo: ao telefone e da percepção da fala a viva-voz.

Ao telefone

O reconhecimento da fala foi avaliada pela lista de sentenças foneticamente balanceada em conjunto aberto (Anexo 1) contendo dez sentenças cada lista, com 25 elementos a serem considerados, sendo que a análise total correspondeu a 100%.

A avaliação foi realizada utilizando os telefones fixo, fixo com adaptador para IC e celular, a fim de comparar os resultados com os diferentes tipos de telefones e situação. O adaptador de telefone foi utilizado por todos os indivíduos usuários de IC Nucleus 22 (processador Spectra) e Nucleus (Processador Sprint), não sendo possível sua utilização para os modelos de IC Clarion (SP S-SERIES) e Med-el (Processadores CIS-PRO+ e TEMPO+).

Para a realização dos testes foram usadas duas salas acusticamente tratadas, nas quais o avaliador e o paciente permaneceram separados em cada uma delas com seus respectivos telefones. A fim de garantir a consistência dos resultados os testes, eles foram realizados sempre pelo mesmo examinador, sendo este não familiar ao paciente, na mesma sala e utilizando os mesmos telefones.

Como houve repetição do material de fala aplicado, foi dada atenção na ordem do tipo de telefone, ora iniciando pelo telefone fixo ora pelo fixo com adaptador ou celular, assim como a sequência da amostra de fala, para que o fator aprendizagem não fosse uma variável considerada neste estudo.

Avaliação clínica da percepção da fala viva-voz

A percepção de fala foi avaliada por uma lista de sentenças aplicada a viva-voz com o mesmo mapeamento utilizado na avaliação ao telefone, incluindo a avaliação das habilidades de reconhecimento auditivo (teste de reconhecimento de sentenças - Anexo 1) e compreensão auditiva (teste de compreensão de perguntas - Anexo 2).

A capacidade de manter diálogo ao telefone fixo foi avaliada por meio de uma entrevista com perguntas simples e complexas, em conjunto aberto (Anexo 2). Os resultados foram analisados classificando os indivíduos em: a) não são capazes de usar o telefone (pontuação ≤30%); b) utilizam o telefone com dificuldade acentuada (31 a 50%); c) utilizam o telefone com dificuldade (51 a 70%); d) utilizam o telefone sendo capazes de manter o diálogo (>70%).

O perfil da casuística foi definido a partir da análise estatística descritiva (média e desvio-padrão mínimo e máximo).

A comparação entre os grupos pré e pós-lingual foi realizada por meio do teste de Mann-Whitney para todas as variáveis estudadas. O teste de correlação usado foi o de Sperman Rank Order Correlations. Foi adotado o nível de significância de 5% ou 0,05.

RESULTADOS

A Tabela 3 apresenta os resultados do desempenho dos indivíduos na percepção de sentenças ao telefone fixo, ao fixo com adaptador e ao celular. O teste do telefone com adaptador só foi realizado nos indivíduos que possuíam este dispositivo para o seu respectivo modelo de IC.

Tabela 3 Resultados do desempenho no reconhecimento de sentenças ao telefone fixo, telefone fixo com adaptador e telefone celular para os grupos pré e pós-lingual de acordo com o número de indivíduos testados 

Pré-lingual (n=9) Pós-lingual (n=18)
TF (n=9) TFA (n=5) TC (n=8) TF (n=18) TFA (n=4) TC (n=7)
Média (%) 82.22 92.80 69.50 70.82 87.50 90.28
Desvio-padrão (%) 12.62 6.72 19.53 25.30 9.00 14.44
Mínimo (%) 66.00 82.00 42.00 32.00 76.00 60.00
Máximo (%) 100.00 100.00 96.00 100.00 98.00 100.00

Legenda: TF = telefone fixo; TFA = telefone fixo com adaptador; TC = telefone celular

Na Tabela 4 consta a análise estatística realizada para comparar o desempenho na percepção de sentenças dos grupos pré e pós-lingual, ao telefone fixo, ao fixo com adaptador e ao celular.

TF TFA TC
Pré-Lingual x Pós-Lingual 0.329657 0.325170 0.031823*

*Valores estatisticamente significantes (valor de p≤0,05) - Teste de Mann-Whitney

Legenda: TF = telefone fixo; TFA = telefone fixo com adaptador; TC = telefone celular

Já na Tabela 5 encontram-se os resultados da análise estatística realizada para comparar reconhecimento de sentenças ao telefone fixo, ao fixo com adaptador e ao celular, com as variáveis: tempo de uso do IC, média dos limiares tonais e reconhecimento de sentenças de fala no silêncio (viva-voz) nos dois grupos avaliados.

