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Avaliação da sensibilidade da Escala Psicossocial de Aparência Facial na paralisia facial periférica

Avaliação da sensibilidade da Escala Psicossocial de Aparência Facial na paralisia facial periférica

Autores:

Mabile Francine Ferreira Silva,
Stela Verzinhasse Peres,
Paulo Roberto Lazarini,
Maria Claudia Cunha

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.30 no.6 São Paulo 2018 Epub 29-Nov-2018

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182018072

INTRODUÇÃO

A paralisia facial periférica (PFP) decorre da redução ou interrupção do transporte axonal ao sétimo nervo craniano que resulta em paralisia parcial ou completa da mímica facial. Isso ocorre com frequência pelo fato de o sétimo nervo craniano percorrer um longo trajeto com ângulos e um estreito canal conhecido como canal de Falópio(1-3).

As pessoas com alterações na face ficam afetadas com a aparência e o possível efeito que pode ter sobre os outros(4,5). São comumente relatadas queixas de perda de identidade ou de pessoas que não conseguem olhar para si mesmas(6,7). E a dor da perda de uma característica pode ser pior quando esta ocorre inesperadamente como nos casos de PFP(8-13).

Desta forma, pesquisas anteriores apresentaram como proposta a elaboração de um questionário que investigasse o impacto psicossocial da PFP(12,13). Para tanto, foi necessária uma fundamentação teórica para realização do questionário denominado Escala Psicossocial de Aparência Facial (EPAF), uma posterior avaliação de juízes e, por fim, a aplicação dos estudos pilotos(13,14). Os resultados obtidos mostraram que a avaliação dos juízes foi fundamental para o aprimoramento do instrumento e que os estudos pilotos determinaram que a aplicação por meio de entrevistas fechadas foi a alternativa mais acertada para a proposta da pesquisa, quando os participantes apresentam habilidades variadas de letramento e de entendimento das questões(14-16).

Dando continuidade ao referido estudo, esta pesquisa volta-se para aplicabilidade e confiabilidade da EPAF(13,14), de maneira a contribuir para explicitação/avaliação dos aspectos psicossociais na PFP e, por extensão, na conduta terapêutica e efetividade do tratamento da PFP na clínica fonoaudiológica.

A medição de confiabilidade de um questionário pode ser feita na utilização de técnicas de partição e de avaliação da magnitude do erro a que o instrumento está exposto. Uma das técnicas mais utilizadas para isso é o método de consistência interna, que pode ser entendido pela correlação média entre os itens, compondo o nível de confiabilidade calculado pelo Alfa de Cronbach(17).

Assim, é importante enfatizar que a aplicação do instrumento EPAF (13,14) compreende alcançar e delimitar com precisão as implicações de seu uso, em um maior número de sujeitos e atendendo às diversas etiologias, ao grau de severidade e ao tempo de acometimento da PFP.

Diante disso, o objetivo do estudo foi investigar a sensibilidade e consistência interna da Escala Psicossocial de Aparência Facial, a partir da comparação com os resultados dos instrumentos de avaliação funcional, escala de House-Brackmann-HBS (18) e Sistema de Graduação Facial(19), e implicações psicossociais por meio da aplicação da Escala Hospitalar de Depressão e Ansiedade (HADS)(20).

MÉTODO

Ética

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética, sob os protocolos nº 196.977 e 230.982. De acordo com as normas éticas preconizadas para pesquisas com seres humanos, só foram permitidos os participantes que concordaram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido; caso se recusasse a participar, isso não afetaria a qualidade de seu tratamento médico. A identidade dos participantes foi preservada, portanto, seus nomes não foram divulgados.

Desenho do estudo

Um estudo transversal foi realizado entre os participantes em atendimento no ambulatório de paralisia facial em um hospital de São Paulo. O processo de seleção dos casos foi consecutivo e feito de agosto a dezembro de 2013. Foram selecionados participantes com PFP com os seguintes critérios: idade ≥ 18, ambos os gêneros, com PFP unilateral de etiologias diversas, nas fases flácida, de recuperação e sequelar e com definição da gravidade a partir da Escala de House-Brackman (18) e do Sistema de Graduação Facial de Ross, Fradet e Nedzelski (19).

