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Avaliação da saúde bucal em pessoas com necessidades especiais

Avaliação da saúde bucal em pessoas com necessidades especiais

Autores:

Danielle de Moraes Pini,
Paula Cristina Gil Ritter Fröhlich,
Lilian Rigo

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.14 no.4 São Paulo out./dez. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082016ao3712

INTRODUÇÃO

Segundo dados da Organização das Nações Unidas, a incidência de deficiências temporárias ou definitivas atinge 10% da população em países em desenvolvimento. Assim, no Brasil, pode-se dizer que, com uma população de 205.129 milhões de pessoas, aproximadamente 14.700.000 são portadoras de alguma deficiência, distribuídas entre deficiência mental (50%), física (20%), auditiva (15%), múltipla (10%) e visual (5%).(1) A condição bucal dos pacientes especiais pode ser relacionada direta e indiretamente com as desordens físicas ou mentais que os acometem.

O conceito de paciente especial é todo o indivíduo, adulto ou criança, que se desvia física, intelectual, social ou emocionalmente daquilo que é considerado normal em relação aos padrões de crescimento e desenvolvimento e, por isso, não pode receber educação regular, padronizada, requerendo educação especial e instrução suplementar em serviços adequados para o resto da vida.(2)

Deficiência mental é um estado de limitação funcional abaixo da média geral em qualquer uma das áreas do funcionamento humano, e mais importante é a adaptação ao entorno. Segundo a quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-IV (DSM-IV) e a American Association on Mental Retardation, o funcionamento intelectual inferior à média vem acompanhado de pelo menos duas das seguintes áreas: comunicação, autocuidado, vida doméstica, habilidades sociais, relacionamento interpessoal, uso de recursos comunitários, autossuficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança, e administração do ócio.(3)

Paralisia cerebral (PC) é um quadro permanente, uma lesão estável, não progressiva, que ocorre resultando em desenvolvimento motor pobre e retardo mental de etiologia multifatorial, iniciando nos períodos pré-, peri- ou pós-natal.(3) A PC constitui um grupo de desordens permanentes do desenvolvimento, da postura e do movimento, que causam limitações da atividade atribuídas a distúrbios não progressivos, que ocorrem no desenvolvimento fetal ou no cérebro infantil. As desordens motoras são frequentemente acompanhadas por alterações sensoriais, cognitiva, perceptiva, de comunicação e de comportamento, além de epilepsia e problemas musculoesqueléticos secundários.(4)

A síndrome de Down (SD) ou trissomia do cromossomo 21 é uma doença congênita multissistêmica descrita pela primeira vez por Langdon Down, em 1866. É a mais comum das anomalias mentais congênitas. Essa síndrome acompanha diversas alterações a nível mental, comportamental e diversas malformações físicas, entre elas a de nível bucal.(5)

Os problemas odontológicos são frequentes nesses pacientes, sendo a incidência de cárie dentária e de gengivite as mais preocupantes. A incapacidade desses pacientes para manter uma higiene oral adequada é suficiente para explicar o índice elevado dessas ocorrências. A este fator etiológico podem, entretanto, somarem-se outros, como respirador bucal, anormalidade de oclusão, dieta cariogênica e efeitos de medicamentos.(6)

É de extrema importância a participação do profissional da área odontológica na reabilitação e na integração desse paciente ao meio social. Além de sua área de atuação, o profissional deve estar dotado de conhecimentos em áreas multidisciplinares. O atendimento deve ser incentivado, com a finalidade de que a atenção dada a estes pacientes aconteça de forma integrada nas mais diversas áreas (Fisioterapia, Psicologia, Fonoaudiologia, Neurologia, Odontologia, Enfermagem e Terapia Ocupacional, entre outras) tendo como objetivo final seu bem-estar.

Esta pesquisa torna-se relevante, pois, a partir dos resultados obtidos, deve ser possível propor programas de promoção e prevenção de higiene oral para crianças com necessidades especiais. Tal relevância torna-se ainda mais importante ao levar em consideração a ausência de trabalhos deste tipo.

OBJETIVO

Conhecer a prevalência dos principais problemas bucais em crianças com necessidades especiais e relacionar as doenças de base com variáveis clínicas e demográficas.

