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Avaliação das internações de crianças de 0 a 5 anos por infecções respiratórias em um hospital de grande porte

Avaliação das internações de crianças de 0 a 5 anos por infecções respiratórias em um hospital de grande porte

Autores:

Tatiana Gandolfi de Oliveira,
Juliana da Silva Bemfeito de Moraes,
Flávia Thomé Moreira,
Raquel Coris Arrelaro,
Viviane Alves Ricardi,
José Ricardo Dias Bertagnon,
Yara Juliano

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.9 no.4 São Paulo out./dez. 2011

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011ao1908

INTRODUÇÃO

Nos países em desenvolvimento, as doenças agudas do trato respiratório inferior constituem importante causa de internação hospitalar de crianças com idade inferior a 5 anos. Em sua maior parte, são infecções brônquicas e alveolares, responsáveis por 90% das mortes por afecção respiratória. As primeiras infecções de brônquios e bronquíolos são reconhecidas como de etiologia viral em sua ampla maioria. A etiologia bacteriana é muito frequente nos quadros pneumônicos, sendo, por vezes, a participação dos agentes virais pouco reconhecida(1).

Os vírus respiratórios, em particular o vírus sincicial respiratório (VSR), causam a maioria das infecções agudas do trato respiratório inferior(2).

A síndrome obstrutiva brônquica e a pneumonia são causas muito comuns de consultas de crianças em atenção primária e serviços de emergência e especializados, como muitas outras doenças das vias respiratórias. Elas causam graves hospitalizações, alto consumo dos recursos, predispõem a enfermidades crônicas obstrutivas que acompanham a criança por toda a vida ou grande parte dela e, em alguns casos, podem causar a morte. Sua importância levou especialistas a unificar critérios para prevenir, diagnosticar e tratar todas as doenças respiratórias e o Ministério da Saúde a desenvolver programas e normas que incluem uma atenção especial no tratamento para esses pacientes, ou seja, a disponibilidade de recursos humanos: médicos especialistas e regras específicas de tratamento. Esses problemas respiratórios acometem as crianças, especialmente nos primeiros 5 anos de vida, pela suscetibilidade e imaturidade do trato respiratório nessa faixa etária(3).

As doenças respiratórias baixas tendem a se estender por períodos maiores de tempo e, se não tratadas, podem colocar em risco a vida das crianças(4).

Pneumonia é uma inflamação do parênquima dos pulmões e causa a maior parte das mortes infantis. A maioria dos casos de pneumonia é causada por micro-organismos, mas diversas causas não infecciosas às vezes precisam ser consideradas. Essas causas incluem aspiração de alimento ácido gástrico, corpos estranhos, hidrocarbonetos e substâncias lipoides, embora não estejam limitadas a eles; reações de hipersensibilidade e pneumonite induzida por drogas ou radiação. As infecções em neonatos e outros hospedeiros comprometidos são distintas das que ocorrem em lactentes e crianças. As causas microbianas mais comuns de pneumonia em crianças incluem os vírus respiratórios, Mycoplasma pneumoniae e bactérias selecionadas(2).

Os patógenos dos países em desenvolvimento são semelhantes àqueles dos países economicamente avançados, mas a frequência de infecções bacterianas primárias e secundárias é muito maior(2).

Na broncopneumonia, a infecção apresenta-se como focos inflamatórios múltiplos que acometem lóbulos pulmonares, caracterizando disseminação do agente pelas vias aéreas. É doença inflamatória muito frequente na prática médica e que acomete mais comumente crianças, idosos ou indivíduos debilitados(5).

A bronquiolite aguda, uma doença comum do trato respiratório inferior de lactentes, resulta da obstrução inflamatória das pequenas vias aéreas. Ocorre durante os primeiros 2 anos de vida, com uma incidência máxima em torno de 6 meses e, em muitas regiões, é a causa mais frequente de hospitalização de lactentes(2).

A bronquite aguda é um dos diagnósticos mais comuns em clínica pediátrica. Trata-se de infecção respiratória, clinicamente caracterizada pela ocorrência de tosse, com ou sem catarro, e radiografia de tórax normal. A etiologia mais comum é a viral e a doença é autolimitada, tendo resolução em aproximadamente 3 semanas(6).

