versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.9 no.3 São Paulo jul./set. 2011
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011ao1982
A artroplastia total do quadril (ATQ) é um procedimento cirúrgico de reconstrução do quadril para o alívio de dor e melhora da função física(1,2). A ATQ é indicada para pacientes com dor debilitante resultante de degeneração articular, quando o tratamento conservador não produz mais resultados(1–4). Osteoartrose (OA), artrite reumatoide, necrose avascular da cabeça do fêmur, artrite traumática, efeitos duradouros de uma afecção que tenha afetado o quadril na infância, e procedimentos cirúrgicos anteriores sem sucesso são causas comuns de degeneração articular. A ATQ também é recomendada para pacientes com perda da independência funcional, que tinham uma vida ativa antes da fratura do quadril(2,5–7).
O alívio da dor é o principal beneficio de ATQ e seu sucesso funcional leva a uma melhora significativa na qualidade de vida(4,5,8–11). Como o exame físico é um indicador insuficiente dos aspectos funcional, social e emocional, vários questionários foram elaborados a fim de analisar o estado de saúde, o impacto da doença e a eficácia de diferentes tratamentos(12).
O Western Ontario McMaster Osteoarthritis Index (WOMAC) é um questionário multidimensional usado para avaliar dor, rigidez, e função física em pacientes com OA de quadril ou joelho(13). O WOMAC já foi traduzido e validado para diferentes idiomas, inclusive o português(13). Já que esse questionário enfoca sintomas e função física em pacientes com problemas no quadril, também demonstrou ser uma ferramenta válida, confiável e rápida para responder para pacientes submetidos a ATQ(12,14,15).
Avaliar os dados sobre resultados de dor, rigidez, e função física em pacientes submetidos a ATQ, por meio do questionário WOMAC.
Este estudo foi conduzido com pacientes submetidos à cirurgia para prótese total de quadril no Hospital Albert Einstein (HIAE), em São Paulo, Brasil. Os dados do presente estudo (questionário) foram obtidos por meio de uma análise retrospectiva de registros de pacientes. O questionário WOMAC é parte do protocolo de avaliação de pacientes com cirurgia de reposição total do quadril na instituição.
Inicialmente, os dados de uma amostra de conveniência de 64 pacientes dos sexos masculino e feminino foram analisados usando o questionário WOMAC na fase pré-operatória, alta hospitalar, aos 3 e 6 meses de seguimento, de Janeiro de 2009 a Julho de 2010. Os dados foram anotados no livro de registros e estão incluídos nesta presente análise retrospectiva; um grupo apresentava OA primária de quadril (n = 42) e o outro grupo, fratura de quadril (n = 22). Os pacientes com transtornos cognitivos e neurológicos foram excluídos do estudo.
O questionário WOMAC foi administrado por meio de entrevistas face-a-face no período pré-operatório e na alta hospitalar. Nas avaliações de seguimento de 3 meses e de 6 meses, o questionário WOMAC foi administrado por meio de entrevistas telefônicas. O WOMAC é uma medida multidimensional de desfechos, autoadministrada, e elaborada para estudos clínicos envolvendo pacientes com OA de quadril ou joelho. Ele avalia as dimensões de dor (5 itens), rigidez (2 itens), e função física (17 itens) e tem sido recomendado como medida de desfechos para pacientes submetidos à ATQ(12). Todos os itens têm o mesmo peso e cada um tem um escore que varia de 0 a 4. Cada domínio pode ser pontuado separadamente, e o escore total do questionário varia de 0 a 96, em que 0 é o melhor e 96 é o pior escore. No presente estudo, foram usados a média dos valores de escores para cada subescala (0-4) e o escore total, já que havia dados faltantes que poderiam afetar a interpretação da soma dos escores.
Este estudo recebeu a aprovação do comitê de ética da instituição, com protocolo número 1171-10. O Comitê de Ética considerou desnecessário o uso do consentimento livre e informado específico para este estudo, já que os dados usados eram retrospectivos, contidos na avaliação do paciente, e todas as informações foram obtidas dos registros do hospital.
