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Avaliação de aspectos da qualidade de vida em pacientes pós-implante de marca-passo cardíaco

Avaliação de aspectos da qualidade de vida em pacientes pós-implante de marca-passo cardíaco

Autores:

Rubens Tofano de Barros,
Sebastião Marcos Ribeiro de Carvalho,
Marcos Augusto de Moraes Silva,
Juliana Bassalobre Carvalho Borges

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery

versão impressa ISSN 0102-7638

Rev Bras Cir Cardiovasc vol.29 no.1 São José do Rio Preto jan./mar. 2014

http://dx.doi.org/10.5935/1678-9741.20140009

Abreviaturas, acrônimos & símbolos
AQUAREL Assessment of QUality of life and RELated events
MP Marca-passo
QV Qualidade de vida
SF-36 Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey
SUS Sistema Único de Saúde

INTRODUÇÃO

A estimulação cardíaca artificial como forma de tratamento dos distúrbios de condução cardíaca é um desafio que busca adicionar qualidade à mudança de prognóstico dos portadores de cardiopatias. A tecnologia dos aparelhos disponibiliza, hoje, variados recursos que se adaptam às necessidades de cada paciente, permitindo alcançar melhoria na qualidade de vida (QV) [ 1 - 3 ].

O marca-passo (MP) é um recurso de estimulação cardíaca artificial que favorece muitos cardiopatas portadores de bloqueios atrioventriculares, como modo de corrigir os distúrbios do ritmo do coração e do sincronismo atrioventricular [ 4 ]. Muitos implantes de MP têm sido realizados no mundo, e, no Brasil, os registros do 11º Censo Mundial de Marca-passo e Desfibriladores, de 2009, apontaram 136 implantes de MP por milhão de habitantes [ 5 ].

Acompanhando os avanços e o desempenho da área médica, muitos estudos são realizados no interesse de avaliar a QV, de reconhecer a importância do ponto de vista do paciente em relação a sua doença e da importância de monitorar a qualidade das medidas terapêuticas [ 6 - 9 ]. Assim, a mensuração da QV relacionada à saúde refere-se a uma visão subjetiva do paciente sobre seu estado de saúde, que pode contrastar com as avaliações fisiológicas, interpretações relativas ao seu bem-estar e sua capacidade funcional, mas ampliam os parâmetros clínicos [ 6 , 9 ]. Nesse sentido, a Organização Mundial de Saúde conceitua QV como "a percepção do indivíduo da sua posição na vida dentro do contexto cultural e de valores que ele vive, bem como em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações" [ 10 ].

Vários instrumentos têm sido propostos para avaliar a QV em saúde. Existem instrumentos genéricos não específicos de uma única doença, mas apropriados a estudos epidemiológicos e instrumentos doença-específicos clinicamente mais sensíveis para detectar alterações na relação com doenças [ 9 ]. Especificamente aos pacientes com MP, a literatura recomenda o uso de um questionário específico associado às questões gerais saúde contidas num questionário genérico [ 11 ]. Stofmeel et al. [ 11 - 13 ] desenvolveram e apresentaram um questionário específico para pacientes portadores de MP, o Assesment of QUAlity of Life and RELated Events (AQUAREL), que deve ser utilizado como extensão ao questionário Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey (SF-36) [ 7 ].

Diversos estudos utilizando esses instrumentos de avaliação da QV em pacientes com MP são realizados. No entanto, demonstraram-se insuficientes para se conhecer como a terapia de MP interfere na vida do paciente. Sua eficácia na melhora da sobrevida é claramente percebida, porém ainda existe a preocupação com a avaliação e o acompanhamento das consequências clínicas e psíquicas da terapêutica. Pacientes submetidos à terapia de MP podem apresentar alterações em aspectos de suas vidas: físico, social, emocional e psíquico [ 14 ]. A investigação da percepção do paciente com MP sobre a QV procura auxiliar o direcionamento das interpretações e análises da efetividade do tratamento, justificando a importância deste estudo.

Diante do exposto, este estudo tem por objetivo avaliar a percepção da QV em pacientes portadores de MP cardíaco definitivo e sua relação com gênero, idade e tempo de implante.

MÉTODOS

Foi realizado estudo observacional transversal, quantitativo e descritivo, em pacientes portadores de MP, em acompanhamento no Serviço de Cirurgia Cardíaca e Marca-passo da Santa Casa de Misericórdia da cidade de Marília, SP. A coleta de dados ocorreu no período de agosto de 2009 a junho de 2010.

