versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.40 no.1 São Paulo jan./mar. 2018 Epub 07-Maio-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-3527
O Brasil é o maior país da América Latina e o único país com mais de 100 milhões de pessoas, com um sistema público de saúde (SUS) que assegura acesso universal à atenção à saúde desde 1990. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015 o Brasil tinha uma população de 203.980.840 milhões de pessoas, com índice de desenvolvimento humano de 0,749 e expectativa de vida de 74,9 anos1. O país está passando por uma mudança demográfica caracterizada pelo envelhecimento da população, com número de idosos chegando a 31 milhões de pessoas. A prevalência de hipertensão arterial entre a população com mais de 40 anos é de 40% a 50%.2 De acordo com a Federação Internacional de Diabetes, há cerca de 11,6 milhões de indivíduos diabéticos no Brasil3. Uma vez que o Inquérito Brasileiro de Diálise crônica foi criado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia, o número de pessoas em diálise no país aumentou progressivamente e foi estimado em 100.397 no inquérito de 20134.
Uma das comorbidades associadas à DRC é o distúrbio mineral e ósseo (DMO-DRC), uma síndrome que envolve distúrbios clínicos, bioquímicos (cálcio, fosfato, hormônio paratireóideo e vitamina D ativa) e anormalidades ósseas (remodelação óssea, mineralização e volume ósseo), além das comorbidades associadas à calcificação extra-esquelética e a distúrbios cardiovasculares5. O termo largamente utilizado: "osteodistrofia renal" é atualmente usado para definir mudanças na histologia óssea, mudanças essas avaliadas por biópsia5. Com base na remodelação óssea, a osteodistrofia renal é classificada como uma doença óssea de alta remodelação (hiperparatireoidismo secundário ou osteíte fibrosa) ou uma doença óssea de baixa remodelação (representada por osteomalácia e doença óssea adinâmica). Além disso, pode ocorrer uma doença óssea mista, que apresenta características de remodelação alta e baixa, e atualmente é classificada como remodelação alta5.
A maioria das evidências mostra que a doença óssea adinâmica, caracterizada por baixa taxa de renovação óssea, ocorre nos estágios iniciais da doença renal crônica em uma proporção significativa de pacientes. Isso pode ser devido ao predomínio inicial de condições inibitórias de remodelação óssea, como a resistência ao hormônio paratireoidiano (PTH), níveis reduzidos de calcitriol, deficiência de hormônios sexuais, diabetes mellitus e toxinas urêmicas, levando à supressão de vários meios de sinalização óssea. Em estágios posteriores, a osteíte fibrosa, uma doença óssea que causa alta taxa de renovação, se desenvolve principalmente pelo hiperparatireoidismo secundário6.
Em 1998, Diaz Lopez et al. avaliou a epidemiologia da osteodistrofia renal em 1209 biópsias de osso em cinco países ibero-americanos (Brasil, Uruguai, Argentina, Portugal e Espanha) e mostrou que o hiperparatireoidismo era mais frequente em pacientes em diálise na Espanha e em Portugal (66 e 70%, respectivamente), enquanto as lesões de remodelação mista e baixa foram responsáveis por menos de 14%. Por outro lado, pacientes da América do Sul apresentaram alta prevalência de lesões de remodelação mista e baixa (37 e 51%, respectivamente).7 O estudo de Araújo SM et al. avaliou a prevalência de DMO-DRC em pacientes em diálise no Brasil e Uruguai, e mostrou através de biópsia óssea, aumento da prevalência de hiperparatireoidismo secundário de 32,3% em 1985-1990 para 44% em 1997-2000 em 2.340 pacientes brasileiros.8 De acordo com dados do Censo Brasileiro de Paratiroidectomia de 2011, a prevalência de hiperparatireoidismo secundário grave foi de 10,7%, com base em níveis de hormônio paratireoide intacto (PTHi) superiores a 1000 pg/mL, indicativos de paratireoidectomia9.
Um estudo publicado em 2011 e realizado em centros de hemodiálise na Argentina, Chile, Colômbia, Venezuela, México e Brasil (estudo CORES) envolvendo 16.173 pacientes analisaram o impacto dos níveis de cálcio, fosfato e PTHi na mortalidade, e concluiu que valores séricos baixos ou altos de todas as variáveis aumentaram o risco de óbito10. As anormalidades no fósforo, cálcio e hormônio paratireóide séricos têm sido associadas a uma baixa sobrevida em pacientes em diálise. Um total de 4.500 pacientes foram recrutados aleatoriamente para o estudo COSMOS, que envolveu 227 centros de diálise em 20 países europeus. Em resumo, uma relação não-linear foi encontrada entre os parâmetros bioquímicos séricos na DMO-DRC e o risco de mortalidade. Os níveis séricos baixos e altos de fósforo, cálcio e PTH foram associados a um maior risco relativo de mortalidade, enquanto a diminuição do fósforo, cálcio e aumento de PTH séricos durante o seguimento foram associados a um risco significativamente menor de mortalidade11.