MÉTODOS

Amostra e delineamento do estudo

Estudo quantitativo transversal, cuja amostra foi composta por 47 alunos de 12 a 60 anos, de ambos os sexos, do tipo não probabilística, sendo obtida por conveniência. Foi enviada uma autorização para os 61 responsáveis pelos alunos da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Das 61 autorizações, 8 retornaram ilegíveis, não sendo possível identificar o nome do aluno, e 6 alunos não quiseram participar no dia do exame clínico, totalizando, assim, uma amostra final de 47 alunos.

Os 47 alunos eram frequentadores da APAE de Passo Fundo (RS) e apresentavam as seguintes alterações: SD, deficit intelectual e PC. Passo Fundo é considerada a maior cidade da região norte do Estado. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2014, a população estava estimada em 200 mil habitantes.(7) Inaugurada em 1967, a APAE é uma instituição civil, filantrópica, de caráter assistencial, educacional, cultural, de saúde sem fins lucrativos. Atende usuários com deficiência intelectual e/ou múltipla, buscando a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho por meio de diversas atividades realizadas na instituição.(8)

Para fins de treinamento e calibração do pesquisador, antes dos exames clínicos intrabucais, o pesquisador seguiu as normas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo examinados 15% da amostra (sete alunos) duas vezes em dias consecutivos, para que a calibração interexaminador pudesse ser comprovada pela aplicação do teste Kappa, cujo resultado de concordância foi de 0,89.

Instrumentos para a coleta dos dados

Os dados foram coletados por meio de exame clínico em 47 alunos, de ambos os sexos, com idade entre 12 e 60 anos, no mês de março de 2015 frequentadores da associação utilizando índices estabelecidos pela OMS.(9)Foi entregue aos responsáveis um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para que os alunos pudessem participar da pesquisa. A mesma foi aprovada pela instituição por meio do Termo de Autorização de local. Dessa forma, o presente trabalho fez parte do projeto aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa sob o CAAE: 0033.0.362.000-09, parecer 0033/09.

Para facilitar a coleta dos dados, utilizou-se um questionário autoaplicativo para cada aluno, com todos os itens a serem analisados. Os alunos foram classificados de acordo com o manual para levantamentos da OMS. Os exames foram realizados no consultório odontológico nas dependências da APAE. Para o exame clinico, foram utilizados luvas, máscara, gorro, óculos de proteção, espelho bucal e sonda exploratória. A condição periodontal foi avaliada utilizando o indicador Índice de Higiene Oral Simplificado (IHOS) proposto por Greene et al.,(10) que mede a existência de placa e calcula a superfície vestibular dos elementos 11, 31, 16 e 26 (incisivo central superior direito, incisivo central inferior esquerdo, primeiros molares superiores) e a superfície lingual dos elementos 36 e 46 (primeiros molares inferiores).

Na ausência dos dentes requisitados para o exame, ou caso estivessem cariados ou restaurados, eles foram substituídos pelo dente subsequente. Os primeiros molares foram substituídos pelos segundos ou terceiros molares, e os incisivos centrais pelos mesmos dentes do lado oposto. Calcularam-se separadamente os índices de placa e cálculo por meio do somatório dos graus atribuídos e da posterior divisão pelo número de superfícies examinadas.

Os resultados foram classificados de acordo com os valores obtidos, sendo de zero a 1 para higiene oral satisfatória; de 1,1 a 2 para higiene oral regular; de 2,1 a 3 para higiene oral deficiente; e de 3,1 ou mais para higiene oral péssima.

Em relação à cárie dentária, utilizou-se o índice de dentes cariados, perdidos e obturados (CPOD), proposto por Klein et al.(11) Para obter o índice de CPOD, utilizaram-se sonda exploradora e espelho bucal plano, sob luz artificial, após a escovação dentária. O índice de CPOD mede o ataque de cárie dental à dentição permanente. Suas iniciais representam respectivamente: dentes cariados (C), perdidos (P), obturados (O) e a medida de unidade que é o dente (D). Os perdidos subdividem-se em extraídos (E) e extração indicada (Ei).

De acordo com os valores do índice, classificou-se em: CPOD muito baixo (0,0 a 1,1), CPOD baixo (1,2 a 2,6), CPOD moderado (2,7 a 4,4), CPOD alto (4,5 a 6,5) e CPOD muito alto (6,6 ou mais).