O tamanho amostral mínimo foi estimado em n=85, levando-se em conta um nível de significância de 5% (α=0,05), um erro tipo II de 20% (β=0,20) e magnitude de efeito | r |=0,30 [ 15 ].

O estudo foi previamente aprovado pelo comitê de ética da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA), protocolo: nº442/08. Os voluntários assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

Foram incluídos no estudo pacientes entre 3 e 12 meses pós-implante de MP, de ambos os gêneros, estáveis clinicamente, com idade igual ou maior que 18 anos e que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Foram excluídos os indivíduos que não compreenderam a sequência dos testes, que apresentavam limitação na fala, audição e entendimento e os que apresentaram falta de interesse em participar.

Os voluntários foram avaliados por meio de um protocolo desenvolvido pelos pesquisadores de acordo com a literatura [ 16 , 17 ] constando: dados pessoais, sinais vitais, antecedentes pessoais e perguntas referentes ao MP cardíaco. Além de testes específicos, como classe funcional pela escala de atividade específica proposta por Goldman [ 18 , 19 ] e questionário de QV.

A avaliação da QV foi realizada com a aplicação do questionário de QV específico para portadores de MP, o AQUAREL, que deve ser utilizado conjuntamente ao questionário genérico SF-36 [ 11 , 13 ]. Ambos os instrumentos, AQUAREL e SF36, já foram traduzidos e adaptados para a língua portuguesa, validados e possuem confiabilidade e reprodutibilidade bem estabelecidas na população brasileira [ 7 , 17 ].

O AQUAREL consiste em 20 perguntas, envolvendo três domínios: desconforto no peito (corresponde as questões de 1 a 6, referentes a dor no peito e questões 11 e 12, referentes a dispneia ao repouso), arritmia (relacionadas as questões de 13 a 17) e dispneia aos esforços (questões de 7 a 10, referentes a dispneia ao exercício e 18 a 20, referentes à fadiga) [ 16 ].

Cada domínio é constituído de itens específicos que apresentam cinco categorias de resposta, com valores de 1 a 5. Os escores individuais, obtidos para cada domínio do questionário, foram somados e computados pela equação apresentada na Equação (1). Os escores finais poderiam variar de zero (que representa todas as queixas) a 100 (que representa sem queixas), este último valor representando perfeita QV [ 7 , 12 ].

Para o cálculo dos escores dos três domínios do questionário para medida da QV AQUAREL (desconforto no peito: questões 1 a 6, 11 e 12; dispneia: questões 7 a 10, 18 a 20; arritmia: questões 13 a 17) utilizou-se a equação (1) de Oliveira [ 16 ], com a seguinte equivalência entre letras das respostas dos itens de cada uma das 20 questões do questionário AQUAREL e escala Likert de cinco pontos: a)=5; b)=4; c)=3; d)=2 e e)=1.

Equação (1):

Escore = 100 – {[ ( ΣN - n°N ) / (n°N X 5) – n°N ]} X 100

Onde: ΣN = somatório de pontuação das questões que compõem o escore

nº N = número de questões que compõem o escore

O SF-36 consiste em perguntas que englobam oito domínios: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral da saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspecto emocional e saúde mental [ 17 ].

Os questionários AQUAREL e SF-36 foram aplicados sob a forma de entrevista, por um único examinador previamente treinado. A somatória dos pontos foi realizada de acordo com o descrito na literatura para cada questionário, os domínios foram graduados por um cálculo específico que varia de 0 a 100. O escore numérico baixo reflete a má percepção da saúde, a perda da função e a presença de dor, enquanto o escore numérico alto reflete a boa percepção da saúde, função preservada e ausência de dor [ 16 , 19 ]. Dessa forma, foi estipulado um valor de corte de 50 (valor médio) para determinar os domínios que estão melhores e os que estão piores. Os domínios que pontuaram menos de 50 estariam com a QV pior e aqueles que pontuaram 50 ou mais estariam com melhor QV [ 20 , 21 ].

Análise estatística

Os dados foram resumidos por meio de tabelas, frequência absoluta, porcentagens, média, desvio padrão; valores mínimo e máximo. Para avaliar a relação entre gênero segundo os domínios do SF-36 e do AQUAREL, utilizou-se o teste t para grupos independentes; ANOVA um fator para três ou mais grupos independentes, complementada pelo teste de comparações múltiplas de Tukey HSD para o resultado significante indicado pela ANOVA. Para estudo das correlações entre variáveis quantitativas foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson (r) [ 22 ]. Adotou-se o nível de 5% de probabilidade para a rejeição da hipótese de nulidade em todos os testes.

