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Avaliação da qualidade da atenção primária à saúde sob a perspectiva do idoso

Avaliação da qualidade da atenção primária à saúde sob a perspectiva do idoso

Autores:

Lavínia Uchôa Azevedo de Araújo,
Zenewton André da Silva Gama,
Flávio Luiz Araújo do Nascimento,
Herison Franklin Viana de Oliveira,
Wilker Medeiros de Azevedo,
Helano Jader Batista de Almeida Júnior

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123

Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.8 Rio de Janeiro ago. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014198.21862013

ABSTRACT

The scope of this study was to assess the quality of Primary Health Care (PHC) provided to the elderly from their viewpoint. The study design was cross-sectional and observational in a stratified random sample of elderly individuals, enrolled in 10 of the 20 Basic Health Units (BHU) in the city of Macaiba, State of Rio Grande do Norte, Brazil. After an interview conducted using the adult version of the primary care assessment tool (PCATool-Brazil), the quality level was estimated (0-10, based on desirable attributes) and the association between demographic and socioeconomic factors was analyzed. The participants (n = 100) assigned a score of fair (5.7) to Quality; Longitudinality of care was awarded a high score (7.3), however Integrality (4.7), Family Orientation (4.1) and Accessibility (3.8) were considered weak. Socio-demographic factors linked to vulnerability (low income, rural area and older age) were positively associated with different PHC attributes. A margin for improvement in PHC attributes was observed, especially with respect to increasing the focus on the family, extending working hours in BHUs and enhancing prevention of diseases and ensuing complications.

Key words: Quality of health care; Primary health care; Health of the elderly; Evaluation of health services

Introdução

O Brasil vem apresentando um acentuado incremento na população de idosos nas últimas décadas. Isso decorre da forte redução da taxa de fecundidade e do crescente aumento da expectativa de vida da população, tendo em vista a melhoria das condições socioeconômicas e os avanços, políticos e técnicos, no campo dos serviços de saúde e no conhecimento científico1. Essa alteração da estrutura demográfica implica em mudanças no perfil epidemiológico, observando-se aumento na prevalência de doenças crônicas não transmissíveis2.

Por outro lado, a saúde dos idosos pode ser afetada pelas formas de sua inserção social ao longo da vida, que podem resultar em desigualdades de exposições e vulnerabilidades3. E, ainda, pode estar relacionada à forma como os idosos se reconhecem ou são reconhecidos pelos outros, sendo importante o cuidado e a proteção da família e da sociedade a esse grupo social4.

As consequências do envelhecimento para os serviços de saúde se revelam no maior tempo de hospitalização, elevada frequência de reinternações, recuperação mais lenta e invalidez, resultando em aumento de custos para o tratamento dessa população em relação às outras faixas etárias5, independente do nível assistencial.

O conceito de saúde para a população idosa, portanto, não deve se restringir à prevenção e controle de agravos e de doenças crônicas; deve ser o resultado da interação entre a saúde física, mental, independência financeira, capacidade funcional e suporte social6. Desta forma, faz-se necessária a ênfase na implementação efetiva de políticas públicas por meio de medidas que priorizem a promoção do envelhecimento ativo e saudável, a manutenção da autonomia e da capacidade funcional e a valorização das redes de suporte social7. Essas ações são fundamentais no contexto da Atenção Primária à Saúde (APS) prestada a essa população. A despeito das mudanças ocorridas no uso dos serviços de saúde, em função da expansão da APS nos últimos anos, desafios ainda precisam ser superados para a melhoria das condições de saúde da população idosa no Brasil8.

O fortalecimento da APS é identificado como ação estratégica para o enfrentamento da crise pela qual passam os Sistemas de Saúde, em especial nos países em desenvolvimento, nos quais as políticas sociais, incluídas as de saúde, sofrem reflexos de políticas liberais e de um modelo de atenção à saúde centrado na cura e no privilegiamento de tecnologias de alta densidade. Além de elevar gastos, sistemas centrados nessas tecnologias são pouco eficazes, de baixa sustentabilidade e de baixo impacto na saúde da população. Esse panorama de crise leva os sistemas de saúde no mundo inteiro a se depararem com o desafio de implantar reformas alicerçadas num conjunto de valores e princípios da APS que contemplem: cobertura universal, prestação de serviços, políticas públicas e reformas de liderança que considerem principalmente a articulação intersetorial9.

Com o objetivo de desenhar a qualidade da atenção primária, Starfield9 definiu atributos chaves que, na concepção da autora, devem balizar sua organização. São quatro os atributos essenciais à APS: Acesso de Primeiro Contato, Longitudinalidade, Integralidade e Coordenação da atenção. Outros três elementos, chamados de atributos derivados, são apontados como qualificadores das ações dos serviços de APS, sendo eles: Atenção à Saúde Centrada na Família; Orientação Comunitária e Competência Cultural9,10.