A maloclusão foi avaliada pela classificação de Angle(12) baseando-se nas relações anteroposteriores. As maloclusões foram classificadas de acordo com os primeiros molares permanentes. Classe I ou neutroclusão foi usada para quando cúspide mésio-vestibular do primeiro molar superior ocluísse na direção do sulco mésio-vestibular do primeiro molar inferior; classe II ou distoclusão caracteriza-se pela posição distal dos primeiros molares inferiores em relação aos superiores, de tal forma que a cúspide mésio-vestibular do primeiro molar superior ocluiu mesialmente ao sulco mésio-vestibular do primeiro molar inferior; classe III ou mesioclusão foi usada quando o primeiro molar inferior relacionou-se mesialmente com o superior, de modo que a cúspide mésio-vestibular do primeiro molar superior ocluiu distalmente ao sulco mésio-vestibular do primeiro molar inferior.

Em relação à malposição de grupos dentários, foram avaliadas a mordida aberta anterior (quando em oclusão, há o distanciamento de alguns dentes na dimensão vertical; nessa mordida há o toque dos dentes posteriores e um afastamento dos anteriores), mordida cruzada anterior (quando os dentes superiores anteriores ocluem pela lingual dos inferiores), mordida cruzada posterior (relação anormal, vestibular ou lingual de um ou mais dentes da maxila, com um ou mais dentes da mandíbula podendo ser uni ou bilateral), sobremordida (há uma diminuição da dimensão vertical, sendo que os dentes superiores encobrem os inferiores em mais de um terço) e mordida topo a topo (os dentes superiores não encobrem os inferiores, ficando em uma relação de um sobre o outro).

O questionário também continha questões sobre hábitos de higiene oral dos indivíduos, quantas vezes era feita a higiene oral por dia e se era realizada sozinho ou com ajuda.

Análise estatística dos dados

Os dados foram tratados estatisticamente pelo programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0 para Windows. A análise estatística seguiu uma análise descritiva e inferencial dos dados. O teste utilizado permitiu verificar as relações entre variáveis e a apresentação foi realizada sob forma de frequências por análise inferencial pelo teste do χ2. O nível de significância utilizado foi de 5% (p<0,05). Como variável dependente, foram utilizadas as patologias de base presentes dos alunos examinados (SD, PC e deficit intelectual).

RESULTADOS

Na tabela 1, estão os resultados referentes à ocorrência de todas as variáveis analisadas. Dos 47 alunos examinados, 36,2% apresentavam doenças SD e 36,2% PC; os outros 27,7% apresentavam deficit intelectual. A faixa etária predominante foi de 12 a 25 anos representando 46,8% da amostra. A maioria era do sexo masculino, com 55,3%. Em relação a escovação diária, 63,8% relataram escovar os dentes três vezes ao dia, sendo que 85,1% a realizavam sozinhos. Apresentaram uma classificação de Angle tipo I 48,9% dos examinados, seguidos de 46,8% na classe II e 25,5% não apresentaram qualquer tipo de maloclusão segundo a malposição de grupos dentários. Dentre os avaliados, 53,2% apresentaram índice de CPOD ≤10 e 53,2% apresentaram IHOS de zero a 1,16%.

Tabela 1 Variáveis demográficas e clínicas 

Variáveis n (%)
Doença
Síndrome de Down 17 (36,2)
Deficit intelectual 13 (27,7)
Paralisia cerebral 17 (36,2)
Sexo
Feminino 21 (44,7)
Masculino 26 (55,3)
Faixa etária, anos
12-25 22 (46,8)
26-40 17 (36,2)
41 ou mais 8 (17)
Escovação diária
1 6 (12,8)
2 11 (23,4)
3 ou mais 30 (63,8)
Realiza escovação sozinho
Sim 40 (85,1)
Não 7 (14,9)
Classificação de Angle, classe
I 23 (48,9)
II 2 (4,3)
III 22 (46,8)
Maloclusão
Mordida aberta anterior 3 (6,4)
Mordida cruzada anterior 8 (17)
Topo a topo 10 (21,3)
Mordida cruzada posterior bilateral 1 (2,1)
Mordia cruzada posterior unilateral esquerda 1 (2,1)
Mordida cruzada posterior unilateral direita 4 (8,5)
Sem maloclusão 12 (25,5)
Mordida cruzada anterior e mordida cruzada bilateral 5 (10,6)
Mordida cruzada anterior e mordida cruzada unilateral esquerda 2 (4,3)
Mordida cruzada anterior e mordida cruzada unilateral direita 1 (2,1)
Categoria CPOD
≤10 25 (53,2)
>10 21 (44,7)
Categoria IHOS
0-1,16 25 (53,2)
1,33-3,0 22 (46,8)

CPOD: índice de dentes cariados, perdidos e obturados; IHOS: índice de higiene oral simplificado.