Os níveis de PTHi abaixo de 150 pg/mL foram observados em 36% de 3.226 pacientes incidentes e prevalentes tratados com diálise peritoneal no Brasil (diálise peritoneal contínua ambulatorial ou diálise peritoneal automatizada).12
Historicamente, a osteíte fibrosa e doença mista foram as doenças ósseas mais prevalentes em pacientes com DRC. Recentemente, observou-se um aumento na prevalência de doença óssea adinâmica, particularmente em pacientes diabéticos.6,13
Embora abundantes, os estudos citados acima mostram dados parciais ou foram baseados em pacientes seguidos em um centro de referência para DMO-DRC, portanto estão sujeitos a viés. A avaliação dos padrões, práticas e epidemiologia da DMO-DRC é fundamental para os programas de saúde pública. No Brasil, há dificuldades consideráveis em manter registros de patologias específicas e, especialmente, estratégias de planejamento baseadas em informações precisas. Assim, os estudos que avaliam as ocorrências nas várias regiões do país, caracterizados por diferentes realidades, são vitais para um melhor planejamento de saúde. Uma vez que existe uma falta de avaliação extensiva de pacientes em hemodiálise (HD) e diálise peritoneal (DP) no Brasil, o objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência, o perfil bioquímico e os medicamentos associados à DMO-DRC nesses pacientes.
Realizamos um estudo transversal envolvendo 11 centros de nefrologia associados da Associação Mineira de Centros de Nefrologia - AMICEN, que abrange 2.371.572 pessoas.14 A associação inclui 19 centros de terapia de substituição renal (TSR), distribuídos nas regiões leste, sul, nordeste, centro-oeste e central de Minas Gerais, Brasil.
O presente estudo foi realizado de acordo com a Declaração de Helsinque e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital da Universidade Federal de Juiz de Fora (Brasil), sob o seguinte número: 21702913.9.0000.5147.
Os critérios de inclusão foram pacientes com DRC acima de 18 anos em diálise (HD ou DP) por mais de 3 meses, com pelo menos uma dosagem de PTHi em 2013 e que assinaram o termo de consentimento informado. Os critérios de exclusão foram pacientes com menos de 18 anos e, nos quais faltava a dosagem laboratorial de PTHi dentro do período de estudo.
Os dados foram baseados em registros médicos e na avaliação laboratorial obtida em julho e novembro de 2013. Para esse fim, utilizou-se o software NEFRODATA® (registro médico). Foram analisadas as seguintes variáveis sociodemográficas: idade, gênero, raça, renda e nível de escolaridade (de acordo com o IBGE). Foram analisadas as seguintes variáveis clínicas: etiologia da DRC, comorbidades associadas e concentração de cálcio do dialisado. As variáveis laboratoriais incluíram hemoglobina (g/dL), ureia (método enzimático UV - mg/dL), creatinina (método cinético Jaffe - mg/dL), albumina (método colorimétrico verde de bromocresol - g/dL), ferro (método colorimétrico de ferrozine - µg/dL), cálcio sérico total (método Arsenazo III - mg/dL), fosfato sérico (método de fosfomolibidato UV - mg/dL), fosfatase alcalina (método colorimétrico - modificado de Bowers e McComb - U/L), PTHi (quimiluminescência método - pg/mL) e alumínio (método de espectroscopia de absorção atômica com correção Zeeman - µg/L).
Os seguintes fármacos utilizados na terapia DMO-DRC também foram avaliados: quelantes de fósforo (carbonato de cálcio, acetato de cálcio e sevelamer), vitamina D ativa (calcitriol oral e venoso), análogos de vitamina D (alfacalcidol), ativadores seletivos do receptor de vitamina D (paricalcitol), e calcimiméticos (cinacalcet). O número de paratireoidectomias realizadas em 2013 também foi registrado.