No Brasil, uma série de discussões vem reforçando a concepção de gestores e profissionais de que a atenção primária tem importância significativa na reorganização do sistema de saúde. A Estratégia Saúde da Família (ESF) tem sido apontada como prioritária para a reorientação do modelo de atenção no Sistema Único de Saúde (SUS) e diversas iniciativas têm sido propostas para avaliar em que medida a ESF está orientada à APS. Dentre estas iniciativas, encontra-se a aplicação do instrumento Primary Care Assessment Tool - PCATool - Brasil versão Adulto10. Um dos trabalhos utilizando o PCATool - Brasil, realizado em serviços de saúde infantil, demonstrou que o instrumento possui adequada validade e confiabilidade, podendo constituir-se em instrumento nacional de avaliação da APS e ser aplicável a outros contextos populacionais11. Isto corrobora com o estudo realizado no município de Curitiba (PR) que comparava o PCATool e a Avaliação para Melhoria da Qualidade da Estratégia Saúde da Família (AMQ, atualmente denominado AMAQ), sugerindo a utilização do primeiro como ferramenta preferencial na avaliação da qualidade da APS12.

Com essa compreensão, e levando-se em conta que desconhecemos outros trabalhos na literatura brasileira utilizando o PCATool - Brasil em sua versão integral para avaliar a atenção aos idosos, o presente estudo preenche uma necessidade de informação potencialmente útil para a gestão do sistema de saúde. Além disso, está em consonância com uma das diretrizes propostas pela Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa¹, que reforça a importância do desenvolvimento de estudos e pesquisas que visem a trazer melhorias aos serviços ofertados.

Pretendeu-se com este estudo avaliar a qualidade da Atenção Primária à Saúde na perspectiva do idoso, em um município do Nordeste do Brasil, tomando por referência os seus atributos essenciais e derivados. Especificamente, buscou-se identificar os atributos cuja intervenção de melhoria deve ser prioritária, bem como analisar a influência de fatores socioeconômicos e demográficos na qualidade da APS.

Metodologia

O desenho metodológico utilizado foi observacional transversal. O estudo foi realizado durante o ano de 2012, no município de Macaíba, situado na região metropolitana de Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, na região Nordeste do Brasil. O último Censo (2010) apontou que este município tem 69.538 habitantes, sendo o quinto mais populoso do estado. O município possui 20 unidades básicas de saúde, todas com equipes da Estratégia Saúde da Família, com 85% de cobertura da população. Em levantamento recente, o número de idosos cadastrados nas equipes de saúde da família era de 3.983, havendo uma média de 199 idosos por unidade de saúde.

A população do estudo foi de idosos (60 anos ou mais) residentes no município de Macaíba. Adicionalmente, deveriam fazer uso do sistema público de saúde, especificamente de unidades de Atenção Básica / Atenção Primária à Saúde, pois o instrumento de coleta de dados proposto foca, na maioria dos itens, o relato de vivências na utilização destes serviços.

Para selecionar os idosos, visando à representatividade das estimativas sobre o nível de qualidade na perspectiva destes, foi realizada uma técnica de amostragem aleatória bietápica. Na primeira etapa, foram selecionadas por meio de amostragem aleatória simples 10 Unidades Básicas de Saúde, cada uma com uma Equipe de Saúde da Família (ESF); na etapa seguinte, foram selecionados por meio da amostragem aleatória sistemática 10 idosos por equipe de saúde da família, a partir do cadastro de usuários das equipes, perfazendo um total de 100. Os casos que não atenderam aos critérios de inclusão foram substituídos aleatoriamente até a consecução do tamanho amostral pretendido.

Os dados foram coletados no período de abril a maio de 2012 e as entrevistas foram realizadas prioritariamente nos domicílios, de modo a não sofrerem interferência do ambiente de atendimento. Os responsáveis pela coleta foram quatro pesquisadores, após criterioso estudo e discussão de todos os itens do questionário, seguindo-se as orientações contidas no manual do Ministério da Saúde10 sobre o instrumento.

Os dados foram obtidos mediante entrevistas utilizando um questionário socioeconômico e demográfico e o Instrumento de Avaliação da Atenção Primária - PCATool - Brasil versão Adulto, validado no Brasil11. Criado por Starfiel9, na Universidade de Johns Hopkins nos Estados Unidos, esse instrumento se propõe a avaliar a estrutura e o processo de atenção nos serviços de atenção primária tomando por base os atributos essenciais e derivados da APS, sendo eles:

Atributos Essenciais

  • Grau de Afiliação com o Serviço de Saúde

  • Acesso de Primeiro Contato (dimensões: utilização e acessibilidade)

  • Longitudinalidade

  • Coordenação da Atenção (dimensões: integração de cuidados e sistemas de informações)

  • Integralidade (dimensões: serviços disponíveis e serviços prestados)

Atributos Derivados

  • Orientação Familiar

  • Orientação Comunitária

O instrumento totaliza 90 itens, no entanto a dimensão "Grau de Afiliação" não foi utilizada no cálculo dos escores neste estudo por ser critério de inclusão dos idosos na pesquisa. A Competência Cultural, apesar de ser considerado um atributo derivado da APS, não está contemplado no instrumento PCATool - Brasil versão Adulto.

