versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde vol.24 no.4 Brasília out./dez. 2015
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000400011
to describe the time interval between identification of patients with respiratory symptoms of tuberculosis and laboratory test results release, and between lab results release and commencement of treatment.
this was a descriptive study with data on patients suspected of having tuberculosis who attended public health services in Canoas-RS, Brazil, in 2012.
tests were performed in 1138 patients and positivity rate was 7.47%; medians between (i) patient identification and the sample entering the lab and (ii) processing time were 2 days (Interquartile Range [IQR] 1-3) and 3 days (IQR 1-4), respectively, for people with negative result; for patients who tested positive, these times were 2 days (IQR 1-3) and 2.5 days (IQR 1-4), and the time between release of test results and commencement of treatment was 3 days (IQR 0-5).
time intervals were considered long when compared to those recommended by the Ministry of Health.
Key words: Tuberculosis; Health Services Evaluation; Delayed Diagnosis
describir el tiempo transcurrido entre la identificación de un sintomático respiratorio para tuberculosis y la liberación del resultado laboratorial, y entre la obtención del mismo y el inicio del tratamiento.
estudio descriptivo que incluyó datos de pacientes con sospecha de tuberculosis que consultaron servicios públicos de salud en el municipio de Canoas-RS, Brasil, en 2012.
fueron examinados 1138 pacientes, siendo positivos 7,47%; las mediana de tiempo (i) entre la identificación del paciente y entrada de la muestra al laboratorio y (ii) el procesamiento fueron 2 (intervalo interquartílico [IIQ] 1-3) y 3 días (IIQ 1-4), respectivamente, para pacientes con resultado negativo; para pacientes con resultado positivo, los tiempos fueron 2 (IIQ 1-3) y 2.5 (IIQ 1-4) días y el tiempo entre liberación del resultado e inicio del tratamiento fue 3 días (IIQ 0-5).
los tiempos evaluados fueron considerados largos, comparados con los recomendados por el Ministerio de Salud.
Palabras-clave: Tuberculosis; Evaluación de Servicios de Salud; Diagnóstico Tardío
A tuberculose (TB) é uma doença infectocontagiosa, que afeta principalmente populações em situação de maior vulnerabilidade social.1 Em 2013, o Brasil registrou incidência de 35,4 casos de TB por 100 mil habitantes,2 e Canoas, município do estado do Rio Grande do Sul, 76,5 casos por 100 mil habitantes.3
O diagnóstico oportuno e o tratamento imediato são as principais estratégias de controle da TB.4 A baciloscopia direta do escarro é o exame mais utilizado para o diagnóstico de TB pulmonar, de acordo com o 'Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose' do Ministério da Saúde. A metodologia do exame consiste na visualização microscópica do bacilo da tuberculose após fixação em lâmina e coloração da amostra de escarro. O procedimento permite a identificação da principal fonte de infecção (pacientes bacilíferos) e a detecção de 60 a 80% dos casos, devendo ser solicitado para todos os sintomáticos respiratórios (pacientes com tosse por período igual ou superior a três semanas).5
O Ministério da Saúde recomenda que, a cada ano, 1% da população realize esse exame. As taxas de positividade esperadas variam de 3 a 4%. Após a coleta, o recomendado é que as amostras de escarro sejam enviadas ao laboratório e processadas imediatamente. Quando o resultado for positivo, o tempo para o início do tratamento não deve ultrapassar 48 horas.5 Nesse contexto, é fundamental avaliar o tempo entre a suspeita clínica e o início do tratamento, com vistas a contribuir para o aperfeiçoamento das ações de vigilância da TB, controlar a transmissão da doença e melhorar seu prognóstico.
Este estudo teve por objetivo descrever o (i) tempo entre a identificação do sintomático respiratório e a liberação do resultado laboratorial, para pacientes em geral, e o (ii) tempo entre a obtenção do resultado e o início do tratamento, para pacientes com baciloscopia positiva, no conjunto de sintomáticos respiratórios submetidos à baciloscopia em serviços públicos de saúde, em um município do sul do Brasil.
Foi realizado um estudo descritivo retrospectivo, com dados secundários. A população observada constituiu-se de todos os sintomáticos respiratórios para TB que procuraram serviços públicos de saúde no município de Canoas, entre 03/01/2012 e 30/12/2012. No período do estudo, Canoas contava uma população de 323.827 habitantes,6 servida por 27 unidades de atenção básica, das quais cinco realizavam coleta de escarro, e uma unidade de referência para tuberculose (Serviço de Tisiologia e Hanseníase) onde também era realizada a coleta de escarro.
Para a extração dos dados do Livro de Registro de Sintomáticos Respiratórios, disponível no Serviço de Tisiologia e Hanseníase, foram utilizados formulários estruturados, contendo questões referentes às datas de identificação do paciente, envio da amostra de escarro ao laboratório, liberação do resultado, resultado do exame baciloscópico em si (positivo ou negativo) e início do tratamento. Informações complementares foram obtidas do Livro de Registro de Baciloscopia e de Cultura para Diagnóstico, do Laboratório Municipal, assim como de exames e prontuários. Pacientes cujos registros estavam incompletos quanto a datas ou resultado dos exames foram excluídos do estudo. Os dados foram duplamente digitados e informações inconsistentes foram verificadas nos formulários em papel.