Escalas: aplicação

A Escala Psicossocial de Aparência Facial (EPAF) surgiu a partir de um estudo piloto anterior(13,14), com 24 questões, divididas nos seguintes grupos temáticos: Aspectos Funcionais da Face, Aspectos Sociais e Aspectos Emocionais.

A aplicação do questionário foi em formato de entrevista fechada, a partir de uma leitura neutra das questões. Caso os participantes apresentassem dúvidas, a entrevistadora explicitava a questão a partir de simplificações ou exemplos.

Como comparativo, os participantes também responderam a HADS(20) que possui 14 itens. Os pontos de cortes recomendados à escala são: 1) HADS-A: sem ansiedade de 0 a 8; com ansiedade ≥ 9; e 2) HADS-D: sem depressão de 0 a 8; com depressão ≥ 9.

Análises estatísticas

Foi realizada a análise descritiva dos dados por meio de frequências absolutas e relativas, medidas de tendência central (média e mediana) e dispersão (desvio padrão, mínimo e máximo).

Para a validação dos grupos temáticos da EPAF e do questionário em si, foram aplicados os testes não paramétricos de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis, a fim de verificar possíveis grupos com comportamentos diferentes entre as escalas.

A validade convergente foi realizada pelo teste não paramétrico Spearman (r). Para este cálculo, a variável Simétrica do Movimento Involuntário foi alterada na escala de pontuação a fim de se manter o mesmo direcionamento das demais escalas do questionário.

Na validade interna das escalas, utilizou-se o coeficiente de alfa de Cronbach .

Na análise fatorial confirmatória, considerou-se a matriz de covariâncias e o método de estimação ML (Maximum Likelihood). Os parâmetros para realização da Análise Fatorial Confirmatória, foram os descritos abaixo(21):

  • O Quiquadrado (X2), que comprova a probabilidade de o modelo se ajustar aos dados. Um valor do X2 estatisticamente significativo indica discrepâncias entre os dados e o modelo teórico que está sendo testado. É influenciado pelo tamanho da amostra e assume a multinormalidade do conjunto de variáveis;

  • O Índice de Qualidade do Ajuste (Goodness-of-Fit Index, GFI) e o Índice de Qualidade do Ajuste Ajustado (Adjusted Goodness-of-FitIndex , AGFI), que é ponderado em função dos graus de liberdade do modelo, com respeito ao número de variáveis consideradas. São recomendados valores do GFI e AGFI superiores ou próximos a 0,95 e 0,90, respectivamente. Estas estatísticas não são influenciadas pelo tamanho da amostra dos participantes;

  • O CFI (Comparative Fit Index) é um índice comparativo, adicional, de ajuste ao modelo, com valores mais próximos de 1 indicando melhor ajuste, com 0,90 sendo a referência para aceitar o modelo;

  • Razão X2/g.l. é considerada uma qualidade de ajuste subjetiva. Um valor inferior a 5,00 pode ser interpretado como indicador da adequação do modelo teórico para descrever os dados;

  • Raiz quadrada média do erro de aproximação (Root Mean Square Error of Approximation, RMSEA). Com relação aos valores de RMSEA, recomendam-se valores próximos a 0,06 e 0,08, respectivamente, com seu intervalo de confiança de 90% (IC90%); interpretam-se valores altos como indicação de um modelo não ajustado.

Para a significância estatística, assumiu-se um nível descritivo de 5%. Os dados foram digitados em Excel, analisados pelos programas SPSS versão 17.0 para Windows e AMOS versão 22.0 para Windows.

RESULTADOS

Na avaliação de sensibilidade, foram coletados dados de 38 sujeitos. A média de idade foi de 47,6 anos (dp=16,2), mediana de 47,7, mínimo de 19 e máximo de 78 anos. O gênero feminino representou 52,6% da amostra e 65,8% dos sujeitos referiram que casados no período da coleta.

