versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.12 Rio de Janeiro dez. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152012.09382014
Para aqueles envolvidos com a saúde pública, questionar o desempenho de intervenções estabelecidas por meio de programas e políticas públicas é um ato contínuo e extremamente necessário. Em meio a interesses sociais, políticos e econômicos, há nesses questionamentos a busca por um modelo de atenção capaz de propiciar eficácia, eficiência e efetividade na prestação à saúde, alcançando, assim, um projeto de saúde integral para indivíduos e comunidades1.
No Brasil, ao longo dos 26 anos do Sistema Único de Saúde (SUS), a demanda por evidências capazes de reorganizar o modo com que os serviços prestam assistência tem sido crescente2,3, tendo estimulado diversas discussões a respeito da condução de avaliações de programas em saúde, tanto no interior de instituições governamentais quanto no ambiente acadêmico e científico4,5. Essa necessidade também é destacada em outros países que optaram por modelos de sistemas de saúde nacionais e de caráter universal, como é o caso da Espanha e de seu Sistema Nacional de Salud (SNS), que, à semelhança do Brasil, realizou sua reforma sanitária atrelada a um movimento intenso de redemocratização após décadas de ditadura6.
Faz-se preciso relembrar que as reformas sanitárias ocorridas nesses dois países foram fruto de mobilizações que geraram e ainda hoje geram conflitos entre as instâncias de poder instituído e a sociedade7,8, exemplificando o dinamismo da mediação entre os anseios de diferentes grupos da sociedade e a resposta do Estado e seus governos, e por consequência do próprio processo de formulação de políticas públicas em saúde8.
Os recentes recortes nas políticas sociais espanholas, em decorrência da crise econômica9, e os entraves sofridos pelo SUS, na consecução de seus princípios e diretrizes2,10, apontam uma conjuntura comum que impõe aos avaliadores um posicionamento crítico em relação às suas funções e reafirma o caráter de controle social dos julgamentos de valor realizados. O caminho feito pela avaliação para o enfrentamento desses desafios ainda é longo, e para que de fato as evidências subsidiem a gestão de serviços e programas, é preciso lidar com a diversidade conceitual sobre o tema, a falta de institucionalização do processo avaliativo e as múltiplas interfaces que ele assume diante de outras esferas sociais11.
Dentre os problemas de saúde que geram intervenções programáticas, destacamos a tuberculose (TB), doença cujas bases diagnósticas e terapêuticas estão bem estabelecidas há décadas, mas cujo manejo exige do sistema de saúde uma atenção coordenada entre diversos pontos de atenção, impondo uma organização complexa de suas ações de prevenção e controle12.
Os indicadores epidemiológicos em TB e os desfechos de tratamento apresentados por ambos os países elucidam a relevância de investigar a capacidade de resposta dos Programas de Controle da Tuberculose (PCT) no contexto de seus sistemas de saúde: no Brasil, a TB persiste como a principal causa de morte entre as pessoas vivendo com HIV/aids, e a quarta causa de óbitos por doenças infecciosas entre a população geral13, com uma incidência de 35,8 casos/100.000 habitantes, no ano de 2012, e uma taxa de cura entre casos novos de 69,7%, em 201113. Já na Espanha, a incidência de TB foi de 13,0 casos/100.000 habitantes, em 2012, com uma taxa de cura para casos novos de apenas 73,3%, no ano de 201114. Na Espanha, 46,3% dos casos notificados nesse mesmo período ocorreu entre a população estrangeira, com procedência majoritária de indivíduos originários da América do Sul, de países do leste europeu e do norte da África. As condições de vida desses imigrantes e suas vulnerabilidades constituem alguns dos principais desafios para o controle da doença no país14.
Tanto no Brasil quanto na Espanha, a descentralização e o fortalecimento do papel coordenador da Atenção Primária à Saúde – considerados como estratégias para possibilitar a reforma de seus sistemas de saúde – estabelecem um contexto que influencia como as questões específicas de controle da TB e de vigilância em saúde são desenvolvidas, e, consequentemente, como seus desafios são enfrentados.