Os dados qualitativos foram expressos como valores observados de frequência e porcentagem. A idade do paciente foi expressa como média, desvio padrão e variação. Os escores médios de WOMAC para cada grupo e momento de avaliação foram expressos como média e desvio padrão. As comparações entre grupos e momentos de avaliação foram feitas usando um modelo linear misto, com uma estrutura de correlação de autorregressão e ajustes de Bonferroni para múltiplas comparações. Todas as análises foram conduzidas com o programa SPSS versão 17 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) e valores de p menores que 0,05 foram considerados estatisticamente significantes.
A tabela 1 mostra as características demográficas e clínicas da amostra (n = 64). A média de idade foi 69,46 anos, variando de 35 a 99 anos.
Tabela 1 Características da amostra no pré-operatório
Características | Total (n = 64) | Osteoartrose primária (n = 42) | Fratura de quadril (n = 22) | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Idade (média DP) | 70,30 (12,63) | 66,21 (11,99) | 78,48 (9,72) | ||||
Variação | 35-99 | 35-86 | 57-99 | ||||
Dados incompletos (n/%) | 1 (1,6) | 0 (0,0) | 1 (4,5) | ||||
Gênero | n | % | n | % | n | % | |
Feminino/Masculino | 31/33 | 48,4/51,6 | 18/24 | 42,9/57,1 | 13/09 | 59,1/40,9 | |
Diagnóstico | |||||||
Osteoartrose primária | 42 | (65,6) | |||||
Fratura de quadril | 22 | (34,4) | |||||
Implante/prótese | |||||||
Sem cimento | 35 | (54,7) | 25 | (59,5) | 10 | (45,5) | |
Com cimento | 14 | (21,9) | 9 | (21,4) | 5 | (22,7) | |
Híbrida | 2 | (3,1) | 1 | (2,4) | 1 | (4,5) | |
Dados incompletos | 13 | (20,3) | 7 | (16,7) | 6 | (27,3) |
DP: desvio padrão.
Houve maior ocorrência de OA primária de quadril (n = 42), seguido de fratura do quadril (n = 22). Os escores médios de WOMAC e os escore médios das subescalas de dor, rigidez, e função física nos grupos de OA e de fratura são demonstradas nas figuras 1 a 3. A média e o desvio padrão da média do total de escores e dos escores das subescalas de dor, rigidez, e função física estão dispostos na tabela 2.
Figura 1 Escores médios totais em WOMAC no grupo osteoartrose (n = 42) e no grupo fratura de quadril (n = 22) no pré-operatório, alta hospitalar, seguimento de 3 meses e seguimento de 6 meses
Figura 2 Escores médios na subescala WOMAC no grupo osteoartrose (n = 42), no pré-operatório, alta hospitalar, seguimento de 3 meses e seguimento de 6 meses
Figura 3 Escores médios na subescala WOMAC no grupo fratura de quadril (n = 22), no pré-operatório, alta hospitalar, seguimento de 3 meses e seguimento de 6 meses
Tabela 2 Média, desvio padrão e várias comparações dos escores totais do WOMAC no pré-operatório, alta hospitalar, seguimento de 3 meses e 6 meses, nos grupos fratura de quadril e osteoartrose
Escores WOMAC | Grupo | Tempos | |||
---|---|---|---|---|---|
Pré-operatório | Alta hospitalar | 3 meses | 6 meses | ||
Escores totais | Fratura de quadril | 0,97(0,28) | 1,92(0,17)* | 1,15(0,22) | 0,89(0,26)# |
Osteoartrose | 2,78(0,12)& | 1,65(0,13)* | 0,76(0,15)* # | 0,28(0,10)* # $ | |
Dor | Fratura de quadril | 0,78 (0,30) | 1,01 (0,20) | 0,68 (0,22) | 0,36 (0,24) |
Osteoartrose | 3,01 (0,15)& | 1,19 (0,17)* | 0,52 (0,17)* | 0,25 (0,15)* # | |
Rigidez | Fratura de quadril | 0,59 (0,25) | 1,00 (0,28) | 0,67 (0,26) | 0,24 (0,14) |
Osteoartrose | 1,81 (0,26)& | 1,29 (0,21) | 0,55 (0,15)* # | 0,26 (0,12)* # $ | |
Função física | Fratura de quadril | 1,08 (0,31) | 2,47 (0,19)* | 1,39 (0,29)# | 1,16 (0,32)# |
Osteoartrose | 2,83 (0,12)& | 1,92 (0,15)* | 0,85 (0,16)* # | 0,29 (0,11)* # $ |
Dados descritos como média (erro padrão).