A forma súbita de manifestação da PFP foi predominante, acometendo 97,4% da casuística. A etiologia recorrente foi a idiopática em 44,7% dos casos. Com relação a fase da PFP, 55,3% dos participantes estavam na fase de sequelas, seguidos respectivamente de 26,3% na fase inicial e 18,4% em recuperação. Quanto ao tempo de PFP, verificou-se uma média de 13,8 meses (dp=21,8), mediana de 6,6 meses, variando entre menos de um mês e 124,1, aproximadamente 10 anos.

A somatória de escores das respostas da EPAF pode variar de 0 a 72.

Para a validação do questionário, verificou-se, primeiramente, se os escores apresentavam a mesma distribuição segundo gênero, etiologia, escala de House-Brackmann e tempo de PFP ( Tabelas 1 - 4 ). Para a análise da variável etiologia, esta foi agrupada em duas categorias: idiopática e outras doenças observadas. Verificou-se que, em todas as variáveis analisadas, os grupos foram homogêneos, permitindo que a etapa de validação fosse realizada em toda a amostra (p>0,05).

Tabela 1 Análise comparativa entre os gêneros da EPAF 

Variável Gênero p *
Masculino Feminino
N X¯ (DP) Mediana Mín-Máx n X¯ (DP) mediana Mín-Máx
Aspectos funcionais da face 18 11,4 (6,3) 11,5 1-20 20 12,8 (4,7) 12,5 3-20 0,573
Aspectos Sociais - Desempenho de Tarefas 18 1,3 (3,9) 2 0-11 20 4,9 (3,1) 4,5 0-10 0,093
Aspectos Sociais - Interações Sociais 18 3,7 (3,1) 4 0-9 20 5,1 (3,9) 6 0-12 0,290
Aspectos Sociais - GERAL 18 6,9 (6,7) 5,5 0-19 20 10,0 (5,6) 10 2-21 0,099
Aspectos Emocionais 18 9,8 (6,1) 10,5 1-23 20 11,6 (5,7) 12 2-20 0,361
Escala - GERAL 18 28,2 (16,8) 27 4-61 20 34,3 (13,7) 35,5 8-56 0,149

* Teste Mann-Whitney

Legenda: X¯ = valores; DP = desvio-padrão; n = número de sujeitos

Tabela 2 Análise comparativa entre a etiologia da doença da EPAF 

Variável Etiologia p *
Idiopática Outras doenças observadas
n X¯ (DP) Mediana Mín-Máx n X¯ (DP) mediana Mín-Máx
Aspectos funcionais da face 17 13,2 (5,6) 15 1-20 21 11,2 (5,5) 11 1-20 0,722
Aspectos Sociais - Desempenho de Tarefas 17 4,4 (3,9) 4 0-11 21 4,0 (3,3) 3 0-10 0,250
Aspectos Sociais - Interações Sociais 17 4,5 (3,1) 5 0-10 21 4,3 (4,0) 4 0-12 0,255
Aspectos Sociais - GERAL 17 8,9 (6,2) 9 0-19 21 8,2 (6,5) 7 0-21 0,203
Aspectos Emocionais 17 12,1 (6,0) 12 1-23 21 9,7 (5,6) 11 1-19 0,150
Escala - GERAL 17 34,2 (15,4) 36 4-61 21 29,1 (15,3) 25 8-56 0,307

*Teste Mann-Whitney

Legenda: X¯ = valores; DP = desvio-padrão; n = número de sujeitos

Tabela 3 Análise comparativa entre os níveis da escala de House Brackmann e da EPAF  

Escore House Brackmann
III IV V p *
n X¯ (DP) mediana Mín-Máx n X¯ (DP) mediana Mín-Máx n X¯ (DP) mediana Mín-Máx
Aspectos funcionais da face 17 9,9 (6,3) 11 1-20 12 13,4 (4,4) 12,5 6-20 9 14,6 (4,1) 15 8-20 0,108
AS - Desempenho de Tarefas 17 3,1 (3,0) 2 0-10 12 5,0 (3,9) 4,5 0-11 9 5,0 (3,8) 4 0-10 0,254
AS - Interações Sociais 17 3,2 (3,5) 3 0-10 12 5,2 (3,2) 5,5 0-11 9 5,6 (3,9) 6 0-12 0,182
Aspectos Sociais - GERAL 17 6,3 (6,0) 4 0-19 12 10,2 (5,5) 10 0-18 9 10,6 (7,4) 12 0-21 0,156
Aspectos Emocionais 17 9,8 (6,1) 11 1-20 12 12,3 (5,2) 12 4-23 9 10,6 (6,7) 12 1-19 0,595
Escala - GERAL 17 25,9 (15,8) 25 4-55 12 35,9 (12,3) 32 21-60 9 35,7 (16,3) 36 11-56 0,211