Os dados referentes ao CPOD, cuja média foi de 11 (desvio padrão 5,2-16), estão apresentados na figura 1. Os dados referente ao IHOS, cuja média foi de 1,28 (desvio padrão 0,7- 1,86), estão apresentados na figura 2.

CPOD: Índice de dentes cariados, perdidos e obturados.

Figura 1 Média de dentes cariados, perdidos e obturados 

IHOS: Índice de Higiene Oral Simplificado.

Figura 2 Índice de higiene oral simplificado 

Na tabela 2, as análises bivariadas foram obtidas por meio do teste χ2 de Fischer, utilizado para testar a hipótese de igualdade e equivalência entre as proporções, em um intervalo de confiança de 95%, utilizando nível de significância de 5%. Houve diferença estatisticamente significativa entre as patologias de base e o ato de escovar os dentes sozinhos (p=0,019), sendo que 71,4% dos indivíduos que não realizavam a escovação sozinhos possuíam PC como a patologia de base.

Tabela 2 Análise bivariada entre as variáveis independentes e as doenças de base 

Variáveis independentes Doenças de base Valor de p

Síndrome de Down Paralisia cerebral Deficit intelectual Total
n (%) n (%) n (%) n (%)
Realiza escovação sozinho
Sim 16 (94,11) 8 (61,53) 16 (94,11) 40 (100) 0,019*
Não 1 (5,88) 5 (38,47) 1 (5,88) 7 (100)
Total 17 (100) 13 (100) 17 (100) 47 (100)
Sexo
Masculino 7 (41,17) 9 (69,23) 10 (58,82) 26 (100) 0,290
Feminino 10 (58,82) 4 (30,77) 7 (41,17) 21 (100)
Total 17 (100) 13 (100) 17 (100) 47 (100)
Faixa etária, anos
12-25 9 (53,0) 7 (53,84) 6 (35,3) 22 (100) 0,516
26-40 6 (35,2) 5 (38,46) 6 (35,3) 17 (100)
41-55 2 (11,7) 1 (7,69) 5 (29,40) 8 (100)
Total 17 (100) 13 (100) 17 (100) 47 (100)
Escovação diária
1 2 (31,00) 3 (50,0) 1 (5,88) 6 (100) 0,726
2 4 (32,00) 3 (27,3) 4 (23,52) 11 (100)
3 11 (36,7) 7 (23,3) 12 (70,58) 30 (100)
Total 17 (100) 13 (100) 17 (100) 47 (100)
CPOD categoria
≤10 8 (47,05) 9 (69,23) 9 (52,95) 25 (100) 0,439
>10 9 (52,95) 4 (30,76) 8 (47,05) 22 (100)
Total 17 (100) 13 (100) 17 (100) 47 (100)
IHOS categoria
0-1,16 12 (70,58) 5 (38,46) 8 (47,05) 25 (100) 0,178
1,33-3,0 5 (29,42) 8 (61,53) 9 (52,95) 22 (100)
Total 17 (100) 13 (100) 17 (100) 47 (100)

*p<0,05: diferença estatisticamente significativa. CPOD: índice de dentes cariados, perdidos e obturados; IHOS: índice de higiene oral simplificado.

DISCUSSÃO

Além de doenças sistêmicas e das características próprias de determinadas doenças, podemos considerar as doenças bucais como um dos principais problemas que acometem indivíduos com necessidades especiais, seja por sua condição motora e/ou mental.

Apesar de o governo brasileiro promover o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, com capacitação de equipes de Atenção Primária e qualificação de Centro de Especialidades Odontológicas, isso ainda é insuficiente para atender essa população. Podemos citar como motivos a falta de divulgação e de acessibilidade a estes locais de atendimento; a falta de comprometimento e informação dos responsáveis destes pacientes; e a falta de profissionais capacitados para a realização do atendimento.(13)

Segundo Morales-Chávez et al.,(14)todas as pessoas requerem uma atenção odontológica adequada. Nos casos de pacientes especiais, o conhecimento do profissional deve ser mais extenso, já que algumas deficiências se associam a problemas dentários graves, como bruxismo, maloclusão, gengivite e cárie, entre outros. Muitas dessas doenças, por vezes, são relacionadas à dieta ou a dificuldade de realizar uma higiene oral apropriada.