Uma análise descritiva foi inicialmente realizada e os dados foram relatados como média ± desvio padrão, mediana (intervalo interquartil) ou porcentagem, dependendo da variável. A população foi dividida com base nos níveis de PTHi (< 150; 151-300; 301-600; 601-1000 > 1000 pg / mL) de acordo com Douthat et al. que publicou um estudo com base em 25 centros de diálise na Argentina15. Os dados sociodemográficos, clínicos e laboratoriais foram comparados entre os grupos através de exames ANOVA, chi-quadrado ou Mann-Whitney. A comparação entre modalidade de diálise versus variáveis laboratoriais e diabetes mellitus (sim e não) versus variáveis laboratoriais foi feita pelo teste t de Student ou qui-quadrado. A análise de regressão linear foi utilizada para determinar quais variáveis estiveram associadas aos os níveis de PTHi. As correlações de Pearson ou Spearman foram realizadas entre os níveis de PTHi e variáveis clínicas e laboratoriais. Os critérios de inclusão na regressão multivariada foram de significância estatística e/ou clínica. A dosagem de PTHi foi utilizada como variável dependente e as seguintes variáveis preditoras foram utilizadas no modelo 1: idade, diabetes mellitus, duração da terapia e modalidade de terapia. Foi utilizado um intervalo de confiança de 95% com p < 0,05 e o software foi o SSPS 15.0 da IBM.
Dos 19 centros de diálise da AMICEN convidados a participar do estudo, 11 forneceram dados sobre seus pacientes. Embora 1.219 pacientes tenham sido inicialmente considerados elegíveis, 85 foram posteriormente excluídos do estudo por uma das seguintes razões: menores de 18 anos, em diálise por menos de 3 meses ou falta de dosagem laboratorial de PTHi dentro do período de estudo. Dos 1.134 pacientes avaliados, a idade média foi de 57,3 ± 14,4 anos, variando de 19 a 96; 55,6% eram do sexo masculino; 67% tinham ensino fundamental e a renda média mensal era de US $ 274. As características sociodemográficas dos pacientes segundos os níveis de PTHi estão resumidos na Tabela 1.
Tabela 1 Características clínicas e sociodemográficas da população como um todo (n = 1134) e dos grupos, separados por nível de PTHi
Variáveis | População n = 1134 |
PTHi (pg/mL) | p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
< 150 (n = 265 - 23,4%) |
150-300 (n = 264 - 23,3%) |
300-600 (n = 298 - 26,2%) |
600-1000 (n = 173 - 15,3%) |
>1000 (n = 134 - 11,8%) |
|||
Idade (anos) (Média ± desvio padrão) |
60,4 ±14,9a-b,c,d,e | 58,3 ±14,3b-a,c,d,e | 57,6 ±14,1c-a,b,d,e | 55,9 ±13,6d-a,b,c,e | 51,4 ±13,2e-a,b,c,d | 60,4 ±14,9a-b,c,d,e | < 0,001 |
Gênero (%) | 0,64 | ||||||
Masculino | 55,6 | 22,9 | 23,5 | 27,6 | 14,1 | 11,9 | |
Feminino | 44,4 | 24,1 | 24,5 | 24,5 | 16,7 | 11,7 | |
Etnia (%) | < 0,001 | ||||||
Branco | 48,9 | 23,4a-b,c,d,e | 28,4b-a,c,d,e | 25,0c-a,b,d,e | 13,2d-a,b,c,e | 10,0e-a,b,c,d | |
Negro | 24,9 | 18,9 | 15,7 | 28,5 | 19,9 | 17,1 | |
Pardo | 26,2 | 27,8 | 20,7 | 26,4 | 14,9 | 10,2 | |
Escolaridade (%) | 0,26 | ||||||
Analfabeto | 8,1 | 18,1 | 30,6 | 27,8 | 19,4 | 4,2 | |
Educação fundamental | 67,0 | 20 | 22,4 | 30,5 | 16,0 | 11,1 | |
Ensino médio | 20,0 | 21,5 | 26,0 | 24,9 | 13,0 | 14,7 | |
Superior | 4,9 | 30,2 | 18,6 | 25,6 | 11,0 | 14,0 | |
Etiologia da DRC (%) | < 0,001 | ||||||
Hip, Nefropatia# | 40,9 | 23,9a-b,d,e | 20,8b-a,c,d,e | 24,9c-s,d,e | 18,6d-a,b,c,e | 11,8e-a,b,c,d | |