* Teste Kruskal-Wallis

Legenda: X¯ = valores; DP = desvio-padrão; n = número de sujeitos

Tabela 4 Análise comparativa entre o tempo de PFP e da EPAF 

Variável tempo PFP¥ p *
≤ 6,6 meses > 6,6 meses
n X¯ (DP) mediana Mín-Máx n X¯ (DP) mediana Mín-Máx
Aspectos funcionais da face 18 12,9 (5,7) 12,5 1-20 20 11,4 (5,5) 12 1-18 0,395
AS - Desempenho de Tarefas 18 3,8 (3,9) 3,5 0-11 20 4,4 (3,3) 3,5 0-10 0,595
AS - Interações Sociais 18 4,1 (2,9) 4,5 0-8 20 4,7 (4,1) 4 0-12 0,733
Aspectos Sociais - GERAL 18 7,9 (6,0) 7 0 -18 20 9,1 (6,7) 8,5 0-21 0,598
Aspectos Emocionais 18 10,4 (5,9) 11 1-23 20 11,1 (6,1) 12,5 1-20 0,481
Escala - GERAL 18 31,2 (15,0) 29 9-61 20 31,6 (16,0) 30 4-55 0,953

*Teste Mann-Whitney;

¥Categoria de tempo pelo valor mediano da amostra

Legenda: X¯ = valores; DP = desvio-padrão; n = número de sujeitos

Observa-se na Tabela 5 , na análise de validade convergente, que houve correlação estatisticamente significativa entre o grupo temático Aspectos Funcionais da Face e a avaliação da Simetria em Repouso (r=0,43; p=0,006) e entre o grupo temático Aspectos Emocionais com a avaliação da Sincinesia (r=0,34; p=0,037). Ressalta-se que, dentro do grupo temático Aspectos Funcionais da Face, as questões 1, 2, 4, 7 e 8 apresentaram correlação estatisticamente significativa, respectivamente, r=0,35 (p=0,032), r=0,33 (p=0,041), r=0,66 (p<0,001), r=0,38 (0,018) e r=0,33 (0,044). Para o grupo temático Aspectos Emocionais, as questões estatisticamente significativas correlacionadas foram a 19 (r=0,51; p=0,001) e 22 (r=0,39 ;p=0,017).

Tabela 5 Correlação de Spearman (r), segundo os grupos temáticos  

Grupos temáticos Simétrica Repouso Simétrica Mov. Voluntário Sincinesia Composta Nota atribuída ao rosto HADS A HADS D HADS TOTAL
r (p) r (p) r (p) r (p) r (p) r (p) r (p) r (p)
Aspectos funcionais da face 0,43 (0,006) 0,30 (0,072) 0,25 (0,127) 0,28 (0,085) -0,44 (0,005) 0,21 (0,206) 0,42 (0,009) 0,34 (0,037)
Aspectos Sociais - Desempenho de Tarefas 0,15 (0,382) 0,22 (0,185) 0,18 (0,278) 0,27 (0,097) -0,56 (<0,001) 0,36 (0,027) 0,57 (<0,001) 0,52 (<0,001)
Aspectos Sociais - Interações Sociais 0,24 (0,144) 0,29 (0,074) 0,04 (0,794) 0,30 (0,069) -0,33 (0,043) 0,43 (0,007) 0,53 (<0,001) 0,53 (<0,001)
Aspectos Sociais - GERAL 0,21 (0,199) 0,28 (0,094) 0,14 (0,408) 0,32 (0,053) -0,49 (0,002) 0,46 (0,003) 0,64 (<0,001) 0,61 (<0,001)
Aspectos Emocionais 0,21 (0,216) 0,02 (0,920) 0,34 (0,037) 0,06 (0,732) -0,48 (0,002) 0,40 (0,012) 0,74 (<0,001) 0,64 (<0,001)
Escala - GERAL 0,31 (0,060) 0,21 (0,205) 0,30 (0,069) 0,24 (0,142) -0,53 (<0,001) 0,37 (0,023) 0,67 (<0,001) 0,58 (<0,001)