*p < 0,05 quando comparado ao pré-operatório;
#p < 0,05 quando comparado à alta hospitalar;
$p < 0,05 quando comparado ao seguimento de 3 meses;
&p < 0,05 quando comparado ao grupo de fratura de quadril;
p < 0,05: diferença estatisticamente significante.
WOMAC: Western Ontario McMaster Osteoarthritis Index.
No grupo de OA, houve uma redução no escore médio após o pré-operatório (alta do hospital, seguimento de 3 meses, e seguimento de 6 meses) (Figuras 1 e 2). Alterações no escore total foram estatisticamente significantes comparando os dados no período pré-operatório, alta hospitalar, 3 e 6 meses de seguimento, demonstrando uma melhora ao longo do tempo, que continuou até o final do 6° mês de seguimento (Tabela 2). Os escores médios na subescala de dor revelaram alterações estatisticamente significantes na comparação do pré-operatório com a alta hospitalar, 3 e 6 meses de seguimento. Nenhuma diferença estatisticamente significativa foi encontrada na dor entre as avaliações aos 3 meses e aos 6 meses (Tabela 2).
Mudanças estatisticamente significantes foram encontradas nos escores médios de rigidez, exceto entre o período pré-operatório e a alta hospitalar. Houve uma redução em todos os escores médios de função física, com melhoras estatisticamente significantes na comparação entre período pré-operatório, alta hospitalar, seguimento de 3 e de 6 meses (Tabela 2).
Os escores totais do grupo de fratura de quadril demonstraram uma piora da fase pré-operatória até a alta hospitalar, seguida de uma melhora (Figura 1).
As diferenças foram estatisticamente significantes do período pré-operatório até a alta hospitalar, além da fase entre a alta e a avaliação de 6 meses (Tabela 2). Nenhuma diferença estatisticamente significante foi encontrada entre o pré-operatório e a avaliação de 3 meses, ou entre o pré-operatório e a avaliação de 6 meses, demonstrando que os pacientes retornavam ao seu estado de saúde inicial após 3 meses, e mantinham essa condição por meio do seguimento de 6 meses (Tabela 2). Os escores das subescalas revelaram mudanças mais evidentes relativas à função física (Figura 3), enquanto nenhuma alteração estatisticamente significante foi detectada com relação à dor e rigidez (Tabela 2).
Na comparação dos dados entre os grupos (com fratura do quadril e OA), houve diferenças estatisticamente significantes no pré-operatório, no escore total e nos escores das subescalas de dor, rigidez e função física. Todavia, nenhuma diferença foi observada por ocasião da alta hospitalar, no seguimento de 3 meses, ou no seguimento de 6 meses (Tabela 2).
Houve maior ocorrência de OA na amostra, seguida por fratura do fêmur. Tais achados são frequentemente descritos na literatura referente à ATQ(16–19). O número crescente de operações de ATQ para pacientes com OA acompanha o envelhecimento da população(20). A OA causa dor e disfunção, levando a uma diminuição na qualidade de vida, e os pacientes experimentam uma melhora logo após a cirurgia de ATQ(21).
No presente estudo, foram encontradas alterações significantes no escore de WOMAC no grupo de pacientes com OA após a alta hospitalar, demonstrando que os pacientes tiveram melhora relativa em termos de dor, função física, e rigidez imediatamente após a cirurgia, e que esta melhora é progressiva por até 6 meses.
Segundo Jones et al., os pacientes com artroplastia total de quadril geralmente relatam alívio significativo da dor 1 semana após a operação, e a melhora atinge seu maior ganho entre 3 e 6 meses após a cirurgia, com a percepção de uma melhora significativa na dor durante a primeira semana do período pós-operatório(21).
Segundo os mesmos autores, relatos de ganhos favoráveis para melhora da dor articular após a ATQ estão bem estabelecidos na literatura ortopédica(21).