RESULTADOS

Participaram deste estudo 107 indivíduos, de ambos os gêneros, sendo 49,5% do sexo feminino e 50,5% do sexo masculino, com tempo médio de implante de MP 6,36±2,99 meses e idade entre 29 e 90 anos, com média de 69,3±12,6 anos. Em relação ao tipo de profissão, a maioria foi de aposentados com 43%, seguidos por 31,8% "do lar". Observou-se 12,1% de doença de Chagas; 64,5% de hipertensão arterial sistêmica; 24,3% diabetes mellitus; 48,6% relataram não tabagismo e 38,3% referiram algum distúrbio do sono. As características gerais dos pacientes e tipo de intervenção estão resumidos na Tabela 1.

Tabela 1 Características gerais e clínicas dos 107 pacientes em estudo. 

Variáveis n %
Sexo    
Feminino 53 49,5
Masculino 54 50,5
Escolaridade    
Analfabeto 33 30,8
Fundamental incompleto 59 55,1
Médio incompleto 2 1,9
Médio completo 8 7,5
Superior completo 4 3,7
Doença de Chagas    
Sim 13 12,1
Não 94 87,8
Indicação do implante    
Bloqueio atrioventricular 62 57,9
Doença do nó sinusal 30 28,0
Outros 15 14,1
Tipo de estimulação    
Bicameral 93 86,9
Unicameral 14 13,1
Tempo de implante (meses)    
Média (desvio padrão) 6,4±3,0  
Mínimo - Máximo 1 - 13  
Classificação funcional    
Classe I 74 69,2
Classe II 8 7,5
Classe III 23 21,5
Classe IV 2 1,9

Foi verificada a ocorrência de diferenças significativas entre as percepções dos respondentes (AQUAREL e SF-36) segundo os tempos de implantes, de acordo com os seguintes grupos: G1 - tempo de implante menor ou igual a três meses; G2 a G10 - tempo de implante, respectivamente, de 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12/13 meses, por meio de ANOVA um fator, ao nível de significância de 5%. Todos os resultados foram não significantes (P>0,05), ou seja, não se detectou diferenças significativas entre ao menos dois dos grupos formados, permitindo a formação de um só grupo segundo o tempo de implante, para a avaliação da percepção dos respondentes com a utilização dos questionários AQUAREL e SF-36, neste estudo.

A Tabela 2 demonstra os valores obtidos na avaliação do questionário de QV AQUAREL na amostra total e comparação segundo o gênero. Foi observado resultado significante no domínio dispneia.

Tabela 2 Valores médios de qualidade de vida do questionário AQUAREL na amostra total e comparação dos domínios segundo o gênero (teste t). 

Gênero Desconforto no peito Dispneia Arritmia AQUAREL total
Amostra total 90,8±14,9 75,0±21,3 89,0±14,1 84,9±13,9
Masculino 90,6±13,2 79,1±18,3 90,4±13,6 86,7±13,1
Feminino 91,0±16,6 70,8±23,3 87,6±14,6 83,1±14,6
Teste t (valor P) P=0,887 P=0,044 * P=0,306 P=0,187

*Significante (P<0,05)

A Tabela 3 demonstra dados obtidos na avaliação do questionário de QV SF-36 na amostra total e comparação segundo o gênero. Foi observado resultado significante nos domínios capacidade funcional e aspectos emocionais.

Tabela 3 Valores médios de qualidade de vida do questionário SF-36 na amostra total e comparação dos domínios segundo o gênero (teste t). 

Gênero Capacidade funcional Aspectos físicos Dor Estado geral saúde Vitalidade Aspectos sociais Aspectos emocionais Saúde mental
Amostra total 69,2±24,9 58,4±37,6 63,5±27,0 72,4±23,6 74,2±20,6 89,1±21,8 62,6±43,1 74,0±23,0
Masculino 75,8±20,9 60,6±36,5 66,5±28,5 74,5±20,4 75,7±20,3 91,8±20,4 71,6±37,9 77,6±21,5
Feminino 62,5±27,0 56,1±38,8 60,5±25,2 70,2±24,0 72,7±20,9 86,3±23,0 53,4±46,3 70,3±24,2
Teste t (valor P) P=0,005 * P=0,537 P=0,255 P=0,352 P=0,454 P=0,189 P=0,029 * P=0,103

*Significante (P<0,05)

Os resultados do estudo evidenciaram correlação positiva significante entre o domínio desconforto do AQUAREL com idade. Não se observou correlação significante entre idade com os demais domínios. Em relação ao tempo de implante, não se observou correlação com a QV pelo AQUAREL (Tabela 4).