Legenda: HADS = Escala Hospitalar de Depressão e Ansiedade; HADS A = ansiedade; HADS D = depressão; r(p) = Coeficiente de Correlação de Spearman

Os grupos temáticos do questionário desenvolvido para esta pesquisa apresentaram correlação estatisticamente significativa (p>0,05) com as escalas de nota da face, HADS A, exceto na correlação do grupo temático de Aspectos Funcionais da Face (p=0,206) - HADS D e HADS TOTAL ( Tabela 5 ).

Verifica-se que as correlações estatisticamente significativas apresentaram magnitudes de fraca a moderada, sendo a maior correlação observada entre o grupo temático dos Aspectos Emocionais e a HADS D, r=0,74; p<0,001 ( Tabela 5 ).

Quanto à consistência interna, todos os grupos temáticos apresentaram um α de Cronbach superior a 0,70, evidenciando uma excelente consistência interna entre as questões do questionário proposto. Verifica-se que a EPAF GERAL mostrou um α de Cronbach = 0,90 ( Quadro 1 ).

Quadro 1 Análise do Alfa de Cronbach, segundo escalas 

Escore Questões α Cronbach
Aspectos funcionais da face 1 a 8 0,74
Aspectos Sociais - Desempenho de Tarefas 9 a 12 0,74
Aspectos Sociais - Interações Sociais 13,14 e 17,18 0,72
Aspectos Sociais - GERAL 9 a 14 e 17,18 0,82
Aspectos Emocionais 15,16 e 19 a 24 0, 77
Escala - GERAL 1 a 24 0,90

Na Figura 1 , evidenciam-se os domínios dos grupos temáticos pela análise fatorial confirmatória, observando os seguintes X2/gl = 1,17, GFI = 0,59, CFI = 0,61; RMSEA = 0,132. Quanto às cargas fatoriais, estas variavam de fraca (0,14) a forte (≥0,60).

Legenda: Escala Psicossocial de Aparência Facial = EPAF; AFF = Aspectos funcionais da face; AS - DT = Aspectos Sociais - Desempenho de Tarefas; AS - IS = Aspectos Sociais - Interações Sociais; AE = Aspectos Emocionais

Figura 1 Análise Fatorial Confirmatória 

Alertam-se as cargas fatoriais baixas para as questões 5 e 6, dentro do grupo temático Aspectos Funcionais da Face, e 17 e 23 nos Aspectos Emocionais.

Destacam-se as cargas fatoriais altas para as questões 1, 2, 4 e 7 dentro do grupo temático Aspectos Funcionais da Face, 9, 10, 11 e 13 para os Aspectos Sociais e 16, 19 e 21 nos Aspectos Emocionais.

A partir dos resultados apresentados, uma readequação da EPAF foi realizada, sendo retiradas as questões com cargas fatoriais baixas.

Para tanto, a somatória de escore da EPAF para esta versão pode variar de 0 a 60, sendo necessária uma nova análise para definir o melhor ponto de corte para o rastreamento do impacto psicossocial associado à PFP.

DISCUSSÃO

A partir da casuística deste estudo, foi possível a realização da avaliação da sensibilidade e consistência interna do instrumento EPAF.

Os resultados do Alfa de Cronbach mostraram uma consistência interna forte entre os grupos temáticos e as questões, no entanto a análise fatorial confirmatória alertou para questões cuja relação de causa entre os grupos temáticos foi fraca, como exposto nas questões 5 e 6 do grupo temático Aspectos Funcionais da Face e 17 e 23 do grupo temático Aspectos Emocionais, sendo retiradas da EPAF (13,14) ( Apêndice A ).