OBJETIVO

Traçar o perfil das crianças de 0 a 5 anos de idade internadas em um hospital de grande porte da zona sul de São Paulo no período de 2008 a 2009 em relação a afecções respiratórias, de acordo com as variáveis idade, gênero e estações do ano.

MÉTODOS

Estudo transversal, realizado no Hospital Geral do Grajau (HGG), que é um hospital de grande porte, situado na zona sul do Município de São Paulo. É um hospital de ensino onde os alunos de diversos cursos realizam suas atividades práticas, além das atividades voltadas para os médicos residentes de diferentes áreas.

Para a coleta de dados, foram utilizados prontuários de crianças de 0 a 5 anos, internadas no ano de 2008 a 2009, do Serviço de Arquivo Médico e Estatístico (SAME) do HGG, utilizando-se como base:

  1. gênero;

  2. idade;

  3. estações do ano.

Foram incluídas no estudo todas as crianças que apresentaram como diagnóstico de internação pneumonia, broncopneumonia, bronquiolite e bronquite no período do estudo.

Foi montado um banco de dados no programa Epi-Info versão 6.04b.

Para análise dos resultados foi aplicado o teste do χ2 para estudar possíveis associações entre as variáveis estudadas. Fixou-se em 0,05 ou 5% o nível de rejeição da hipótese de nulidade.

O projeto do trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética do HEG e considerou-se que, em se tratando de pesquisa de prontuário e mantido o anonimato, tornava-se desnecessário o consentimento informado.

RESULTADOS

No período do estudo, de 1° de Janeiro de 2008 a 31 de dezembro de 2009, foram atendidas na Unidade de Pronto Atendimento de Pediatria do HGG 4.240 crianças de 0 a 60 meses, apresentando as seguintes afecções de vias aéreas inferiores: pneumonia, broncopneumonia, bronquiolite e bronquite, segundo o gênero, conforme pode ser visto na tabela 1.

Tabela 1 Crianças internadas com afecções respiratórias do trato inferior segundo os gêneros no período de 2008 e 2009 

Afecção Gênero
Feminino Masculino Total
n % n %
Pneumonia 71 3,8 68 2,9 139
(51,1) (48,9) (100)
Broncopneumonia 1.560 82,7 1.932 82,1 3.492
(44,7) (55,3) (100)
Bronquiolite 174 9,2 253 10,7 427
(40,7) (59,3) (100)
Bronquite 81 4,3 101 4,3 182
(44,5) (55,5) (100)
Total 1.886 100 2.354 100 4.240

Teste do χ² = 4,92; p = 0,1785.

A tabela 2 apresenta os dados relativos a crianças internadas com infecções respiratórias do trato inferior segundo as faixas etárias consideradas.

Tabela 2 Crianças internadas com afecções respiratórias do trato inferior segundo as faixas etárias no período de 2008 e 2009 

Afecção Faixas etárias
0 –I 12 meses 12 –I 60 meses Total
n % n %
Pneumonia 37 3,3 102 3,3 139
(26,6) (73,4) (100)
Broncopneumonia 806 72,2 2.686 86,3 3.492
(23,1) (76,9) (100)
Bronquiolite 257 23,0 170 5,4 427
(60,2) (39,8) (100)
Bronquite 16 1,4 166 5,3 182
(8,8) (91,2) (100)
Total 1.116 100 3.124 100 4.240

Teste do χ² = 315,35; p < 0,0001.

Na tabela 3 podem ser vistos os dados referentes a crianças internadas com infecções respiratórias do trato inferior segundo as estações do ano.

Tabela 3 Crianças internadas com infecções respiratórias do trato inferior segundo as estações do ano no período de 2008 e 2009 

Afecção Estação do ano
Primavera Verão Outono Inverno Total
n % n % n % n %
Pneumonia 32 6,2 28 2,6 39 2,5 40 3,6 139
(23) (20) (28) (28) (100)
Broncopneumonia 388 75,5 886 83,1 1.270 81,6 948 85,9 3.492
(11) (25,4) (36,4) (27) (100)
Bronquiolite 79 15,4 106 9,9 155 10,0 87 7,9 427
(18,5) (24,8) (36,3) (20,0) (100)
Bronquite 15 2,9 46 4,3 92 5,9 29 2,6 182
(8,2) (25,3) (50,3) (15,9) (100)
Total 514 1.066 1.556 1.104 4.240

Teste do χ² = 61,55; p = 0,0001.

