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Avaliação da resposta à antibioticoterapia durante exacerbação na fibrose cística por ultrassom pulmonar: estudo de dois casos

Avaliação da resposta à antibioticoterapia durante exacerbação na fibrose cística por ultrassom pulmonar: estudo de dois casos

Autores:

Andressa Oliveira Peixoto,
Fernando Augusto Lima Marson,
Tiago Henrique Souza,
Andrea de Melo Alexandre Fraga,
José Dirceu Ribeiro

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756

J. bras. pneumol. vol.45 no.6 São Paulo 2019 Epub 25-Nov-2019

http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20190128

AO EDITOR,

Exacerbações pulmonares (EP) na fibrose cística (FC) causam aproximadamente 50% do declínio da função pulmonar.1 Apesar de não haver consenso, os critérios para definir EP atualmente consistem em alteração no escarro e/ou radiografia de tórax; anorexia; aumento da tosse; dispneia; fadiga/letargia; febre; hemoptise; queda do estado geral; queda do VEF1 > 10%; e perda de peso.2 No entanto, faltam respostas para dois questionamentos1: como melhorar o tratamento da EP e quais técnicas de imagem podem indicar EP e/ou avaliar o acometimento pulmonar? Dentro desse contexto, podemos destacar o uso do ultrassom pulmonar (UP), que é um método rápido, livre de radiação e de fácil reprodutibilidade, elevada disponibilidade e baixo custo. O UP pode ser útil para avaliar a EP e a resposta a antibioticoterapia. Neste estudo piloto, nós utilizamos o UP antes e depois da antibioticoterapia em duas pacientes com FC que tiveram EP. As pacientes com FC tiveram dois testes do suor com cloreto ≥ 60 mEq/l e duas variantes patogênicas no gene CFTR. As seguintes avaliações foram realizadas: questionário clínico/demográfico; espirometria; TCAR de tórax no dia da primeira realização do UP; escore de Bhalla; SpO2; UP; e cultura de escarro de rotina (Tabela 1). O estudo foi aprovado pelo comitê de ética da instituição (CAAE no. 64515817.4.0000.54.04).

Tabela 1 Dados dos pacientes com fibrose cística e da avaliação do ultrassom pulmonar antes e depois da antibioticoterapia. 

Dados Paciente 1 Paciente 2
Antes Depois Antes Depois
Idade, anos 22 18
IMC, kg/m2 23,34 17,41
SpO2 95 92
Comorbidades InsP InsP, DM
CFTR F508del/G542X F508del/F508del
CVF, % predito 73 74 38 39
VEF1, % predito 55 57 42 41
VEF1/CVF 75 77 99 94
FEF25-75%,% 24 26 53 46
Bhallaa 21 24
Regiões avaliadas no UP
1 A A B A + IP
2 C + IP C + IP B + C B + C
3 B A B B
4 B + IP B + IP B B
5 A + IP A B B
6 B A B + C B + C
7 A A B B
8 B B B B
9 A + IP A B + C B + C
10 B A B + IP B + IP
11 A A B B
12 B A B B
Escoreb 8/36 4/36 18/36 17/36

IMC: índice de massa corpórea; InsP: insuficiência pancreática; DM: diabetes mellitus; CFTR: cystic fibrosis transmembrane regulator; UP: ultrassom pulmonar; A: padrão A; B: padrão B; IP: irregularidade da pleura; e C: consolidação. aFoi utilizado o escore Bhalla modificado segundo Folescu et al.10: o escore total de cada paciente é obtido pela soma dos escores para cada alteração morfológica, atribuídos com base na gravidade/extensão da anormalidade. O escore total pode variar de zero (ausência de anormalidades) a 37 (todas as anormalidades presentes e graves). bQuanto maior for o valor da proporção, maior será o acometimento pulmonar em área, sendo que a presença de consolidação equivale a 2 pontos no escore e a de padrão B equivale a 1 ponto. Dessa forma, a pontuação máxima do escore é de 36 pontos.