DRD# | 24,3 | 27,6 | 26,4 | 32,9 | 10,6 | 2,4 | |
GN# | 13,7 | 16,5 | 20,9 | 23,7 | 19,4 | 19,4 | |
DRPA# | 3,5 | 25,7 | 22,9 | 31,4 | 8,6 | 11,4 | |
Desconhecido | 4,6 | 12,8 | 19,1 | 31,9 | 14,9 | 21,3 | |
Outros | 12,9 | 20 | 29,2 | 26,2 | 13,8 | 10,8 | |
Comorbidades (%) | |||||||
Hipertensão arterial | 80,4 | 22,8 | 22,1 | 26,5c-d,e | 15,3 | 13,3 | 0,01 |
Diabetes Mellitus | 32,9 | 27,8 | 26,4 | 29,5c-d,e | 11,6 | 4,7 | <0,001 |
DCV* | 11,8 | 23,1 | 22,2 | 29,9 | 15,4 | 9,4 | 0,84 |
AVC | 3,7 | 24,3 | 21,6 | 32,4 | 13,5 | 8,1 | 0,88 |
DVP* | 5,7 | 22,8 | 28,1 | 29,8 | 15,8 | 3,5 | 0,24 |
DPOC* | 3,1 | 22,6 | 22,6 | 16,1 | 29,0 | 9,7 | 0,32 |
LES* | 1,5 | 26,7 | 20,0 | 13,3 | 33,3 | 6,7 | 0,39 |
Cirrose Hepática | 0,3 | 0 | 66,7 | 0 | 0 | 33,3 | 0,17 |
Outros | 34,3 | 23,0 | 26,8 | 25,9 | 14,5 | 9,8 | 0,50 |
Modalidade dialítica (%) | |||||||
Hemodiálise | 94,4 | 22,8 | 23,7 | 26,4 | 15,5 | 11,6 | 0,17 |
Diálise peritoneal | 5,6 | 33,3 | 15,9 | 23,8 | 11,1 | 15,9 | |
Tempo de tratamento (meses) | <0,001 | ||||||
(Média ± desvio padrão) | 61,9 ±54,0 | 53,7±52,0a-b,d,e | 55,2 ±48b-a,c,d,e | 53,5±49,5c-b,d,e | 80,7±59,1d-a,b,c,e | 85,9±58,5e-a,b,c,d | |
Concentração de Cálcio no Dialisado (%) | <0,001 | ||||||
3,5% | 16,7 | 35,1 | 23,9 | 17,6 | 13,8 | 9,6 | |
3,0% | 37,4 | 27,0 | 22,0 | 22,9 | 16,1 | 12,1 | |
2,5% | 45,8 | 16,0 | 24,3 | 31,9 | 15,3 | 12,5 |
#Hip. Nefropatia - Nefropatia Hipertensiva; DRD: doença renal diabética; GN: glomerulonefrite; DRPA: doença renal policística do adulto;
*DCV: doença cardiovascular;
A principal etiologia da DRC foi nefropatia hipertensiva (40,9%), seguida de doença renal diabética (24,3%). A maioria dos pacientes apresentava hipertensão arterial (80,4%); 32,9% eram diabéticos e 11,8% apresentavam doença cardiovascular. Em relação ao tratamento de diálise, 1.071 pacientes estavam em HD (94,4%) e 63 em DP (5,6%). A duração mediana da diálise foi de 43 meses (21-88), variando de 4 e 274 meses de terapia (Tabela 1). Os pacientes em DP foram analisados separadamente e nenhuma diferença foi encontrada em comparação com a análise em associação com pacientes em HD.
Ao comparar os diferentes grupos de PTHi, observou-se que o nível de PTHi diminui com o aumento da idade (60,4 ± 14,9 vs. 51,4 ± 13,2, p < 0,0001). Os pacientes com doença renal diabética apresentaram maior prevalência de PTHi inferior a 150 pg/mL (27,6%) e menor prevalência de PTHi acima de 1000 pg/mL (2,4%). Assim como pacientes com diabetes mellitus, como causa de DRC ou como comorbidade, apresentaram maior prevalência de PTHi < 150 pg/mL (27,8%) e menor prevalência de PTHi > 1000 pg/mL (4,7%).
Uma maior porcentagem de pacientes com PTHi < 150 pg/mL foi encontrada na DP em comparação com HD (33,3% vs. 22,8% com p = 0,19); no entanto, a diferença não foi estatisticamente significativa, provavelmente devido ao baixo número de pacientes em DP. Uma maior duração da terapia foi associada a um maior nível sérico de PTHi (53,7 vs. 85,9 meses com p < 0,001, Tabela 1).
A maioria dos pacientes usou carbonato de cálcio como quelante de fósforo (50,5%), e 14,7% utilizou quelante de fósforo não cálcico (Sevelamer). Mais de 40% dos pacientes utilizaram análogos de vitamina D ativa (Calcitriol), vitamina D (Alfacalcidol) ou ativadores seletivos do receptor de vitamina D (Paricalcitol) (Tabela 2).