Tabela 5 Correlação entre o resultado do teste de reconhecimento de sentenças ao telefone fixo, telefone fixo com adaptador e telefone celular com as variáveis: tempo de uso do implante coclear, média dos limiares tonais e reconhecimento de sentenças no silêncio (viva-voz) nos grupos pré e pós-lingual 

Reconhecimento de sentenças Pré-lingual Reconhecimento de sentenças Pós-lingual
TF TFA TC TF TFA TC
Tempo e uso do implante coclear 0.648695 0.004818 0.510726 0.725811 0.683772 0.711124
Média limiares tonais 0.708 0.003* 0.545 0.166 0.171 0.714
Reconhecimento de sentenças (viva-voz) 0.949 0.190 0.891 0.019* 0.059 0.185

*Valores estatisticamente significantes (valor de p≤0,05) - Teste de Sperman Rank Order Correlations

Legenda: TF = telefone fixo; TFA = telefone fixo com adaptador; TC = telefone celular

A Figura 1 apresenta o resultado da avaliação da compreensão auditiva dos indivíduos em manter o diálogo (avaliação da compreensão auditiva) independente do tipo de telefone e uso do adaptador nos indivíduos dos grupos pré e pós-lingual.

Figura 1 Análise qualitativa do desempenho em manter o diálogo ao telefone fixo, telefone fixo com adaptador e telefone celular nos grupos pré e pós-lingual 

DISCUSSÃO

Os indivíduos com perda auditiva neurossensorial severa e/ou profunda apresentam dificuldades significativas na comunicação e uma grande limitação na utilização efetiva do telefone. Com a utilização do aparelho de amplificação sonora individual (AASI), indivíduos conseguem obter algum nível de reconhecimento e compreensão da fala em conjunto aberto que permita o uso efetivo do telefone. Assim, os pacientes que alcançam escores menores que 50% de reconhecimento de sentenças com AASI são candidatas ao IC, que proporciona melhora no reconhecimento e compreensão da fala, inclusive ao telefone.

Um dos problemas do uso do ASSI ao telefone é a microfonia que ocorre quando o indivíduo encosta o telefone no microfone do AASI, dificultando ainda mais a compreensão e manutenção do diálogo. No caso de usuários de IC, isto não ocorre; inclusive existem modelos que disponibilizam um adaptador que facilita a conversação ao aparelho.

Na casuística deste estudo, analisamos indivíduos com perda auditiva pré e pós-lingual, com vários anos de uso do IC, pois a priori poderia haver diferença no seu desempenho, considerando a época em que a perda auditiva foi instalada. É importante salientar que todos os indivíduos avaliados conseguiram realizar o teste de reconhecimento de sentenças ao telefone fixo e, quando possível, ao fixo com adaptador e ao celular.

Levando em conta especificamente o tipo de telefone, na percepção de sentenças encontrou-se desempenho médio para o fixo, fixo com adaptador e celular (Tabela 3). Os dados demonstram que o adaptador é um acessório importante na utilização do aparelho, melhorando a capacidade de reconhecimento da fala na maioria dos indivíduos que fizeram uso dele tanto para o grupo pré quanto para o pós-lingual.

Os usuários de IC com perda auditiva pré e pós-lingual apresentaram desempenho satisfatório na utilização do telefone, não havendo diferença significante entre os grupos ao aparelho fixo sem e com adaptador. Vale salientar que o grupo pós-lingual apresenta média inferior devido a dois indivíduos registrarem pobre desempenho na percepção de fala a viva-voz (Tabela 3).

Realizando a análise comparativa do desempenho nos diferentes tipos de telefone (fixo e celular), foi possível observar que apenas o grupo com perda auditiva pós-lingual relatou maior clareza do som ao telefone celular, o que justifica melhor desempenho quando comparado ao fixo, mesmo utilizando o adaptador. Provavelmente este fato poderia ser justificado por se tratar de uma tecnologia digital, que transmite com melhor qualidade acústica a informação via telefone. Entretanto, o contrário foi verificado no grupo pré-lingual, com pior desempenho neste telefone, com diferença estatisticamente significante ao comparar os dois grupos (Tabela 4).