DISCUSSÃO

As doenças agudas das vias aéreas inferiores são os principais motivos de manutenção das altas taxas de morbimortalidade em menores de 5 anos nos países em desenvolvimento, responsáveis por mais de 4 milhões de óbitos por ano. Dentre os fatores de risco já identificados, as condições ambientais (sazonalidade, aglomeração, poluição atmosférica, poluição doméstica e tabagismo) apresentaram papel de destaque na cadeia causal dessas doenças. A aglomeração é extremamente comum nas famílias das regiões menos desenvolvidas, nas quais a taxa de natalidade é quase sempre muito elevada e as condições de moradia são ruins, inclusive por um limitado número de cômodos utilizados por seus habitantes. Considerando-se especialmente o número de moradores e o número de crianças menores de 5 anos no domicílio, existe clara associação do fator aglomeração com as doenças respiratórias(7).

Entre as hospitalizações devidas a infecções respiratórias agudas (IRA), a pneumonia se destacou como causa importante. Nos países desenvolvidos, o efeito letal da pneumonia afeta menos de 2% das crianças na faixa etária de 0 a 5 anos, enquanto nos países em desenvolvimento a estimativa atinge 10 a 20%(8).

Do total de crianças de 0 a 60 meses de idade que foram incluídas no presente trabalho, apenas um pequeno número teve o diagnóstico de pneumonia. Houve discreto predomínio do sexo feminino, diferença estatisticamente não significante. Não foram encontrados dados na literatura comparando a incidência nos dois sexos. Com relação à faixa etária, a maioria dos casos de pneumonia, ocorreu em crianças de 12 a 60 meses. Esses dados mostraram que a diferença foi estatisticamente significante, quando comparadas as faixas etárias analisadas. Não localizamos na literatura dados comparando a incidência nessas duas faixas etárias. No que se refere às estações do ano, verificou-se o maior número de casos de pneumonia no inverno, seguido do outono. A primavera foi a terceira estação quanto ao número de casos e o verão foi a estação com menor número. Na literatura, não foram encontrados dados sobre diferenças entre a incidência de pneumonia em relação às estações do ano para que pudéssemos comparar aos nossos resultados.

Analisando-se os casos de broncopneumonia, verificou-se que foi o diagnóstico do maior número de casos dessa série, e não houve diferença significante quanto ao gênero. Entretanto, a faixa etária e as estações do ano mostraram diferenças significantes. Houve predomínio de casos acima de 12 meses e o outono foi a estação de ano com maior número de casos. Esses dados foram compatíveis com os da literatura.

Em relação à bronquiolite, houve um discreto predomínio do gênero masculino. Houve destaque da faixa etária menor que 12 meses e a estação de outono foi a que apresentou maior número de casos durante os anos de 2008 e 2009, coincidindo com os dados da literatura, que informam que a doença acomete mais indivíduos do mesmo gênero, com idade menor que 2 anos e no final do outono e início do inverno(9).

Quanto ao diagnóstico de bronquite, do total de crianças incluídas na amostra, um pequeno número apresentou episódios de bronquite entre Janeiro de 2008 até Dezembro de 2009. Houve predomínio do sexo masculino na amostra estudada, porém tal diferença em relação ao sexo feminino não foi significante. Considerando-se a faixa etária, houve diferença significante, sendo a bronquite mais frequente nas crianças maiores do que nas crianças de 0 a 12 meses. Os dados encontrados na literatura apontam para esse mesmo resultado e mostram que a incidência de bronquite aguda é maior durante o segundo ano de vida decrescendo até a adolescência(10). Com relação às estações do ano, ao contrário do esperado, foi interessante a análise dos resultados encontrados, pois verificou-se que, nos atendimentos de emergência, ocorreu maior frequência de atendimentos por bronquite no período de outono/verão juntos, justamente o período chuvoso em que a frequência nessas duas estações foi maior que no período seco. A maior taxa de atendimento de infecções de vias aéreas inferiores no atendimento de emergência encontrada no período chuvoso estaria possivelmente relacionada ao excesso de umidade dos ambientes de convívio da criança, pelas chuvas intensas e constantes, o que poderia provocar desde um simples resfriado até um quadro mais grave de IRA(11). Além disso, a criança passa maior tempo dentro do domicílio e em contato com substâncias alergizantes, que estão em maior concentração nesse período, pelo maior crescimento de fungos relacionados à umidade excessiva(12).