Tabela 4 Coeficiente de correlação de Pearson e valor P, entre os valores dos escores dos domínios do questionário AQUAREL com idade e tempo de implante. 

  Desconforto no peito Dispneia Arritmia AQUAREL total
Idade r=0,197 * r=0,013 r=0,024 r=0,085
Tempo de P=0,042 P=0,895 P=0,807 P=0,385
implante r=-0,016 r=-0,103 r=0,039 r=-0,045
  P=0,872 P=0,289 P=0,663 P=0,645

*Significante (P<0,05)

Verificou-se correlação negativa entre o domínio capacidade funcional do SF-36 com idade. Em relação ao tempo de implante observou-se correlação negativa com o domínio vitalidade do SF-36. Não se observou correlação significante entre idade e tempo de implante com os demais domínios (Tabela 5).

Tabela 5 Coeficiente de correlação de Pearson e valor P, entre os valores dos escores dos domínios do questionário SF-36 com as variáveis: idade e tempo de implante. 

  Capacidade funcional Aspectos físicos Dor Estado geral saúde Vitalidade Aspectos sociais Aspectos emocionais Saúde mental
Idade r =- 0,338 r=0,074 r=-0,118 r=-0,094 r=-0,014 r=-0,078 r=-0,022 r=0,073
Tempo de P<0,001 * P=0,447 P=0,226 P=0,337 P=0,886 P=0,422 P=0,821 P=0,456
implante r=-0,095 r=-0,098 r=0,040 r=-0,095 r=- 0,193 r=0,089 r=0,118 r=-0,049
  P= 0,330 P=0,315 P=0,679 P=0,328 P=0,046* P=0,362 P=0,226 P=0,615

*Significante (P<0,05)

DISCUSSÃO

Os dados neste estudo foram coletados em um momento único, após tempo médio de seis meses pós-implante. Pode-se questionar a inexistência de uma avaliação pré-cirúrgica, como grupo controle, porém dados recentes, como os publicados por Gomes et al. [ 23 ], têm sistematicamente demonstrado que a avaliação da QV pré-operatória é inferior à obtida no pós-operatório. Outro aspecto está relacionado com a característica do Serviço em que o trabalho foi realizado. Trata-se de um Serviço de referência para o Sistema Único de Saúde (SUS) da Divisão Regional de Saúde IX, com sede em Marília, e que compreende 62 municípios do estado de São Paulo.

Assim, grande parte desses pacientes é encaminhada para tratamento em situação de emergência, com estimulação com a utilização de MP temporário e necessitando de cirurgia rapidamente, face às dificuldades de obtenção de vagas no sistema e, por vezes, na impossibilidade de transferência imediata para o nosso Serviço. Frente a essas circunstâncias optamos por avaliar a QV da nossa população de pacientes em um momento específico do pós-implante e a sua percepção dessa condição.

A importância da avaliação da QV nos desfechos em saúde é bem conhecida e aceita nos dias atuais. Diversos estudos que avaliam resultados de tratamentos estão, em sua maioria, também avaliando a QV sob o ponto de vista dos pacientes [ 6 , 14 , 17 ]. A percepção do seu próprio estado de saúde e QV surge como referencial para se conhecer como o paciente percebe os tratamentos recebidos. É importante considerarmos que os avanços na área médica, muitas vezes, permitem interferência na história natural das doenças e, em algumas situações, também interferindo na complexa relação paciente-doença. O questionamento que se coloca é se estamos agregando vida aos anos ou apenas prolongando uma situação clínica sem solução. Nas palavras de Nobre [ 24 ], "cada vez mais se valoriza a QV, em detrimento do aumento do tempo de vida, em condição limitada ou incapacitada".

Os conceitos de distanásia e ortotanásia, agora regulamentados por parecer do Conselho Federal de Medicina, nos fazem pensar a respeito da utilização de técnicas que possam prolongar uma situação de doença sem possibilidade de cura. A indicação da estimulação artificial não pode ser fator de manutenção artificial da vida sem expectativa de cura ou controle da condição mórbida [ 25 ]. A estimulação cardíaca artificial passou, nos últimos 25 anos, por um rápido e surpreendente processo de modernização dos seus equipamentos (hardware e software). A miniaturização dos geradores ocorrida com a incorporação dos circuitos que utilizam tecnologia e linguagem derivada dos computadores, aliada a eletrodos cada vez mais eficientes e confiáveis, permitiu que qualquer paciente pudesse ser estimulado artificialmente, quer seja de modo temporário ou definitivo, e assim atuarmos modificando a história natural dos portadores de doenças do sistema de condução do coração [ 14 ].