Instigado pela complexidade operacional do controle de uma doença como a TB e considerando que evidências acerca do monitoramento de desempenho de programas em saúde são potencialmente interessantes a pesquisadores e gestores de ambos os países, este artigo tem como objetivo realizar um levantamento bibliográfico sobre a avaliação de desempenho de programas de controle de TB na literatura produzida no Brasil e na Espanha. A escolha dos dois países se justifica pelas similaridades de suas propostas de sistemas públicos e nacionais de saúde e pela trajetória de desafios comuns no que tange à gestão de seus serviços e ao desenvolvimento de programas de controle de doenças e agravos.
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, cujo propósito primordial é aprofundar o entendimento de um determinado fenômeno, evidenciando suas possíveis fortalezas e/ou lacunas, possibilitando o raciocínio crítico na análise do objeto proposto15.
A revisão integrativa consiste em um método ordenado e sistemático de síntese de resultados obtidos na literatura, e prevê o desenvolvimento de seis etapas ou passos15, a saber: 1) delineamento de uma questão investigativa, a qual compõe a estrutura do tema a ser pesquisado e norteia a escolha dos descritores e palavras-chave para a busca da literatura; 2) estabelecimento das estratégias de busca e definição dos critérios para a inclusão e exclusão dos estudos e materiais disponíveis; 3) categorização da amostra selecionada com a definição das informações de interesse para a revisão; 4) análise crítica da amostra final; 5) interpretação dos achados; e 6) apresentação da revisão/síntese do conhecimento.
Para este estudo, a questão investigativa correspondeu à pergunta: “Como o desempenho de programas de controle de TB tem sido abordado na produção técnica-científica desenvolvida no Brasil e na Espanha?”
Foram consideradas pesquisas científicas originais, artigos de reflexão/debate, revisões da literatura, estudos de caso e relatos de experiência, monografias, dissertações e teses, assim como publicações institucionais (informes, relatórios e planos) e protocolos/guias de prática clínica (practical guidelines) produzidos no Brasil e na Espanha, disponíveis nos idiomas português, espanhol e inglês, publicados na última década (período de 2002-2013) e indexados nas bases de dados CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature), Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online), Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências de Saúde) e SCOPUS (Web of Science). A biblioteca virtual SciELO (Scientific Eletronic Library Online) também foi selecionada como fonte relevante para busca. A ferramenta de busca Google Scholar (Google Acadêmico) complementou as buscas de forma a possibilitar a identificação de materiais de interesse não disponíveis nas bases acima citadas.
A escolha dos descritores de busca foi realizada previamente a partir de consulta às bibliotecas de terminologia em saúde – Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) da Biblioteca Regional de Medicina da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/Bireme) e Medical Subject Headings (MSH) da National Library of Medicine, e termos-chave foram definidos a partir de seus conceitos, de forma a possibilitar a busca por linguagem livre não controlada quando a procura por descritores não oferecia resultados satisfatórios.
O levantamento bibliográfico foi realizado nas bases e fontes acima citadas por meio do cruzamento dos descritores e termos mencionados no Quadro 1, entre os meses de outubro e dezembro de 2013. Foi aplicado como estratégia de busca o uso do descritor tuberculose e a operação booleana ¨AND¨ com os demais assuntos selecionados para o estudo, que foram combinados entre si com o uso da operação ¨OR¨. A recuperação de materiais produzidos no contexto brasileiro e espanhol foi realizada pela utilização das palavras ¨Brasil¨ e ¨Espanha¨ nos campos de busca relativos ao país de afiliação da pesquisa, título e/ou resumo do material.
Quadro 1 Descritores e termos propostos para o levantamento da literatura e respectivas definições.