Todos os alunos avaliados neste estudo apresentaram índices considerados muito altos de cárie, com média de CPOD de 11. Os portadores de SD, diferente dos portadores de deficit intelectual e PC, apresentaram características bucais próprias da síndrome. Em relação a estes indivíduos, Gonçalves et al.(15)realizaram pesquisa na Associação de SD da cidade de Teresópolis (RJ), sendo avaliados o índice de CPOD e a saúde periodontal em 24 alunos portadores de SD frequentadores da associação. O presente estudo não vai de encontro aos resultados obtidos por outros autores, já que os alunos apresentaram uma experiência de cárie baixa, com média de 5,27% no total e um alto índice de doença periodontal, em que 59,25% apresentavam qualquer alteração a nível periodontal. Para diminuir o alto índice de cárie, é necessário implantar estratégias de promoção de saúde com esses indivíduos e seus responsáveis, objetivando uma melhor condição de saúde bucal.(14)

O presente estudo avaliou o nível de saúde periodontal através do IHOS, que foi considerado regular. Estudo realizado por Dávila et al.(16)na cidade de Morán, na Venezuela, com 60 alunos portadores de SD e deficit intelectual, mostrou que grande parte apresentou alto índice de cárie (75%), principalmente os portadores de deficit intelectual leve e moderado. Em relação aos portadores de SD leve, 77,8% dos examinados não apresentaram cárie. Assim como no estudo realizado por Lazzaretti et al.(17) com 34 alunos inscritos no Centro de Apoio de Necessidades Especiais Paulo Schneider (CANEPS) em Barros Cassal (RS), em que os autores citaram que, apesar da amostra não ser suficiente para conclusões epidemiológicas, verificou-se uma experiência de cárie muito elevada (88,2% dos indivíduos), semelhante a deste estudo realizado na APAE de Passo Fundo (RS).

Um estudo realizado por Vellappally et al.(18) com crianças de várias síndromes, entre elas PC, SD e deficit intelectual, constatou que, das 243 crianças examinadas, 93% apresentavam algum tipo de maloclusão, sendo necessário tratamento ortodôntico. A maloclusão mais frequente apresentada foi o apinhamento dos dentes anteriores, em 84,8%, seguido da irregularidade mandibular anterior ≥1mm, em 77,8%. No presente estudo, 25,5% dos alunos examinados não apresentaram qualquer tipo de maloclusão.

Já em relação à classificação de Angle, 64,7% dos portadores de SD apresentaram classe III, assim como em estudo realizado por Soares et al.(12) na cidade de Teresina (PI), somente com portadores de SD, no qual 60% dos alunos apresentaram classe III de Angle.

Em relação à maloclusão, a mordida cruzada posterior bilateral foi a mais prevalente, em 52% dos examinados. No presente estudo, foram avaliadas outras patologias, sendo a mordida topo a topo a mais prevalente, com 21,3% de todos os casos observados, seguida de mordida cruzada anterior com 17%. Em relação aos portadores de SD deste estudo, foi mais frequente a mordida cruzada posterior bilateral com mordida cruzada anterior em 29,4% dos casos, seguida de mordida cruzada anterior com 23,5% dos casos. De acordo com os dados apresentados em ambos os estudos, podemos confirmar que realmente existe uma maior prevalência de maloclusão do tipo classe III para os portadores de SD. Segundo Santos et al.,(19)o maxilar apresenta-se subdesenvolvido, com retrusão do terço médio da face, explicando, assim, a predominância de classe III.

Segundo Garcés et al.,(20)a higiene oral inadequada é a principal causa de doença periodontal em pessoas com algum tipo de deficiência. O autor relatou também que existe uma relação entre os níveis de higiene oral e o grau de deficiência. Um estudo teve como amostra 184 portadores de deficit intelectual frequentadores de escolas municipais em Valdivia, no Chile.(20) Dentre os indivíduos com deficit intelectual leve, 76,6% apresentaram uma higiene oral regular e 7,1% uma higiene oral boa. Já os portadores de deficit intelectual moderado, 63,3% apresentaram higiene oral regular e nenhum teve higiene oral satisfatória. No presente estudo, o IHOS apresentou-se regular entre todos os examinados, com média de 1,25.