Tabela 2 Farmacoterapia em pacientes com DMO-DRC estratificados por níveis de PTHi
Fármacos | População n = 1134 |
PTHi (pg/ml) | p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
< 150 | 150-300 | 300-600 | 600-1000 | > 1000 | |||
(n = 265 - 23,4%) | (n = 264 - 23,3%) | (n = 298 - 26,2%) | (n = 173 - 15,3%) | (n = 134 - 11,8%) | |||
Carbonato de cálcio | 50,5 | 27,0a-b,c,d,e | 22,4b-a,c,d,e | 26,3c-a,b,d,e | 15,3d-a,b,c,e | 9,1e-a,b,c,d | 0,007 |
Acetato de cálcio | 5,1 | 17,3 | 34,6 | 19,2 | 15,4 | 13,5 | 0,28 |
Sevelamer* | 14,7 | 14,0a-b,c,d,e | 23,8b-a,c,d,e | 20,1c-a,b,e | 20,7d-a,b,e | 21,3e-a,b,c,d | < 0,001 |
Alfacalcidol** | 18,7 | 13,3a-b,c,d,e | 25,6b-a,c,d,e | 30,3c-a,b,d,e | 18,5d-a,b,c,e | 12,3e-a,b,c,d | 0,002 |
Calcitriol (oral)*** | 8,0 | 10,1a-b,c,d | 18,0b-a,c,d,e | 41,6c-a,b,d,e | 19,1d-a,b,c,e | 11,2e-b,c,d | 0,001 |
Calcitriol (venoso)*** | 13,5 | 7,3a-b,c,d,e | 9,9b-a,c,d,e | 27,2c-a,b,d,e | 32,5d-a,b,c,e | 23,2e-a,b,c,d | < 0,001 |
Paricalcitol**** | 0,2 | 0 | 50,0 | 0 | 0 | 50,0 | 0,35 |
Cinacalcet***** | 3,5 | 2,5a-b,c,d,e | 7,5b-a,c,e | 17,5c-a,b,d,e | 7,5d-b,c,e | 65,0e-a,b,c,d | < 0,001 |
Eritropoietina | 83,1 | 22,9a-c,d,e | 22,5b-c,d,e | 25,4c-a,b,d,e | 16,4d-a,b,c,e | 12,8e-a,b,c,d | 0,01 |
*quelante de fósforo não cálcico;
**análogos da vitamina D;
***vitamina D oral e venosa;
****ativadores seletivos de receptores da vitamina D;
*****calcimimético.
A Tabela 2 também mostra que 44,3% dos pacientes com PTHi < 150 pg/mL estavam usando quelante de fósforo à base de cálcio, dos quais 14% utilizavam quelante de fósforo não cálcico. Em relação à vitamina D, a maior porcentagem de pacientes com PTHi > 600 pg/mL utilizou calcitriol por via intravenosa (55,7%). Pacientes com PTHi < 150pg/mL usaram alguma forma de vitamina D (30,7%). Os calcimiméticos foram utilizados por 3,5% dos pacientes e 72,5% tinham PTHi > 600 pg/mL.
A Tabela 3 mostra as variáveis laboratoriais para os diferentes níveis de PTHi. Os níveis de creatina sérica e de ureia foram menores em pacientes com PTHi < 150 pg/mL (p < 0,001), sem diferenças em Kt/V (p = 0,34) ou na albumina sérica (p = 0,74). Os níveis de cálcio sérico, fosfato e fosfatase alcalina aumentaram com o aumento do nível sérico de PTHi (p < 0,001 para todas as variáveis).
Tabela 3 Variáveis laboratoriais e Kt/V expressos como média ± DP em pacientes estratificados por seus níveis de PTHi
Variáveis laboratoriais e Kt/V | População n = 1134 | PTHi (pg/ml) | p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
< 150 (n = 265 - 23,4%) | 150-300 (n = 264 - 23,3%) | 300-600 (n = 298 - 26,2%) | 600-1000 (n = 173 - 15,3%) | > 1000 (n = 134 - 11,8%) | |||
Uréia (mg/dL) | 118,5 ± 37,8 | 110,7 ± 37,5a-b,c,d,e | 115,9 ± 35,3b-a,c,d,e | 119,8 ± 38,5c-a,b,d,e | 126,5 ± 38,9d-a,b,c | 125,3 ± 36,9e-a,b,c, | <0,001 |
Creatinina (mg/dL) | 9,1 ± 3,5 | 8,0 ± 3,1a-b,c,d,e | 8,6 ± 3,3b-a,c,d,e | 9,7 ± 4,2c-a,b,d,e | 10,0 ± 2,9d-a,b,c | 10,2 ± 3,1e-a,b,c | <0,001 |
Cálcio (mg/dL) | 9,3 ± 0,9 | 9,5 ± 1,0a,c | 9,3 ± 0,9 | 9,1 ± 0,9c,a,e | 9,4 ± 0,9 | 9,5 ± 0,8e,c | <0,001 |
Fósforo (mg/dL) | 5,1 ± 1,6 | 4,8 ± 1,4a-c,d,e | 4,8 ± 1,4b-c,d,e | 5,2 ± 1,7c-a,b,d,e | 5,5 ± 1,6d-a,b,c,e | 5,8 ± 1,6e-a,b,c,d | <0,001 |