A variável tempo de uso do IC não teve correlação com o desempenho dos indivíduos ao utilizar o telefone nos dois grupos. Entretanto, o desempenho no reconhecimento de sentenças a viva-voz teve correlação significante com o dos indivíduos ao serem analisados os telefones fixo e fixo com adaptador, respectivamente (Tabela 5).

Na avaliação qualitativa, constatou-se que todos os indivíduos dos dois grupos foram capazes de utilizar o telefone. No grupo de deficiência auditiva pré-lingual, 75% dos indivíduos mantiveram o diálogo com o interlocutor e 19% o fizeram com dificuldade. A dificuldade acentuada foi observada em 6% das pessoas do grupo pré-lingual. Entretanto, os que mantiveram o diálogo com dificuldade e até mesmo com dificuldade acentuada obtiveram escore alto no reconhecimento de sentenças, o que significa que se encontram na fase da habilidade auditiva de reconhecimento e/ou ainda não têm léxico suficiente para compreender as perguntas.

Por outro lado, no grupo com deficiência auditiva pós-lingual, 89% dos indivíduos foram capazes de manter o diálogo com o interlocutor ao telefone e 11% o fizeram com dificuldade. Contudo, não houve indivíduos com dificuldade acentuada em utilizar o telefone (Figura 1).

Nos estudos encontrados na literatura, observou-se desempenho inferior na efetividade da utilização do telefone pelos usuários de IC tanto do grupo pré quanto do pós-lingual, mesmo com o interlocutor sendo familiar( 1 - 5 , 9 - 12 , 15 ).

Com relação ao grupo pós-lingual, o melhor desempenho neste estudo pode se justificar pelo critério rigoroso de indicação ao IC. Esses indivíduos têm tempo de privação sensorial menor que os dos estudos citados anteriormente e, por isso, este tempo deixa de ser uma variável significativa. Além disso, as estratégias de reabilitação utilizadas no programa de IC são constantemente atualizadas e apresentam melhor nível de desempenho quando levados em consideração estudos anteriores encontrados na literatura.

Com relação ao grupo pré-lingual, a partir de quatro a cinco anos de uso do IC o tempo de privação sensorial e idade da cirurgia deixam de ser variáveis significativas, pois as crianças já alcançaram bom nível de desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem. Por outro lado, o grupo pré-lingual avaliado neste estudo tem desempenho melhor do que nos estudos citados, pois o IC foi indicado até no máximo quatro anos de idade cronológica, o que não ocorre nas pesquisas encontradas na literatura, nas quais o grupo pré-lingual sofreu privação sensorial grande até ser indicado o IC.

De maneira geral, os indivíduos dos grupos pré e pós-lingual utilizam o telefone como meio de comunicação nas suas atividades de vida diária, e a maioria apresenta desempenho satisfatório sem a necessidade de auxílio ou acessórios do implante coclear. A evolução tecnológica dos dispositivos eletrônicos tem fornecido cada vez mais condições para que o usuário de IC faça o uso efetivo do telefone, com impacto positivo na qualidade de vida. Pesquisas em nosso centro estão sendo desenvolvidas com a tecnologia atual do implante coclear.

CONCLUSÃO

Um dos benefícios do IC é introduzir na vida do deficiente auditivo o uso do telefone independente de sua tecnologia e acessórios, bem como o telefone com adaptador e o celular.

Neste estudo, a maioria dos indivíduos usuários de IC apresentaram desempenho satisfatório de compreensão de sentenças e perguntas ao telefone, com melhor desempenho, apesar de discreto, para o grupo pós-lingual. Desta forma, verifica-se a importância da indicação criteriosa do IC e o programa de reabilitação auditiva, que minimizam os prejuízos da surdez na comunicação, principalmente via telefone, independente do momento no qual a deficiência auditiva foi adquirida. Assim, melhoram-se as condições para os usuários de IC manter suas atividades diárias acompanhando o dinamismo da vida contemporânea.

*OAC foi responsável pelo delineamento do estudo e orientação geral das etapas de execução e elaboração do manuscrito; PPR foi responsável pela coleta e tabulação dos dados e elaboração do manuscrito; MCB foi responsável por orientações durante as etapas de execução e elaboração do manuscrito; LTN acompanhou a coleta e colaborou com a análise dos dados; KFA acompanhou a coleta, colaborou com a análise dos dados e elaboração do manuscrito.

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