Foi realizada uma análise descritiva dos dados com a intenção de estimar as seguintes variáveis dependentes: o nível de qualidade Geral, que considera todos os seis atributos da APS; o nível de qualidade Essencial, focado nos quatro atributos essenciais; os níveis de qualidade Específicos em cada atributo e dimensão; e os níveis de cumprimento por cada item do questionário. As variáveis independentes, demográficas e socioeconômicas, potencialmente associadas ao nível de qualidade, foram: idade (60-69; 70-79; ≥ 80 anos), sexo, raça/cor (branca; preta; parda), escolaridade (analfabeto; algum grau de instrução), estado civil (casado; não casado), zona residencial (rural; urbana) e renda familiar (número de salários mínimos).

Para a estimativa pontual do nível de qualidade, foi calculada a tendência central a partir da média aritmética simples dos valores das respostas dos itens do questionário, seguindo as instruções do manual do instrumento: "com certeza sim" (valor = 4), "provavelmente sim" (valor = 3), "provavelmente não" (valor = 2), "com certeza não" (valor = 1) e "não sei/não lembro" (valor perdido). Além disso, foram calculadas estimativas intervalares para todos os escores, utilizando o Intervalo de Confiança (IC) de 95% das médias obtidas.

A fim de identificar os fatores associados à qualidade dos serviços, segundo a perspectiva dos idosos, foi realizada uma análise bivariada entre as variáveis demográficas e socioeconômicas e os indicadores da qualidade obtidos através do instrumento. Para isso, os escores Geral, Essencial e Específicos foram dicotomizados em maiores que a mediana e igual ou abaixo da mediana. O teste utilizado para comparar as diferenças entre as proporções foi o Qui-Quadrado de Pearson, ou Razão de Verossimilhança, segundo a necessidade. O nível de significância adotado foi de 5%, rejeitando as hipóteses nulas de ausências de diferenças quando o p-valor encontrado foi menor que 0,05. O programa estatístico utilizado foi o SPSS para Windows.

Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Resultados

Participaram da pesquisa 100 idosos vinculados a 10 unidades básicas de saúde das quais seis eram da zona urbana e quatro da zona rural. Todas as unidades se organizam a partir da Estratégia Saúde da Família e possuem equipe completa (médico, enfermeiro, auxiliar ou técnico de enfermagem, agente comunitário de saúde, cirurgião-dentista, auxiliar ou técnico em saúde bucal), conforme preconiza a Portaria nº 2.488 de outubro de 201113. Foram abordados 105 idosos, sendo que cinco deles não atendiam aos critérios de inclusão do estudo, ou seja, não faziam uso dos serviços oferecidos pelas unidades básicas de saúde do município. Foram realizadas 95 entrevistas no domicílio dos participantes e apenas cinco em unidade básica, devido ao fato de que na ocasião da entrevista os idosos estavam participando da campanha de vacinação na unidade.

Do total de entrevistados, 64% eram mulheres e a média de idade foi de 72,4 anos, variando entre 60 e 93 anos de idade (DP = 8,1). A Tabela 1 apresenta as características gerais da amostragem.

Tabela 1 Distribuição de frequências das características demográficas e socioeconômicas dos participantes no estudo (n = 100). 

Variáveis Total*
Idade
60-69 anos 43
70-79 anos 34
= 80 anos 23
Sexo
Masculino 36
Feminino 64
Cor
Branca 46
Preta 18
Parda 36
Escolaridade
Analfabeto 42
Algum grau de instrução 58
Renda Familiar
1 Salário Mínimo por pessoa 64
1-2 Salário Mínimo por pessoa 36
Estado Civil
Casados 56
Não casados 44
Zona Residencial
Urbana 60
Zona Rural 40

* Como o tamanho da amostra foi igual a 100, o total é igual à frequência relativa

A nota média atribuída pelos idosos ao serviço ofertado nas unidades de saúde foi de 5,7 (IC 95%: 5,5-6,0), considerando o escore Geral, constituído pelos seis atributos desejáveis. Ao considerar apenas os atributos essenciais, que excluem "Orientação Familiar" e "Orientação Comunitária", a nota teve discreta variação, aumentando para 6,0 (IC 95%: 5,7-6,2).

Em uma avaliação específica por atributos (Gráfico 1), aquele com pior resultado foi "Orientação Familiar" (escore médio = 4,1; IC 95%: 3,6-4,7), considerado um atributo derivado da APS, e o melhor resultado ficou com a "Longitudinalidade" (escore médio = 7,3; IC 95%: 6,9-7,6). Destaca-se que este último atributo é considerado essencial para a APS; porém, outro atributo considerado essencial, a "Integralidade", ficou com a segunda pior avaliação (escore médio = 4,7; IC 95%: 4,4-5,0).

Gráfico 1 Escore médio dos atributos e suas respectivas dimensões. 

A avaliação de três dos quatro atributos essenciais pode ser aprofundada pela análise de suas dimensões. Esta análise revelou uma variabilidade importante no atributo "Acesso de Primeiro Contato", pois se observa que a dimensão "Acessibilidade" obteve o pior escore de todos os atributos e dimensões (escore médio 3,8; IC 95%: 3,6-4,1), enquanto sua outra dimensão, a "Utilização", obteve a melhor avaliação (escore médio 8,5; IC 95%: 8,1-9,0). Ou seja, apesar de os idosos utilizarem o serviço, ainda relatam barreiras para um acesso adequado. Diferença tão importante não foi observada no atributo "Integralidade", onde suas duas dimensões obtiveram escores baixos, com destaque para "Serviços Prestados", que obteve a segunda pior avaliação dentre todas as dimensões avaliadas (escore médio = 4,0; IC 95%: 3,6-4,4).