Na recomendação internacional de UP point of care o exame pode apresentar padrão A (deslizamento pleural normal e ecogenicidade regular de linha pleural com predomínio de artefatos de linhas A) ou padrão B (presença de um mínimo de três artefatos de linhas B) por região pulmonar.3,4 No nosso estudo o pulmão foi dividido em 12 regiões. A natureza física e anatômica das linhas B (artefatos em “cauda de cometa”; linhas verticais, hiperecoicas e que mascaram as linhas A que têm origem na pleura visceral e se movimentam com o deslizamento pleural) não é completamente compreendida; porém, sua ocorrência está associada à presença de fluido de origem hidrostática e/ou inflamatória no interstício pulmonar.4 Adicionalmente, podem ser identificados no UP consolidação (área hipoecoica subpleural com margem irregular e textura heterogênea, podendo ocorrer imagem hiperecogênica em seu interior e/ou linhas B adjacentes a sua margem posterior ou aspecto similar ao parênquima hepático) e derrame pleural (imagem anecoica entre a pleura visceral e parietal).3

A paciente 1 (genótipo CFTR, F508del/G542X) apresentou como critério para EP aumento de tosse, aumento da produção e alteração da aparência/consistência do escarro, piora da ausculta pulmonar e cultura de rotina positiva para Staphylococcus aureus e Achromobacter xylosoxidans. No acompanhamento foi indicada antibioticoterapia oral por 15 dias. Os domínios do escore de Shwachman-Kulczycki (ESK)5 indicaram falta de resistência, cansaço ao final do dia, mas boa frequência escolar (domínio atividade geral); presença de fenômeno pulmonar obstrutivo, infecção, atelectasias lobulares e bronquiectasia (achados radiológicos); presença de peso e altura próximos ao percentil 25, bom tônus e massa muscular, assim como fezes bem formadas e quase normais (nutrição); e sem tosse, frequências cardíaca e respiratória normais, pulmões limpos e boa postura (exame físico). Na avaliação da EP, o aumento da tosse e da produção e alteração da aparência/consistência do escarro foi considerado como relato do paciente/cuidador. No entanto, na pontuação do ESK5 a presença de tosse foi avaliada durante a consulta, sendo esse dado diferente do relatado anteriormente. Em suma, a pontuação total no ESK foi de 75, classificado como “bom”. Na avaliação do UP a paciente apresentou quatro regiões pulmonares com padrão B que mudaram para padrão A após a antibioticoterapia, sendo em ambos os momentos classificado como padrão misto no UP (Tabela 1).

A paciente 2 (genótipo CFTR, F508del/F508del) apresentou como critério para EP aumento de tosse, aumento da produção e alteração da consistência do escarro, cansaço, intolerância aos esforços físicos, perda de peso, queda da SpO2, e cultura de rotina positiva para Pseudomonas aeruginosa mucoide e não mucoide. No acompanhamento foi indicada antibioticoterapia oral por 15 dias. Os domínios do ESK5 indicaram falta de resistência, presença cansaço ao final do dia, mas boa frequência escolar (atividade geral); presença de fenômeno pulmonar obstrutivo, infecção, atelectasias lobulares e bronquiectasia (achados radiológicos); presença de peso e altura abaixo do percentil 3, músculo fraco, massa muscular reduzida, distensão abdominal suave/moderada e fezes pouco formadas, volumosas e ofensivamente gordurosas (nutrição); tosse frequente e usualmente produtiva, retração torácica, enfisema moderado, deformidade torácica, roncos usualmente presentes e hipocratismo digital (exame físico). A pontuação total no ESK foi de 45, classificado como “moderado”. Na avaliação do UP a paciente apresentou uma região pulmonar com padrão B que mudou para padrão A após a antibioticoterapia, sendo em ambos os momentos classificado como padrão misto no UP (Tabela 1).

Ambas as pacientes eram colonizadas/infectadas cronicamente pelas bactérias descritas e apresentaram alteração da cultura de rotina na comparação antes e depois do uso da antibioticoterapia.