Hemoglobina (g/dL) | 11,0 ± 2,3 | 10,9 ± 1,9 | 11,0±1,9 | 11,2± 3,3 | 11,2 ± 1,7 | 10,6 ± 1,7 | 0,14 |
Albumina (g/dL) | 3,8 ± 0,4 | 3,86 ± 0,5 | 3,88 ± 0,4 | 3,88 ± 0,4 | 3,83 ± 0,4 | 3,83 ± 0,4 | 0,74 |
Ferro (µg/dL) | 74,1 ± 39,0 | 70,20 ± 34,7 | 75,21 ± 38,5 | 76,03 ± 35,1 | 74,57 ± 38,9 | 75,09 ± 53,7 | 0,45 |
Ferritina (ng/mL) | 510,0 ± 402,9 | 511,4 ± 394,3 | 514,8 ± 394,1 | 508,0 ± 377,5 | 491,8 ± 443,7 | 526,3 ± 440,4 | 0,96 |
Fosf alcalina, (U/L)# | 199,7 ± 243,1 | 121,9 ± 101,4a-b,c,d,e | 150,8 ± 150,3b-a,c,d,e | 173,3 ± 143,3c-a,b,d,e | 228,7 ±245,0d-a,b,c,e | 470,4 ± 470,1e-a,b,c,d | <0,001 |
Alumínio (ug/L) | 10,6 ± 7,0 | 11,2 ± 7,1 | 10,2 ± 6,2 | 10,5 ± 7,7 | 11,4 ± 7,4 | 9,1 ± 5,6 | 0,05 |
Kt/V | 1,49 ±0,48 | 1,45 ± 0,51 | 1,54 ± 0,52 | 1,49 ± 0,48 | 1,49 ± 0,40 | 1,51 ± 0,37 | 0,34 |
#Fosf alcalina - Fosfatase alcalina
A mediana do PTHi na população estudada foi de 327,7 pg/mL (P25: 161,2 pg/mL - P75: 647 pg/mL), variando de 1,3-3264 pg/mL. A prevalência de pacientes com PTHi > 600 pg/mL foi de 27,1% e com PTH < 150 pg/mL foi de 23,4%. Considerando os alvos KDIGO para o PTHi, 49,5% dos pacientes estavam no intervalo de 150-600 pg/mL. O cálcio sérico médio foi de 9,3 ± 0,9 mg/dL e o fosfato sérico 5,1 ± 1,6 mg/dL. A hiperfosfatemia (concentração de fosfato acima de 5,5 mg/dL) ocorreu em 35,8% da população estudada e a hipofosfatemia (concentração de fosfato abaixo de 3,5 mg/dL) em 13,5%. A análise do cálcio sérico mostrou que 39,3% dos pacientes tinham uma concentração acima de 9,5 mg/dL (hipercalcemia), enquanto que em 12,6% esta estava inferior a 8,4 mg/dL (hipocalcemia).
Quanto à modalidade de terapia, 11,6% dos pacientes em HD e 15,9% na DP apresentaram um PTHi acima de 1000 pg/mL, com 33,3% dos pacientes com DP apresentando PTHi < 150 pg/mL (Tabela 1). A hiperfosfatemia apresentou alta prevalência em pacientes em HD (35,5%) e DP (41,4%).
Observou-se uma correlação positiva significativa entre a concentração de cálcio no banho de diálise e PTHi (r = 0,08 p = 0,006), fosfatase alcalina (r = 0,490 p < 0,0001) e fósforo (r = 0,234 p <0,0001).
A análise de regressão linear demonstrou associação negativa significativa no modelo 1 entre o nível de PTHi, idade e diabetes mellitus. A duração da terapia mostrou associação significativa positiva com os níveis séricos de PTHi (Tabela 4). Durante 2013, não houve relatos de paratireoidectomia em nenhum dos pacientes do estudo.
Tabela 4 Regressão linear usando o nível de PTHi como variável dependente
Modelo 1 | Beta | Sig | Intervalo de confiança de 95% para B | |
---|---|---|---|---|
Limite Inferior | Limite Superior | |||
Idade | -0,161 | 0,000 | -7,235 | -3,410 |
Diabetes Mellitus (sim) | -0,104 | 0,001 | -165,884 | -45,411 |
Duração do tratamento | 0,188 | 0,000 | 1,130 | 2,170 |
Modalidade da diálise (hemodiálise) | 0,055 | 0,060 | -5,294 | 245,816 |
Neste estudo, a prevalência de pacientes com PTHi < 150 pg/mL foi de 23,4% e com PTHi > 600 pg/mL foi de 27,1%. Os quelantes de fósforo utilizados pela maioria dos pacientes em relação ao nível de PTHi foram a base de cálcio, a maioria usava vitamina D por via oral e uma pequena porcentagem usava calcimiméticos e ativadores seletivos de receptores de vitamina D.