* Utilizado para buscas nas bases Medline, CINAHL e SCOPUS.
O critério de inclusão dos artigos identificados pela busca foi delimitado como a presença de conceitos teóricos e/ou evidências a respeito da avaliação de PCTs no contexto do sistema de saúde, assim como dos indicadores utilizados ou propostos para tal fim. Foram excluídos duplicações e materiais cujo escopo não se adequasse às questões de interesse do estudo.
A partir da amostra final, procedeu-se uma leitura crítica para compor o produto final do estado da arte. Os dados de interesse foram descritos e agrupados em categorias temáticas para operacionalizar a apresentação e discussão dos resultados. A identificação e a categorização dos indicadores utilizados nesses materiais seguiram os conceitos de Waldman16e da Rede Interagencial de Informações em Saúde (RIPSA)17, que definem indicador como uma medida, de ordem quantitativa ou qualitativa, que organiza e capta informações relevantes dos elementos que compõem o objeto avaliado. Os indicadores foram categorizados em epidemiológicos (que expressavam magnitude da doença) e operacionais (que mediam atividades realizadas e a quantidade/qualidade das ações decorrentes da intervenção proposta)17.
A Figura 1 mostra a quantidade de materiais levantados e selecionados de acordo com os critérios estabelecidos. A amostra final foi composta por 17 materiais, entre artigos, monografias, teses e protocolos.
Os Quadros 2 e 3 sintetizam os principais dados relacionados aos materiais levantados, de acordo com ano, fonte, tipologia documental, considerações sobre delineamento do estudo e principal objetivo (quando pertinente) dos materiais selecionados, no contexto espanhol e brasileiro, respectivamente.
Quadro 2 Síntese dos materiais selecionados e produzidos no contexto espanhol sobre avaliação de desempenho de programas de controle de tuberculose, 2002-2013.
Quadro 3 Síntese dos materiais selecionados e produzidos no contexto brasileiro sobre avaliação de desempenho de programas de controle de tuberculose, 2002-2013.
De uma forma geral, a produção espanhola se concentra em um período anterior à brasileira, com a maioria dos artigos selecionados divulgados antes de 2010. Já a busca por materiais brasileiros resultou em artigos mais recentes – a amostra final concentrou maior número de publicações dos últimos 5 anos (2009-2013). No que concerne aos tipos de materiais identificados, destaca-se que metade das publicações selecionadas era de outras tipologias documentais, além de artigos com resultados de pesquisas originais, apontando que artigos de revisão/debate e de revisão narrativa (n = 5), teses e monografias (n = 3) e protocolos (n = 1) constituíram uma importante fonte de conhecimento nessa área para a presente revisão.
Em relação ao delineamento dos artigos originais, percebe-se uma variedade de estratégias, com destaque à presença de elementos da investigação epidemiológica na maioria dos artigos originais (6 no total de 9 publicações de ambos os países), e uma maior referência a componentes da pesquisa avaliativa no contexto brasileiro (4 artigos brasileiros quando comparados a apenas 1 material espanhol).
A citação de indicadores e parâmetros utilizados para julgamento do desempenho foi um item comum ao longo da leitura analítica. Diferentes conceitos embasaram as avaliações propostas, com destaque para o referencial de estrutura, processo e resultado18-21, incluindo as categorias de cobertura, qualidade, satisfação e aceitabilidade18 – considerados como elementos do processo; e as definições de eficiência, eficácia e efetividade18,22.
A avaliação de estrutura foi definida nos materiais como a análise dos recursos, de natureza material ou humana, e dos serviços e atividades que são geradas a partir destes18,21. A avaliação de processo consta como a investigação das atividades de um programa, de sua cobertura e sua qualidade, incluindo aspectos da satisfação dos pacientes e da aceitabilidade da intervenção pelos atores envolvidos18,21. E, por fim, a avaliação de resultados enfoca o questionamento sobre os objetivos estabelecidos por tais serviços e atividades18,21.