Em relação aos 85 itens avaliados, seis entre os 10 com menor escore pertencem ao atributo essencial "Integralidade", incluindo o pior item (O médico/enfermeira discutiu sobre segurança com arma de fogo?), com escore médio 0,3 (IC 95%: 0,0-0,7). Este e os demais itens fazem referência a ações de prevenção de agravos que deveriam compor parte da rotina das UBS. O atributo "Acesso de Primeiro Contato" é responsável pelos outros quatro itens entre os 10 pior avaliados, sendo todos eles relativos à dimensão "Acessibilidade". Nesta dimensão, destacam-se os itens que evidenciam horário limitado de atendimento, relacionados com a provisão de atenção à noite, nos finais de semana e feriados. Os resultados dos 10 itens pior avaliados estão descritos detalhadamente na Tabela 2.

Tabela 2 Descrição dos 10 itens com pior avaliação (prioritários para ações de melhoria) entre os 85 avaliados, de acordo com os respectivos. 

Item Atributo Dimensão Escore Médio IC 95%
(0-10)
O médico/enfermeira discutiu sobre Integralidade Serviços Prestados 0,3 0,0-0,7
segurança com arma de fogo?
A unidade lhe oferece assistência quando Acesso de 1º Acessibilidade 0,8 0,4-1,2
você fica doente no período noturno? contato
A sua unidade fica aberta nos finais de Acesso de 1º Acessibilidade 0,9 0,6-1,3
semana? contato
A unidade lhe oferece assistência quando Acesso de 1º Acessibilidade 1,1 0,6-1,6
você fica doente no final de semana? contato
A sua unidade fica aberta alguma noite Acesso de 1º Acessibilidade 1,3 0,9-1,6
até às 20h? contato
O médico/enfermeira discutiu sobre o Integralidade Serviços Prestados 1,5 0,8-2,1
uso de cinto de segurança?
Na sua unidade faz remoção de verrugas? Integralidade Serviços Disponíveis 1,7 1,2-2,2
O médico/enfermeira discutiu sobre Integralidade Serviços Prestados 1,7 1,0-2,4
prevenir queimaduras?
O médico/enfermeira discutiu sobre Integralidade Serviços Prestados 2,0 1,4-2,6
como lidar com conflitos de família?
O médico/enfermeira discutiu sobre Integralidade Serviços Prestados 2,0 1,2-2,8
exposição a substâncias perigosas?

* Como o tamanho da amostra foi igual a 100, o total é igual à frequência relativa

O nível de qualidade quantificado pelo construto geral do questionário não se associou a nenhum dos fatores demográficos e socioeconômicos contemplados no estudo (p > 0,05), independente de se considerar os seis atributos desejáveis (escore Geral) ou somente os quatro essenciais (escore Essencial), como mostra a Tabela 3.

Tabela 3 Análise bivariada da associação entre variáveis demográficas e socioeconômicas e os escores dos atributos da Atenção Primária à Saúde e os escores Essencial e Geral (dicotomizados em maior que a mediana). 