A média de idade e gênero e as principais etiologias em nosso estudo são semelhantes às da população em diálise no Brasil4 e na Argentina, conforme demonstrado em um estudo publicado em 2013, que informou sobre 1.210 pacientes de 25 centros de diálise com idade média de 55,3 ± 17,6 anos e 60,8% do sexo masculino15.
A amostra utilizada neste estudo representa cerca de 1% da população brasileira em diálise em 20134. Em relação à modalidade de diálise, nosso estudo apresentou menos pacientes em DP em comparação com a Pesquisa Brasileira de Diálise Crônica de 2013 (5,6% vs. 9,2%)4.
Um estudo realizado com 5.008 pacientes em diálise na Hungria demonstrou uma relação inversa entre idade e níveis de PTHi, independentemente da diabetes mellitus16. Nossos resultados corroboram essa conclusão, mostrando que a idade foi inversamente associada ao nível de PTHi. Provavelmente isso deve-se a uma maior prevalência de doença óssea de baixa remodelação.13,17
A etnia da população brasileira é um assunto complexo e controverso, já que o Brasil tem a maior miscigenação racial do mundo.18 Os níveis mais baixos de PTHi em indivíduos brancos e pardos e os níveis mais altos em indivíduos negros observados em nosso estudo não permitem inferências sobre a população brasileira em geral. Como demonstrado por Dos Reis et al. nas biópsias ósseas de indivíduos sem DRC, os resultados da análise histomorfométrica não mostraram associação com gênero e raça no Brasil19. Um estudo realizado nos Estados Unidos com 2.056 pacientes relatou que pacientes negros em estágios pré-dialíticos e dialíticos apresentaram níveis séricos mais baixos de 25 hidroxivitamina D e maiores níveis de PTHi quando comparados aos pacientes brancos.20 Em um estudo dos EUA com 139.328 pacientes, incluindo 32% de afro-americanos em tratamento de hemodiálise três vezes por semana, em uma única e grande instituição provedora de diálise, a maioria dos valores laboratoriais foi medida mensalmente por até 60 meses (julho de 2001 a junho de 2006). O estudo mostrou que os afro-americanos tinham níveis mais elevados de cálcio sérico e PTH, mas concentrações semelhantes de fósforo e fosfatase alcalina, e eram mais propensos a receber fármacos injetáveis e ativos de vitamina D e em doses mais altas do que os seus homólogos não afro-americanos.21
Diabetes Mellitus é conhecida por estar associada a distúrbio ósseo de baixa remodelação.12,16,22 Em nosso estudo, 39,3% dos pacientes com níveis de PTHi abaixo de 150 pg/mL apresentaram diabetes mellitus, consistente com a revisão recente de Bover et al., em que a doença de remodelamento ósseo esteve associada, entre outras doenças, ao diabetes mellitus.13 Pacientes diabéticos com DRC têm taxas mais baixas de formação óssea, uma complicação que muitas vezes antecede o desenvolvimento de DRC. Nestes pacientes, há uma deficiência de vitamina D e um aumento de produtos finais da glicolização (AGE), bem como uma diminuição da vida útil dos osteoblastos.22 Quanto à modalidade de terapia, vários autores encontraram níveis mais baixos de PTHi na DP do que em HD.23,24 No entanto, nenhuma diferença foi observada em nosso estudo, provavelmente devido ao baixo número de pacientes em DP.
O transtorno ósseo de alta remodelação desenvolve-se cedo durante a DRC, e continua a evoluir quando os pacientes iniciam a terapia dialítica.25 Isso também foi observado neste estudo: uma maior prevalência de níveis séricos de PTHi foi associada a uma maior duração da terapia.
Em relação ao uso de drogas, encontramos uma porcentagem elevada de pacientes usando quelantes de fósforo à base de cálcio (55,6%), consistente com o estudo de Tentori et al., através da análise de dados dos DOPPS I, II e III com 25.558 pacientes em hemodiálise, o que mostrou uma alta porcentagem dessas drogas (72,9%).26 Esses autores também mostraram que 17,1% utilizavam Sevelamer em comparação com 14,7% encontrados em nosso estudo. O Inquérito Brasileiro de Diálise Crônica 2013 indica um maior uso (38%) de quelante de fósforo não cálcico (Sevelamer)4, em desacordo com o nosso estudo, provavelmente devido a problemas do sistema público de saúde relacionado à distribuição de fármacos.