Neste estudo, não houve nenhuma diferença significante na subescala de dor entre a alta hospitalar e a avaliação aos 3 meses, ou entre as avaliações de 3 meses e de 6 meses, o que mostra que a melhora da dor foi mantida até o seguimento de 6 meses. Um estudo anterior descreveu escores das subescalas WOMAC de dor semelhantes aos 3 e 6 meses após a cirurgia de ATQ entre pacientes com OA(22).
Por outro lado, Macaulay et al. demonstraram que o grupo de ATQ pode melhorar de forma significativa os desfechos relacionados à dor e função após 2 anos, e sugeriram que a ATQ seja um tratamento importante(19). Nilsdotter e Isaksson mostraram em seu estudo prospectivo que o alívio da dor é excelente e independe do valor no pré-operatório, e que mesmo 7 anos após a cirurgia, 97% dos pacientes es tavam satisfeitos com o alívio da dor e a melhora da função física(17).
Houve também uma melhora na rigidez em todos os períodos de avaliação, com exceção da comparação entre o pré-operatório e a alta hospitalar.
Groot et al. também relataram diferenças estatisticamente significativas na subescala WOMAC de rigidez entre o período pós-operatório, a avaliação aos três meses, e a análise aos 6 meses em pacientes com OA submetidos à operação ATQ, mas não compararam a rigidez entre o período pré-operatório e a alta hospitalar(22).
Os dados sobre peso, altura e OA poderiam complementar os resultados, mas a literatura ainda não determinou um consenso entre eles. Segundo Reijman et al., não há nenhuma associação entre o índice de massa corporal e a progressão da OA de quadril(23).
Resultados estatisticamente significantes foram obtidos em relação à subescala de função física em todos os momentos de avaliação, demonstrando melhora progressiva. Estudos anteriores também haviam relatado uma melhora progressiva de função por até 1 ano após a cirurgia(17). Um estudo prospectivo em pacientes com OA submetidos à ATQ relatou ganhos na função física entre 1 e 7 anos após a operação, sem declínio no escore WOMAC durante esse tempo(17).
A literatura também descreve uma considerável incidência de fraturas de fêmur. Nos Estados Unidos, por exemplo, 350 mil fraturas de fêmur ocorrem a cada ano, e é esperado que essa incidência aumente com o envelhecimento da população(19). Ademais, estudos envolvendo pacientes com fraturas de fêmur tratados com a ATQ relataram baixas taxas de complicações e revisões, além de melhoras na função física(19). No presente estudo, o grupo com fratura de fêmur mostrou escores WOMAC piores na alta hospitalar em comparação ao período préoperatório. Segundo Macaulay et al., há um significativa redução em função e independência após uma fratura de fêmur(16). Na comparação entre a alta hospitalar com a avaliação aos 6 meses, houve melhora no escore WOMAC, com escores da avaliação aos 6 meses semelhantes aos do período pré-operatório, o que representa um retorno ao estado funcional de antes do trauma. Esse achado foi mais evidente no escore da subescala de função física. Nenhuma diferença significante foi encontrada entre a fase préoperatória, a avaliação de 3 meses, e a de 6 meses, com respeito à dor e rigidez.
Comparando os dados entre os grupos (com fratura de quadril e OA), houve diferenças estatisticamente significantes na fase pré-operatória no escore total de WOMAC e também nos escores das subescalas. Estes achados sugerem que os dois grupos de pacientes exibem diferenças em estado funcional, rigidez e dor. As características clínicas dessas duas condições confirmam essa diferença no pré-operatório. Pacientes com fratura de fêmur experimentam uma súbita perda de independência funcional(16). Em contraste, pacientes com OA têm um histórico de dor severa e progressiva perda funcional(17). No estudo atual, nenhuma diferença foi encontrada entre os grupos na alta hospitalar, na avaliação de 3 meses, ou na avaliação de 6 meses, demonstrando que ambos os grupos exibem um comportamento semelhante com respeito à função física, dor e rigidez após a cirurgia.
Em conclusão, o questionário WOMAC detectou alterações nos desfechos no seguimento de curto prazo de pacientes submetidos à cirurgia de prótese total de quadril por causa de OA do quadril e fraturas do quadril, com diferenças no padrão de alterações entre os dois grupos.