A eficiência é definida como a medida de relação entre os recursos empregados e a consecução dos objetivos das intervenções18,22,23; ou, no marco da avaliação econômica, como a análise de custos e benefícios para a otimização na aplicação de recursos18,22. A eficácia é considerada como a mensuração dos resultados entre a população-alvo de um programa/intervenção, e a efetividade expressa o impacto dos resultados de um programa na comunidade18,22,23.
As dimensões e os indicadores próprios dos referenciais da pesquisa avaliativa também foram citados24-26. A avaliação de implantação utiliza um modelo lógico, formado pela descrição de componentes, insumos, atividades, produtos, resultados e impacto esperados para um PCT, e um modelo teórico de avaliação, no qual se investiga a medida em que os recursos e serviços oferecidos são adequados e empregados de forma a atingir os resultados esperados, e como os resultados obtidos se aproximam ou se diferenciam das metas propostas. Nesta proposta, consideram-se como dimensões o contexto político-organizacional (autonomia político-financeira, ações intersetoriais, vulnerabilidade social, gerência), a implementação das ações (cobertura, acesso, diagnóstico e apoio laboratorial, tratamento e assistência farmacêutica, integralidade, vigilância epidemiológica), e seus efeitos (desfechos clínicos e satisfação do usuário). Cada dimensão é subdividida em categorias, que por sua vez possuem critérios/indicadores que compõem uma matriz de julgamento para avaliação do grau de implantação do PCT no sistema de saúde.
Um modelo de continuidade de atenção e indicadores para sua mensuração foram identificados em um dos materiais espanhóis, considerando como continuidade da atenção uma associação racional entre as intervenções clínicas propostas, as mudanças alcançadas no estado de saúde dos indivíduos e a modificação subsequente na utilização de serviços de saúde22. A definição ainda inclui que indicadores de continuidade da atenção em tuberculose devem considerar a participação dos pacientes no período durante e posterior ao tratamento e a integração entre diferentes organizações sanitárias e comunitárias envolvidas nesse processo22.
Os principais indicadores identificados foram categorizados como epidemiológicos ou operacionais e listados no Quadro 4.
Há uma dificuldade, no campo da TB, de concretizar os limites do que seria uma pesquisa sobre o desempenho de ações específicas do programa, ou sobre os serviços que operacionalizam o programa, ou ainda sobre o PCT em si enquanto um órgão que reúne determinados atributos e atividades. Os materiais identificados corroboram que, quando as intervenções avaliadas consistem em um amplo conjunto de serviços que envolvem diversas organizações e profissionais e se orientam a enfermidades multifatoriais como no caso da TB, maior a dificuldade no estabelecimento de medidas de avaliação das intervenções capazes de identificar a responsabilidade de cada um dos atores/elementos envolvidos18,22,31. O recorte necessário realizado nas produções sobre o tema não exclui uma discussão ampla e que integra questões pertinentes a cada uma das instâncias envolvidas, porém dificulta a sistematização das evidências construídas em meio à diversidade de publicações disponíveis.
A escassez de publicações na área de avaliação de PCT é citada ao longo dos materiais levantados, em ambos os países22,23,27,29,33. O tema da avaliação, apesar de embasado em correntes teóricas bem estabelecidas, ainda é uma área cuja divulgação está aquém de outros temas frequentemente estudados quando se trata da TB. Kritski et al.35 apontaram que, no Brasil, houve uma crescente divulgação de resultados de pesquisas sobre TB em periódicos indexados e de alto rigor científico a partir dos anos 2000, no entanto, com predominância de estudos relacionados às ciências básicas. Na Espanha, Ramos et al.36aponta que a produção em TB é majoritariamente de estudos clínicos e de bancada, sendo médicos os principais autores dos estudos identificados entre 1997 e 2006, e os hospitais as principais instituições responsáveis pelas publicações. O achado de produções brasileiras mais recentes, identificado neste estudo, pode estar relacionado à priorização da implementação das ações do PCT em serviços de atenção primária no país e editais de pesquisa apoiando a realização de estudos deste gênero.