A aplicação de questionários de QV em pacientes portadores de MP cardíaco tem se mostrado de grande utilidade na avaliação dos resultados alcançados com esse tipo de tratamento [ 8 , 11 , 12 ].

Em relação à avaliação da QV com os questionários AQUAREL e SF-36, cada questionário poderia variar sua pontuação final de 0 a 100, dessa forma, foi estipulado um valor de corte de 50 (valor médio) para determinar os domínios que estão melhores e os que estão piores [ 20 ]. Os domínios que pontuaram menos de 50 estariam com a QV pior e aqueles que pontuaram 50 ou mais estariam com boa QV [ 16 , 20 ].

Assim, observamos que nenhum domínio obteve resultado com valores abaixo de 50, demonstrando que a QV dos pacientes após o implante está acima da média, portanto, podemos considerar, de uma maneira geral, que a QV percebida por esses pacientes foi boa, corroborando com os achados de Brasil [ 3 ] e Gomes et al. [ 23 ].

Analisando os maiores e menores escores dos questionários entre os domínios avaliados pelo SF-36, encontramos o pior resultado em aspectos físicos (58,4), seguido pelos aspectos emocionais (62,6), e o melhor em aspectos sociais (89,1). Como os escores mais baixos demonstram prejudicada percepção da saúde, podemos dizer que, na avaliação pelo SF-36, nossa população não se avalia bem no aspecto físico, resultados semelhantes em Zatta [ 26 ], no entanto, superiores aos encontrados por Oliveira [ 16 ], no qual a pior QV foi para aspectos emocionais (46,7), seguido pelos aspectos físicos (51,4) e melhor qualidade em aspectos sociais (74,3).

Já nos aspectos sociais, que refletem a capacidade de relacionamento e alguns aspectos emocionais, encontramos uma percepção de melhora, confirmada pelo escore elevado. Nossos pacientes apresentaram melhor percepção na dimensão mental em comparação à dimensão física do SF-36, discordando dos achados de Gomes et al. [ 23 ], que após implante do MP os domínios aspecto social e aspecto emocional sofreram diminuição no valor de seus escores.

Quando confrontamos esses resultados dos aspectos funcionais e sociais com os publicados por van Eck et al. [ 27 ], comparando os escores em pacientes esperando o implante de MP com a população controle (sem necessidade de MP) da mesma faixa etária, verificamos a mesma correlação. Os componentes da dimensão física pré e pós-implante não se alteram, mas já na dimensão mental, a diferença é significativa, com melhores escores no pós-implante.

Para a mesma população, aplicamos o questionário AQUAREL e tivemos menor escore em dispneia (75,0) e melhor em desconforto (90,8). Esses achados corroboram com estudo de Oliveira [ 16 ], que avaliou a QV (AQUAREL e SF-36) em 139 pacientes portadores de MP, observou prejuízo na QV pelo AQUAREL em dispneia (75,3) e melhor qualidade em desconforto (85,3).

Cesarino et al. [ 28 ] estudaram a QV em 50 pacientes portadores de cardioversor desfibrilador implantável (CDI) por meio do questionário SF-36. O domínio aspectos sociais apresentou o maior escore (80,5) e o pior foi aspectos físicos (40,5), em concordância com nosso estudo.

Analisando os resultados em relação ao gênero, observamos significância na capacidade funcional e aspectos emocionais, pelo SF-36, com desvantagem para as mulheres. Nowak et al. [ 29 ] sugerem que há retardo na indicação de MP nas mulheres em relação aos homens. A prevalência de bloqueios atrioventriculares no gênero masculino faz com que a indicação de estimulação artificial seja mais comum e mais precoce. Nos registros europeus, segundo esses autores, essa situação se repete, causando diferenças também na idade dos pacientes quando do primeiro implante. Essa indicação mais tardia no gênero feminino seria a causa da diferença observada na avaliação da QV entre os gêneros. As mulheres quando são operadas já estão em um estágio mais avançado da doença. Também no AQUAREL verificamos significância no domínio dispneia, com desvantagem para mulheres, que está relacionado com sintomas associados à capacidade física. Brasil [ 3 ] observou resultado não significante quando comparou a QV (pelo índice de QV) em relação ao gênero, tanto pré como pós-implante de MP cardíaco definitivo.