No presente estudo, 63,8% dos examinados relataram escovar os dentes três vezes ao dia, e 85,1% relataram escovar sozinhos. A média de escovação diária entre as mulheres foi de 2,61 vezes ao dia e, entre os homens, foi de 2,42 vezes. No estudo de Garcés et al.,(20) apenas 3,7% dos examinados recebiam auxílio para a escovação dentária. A escovação média foi de 2,18 vezes ao dia entre as mulheres, muito semelhante à do presente estudo, e 1,97 vez ao dia para os homens.

Conforme Silva et al.,(21)o pH salivar de portadores de SD foi mais elevado do que em não portadores; como consequência, apresentaram uma maior capacidade tampão, levando a uma baixa incidência de cárie. A incidência pareceu não ser maior do que em não portadores. Os resultados também discordaram dos de Fiorati et al.(22)e Cogulu et al.,(23)que demonstraram também que estes indivíduos apresentaram um menor índice de cárie. Estas informações diferiram dos resultados obtidos no presente estudo, cujo índice de cárie avaliado pelo CPOD apresentou-se alto mesmo a cidade de Passo Fundo, que apresenta um programa de fluoretação da água potável desde 1975 (0,07ppm).

Devemos ter em consideração algumas razões que possam afetar a eficácia dos tratamentos e medidas preventivas como, por exemplo, falta de controle adequado, dificuldade durante o atendimento odontológico, subestimar a dor do paciente ou as necessidades de tratamento, problemas de comunicação e mau comportamento. Garcés et al.(20) demonstraram a necessidade de estabelecer uma relação mais estreita com estes pacientes para facilitar o atendimento. Assim como os autores, acreditamos que, além dos responsáveis, a própria instituição deveria realizar programas de higiene oral para diminuir os índices de cárie e doença periodontal, já que estes alunos passam muitas horas nas instituições sem acesso a uma higienização adequada.

Em relação às análises bivariadas, a variável que apresentou diferença estatisticamente significativa foi entre patologia de base e escovar os dentes sozinho: 71,4% dos pacientes que apresentaram PC não foram capazes de escovar os dentes sozinhos.

Os alunos com PC que não necessitaram de ajuda para escovar os dentes não apresentaram diferença em relação ao CPOD em relação àqueles que dependem de assistência. Essa informação reforça a necessidade de ensinar a forma correta de higienização oral destes pacientes aos responsáveis. Conforme Guerreiro et al.,(24)os portadores de PC recebem pouca atenção odontológica, devido à dificuldade de manejo com estes pacientes. Os autores citaram também que o baixo nível de escolaridade e renda familiar foram fatores que dificultaram o acesso e a continuidade do tratamento odontológico.

Podemos citar como limitação deste estudo a falta de uma maior participação dos alunos devido à não autorização por parte dos pais e responsáveis. Devido à falta de participação dos alunos, sugere-se a realização de um questionário direcionado aos pais e/ou responsáveis dos alunos, o que poderia ser uma forma de conhecer os hábitos alimentares e de higiene da família, assim como o grau de conhecimento e de importância, dada a saúde oral. De acordo com as respostas apresentadas, poderiam ser elaboradas palestras relacionadas à prevenção e à promoção de saúde oral.

Os pacientes, sejam eles portadores de deficiência física e/ou mental, podem apresentar, para os cirurgiões dentistas, algumas dificuldades em seu manejo e no próprio tratamento odontológico. Devido ao elevado número de pacientes que necessitam de cuidados especiais, é de extrema importância que o cirurgião-dentista tenha conhecimento das alterações e das doenças bucais mais frequentes, para tornar-se apto a oferecer um atendimento odontológico adequado para estes indivíduos e estar atento às suas limitações.

A partir dos resultados observados, podemos sugerir, como forma de prevenção, investir em escovários e profissionais treinados para orientação de higiene oral, principalmente após o lanche. Seria importante desenvolver medidas de promoção de saúde, como palestras para instruir os responsáveis e os cuidadores, enfatizando a importância de uma boa higiene oral e os prejuízos que a falta desta acarreta.

CONCLUSÃO

Verificou-se um alto índice de cárie dentária e inadequada higiene oral entre os participantes. Além disso, segundo a classificação de Angle, obteve-se maior prevalência de classe I. Houve influência do tipo de patologia de base em relação ao ato de escovar os dentes sozinhos, pois a maioria dos alunos realiza a escovação diária sem ajuda de seus responsáveis.

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