Atributo Acesso 1º Contato Longitudinalidade Coordenação Integralidade
(> mediana) (> 6,5) n = 100 (> 4,5) n = 100 (> 6,4) n = 57 (> 4,6) n = 92
Variável n % (n) p % (n) p % (n) p % (n) p
Idade
60-69 43 42 (18) ,765 37 (16) ,014* 39 (10) ,261 48 (19) ,939
70-79 34 50 (17) 71 (24) 63 (12) 50 (16)
> 80 23 44 (10) 52 (12) 50 (6) 45 (9)
Sexo
Masculino 36 50 (18) ,451 50 (18) ,764 57 (12) ,355 52 (16) ,604
Feminino 64 42 (27) 53 (34) 44 (16) 46 (28)
Cor
Branca 46 37 (17) ,206 59 (27) ,346 41 (11) ,376 49 (20) ,665
Preta 18 61 (11) 39 (7) 67 (6) 56 (9)
Parda 36 47 (17) 50 (18) 52 (11) 43 (15)
Nível de Escolaridade
Analfabetos 42 43 (18) ,714 48 (20) ,456 40 (8) ,311 39 (15) ,123
Alfabetizados 58 47 (27) 55 (32) 54 (20) 55 (29)
Renda Familiar (por pessoa)
< 1 SM 63 54 (34) ,019* 52 (33) ,921 60 (22) ,034* 42 (25) ,161
1-2 SM 37 30 (11) 51 (19) 30 (6) 58 (19)
Estado Civil
Casados 56 48 (27) ,466 54 (30) ,723 58 (18) ,140 53 (27) ,273
Não casados 44 41 (18) 50 (22) 39 (10) 42 (17)
Zona de Residência
Urbana 60 48 (29) ,412 53 (32) ,744 51 (19) ,647 46 (26) ,738
Rural 40 40 (16) 50 (20) 45 (9) 50 (18)
Orientação Orientação Escore
Atributo Familiar Comunitária Essencial Escore Geral
(> 3,3) n = 100 (> 5,6) n = 94 (> 6,2)
(> mediana) (> 5,8)
Variável n % (n) p % (n) p % (n) p % (n) p
Idade
60-69 43 49 (21) ,915 53 (21) ,422 42 (18) ,524 40 (17) ,360
70-79 34 44 (15) 39 (12) 47 (16) 56 (19)
> 80 23 48 (11) 39 (9) 57 (13) 48 (11)
Sexo
Masculino 36 44 (16) ,701 42 (14) ,746 44 (16) ,701 50 (18) ,652
Feminino 64 48 (31) 46 (28) 48 (31) 45 (29)
Cor
Branca 46 50 (23) ,725 40 (18) ,283 46 (21) ,952 41 (19) ,564
Preta 18 50 (9) 63 (10) 50 (09) 50 (09)
Parda 36 42 (15) 42 (14) 47 (17) 53 (19)
Nível de Escolaridade
Analfabetos 42 43 (18) ,480 49 (19) ,507 45 (19) ,764 48 (20) ,916
Alfabetizados 58 50 (29) 42 (23) 48 (28) 47 (27)
Renda Familiar (por pessoa)
< 1 SM 63 52 (33) ,159 49 (30) ,233 52 (33) ,159 51 ,321
1-2 SM 37 38 (14) 36 (12) 38 (14) 41
Estado Civil
Casados 56 52 (29) ,279 42 (22) ,482 45 (25) ,594 46 (26) ,897
Não casados 44 41 (18) 49 (20) 50 (22) 48 (21)
Zona de Residência
Urbana 60 43 (26) ,368 47 (27) ,643 47 (28) ,935 50 (30) ,462
40 53 (21) 42 (15) 48 (19) 43 (17)

* p-valor significativo, menor que 0,05; SM = Salário Mínimo; R = Renda; Z = Zona

Tabela 4 Análise bivariada da associação entre variáveis demográficas e socioeconômicas e os escores altos (dicotomizados em maior que a mediana) das dimensões que compõem os atributos Acesso de Primeiro Contato, Coordenação e Integralidade. 

Atributo Acesso de 1º contato Coordenação
Integração de Sist. De
Dimensão mediana Utilização** Acessibilidade Cuidados Informações
Variável > 10,0 (n = 100) > 3,9 (n = 100) > 5,6 (n = 58) > 7,8 (n = 93)
n % (n) p % (n) p % (n) p % (n) p
Idade
60-69 43 51 (22) ,647 44 (19) ,955 33 (9) ,059 31 (12) ,595
70-79 34 62 (21) 47 (16) 63 (12) 39 (13)
> 80 23 57 (13) 44 (10) 67 (8) 43 (9)
Sexo
Masculino 36 67 (24) ,107 50 (18) ,451 57 (12) ,412 48 (15) ,094
Feminino 64 50 (32) 42 (27) 46 (17) 31 (19)
Cor
Branca 46 50 (23) ,537 46 (21) ,839 43 (12) ,445 41 (18) ,684
Preta 18 61 (11) 50 (18) 67 (6) 35 (6)
Parda 36 61 (22) 42 (15) 52 (11) 31 (10)
Nível de Escolaridade
Analfabetos 42 52 (22) ,535 55 (23) ,095 45 (9) ,581 36 (13) ,943
Alfabetizados 58 59 (34) 38 (22) 53 (20) 37 (21)
Renda Familiar (por pessoa)
< 1 SM 63 67 (42) ,005* 48 (30) ,492 60 (22) ,056 39 (23) ,523
1-2 SM 37 38 (14) 41 (15) 33 (7) 32 (11)
Estado Civil
Casados 56 59 (33) ,506 46 (26) ,746 59 (19) ,113 41 (21) ,308
Não casados 44 53 (23) 43 (19) 39 (10) 31 (13)
Zona de Residência
Urbana 60 57 (34) ,869 35 (21) ,014 49 (18) ,785 33 (19) ,327
Rural 40 55 (22) 60 (24) 52 (11) 43 (15)
Atributo Integralidade
Dimensão mediana
Serv. Disponíveis Serviços Prestados
Variável > 5,3 (n = 92) > 3,8 (n = 100)
n % (n) p % (n) p
Idade
60-69 43 51 (22) ,647 44 (19) ,955
70-79 34 62 (21) 47 (16)
> 80 23 57 (13) 44 (10)
Sexo
Masculino 36 67 (24) ,107 50 (18) ,451
Feminino 64 50 (32) 42 (27)
Cor
Branca 46 50 (23) ,537 46 (21) ,839
Preta 18 61 (11) 50 (18)
Parda 36 61 (22) 42 (15)
Nível de Escolaridade
Analfabetos 42 52 (22) ,535 55 (23) ,095
Alfabetizados 58 59 (34) 38 (22)
Renda Familiar (por pessoa)
< 1 SM 63 67 (42) ,005* 48 (30) ,492
1-2 SM 37 38 (14) 41 (15)
Estado Civil
Casados 56 59 (33) ,506 46 (26) ,746
Não casados 44 53 (23) 43 (19)
Zona de Residência
Urbana 60 57 (34) ,869 35 (21) ,014
Rural 40 55 (22) 60 (24)