Dentro do grupo temático Aspectos Funcionais da Face, justifica-se a carga fatorial baixa da questão 5 (Quando falo, sorrio, mastigo e/ou fecho os olhos, acontecem movimentos no meu rosto que não consigo controlar), ao retomar a avaliação dos juízes (13,14) que indicavam esta como uma questão de conflito na escala. Sabe-se que estes aspectos começam a aparecer somente na fase de sequelas, sendo necessária a investigação de sua relevância somente para este grupo.

A questão 6 (Sinto dores no me rosto) foi acrescida após a avaliação dos juízes. Dores na face foram expressas em poucos casos (15,8%).

A questão 8 (Tenho dificuldades para beijar) apresentou carga fatorial limite (0,49). Por esta razão, foi coerente que esta fosse a última questão deste grupo temático, seguindo o critério de questões iniciais abrangentes para as finais particulares. É importante considerar o seu grau de intimidade, sendo necessário que a confiança com o aplicador seja maior para estabelecer um resultado de fidedignidade com esta questão.

O grupo temático Aspectos Sociais apresentou carga fatorial mais forte, sendo que somente a questão 17 (Tenho dificuldades em me relacionar com meu(minha) companheiro(a) ou, se não tenho companheiro, iniciar um relacionamento com alguém) apresenta particularidade diante das outras questões do grupo temático, sendo dificultadas problematizações a respeito dentro de um questionário.

Por último, o grupo temático Aspectos Emocionais apresentou em suas questões uma carga fatorial, em sua maioria, acima do recomendado (0,50), no entanto, quando estes sujeitos tinham que se remeter ao passado, conforme as questões 23 (Desconfio que a mudança de meu rosto está relacionada com um evento anterior de tristeza, angústia, estresse e/ou ansiedade) e 24 (Lembro-me que quando vi a mudança do meu rosto me senti assustado, desesperado e/ou angustiado), estas cargas ficaram abaixo do esperado, sendo que a questão 23 apresentou carga fatorial mais baixa (0,14).

A questão 24 foi mantida pelo fato de mostrar sua relevância em pesquisas realizadas anteriormente(5,6,9,10), em que, nas entrevistas abertas, o susto foi mencionado por 75% dos sujeitos (9).

Porém a questão 23 foi retirada da EPAF(13,14), sendo que a sua baixa relevância neste estudo pode se relacionar ao fato de ser um assunto que depende de maior elaboração, não sendo uma questão transversal, conforme estabelece este estudo, mas sim algo que, possivelmente, pode aparecer na clínica de maneira longitudinal e que precisa da atenção por parte do profissional.

Mencionar que houve questões com cargas fatoriais acima das esperadas também é importante. As questões 1, 2, 4 e 7 dentro do grupo temático Aspectos Funcionais da Face, 9, 10, 11 e 13 para os Aspectos Sociais e 16, 19 e 21 nos Aspectos Emocionais demonstraram que o estudo foi capaz de transformar categorias pesquisadas anteriormente e revisão da literatura, em questões objetivas, sem reduzir ou desvincular seu propósito(9,13,14).

Em síntese, foi descrito aqui um estudo a respeito da investigação dos aspectos psicossociais implicados na PFP, a partir da medição por meio da EPAF, instrumento desenvolvido em pesquisa anterior e que depende de outros estudos e de uma casuística maior. Porém os resultados aqui expostos evidenciaram níveis importantes de aplicabilidade e sensibilidade.

CONCLUSÃO

A EPAF revelou-se um instrumento eficaz, sendo capaz de mensurar os aspectos funcionais da face, sociais e psíquicos em considerável parte das questões desenvolvidas.

Sua aplicação é simples, mas demanda estudos anteriores da teoria psicanalítica para a compreensão dos conceitos de sintoma e escuta e da teoria do estigma para dimensionar as formas de lidar com alterações faciais diante da sociedade. Estas teorias trazem como contribuição uma análise e interpretação pormenorizada das respostas obtidas no questionário que podem colaborar na condução do caso clínico.

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