O uso de vitamina D e análogos (calcitriol oral e venoso, alfacalcidol, paricalcitol) na população estudada foi de 40,2%. No entanto, ao analisar diferentes grupos com PTHi, observamos que 46,7% dos pacientes com PTHi > 1000 pg/mL usaram esses medicamentos, enquanto que em pacientes com PTHi < 150 pg/mL, 30,7% os usaram. Devido à natureza transversal deste estudo, alguns pacientes podem ter uma diminuição no PTHi associado ao uso de vitamina D ou à paratireoidectomia prévia (antes de 2013). Em comparação com outros estudos, o uso de vitamina D no presente estudo foi baixo. Por exemplo, no estudo de Tentori et al., A vitamina D foi prescrita para 52% dos pacientes, embora isso não tenha sido analisado como função do nível de PTHi.26 Um estudo argentino revelou que 59,3% dos pacientes com PTHi > 300 pg/mL e 36,9% dos pacientes com PTHi < 150 pg/mL usaram vitamina D ativa ou seus análogos.15
Levando em consideração o grande número de pacientes com hiperparatireoidismo em nosso estudo, os calcimiméticos (Cinacalcet) foram subutilizados, provavelmente porque apesar de estarem disponíveis no Brasil, esses medicamentos ainda não eram distribuídos gratuitamente através da rede pública de saúde, ao contrário do calcitriol e outros análogos ativos de vitamina D (por exemplo, alfacalcidol). Da mesma forma, o baixo uso de ativadores seletivos de receptores de vitamina D pode ser devido ao mesmo motivo.
Não houve registro de quelante de fósforo à base de alumínio na população estudada, e a hemodiálise foi realizada por osmose reversa nos 11 centros de nefrologia. Os níveis séricos de alumínio foram associados a menores níveis de PTHi em nosso estudo. Vários autores questionam se fontes distintas de alumínio, como utensílios domésticos de alumínio, soluções parenterais ou alimentos, poderiam explicar esse fato.27-29
No que diz respeito a concentração de cálcio no dialisato (CCD), um estudo recente de Jean & Chazot em hemodiálise mostra que diferentes regiões do mundo têm várias estratégias em relação a este tópico. Diminuir o CCD reduz ligeiramente a calcemia, mas principalmente estimula a secreção de hormônio da paratireóide e a remodelação óssea. Por outro lado, o aumento do CCD aumenta ligeiramente a calcemia e reduz marcadamente a secreção do hormônio paratireoidiano e a renovação óssea. Além disso, CCDs mais elevados favorecem a estabilidade hemodinâmica e podem prevenir arritmias ventriculares. Mesmo que alguns estudos tenham demonstrado que o uso de CCDs individuais de 1,25 ou 1,75 mmol/L não é prejudicial, os benefícios reais desta estratégia precisam ser avaliados em um ensaio grande e multicêntrico30. Na diálise peritoneal, o uso a longo prazo (1-2 anos) de dialisato com baixo teor de cálcio (1,25 mmol/L)resulta em níveis séricos reduzidos de cálcio e não tem efeito sobre o nível de fosfato. Não se observou significância clínica na mudança do metabolismo ósseo entre os pacientes com concentração padrão e baixa de cálcio no dialisato, apesar do aumento do hormônio da paratireóide sérica no grupo com baixo cálcio no dialisato.31
Com base no Censo Brasileiro de Paratiroidectomia de 2011, 10,7% dos pacientes em diálise apresentaram um PTHi > 1000 pg/mL9, o que está de acordo com os resultados encontrados em nosso estudo (11,8%). Não há dados precisos sobre o número de paratireoidectomias realizadas no Brasil. No entanto, um estudo na Argentina, com uma amostra populacional de 1.210 pacientes, mostrou que 70 pacientes (5,8%) foram submetidos a este procedimento.15 Conforme mencionado, não foram encontradas referências a paratireoidectomias nos registros analisados em nosso estudo.
O desenho transversal deste estudo é uma limitação e, portanto, algumas inferências não podem ser feitas. O cálcio iónico não foi medido e apenas uma medida do PTHi foi realizada. A importância do presente estudo é que, primeiro, analisa a realidade das unidades de diálise que atendem uma grande parte da população; e, em segundo lugar, fornece uma ideia geral de práticas padrões de tratamento do DMO-DRC, uma vez que não se concentra exclusivamente nos dados de pacientes sintomáticos ou de pacientes acompanhados em um centro de referência de DMO-DRC.
Podemos concluir que a prevalência de pacientes fora da meta de PTHi KDIGO foi de 50,5%. A hiperfosfatemia ocorreu em 35,8% da população estudada e a hipofosfatemia em 13,5%. A análise do cálcio sérico mostrou que 39,3% dos pacientes apresentavam hipercalcemia e 12,6% apresentavam hipocalcemia. Houve um baixo uso de vitamina D ativa, ativadores seletivos de receptores de vitamina D e calcimiméticos. Esses dados chamam a atenção para a necessidade de um maior cumprimento das políticas e diretrizes públicas relativas ao fornecimento de medicamentos para a DMO-DRC.