* p-valor significativo, menor que 0,05; **Notas iguais à mediana, em virtude de não haver nota maior que 10,0; SM = Salário Mínimo

No entanto, ao analisar cada atributo separadamente, inclusive detalhando a análise ao nível de dimensão, identificamos que três dos seis atributos se relacionam com pelo menos um dos fatores considerados. A avaliação dos idosos de menor renda (menos de um salário mínimo por pessoa no domicílio) se associou significativamente com um melhor "Acesso de Primeiro Contato" (p = 0,019), influenciada pela relação significativa de sua dimensão "Utilização" (p = 0,005). A renda também se associou significativamente com a perspectiva do idoso sobre a "Coordenação" da atenção (p = 0,034), mais uma vez melhor avaliada pelos usuários com renda inferior.

Zona rural de residência se relacionou com uma melhor "Acessibilidade" (p = 0,014), a idade avançada com uma melhor perspectiva sobre a "Longitudinalidade" (p = 0,014) e o maior nível de escolaridade (alfabetizados) com a melhor avaliação dos "Serviços Prestados" (p = 0,046). Os demais atributos (Orientação Familiar e Orientação Comunitária) e dimensões (Integração dos Cuidados, Sistema de Informações e Serviços Disponíveis) foram avaliados de forma homogênea em relação às variáveis consideradas. As Tabelas 3 e 4 detalham a variabilidade da avaliação dos atributos e dimensões, respectivamente, em relação aos fatores demográficos e socioeconômicos contemplados neste estudo.

Discussão

Este estudo aporta informação original sobre o nível de qualidade da Atenção Primária à Saúde, servindo de parâmetro para gestores, pesquisadores e profissionais envolvidos nos esforços para a melhoria deste componente fundamental do Sistema Único de Saúde (SUS). Utilizando um questionário de relevância reconhecida internacionalmente e validado no Brasil, destaca-se por ser, provavelmente, a primeira avaliação com o PCATool - Brasil realizada exclusivamente com idosos. Este diferencial está em consonância com as diretrizes da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, que estimula o desenvolvimento de pesquisas que visem à avaliação dos serviços de saúde voltados para esta população, e que a atenção deve ter como porta de entrada principal a APS1. Desta forma, os resultados apresentados avaliam as respostas que o sistema de saúde está dando às necessidades e expectativas desta população mais vulnerável e a capacidade que o mesmo possui de orientar sua atenção considerando os atributos da APS14.

Os idosos entrevistados, de modo geral, avaliam o atendimento recebido na atenção primária como sendo apenas mediano, havendo uma grande margem para sua melhoria, já que os valores dos escores Geral (5,7) e Essencial (6,0) obtidos estão distantes da nota máxima possível (10,0).

Isto corrobora os resultados de estudo anterior15, realizado com profissionais e usuários de todas as faixas etárias, considerando os princípios da estratégia saúde da família, que demonstrou escores baixos e aquém do esperado, e com estudo realizado no município de São Paulo16, também com profissionais e usuários de todas as faixas etárias, cuja avaliação dos escores médios obteve valor situado um pouco abaixo de 6,0. Se considerarmos que as populações são comparáveis, o resultado mostra que não há priorização da assistência ao idoso no município estudado, apresentando assim o mesmo nível de qualidade dos serviços. Era de se esperar que, por tratar-se de uma das parcelas mais vulneráveis da população, os esforços envidados para a organização e prestação de serviços ofertados aos idosos fossem diferenciados em busca do princípio da equidade.

Analisando-se os atributos melhor avaliados, percebe-se que a Longitudinalidade, com média 7,3, apresenta posição de destaque em comparação com os demais atributos e pode ser considerada satisfatória, já que possui média superior a 7,0. Isso representa um ponto positivo por se tratar de um atributo essencial e pressupor a existência de uma fonte regular de atenção e seu uso ao longo do tempo6, bem como a adequada identificação da população adstrita com suas respectivas unidades de saúde.

O atributo Orientação Familiar obteve a pior avaliação, o que confirma outros estudos nos quais se observa um baixo nível de qualidade deste aspecto15-17. Dessa forma, enfraquece-se a relação do idoso com o sistema de saúde, na medida em que o seu cuidado deve se basear, fundamentalmente, na família, com o apoio das Unidades Básicas de Saúde17. Além disso, a família assume importante papel nos serviços de atenção domiciliar direcionados aos idosos, os quais se sentem mais confortáveis com a atenção recebida18. Por esta razão, provavelmente as equipes ainda não trabalham, na perspectiva da clínica ampliada, em integração com as famílias, procurando discutir as questões relativas à saúde levando em conta as histórias familiares, os fatores hereditários e, principalmente, os fatores culturais que interferem na condução do processo de cuidado do idoso. Considerado por Starfield9 um atributo derivado da APS, a Orientação Familiar deve adquirir no Brasil importância destacada, podendo passar à condição de atributo essencial, já que adotou-se como prioritária para a organização do modelo de atenção, a Estratégia Saúde da Família (ESF), que deve entender o indivíduo "como singular e como parte integrante de um contexto mais amplo que é a família e a comunidade"19.