A tarefa de avaliar o desempenho de um programa de controle de um agravo/doença exige a utilização de um referencial bem delimitado que permita a seleção e a análise de indicadores pertinentes para a condução da análise e da interpretação de seus resultados37. No entanto, na área de avaliação, novas definições são criadas constantemente, e mesmo os conceitos e métodos existentes são utilizados de forma distinta e até de maneiras divergentes, o que resulta em uma grande diversidade terminológica38,39e metodológica40, incluindo desde a epidemiologia até as teorias clássicas da pesquisa avaliativa, passando tanto pela abordagem quantitativa quanto pela qualitativa. Fernandes et al.5, comentam que, apesar da natureza não consensual do campo de avaliação possibilitar a criatividade dos pesquisadores, ela também pode apontar para riscos de inadequação na concepção, operacionalização e divulgação dos resultados e achados das pesquisas.
Os métodos e indicadores identificados nesta revisão confirmam a existência de duas vertentes, uma circunscrita às bases da avaliação normativa, com indicadores específicos e limitados aos componentes do programa de controle, e outra que se aproxima da pesquisa avaliativa, com indicadores que procuram relacionar os diferentes contextos em que os componentes do programa se relacionam, incluindo aspectos de ordem subjetiva20,24,26.
A relevância do uso de indicadores epidemiológicos é discutida no material identificado32,34, uma vez que a magnitude da doença pode influenciar no reconhecimento do problema pelos serviços de saúde. Indicadores que fazem referência à aids e à coinfecção pelo HIV também foram identificados no material desta revisão32,33, sendo seu uso justificado pela conhecida interface entre essas duas condições crônicas, o que gera maior complexidade para o manejo do cuidado prestado e pode influenciar o desempenho do programa de controle de ambas as doenças.
A limitação no uso de dados secundários e a arbitrariedade da escolha dos pontos de corte usados nos critérios de classificação dos municípios também foi citada32 como um fator que corrobora a carência de informações para o Brasil e seus municípios, sobre o desempenho no Programa Nacional de Controle da Tuberculose33. Considerando esses dados, o papel da vigilância epidemiológica e a avaliação dos diversos sistemas de informação em saúde que agregam dados de interesse para a compreensão do funcionamento de um PCT também aparecem como tema frequente nas produções identificadas18,22,23,25,29,31.
Os indicadores utilizados para avaliação devem ser claramente definidos e mensuráveis objetivamente e seus critérios deveriam se pautar em evidências científicas, de forma que os mecanismos de consenso sejam capazes de fornecer parâmetros relevantes e pertinentes, uma prerrogativa na avaliação voltada à gestão de serviços28,41. Além disso, os indicadores devem ser flexíveis e considerar o contexto, uma vez que é preciso assumir que, em determinadas ocasiões, as metas não são realistas, e é preciso reconsiderar pretensões de forma a estimular o alcance de resultados28. De modo geral, a leitura dos materiais brasileiros aponta uma diversidade maior de delineamentos e proposições metodológicas para a avaliação do PCT. Os indicadores operacionais identificados são voltados à qualidade de detecção, diagnóstico e tratamento, e compatíveis com a situação epidemiológica do país. Já na Espanha, o exame de contatos e multidrogarresistência emergem como temas relevantes e exemplificados nos indicadores utilizados nas publicações inclusas neste estado da arte.
Apesar disso, as produções brasileira e espanhola se complementam no sentido de identificar a necessidade de integração dos recursos e atividades de uma intervenção, e da coordenação destes na rede de serviços no sistema de saúde para a consecução dos objetivos propostos. Para o monitoramento e avaliação do programa, é preciso determinar responsabilidades, assinalar os recursos utilizados e estabelecer critérios.