O estabelecimento de um perfil epidemiológico das internações por doenças respiratórias nessa população, colocando em evidência os períodos do ano e as faixas etárias de maior risco, também permitirá o estabelecimento de medidas de prevenção que poderão ser aplicadas para evitar internações por essas várias afecções.

CONCLUSÃO

Foi traçado o perfil epidemiológico das crianças de 0 a 5 anos de idade internadas por IRA em um hospital de grande porte da zona sul de São Paulo no período de 2008 a 2009, segundo idade, gênero e estações do ano, o que colocou em evidência que as doenças respiratórias afetaram de maneira diferente as faixas etárias e o gênero das crianças, ocorrendo em épocas distintas do ano.

REFERÊNCIAS

1. Miyao CR, Gilio AE, Vieira S, Hein N, Pahl MM, Betta SL, et al. Infecções virais em crianças tratadas por doença aguda do trato respiratório inferior. J Pediatr (Rio J). 1999;75(5):334-44.
2. Behrman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson. Tratado de pediatria. 16a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002.
3. López MI, Sepúlveda H, Martínez W, Nazar R, Pacheco P, Montero A. Infección respiratoria aguda baja (IRAB) del niño en atención primaria. Rev Chil Pediatr. 2001;72(3):204-11.
3. Secretaria de Saúde do Município. Boletim de Saúde de Fortaleza: Doenças respiratórias agudas. Fortaleza: Prefeitura Municipal de Fortaleza; 2002.
4. Bogliolo L, Brasileiro-Filho G. Bogliolo Patologia. 7a ed. Ganabara Koogan: Rio de Janeiro; 2006.
5. Reynolds JH, McDonald G, Alton H, Gordon SB. Pneumonia in the immunocompetent patient. Br J Radiol. 2010;83(996):998-1009.
6. Braman SS. Chronic cough due to acute bronchitis: ACCP evidence-based clinical practice guidelines. Chest. 2006;129(1 Suppl):95S-103S.
7. Prietsch SOM, Fischer GB, Cesar JA, Fabris AR, Mehanna H, Ferreira THP, et al. Doença aguda das vias aéreas inferiores em menores de cinco anos: influência do ambiente doméstico e do tabagismo materno. J Pediatr (Rio J). 2002;78(5):415-22.
8. Caetano JRM, Bordin IAS, Puccini RF, Peres CA. Fatores associados à internação hospitalar de crianças menores de cinco anos, São Paulo, SP. Rev Saúde Pública. 2002;36(3):285-9.
9. Dios JGL, Sangradorb CO, Grupo Investigador Del Proyecto aBREVIADo (BRonquiolitis-Estudio de Variabilidad, Idoneidad y ADecuación). Estudio de variabilidad en el abordaje de la bronquiolitis aguda en España en relación con la edad de los pacientes. An Pediatr (Barc). 2010;72(1):4-18.
10. Lopes FA, Campos-Júnior D. Tratado de pediatria. Sociedade Brasileira de Pediatria. 2a ed. São Paulo: Manole; 2010.
11. Saldanha CT, Silva AMC, Botelho C. Variações climáticas e uso de serviços de saúde em crianças asmáticas menores de cinco anos de idade: um estudo ecológico. J Bras Pneumol. 2005;31(6):492-8.
12. Martinez FD, Wright AL, Taussig LM, Holberg CJ, Halonen M, Morgan WJ. Asthma and wheezing in the first six years of life. The Group Health Medical Associates. N Engl J Med. 1995;332(3):133-8.