O atributo Acesso de Primeiro Contato, embora não tendo sido um dos piores avaliados (escore médio de 6,2) é considerado prioridade de ações de melhoria da qualidade, uma vez que uma de suas dimensões, a Acessibilidade, apresentou o pior escore médio dentre todas as outras. Ainda merece atenção o atributo Integralidade na sua dimensão Serviços Prestados, que foi a segunda pior avaliada. A fragilidade nestes atributos enfraquece a APS na agenda decisória da política nacional de saúde, na medida em que a Estratégia da Saúde da Família torna-se carente nas suas características de modelo preventivo, coletivo, territorializado e democrático20.

Em contraposição, o Acesso de Primeiro Contato também teve a dimensão melhor avaliada entre todas - Utilização - o que pode ter sido influenciado pelo fato de o estudo ter-se realizado com idosos usuários do serviço de saúde. Viés semelhante ocorre na avaliação externa do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica (PMAQ-AB), do Ministério da Saúde do Brasil, uma vez que a população entrevistada se restringe a utilizadores dos serviços, ao passo que a avaliação do Acesso deveria incluir a população em geral do território de abrangência. Para minimizar este viés e viabilizar este estudo, foi utilizada a estratégia de entrevistar usuários em seus domicílios, por este ser um ambiente menos sujeito a interferências. A avaliação positiva do idoso com relação à Utilização pode ser justificada também pela própria população entrevistada, pois a idade pode ser um fator predisponente para a utilização dos serviços, por questões culturais e pela necessidade de acompanhamento constante, em razão da prevalência elevada de doenças crônico-degenerativas21,22.

É sabido que a Acessibilidade representa a ausência de barreiras organizacionais e/ou físicas para se conseguir atenção à saúde, como a delimitação de dias e horários de funcionamento. As UBS do município de Macaíba (RN) funcionam de segunda a quinta feira, das 7 às 17 horas, e às sextas feiras o expediente encerra-se ao meio dia. Isso representa séria limitação, uma vez que há um grande intervalo diário descoberto para a atenção, podendo ter repercussão na sobrecarga de outros níveis. Dessa forma, a possibilidade de atendimento na APS à noite e/ou nos finais de semana resolveria parte das queixas da população e contribuiria para amenizar a superlotação nas unidades de pronto-atendimento19. O investimento para superar este problema pode ser grande, por envolver toda a organização da ESF, como a criação de horários mais amplos e a contratação de profissionais, mas também pode trazer grandes benefícios para a população idosa atendida. Além disso, a facilitação do acesso ao uso dos serviços de saúde, juntamente com outros fatores, em especial o acolhimento, favorece o vínculo do usuário e, portanto, contribui muitas vezes para o tempo de utilização do serviço e para a frequência de procura pelo atendimento23. Os resultados deste estudo apontam para a necessidade de medidas que minimizem os problemas de acessibilidade, e indica a sua prioridade no Plano de Reestruturação de UBS, proposto recentemente pelo Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde, corroborando-se também de aspectos preconizados pela Política Nacional de Atenção Básica/201124e contemplados no Decreto nº 7.508/201125.

Analisando-se mais detidamente o atributo Integralidade, em sua dimensão Serviços Disponíveis, constatou-se que alguns dos seus itens foram mal avaliados quase à unanimidade, como colocação de talas, remoção de verrugas e realização de suturas, que fogem à realidade da oferta de serviços da grande maioria das unidades de atenção primária no Brasil, ficando a cargo dos serviços secundários e contribuindo para a baixa resolutividade da APS. Na dimensão Serviços Prestados, que trata de uma série de serviços ou orientações que poderiam ter sido oferecidos aos idosos em alguma consulta, percebe-se que orientações sobre o uso do cinto de segurança, a pergunta relativa à educação sobre segurança com arma de fogo em casa, orientações sobre a prevenção de queimaduras e quedas ou exposição a substâncias perigosas, são quase totalmente estranhas aos entrevistados. Isso denota diminuta atenção às práticas de educação e promoção da saúde e de prevenção de doenças e agravos, ao autocuidado e ao suporte social ao idoso e seus cuidadores, interferindo negativamente na manutenção e resgate da autonomia de idosos, o que pode gerar grande impacto na saúde desta população26.

Nesse sentido, torna-se plausível que a gestão da saúde considere a realização de capacitação específica das equipes para esses quesitos, pois sem programas adequados de prevenção e controle de tais agravos e suas complicações, direciona-se, inevitavelmente, o atendimento do idoso aos serviços de pronto-atendimento27, não tendo como tratar as causas, mas somente as consequências. Além disso, a padronização destes processos prioritários requer investimento de baixa complexidade, podendo significar um grande custo/benefício como ação de saúde pública, pois assim evita-se a ocorrência de agravos mais dispendiosos ao sistema de saúde28.