Villalbi e Tresseras18 argumentam sobre o enredamento presente na avaliação de programas em saúde, ao expor que os componentes reais de programas complexos nem sempre são explícitos e que, ao longo de sua operacionalização, eles se distanciam do que se enuncia em sua formulação inicial. Gonçalves21, nesse sentido, discute que o programa como um todo não pode ser avaliado com base em um único indicador, vários devem ser analisados em conjunto. Para a avaliação da efetividade de um programa e de seus resultados, muitas vezes é preciso lançar mão de indicadores em outras fontes de informação que muitas vezes não estão integrados na gestão da intervenção em si.
Vale ressaltar que o Brasil, organizado como república com 27 unidades federativas e regido sob um governo de modelo presidencialista, possui um sistema de saúde de responsabilidade compartilhada entre as três esferas do governo (União, estados e municípios), com comando único em cada um dos entes da federação. Os PCTs são organizados formalmente em cada um dos entes federados. São os órgãos locais que delimitam as metas esperadas para a atenção à doença e definem os principais recursos e processos necessários para o seu alcance em cada um de seus níveis de atuação e contextos42.
Dentro do SUS, cabe à instância municipal a organização da rede de saúde local para a execução das ações de controle da TB, incluindo o mapeamento e a capacitação das unidades de saúde para tal, assim como o estabelecimento de fluxos assistenciais e logísticos42. Ao se organizarem de acordo com as especificidades de suas características administrativas, políticas e geográficas, os municípios compõem um quadro nacional de grandes especificidades locais, gerando organizações e desempenhos diferenciados que demandam uma metodologia de avaliação que considere essas peculiaridades21,32,33.
Já a Espanha, regida por um governo parlamentar sob uma monarquia constitucional, é organizada sob um estado unitário e descentralizada em comunidades autônomas (CCAA). A estruturação do sistema de saúde é de competência da administração do Estado Unitário e compartilhada com as comunidades autônomas, que possuem independência para gestão de seus sistemas locais de saúde14. A atenção à TB na Espanha é coordenada, ao nível do Estado Unitário, por um Grupo de Trabalho (GT) formado por técnicos de cada uma das CCAA. Cada Comunidade Autônoma desenvolve seu próprio plano de atividades, organizando Programas ou Comitês Regionais e operacionalizando o controle da TB da forma mais adequada a suas especificidades locais14.
Nos sistemas de saúde brasileiro e espanhol, as propostas de incorporação de ferramentas de monitoramento e avaliação na rotina dos serviços apontam uma tendência de gestão orientada por resultados. Na Espanha, onde os serviços de saúde pública cobrem um espectro de atividades amplo e heterogêneo, definidos por carteiras e catálogos de serviço, a avaliação por indicadores adequados permite que o desempenho das intervenções ganhe visibilidade e legitimidade dentro do sistema, e para o próprio profissional na ponta. O profissional pode avaliar sua prática profissional de forma ágil, os gerentes poderão avaliar a cobertura e efetividade de suas atividades, e os responsáveis governamentais poderão saber o que se realiza, para que e com qual custo31. A identificação de dois protocolos com diretrizes para a avaliação do PCT entre o material identificado exemplifica os esforços para a institucionalização de processos e rotinas de avaliação na gestão dos programas regionais; assim como artigos18,31 desenvolvidos com o propósito de debater o uso de indicadores na prática de gestores de programas e serviços, enfatizando a necessidade de um sistema de informação capaz de fornecer dados válidos e com comparabilidade entre diferentes CCAA.