Procuramos também correlacionar as variáveis de QV que obtivemos com a aplicação dos dois questionários com a idade e tempo de implante do MP. Segundo Cunha et al. [ 18 ], a literatura apresenta resultados controversos no que se refere à correlação entre idade e QV em diferentes populações [ 13 , 23 , 30 ]. No entanto, a literatura também traz indicativos que a idade apresente relação, principalmente, com variáveis relativas à condição física dos pacientes [ 17 , 30 , 31 ].

Em nosso estudo, de acordo com van Eck et al. [ 27 ], um dos preditores mais importantes na QV após implante é a idade que está relacionada inversamente com a QV, achados semelhantes nos estudos de Cunha [ 18 ] e Gomes et al. [ 23 ]. Nossa população é mais idosa (69,3 anos) do que outras, como a avaliada por Oliveira et al. [ 32 ], com idade média de 60 anos. Nessa população, avaliada por Oliveira et al. [ 32 ], a piora na classe funcional foi o principal determinante de menor QV.

Quando fizemos essa análise com o SF-36, observamos correlação negativa da idade com o domínio capacidade funcional. Esse domínio indica o quanto as condições de saúde interferem nas atividades cotidianas. Os pacientes mais idosos apresentam por si maior dificuldade na realização das atividades avaliadas nesse domínio. Semelhante aos nossos achados, Cunha et al. [ 18 ] observaram correlação negativa entre idade e SF-36 no domínio capacidade funcional, por outro lado, também encontraram correlação entre idade e aspecto emocional, sustentando a controversa questão da relação entre QV e idade.

Entretanto, Cesarino et al. [ 28 ], na pesquisa sobre percepção de QV (SF-36) em pacientes com CDI, observaram que a QV em relação à idade não apresentou diferença estatisticamente significativa. Dois trabalhos desenvolvidos em cidades do interior de Goiás também não observaram associação significante entre os escores da QV e idade: Gomes et al. [ 23 ] avaliaram a QV (AQUAREL e SF-36) após implante de MP em 23 pacientes e Antônio et al. [ 33 ] avaliaram a QV (SF-36) de 25 cardiopatas elegíveis à implantação de MP em um hospital.

A idade é um dos fatores que não podemos interferir, pois é parte de um fator de risco não modificável (envelhecimento), quando encontramos maior frequência e maior gravidade nas doenças cardiovasculares. Mesmo sabendo que o implante de MP pode propiciar um benefício em relação à QV, por vezes, este não é passível de se mensurar em populações mais idosas em função de outras doenças coexistentes e menor expectativa de vida [ 3 , 26 ].

O tempo de implante demonstrou também correlação negativa com a vitalidade quando avaliado pelo SF-36. Esse domínio, vitalidade, está incluído na dimensão mental do SF-36. Avalia situações diárias que envolvem as características de capacidade física relacionadas à ansiedade e à depressão. Em nossos achados, o tempo pós-implante se relacionou com menor vitalidade. Não foram encontrados estudos sobre essa associação, creditamos essa situação à idade média dos pacientes avaliados, como comentado em relação à capacidade funcional.

Esses resultados nos permitem avaliar a nossa população de pacientes portadores de MP e contribuir para que a utilização dessa técnica seja cada vez mais bem indicada e os resultados venham, verdadeiramente, beneficiar os pacientes. Os pacientes tiveram adequada percepção de sua QV com a aplicação dos questionários AQUAREL e SF-36. A aplicação dos questionários AQUAREL e SF-36 é factível, denotando boa complementação na sua utilização em pacientes portadores de MP cardíaco.

CONCLUSÃO

De acordo com os resultados pode-se concluir que a QV dos portadores de MP é pior em aspectos físicos e em dispneia e melhor em aspectos sociais e desconforto. Os indivíduos do gênero masculino apresentaram melhor QV em capacidade funcional, aspectos emocionais e dispneia, quando comparados ao gênero feminino. Conforme aumenta a idade, pior é a QV em capacidade funcional e desconforto, e, quanto maior o tempo de implante de MP, pior a QV em vitalidade.

O gênero, a idade e o tempo de implante têm influência na QV, portanto essas variáveis devem ser consideradas nas estratégias para melhora da QV em indivíduos portadores de MP.

Papéis & responsabilidades dos autores
RTB Coleta, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito
SMRC Desenho do estudo, análise e interpretação dos dados
MAMS Redação do manuscrito
JBCB Coleta, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito

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