O UP foi avaliado por um médico pneumologista com treinamento específico para sua interpretação. Um segundo membro da equipe com especialização em radiologia analisou de maneira cega os achados. Ambos os profissionais pontuaram o UP e interpretaram os achados das imagens, com resultados idênticos. O escore ultrassonográfico e a completa descrição dos métodos foi publicada anteriormente.6

Na literatura é evidente a necessidade de um exame para avaliar o sucesso terapêutico da antibioticoterapia durante EP. Adicionalmente, não existe consenso sobre o critério para definir o início/fim de EP e o tempo necessário para o tratamento. Além disso, nem sempre é possível identificar quem necessitará de antibioticoterapia de curso curto (10-14 dias, respondedores precoces) ou longo (aproximadamente 21 dias, respondedores tardios).1,7 Como ferramentas para avaliar a resposta ao tratamento, marcadores clínicos e resultados de função pulmonar têm sido utilizados, mas esses possuem limitações e perdem especificidade com a progressão da doença.1 Nesse contexto, nosso relato estimula a aplicabilidade do UP para avaliar EP.

Na FC, a EP é um marcador de progressão da doença e deve ser monitorada na rotina de atendimento. Sabemos que pacientes com FC têm tido um aumento na sobrevida apesar da colonização crônica das vias aéreas por germes com maior resistência bacteriana, o que culmina no uso de numerosas drogas (antibióticos e anti-inflamatórios) que necessitam de monitorização frequente, uma vez que caminhamos para a medicina personalizada e de precisão.8,9 Nesse processo, o UP poderá ser uma ferramenta que caminha junto ao paciente na determinação de sua resposta individual à terapêutica, sem causar intercorrências e expor o paciente à radiação.

Em suma, para avaliar as alterações causadas pela EP e a resposta à antibioticoterapia na FC, o UP poderá ser uma ferramenta útil. No entanto, outros estudos com uma maior casuística necessitam ser realizados para confirmar nossos achados, uma vez que apenas uma das duas pacientes com FC avaliadas apresentaram maior distinção nos resultados de UP entre o antes e o depois da antibioticoterapia.

REFERÊNCIAS

1 Schechter MS. Reevaluating approaches to cystic fibrosis pulmonary exacerbations. Pediatr Pulmonol. 2018;53(S3):S51-S63.
2 Fuchs HJ, Borowitz DS, Christiansen DH, Morris EM, Nash ML, Ramsey BW, et al. Effect of aerosolized recombinant human DNase on exacerbations of respiratory symptoms and on pulmonary function in patients with cystic fibrosis. The Pulmozyme Study Group. N Engl J Med. 1994;331(10):637-42.
3 Volpicelli G, Caramello V, Cardinale L, Mussa A, Bar F, Frascisco MF. Detection of sonographic B-lines in patients with normal lung or radiographic alveolar consolidation. Med Sci Monit. 2008;14(3):CR122-8.
4 Shwachman H, Kulczycki LL. Long term study of one hundred five patients with cystic fibrosis. Am J Dis Child. 1958;96:6-15.
5 Volpicelli G, Elbarbary M, Blaivas M, Lichtenstein DA, Mathis G, Kirkpatrick AW, et al. International evidence-based recommendations for point-of-care lung ultrasound. Intensive Care Med. 2012;38(4):577-91.
6 Peixoto AO. The use of ultrasound as a tool to evaluate pulmonary disease in cystic fibrosis [dissertation]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2019. Available from: http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/334182/1/Peixoto_AndressaOliveira_M.pdf
7 Flume PA, Mogayzel PJ Jr, Robinson KA, Goss CH, Rosenblatt RL, Kuhn RJ, et al. Cystic fibrosis pulmonary guidelines: treatment of pulmonary exacerbations. Am J Respir Crit Care Med. 2009;180(9):802-8.
8 Marson FAL, Bertuzzo CS, Ribeiro JD. Personalized or Precision Medicine? The Example of Cystic Fibrosis. Front Pharmacol. 2017;8:390.
9 de Lima Marson FA, Bertuzzo CS, Ribeiro JD. Personalized Drug Therapy in Cystic Fibrosis: From Fiction to Reality. Curr Drug Targets. 2015;16(9):1007-17.
10 Folescu TW, Marques Ede A, Boechat MC, Daltro P, Higa LY, Cohen RW. High-resolution computed tomography scores in cystic fibrosis patients colonized with Pseudomonas aeruginosa or Staphylococcus aureus. J Bras Pneumol. 2012;38(1):41-9.