No Brasil, apesar dos esforços do Ministério da Saúde, ainda há uma fragmentação dos processos avaliativos que impedem sua utilização de fato em ações coordenadas e uma institucionalização focada na criação de novas instancias organizacionais, reforçando seu caráter burocratizante43. Há de se destacar, no entanto, que a agenda de monitoramento e avaliação (M&A) nas políticas de saúde brasileira obteve avanços com a discussão de painéis de indicadores e processos de pactuação44-46baseados em metas, proposições estas iniciadas em 2006, com o lançamento do Pacto pela Saúde (Portaria 399/2006) e, atualmente, representadas por meios inovadores de contratação – como o Contrato Organizativo de Ação Pública de Saúde (COAP), criado por meio do decreto 7508/11 – e por propostas de gestão baseadas em resultados, como o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQAB), estabelecido pela portaria 1.654/2011, e o Programa de Qualificação das Ações de Vigilância em Saúde (PQAVS), estabelecido pela portaria 1708/2013.
O próprio Programa Nacional de Controle da Tuberculose possui atividades de monitoramento e avaliação desde 2000, atualmente realizadas por uma equipe de profissionais do Ministério da Saúde e um grupo de monitores externos, composto porexperts em TB de todo o país, com o objetivo de contribuir política e tecnicamente para a melhoria da capacidade de resposta dos estados e municípios ao controle da TB42.
Destaca-se como principal limitação do estudo o fato de que publicações relevantes possam não ter sido incluídas no material final, pelas dificuldades no percurso de levantamento dos materiais, com o escasso número de resultados obtidos por meio da busca por descritores, mesmo utilizando termos correlatos ou semelhantes. A problemática na definição do melhor descritor para a pesquisa bibliográfica é um desafio para temas complexos e que geralmente refletem uma variedade de subtemas, como corroborado em outras revisões na área da avaliação em saúde4,5. Os autores sistematizaram os termos de busca com o objetivo de aperfeiçoar a seleção de documentos relevantes e minimizar essa debilidade. Outro ponto a ser esclarecido foi de que diversos artigos excluídos da amostra final tinham como foco principal um subtema mais específico dentro das ações de controle da TB (acessibilidade ao tratamento, retardo diagnóstico), e, por este motivo, não contemplavam o escopo pretendido por este manuscrito.
Há de se ressaltar ainda que o campo de avaliação de programas apresenta uma literatura cinza, ou seja, que escapa dos canais convencionais de recuperação por meio das bases de dados, e acaba por ser de difícil acesso. Uma considerável quantidade de avaliações de programas de controle é realizada em informes técnicos cuja divulgação permanece centrada na própria administração sanitária local, a qual também executa/coordena as ações de controle. No entanto, esta não possui uma tradição de sistematizar esse conteúdo em artigos científicos.
Os resultados refletem a complexidade na avaliação de programas que envolvem múltiplas atividades e diversos atores, apontam para a necessidade da integração de indicadores epidemiológicos e operacionais, e sugerem o uso de diversos conceitos para a interpretação dos dados relacionados ao desempenho dos PCT. A produção no tema se encontra difusa na diversidade de publicações com diferentes recortes (enfocando ações do programa, atributos do serviço ou atividades em populações específicas) e ainda possui uma divulgação menor quando comparada a outras temáticas relacionadas à TB, como estudos clínicos ou relacionados às ciências básicas. No entanto, identifica-se um acúmulo importante de debates voltados à gestão de serviços orientados pela avaliação de indicadores em ambos os países, com destaque para as publicações de pesquisas avaliativas no contexto brasileiro e os debates acerca do uso de indicadores na saúde pública no contexto espanhol.
A possibilidade de aplicação desses conceitos na prática diária da gestão em saúde, por exemplo, pela criação de painéis de indicadores e metas e sistemas de monitoramento e avaliação, constitui uma importante contribuição da literatura científica no desenvolvimento de sistemas mais efetivos para o controle da TB. Finalmente, sugere-se o desenvolvimento de estudos comparativos entre sistemas universais de saúde como os estabelecidos no Brasil e na Espanha, de forma a aprofundar o corpo de conhecimento acerca das convergências e divergências na organização e desempenho de serviços e programas em saúde em contextos diversos.