No que diz respeito aos fatores associados, os usuários de menor renda analisaram significativamente melhor o Acesso de Primeiro Contato, mais especificamente sua dimensão Utilização. Estudo realizado em município da região sul do país obteve resultado semelhante29. Provavelmente isto ocorre porque esta população utiliza quase que exclusivamente os serviços públicos de saúde, enquanto aquela com maior renda pode recorrer a serviços privados quando encontram barreiras. Isso remete à necessidade de reflexão por parte de gestores de que é preciso que os serviços sejam universais e equitativos e indica que a ESF permanece como uma política ainda complementar e não substitutiva no âmbito da atenção primária à saúde30. Provavelmente pelo mesmo motivo, os idosos de menor renda também analisaram significativamente melhor a Coordenação da atenção.

A associação da dimensão Acessibilidade com a zona de residência revela maior problema na zona urbana. Isto pode agravar o desvio desses pacientes para outros níveis de assistência, mais disponíveis nesta área geográfica, em virtude de uma insuficiente oferta e acesso às ações básicas31. Pode-se considerar também que, pelo fato de a zona rural ter historicamente menor oferta de serviços de saúde, isso possa interferir numa percepção superestimada da acessibilidade pelo idoso que reside nessa área, se houver uma existência mínima destes serviços.

A Longitudinalidade se associou significativamente à faixa de idade mais avançada (80 anos e mais). O que pode decorrer de uma relação profissional/paciente de maior vínculo devido a essa população ser acometida por doenças crônicas que requerem maior acompanhamento e frequentarem mais assiduamente os serviços de atenção primária. Pode, também, ser um indício da busca pela equidade nos serviços pesquisados.

Idosos com maior escolaridade perceberam significativamente melhor os Serviços Prestados. Essa dimensão do instrumento está relacionada, basicamente, às orientações durante as consultas sobre medidas de promoção da saúde e prevenção de doenças e agravos. Um maior nível de escolaridade dos idosos pode proporcionar maior compreensão daquilo que é orientado nas consultas, bem como propiciar maior iniciativa para perguntar sobre questões relativas à saúde que envolvam o bem estar e aspectos preventivos.

Este estudo não se destinou a comparações entre as UBS, porém, a amostragem probabilística utilizada permite generalizar os resultados, dentro da precisão delimitada pelos intervalos de confiança, ao conjunto dos idosos atendidos pelas 20 USF do município estudado. Em relação a extrapolar os resultados ao país ou a outros municípios, é preciso ter precaução, pois as diferentes realidades podem influenciar tanto nos atributos prioritários de intervenção quanto nos fatores associados. Em qualquer caso, é possível que esta realidade se repita em outros municípios que compartilham as mesmas características organizacionais, demográficas e socioeconômicas.

Entretanto, é necessário reconhecer que a amostra talvez tenha sido insuficiente para a estimativa dos fatores associados, sendo necessário confirmar os resultados em um estudo mais amplo com este objetivo. Esta situação motivou a escolha por uma análise bivariada, o que limita o estudo em relação ao controle de possíveis fatores de confusão, fazendo com que algumas associações possam ser espúrias. Adicionalmente, estudos futuros podem contemplar um maior número de variáveis independentes, que proporcione maior robustez às influências relativas aos fatores socioeconômicos e demográficos que influenciam na atenção primária à saúde do idoso.

Outra limitação do estudo está relacionada ao instrumento de avaliação utilizado e às dimensões e itens contemplados no mesmo. No entanto, a escolha foi efetuada devido ao questionário PCATool - Brasil versão Adulto ser um instrumento de avaliação com parâmetros internacionais de qualidade da atenção primária, o que possibilita comparações com outras iniciativas. Também complementa outras metodologias, tais como a do PMAQ, que focam o acesso e a qualidade, mas não a avaliação segundo a perspectiva do idoso. Assim sendo, o estudo realizado permite uma visão mais precisa dessa parcela da população e pode orientar, de forma mais específica, a pesquisa e gestão nesta área.

Conclusões

Evidenciou-se margem para melhoria do cuidado ao idoso no município estudado, sendo prioritário ampliar o foco na família, o horário de funcionamento das UBS e a diversidade na prevenção de doenças e agravos. As prioridades que devem orientar gestores, profissionais e pesquisadores são no sentido de melhorar a Acessibilidade por diminuir as barreiras nos horários de funcionamento das UBS, que podem repercutir numa baixa resolutividade e até no colapso desnecessário de estabelecimentos de níveis de maior densidade tecnológica de assistência. Também incluem aumentar a Integralidade da assistência ao priorizar serviços de prevenção abrangentes, que vão além dos agravos e doenças mais prevalentes. Esta necessidade se evidencia pela limitada prática de ações de prevenção, autocuidado e suporte social ao idoso e ao cuidador, mostrando a necessidade de investimentos em ações pouco dispendiosas, como a formação profissional relativa a essas temáticas e a implementação de práticas voltadas para a prevenção de acidentes domésticos, de trânsito, orientações nutricionais e atividade física, com bastantes repercussões na saúde coletiva. Fatores sociodemográficos ligados à vulnerabilidade (menor renda, área rural e maior idade) associaram-se positivamente a diferentes atributos da APS, podendo indicar um caminho correto no sentido de buscar equidade no acesso e qualidade nos serviços de saúde.

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