A análise partiu de uma descrição da proporção de sintomáticos respiratórios examinados em relação à população total do município, como também da porcentagem de positividade nos exames de baciloscopia. Os tempos (em dias) foram avaliados com o uso de medidas de tendência central (mediana) e de dispersão (intervalo interquartílico: IIQ). Para pacientes com resultado do exame negativo, foram avaliados dois tempos: o tempo transcorrido entre identificação dos sintomáticos respiratórios e a entrada da amostra de escarro no laboratório; e o tempo dispendido desde a entrada da amostra no laboratório até a liberação do resultado do exame (tempo de processamento). Para aqueles com resultado positivo para presença do bacilo, foi mensurado, ademais, o tempo entre a liberação do resultado e o início do tratamento. A associação entre o resultado do exame e os tempos decorridos entre a identificação do paciente e a entrada da amostra no laboratório, e de processamento do exame, foi avaliada pelo teste de Mann Whitney, para dados não paramétricos. As diferenças entre grupos quanto ao sexo (masculino e feminino) e faixa etária (até 44 anos e 45 anos ou mais, categorizada de acordo com a mediana de idade da população estudada) foram analisadas pelo teste de qui-quadrado. Foi considerado o nível de significância de 5%. Para as análises, foi utilizado o software Statistical Package for the Social Sciences, versão 18.0 (SPSS Inc, Chicago, USA).
Este estudo foi parte de um projeto multicêntrico, desenvolvido pela Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas e realizado em quatro municípios prioritários para o controle da tuberculose no Rio Grande do Sul. Ele foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pelotas - Parecer no 310.801 - e contou com a anuência da Secretaria Municipal de Saúde de Canoas.
Em Canoas, no ano de 2012, um total de 1.138 pessoas submeteram-se à baciloscopia. Este quantitativo representa 35,1% do número esperado para o município; ou seja 1% de 323.827 habitantes, dos quais 3.239 habitantes deveriam ter sido examinados. Logo, foram excluídos 30 registros (2,6%) por duplicidade e 291 (25,6%) por não conterem informação de data ou resultado do exame, resultando em 817 pacientes, 49,7% deles do sexo masculino. Entre os pacientes examinados, 61 (7,47%) tiveram resultado positivo (Figura 1); na comparação entre os sexos, 10,8% (n=44) dos homens e 4,1% (n=17) das mulheres tiveram baciloscopia positiva (p<0.01). A idade também mostrou-se associada ao resultado do exame, uma vez que baciloscopias positivas foram mais comumente encontradas entre pessoas mais jovens (p<0,01) (Tabela 1).
Figura 1 Fluxograma de seleção da população do estudo realizado no município de Canoas, estado do Rio Grande do Sul, 2012
Tabela 1 Descrição da população submetida à baciloscopia segundo sexo e faixa etária (n=817) no município de Canoas, estado do Rio Grande do Sul, 2012
a) Teste de qui-quadrado.
A mediana de tempo transcorrido entre a identificação do sintomático respiratório e a entrada da amostra de escarro no laboratório foi de 2 dias (IIQ 1-3), e o tempo de processamento, de 3 dias (IIQ 1-5), para pacientes com baciloscopia negativa. Para aqueles com baciloscopia positiva, esses tempos foram de 2 dias (IIQ 1-3) e 2,5 dias (IIQ 1-4), respectivamente. No que se refere ao resultado do exame, não foi encontrada diferença significativa nos tempos avaliados (Tabela 2). Quanto ao tempo entre a liberação do diagnóstico laboratorial e o início do tratamento de pacientes com exame positivo, a mediana foi de 3 dias (IIQ 0-5).
Tabela 2 Caracterização dos tempos entre identificação do paciente e entrada da amostra de escarro no laboratório e de processamento do exame, segundo características sociodemográficas, em sintomáticos respiratórios para tuberculose no município de Canoas, estado do Rio Grande do Sul, 2012
a) IIQ: intervalo interquartílico
b) Teste de Mann-Whitney.
Os resultados do presente estudo indicam que no município de Canoas, são realizadas menos baciloscopias (35,1%) que a proporção preconizada pelo Ministério da Saúde, e que a taxa de positividade é elevada (7,47%) quando comparada com a recomendada (3 a 4%). Os tempos entre a identificação do sintomático respiratório e a entrada da amostra de escarro no laboratório, da entrada da amostra à obtenção do resultado e, em caso de positividade, da obtenção do resultado ao início do tratamento, também foram mais elevados, em relação aos tempos recomendados pelo Ministério.5
É possível que o número de sintomáticos respiratórios examinados, abaixo do esperado, esteja relacionado a dificuldades de acesso ao atendimento e à falta de busca ativa no município, uma vez que a baixa taxa de descentralização dos serviços de saúde a prestar atendimento a TB pode limitar esse tipo de ação. Resultado semelhante foi encontrado por estudo realizado em 38 municípios de Goiás, entre 2003 e 2005: foram examinados 34,1% do número esperado de sintomáticos respiratórios, especialmente devido à baixa taxa de descentralização dos cuidados relativos à TB.7 Já no estado de São Paulo, onde as ações de busca ativa foram reforçadas, a proporção de sintomáticos respiratórios examinados aumentou de 33,6%, em 2003, para 65,1%, em 2011.8
Segundo o Ministério da Saúde, a coleta, conservação e transporte das amostras de escarro é responsabilidade dos serviços de saúde.5 Entretanto, nas unidades básicas de saúde (UBS) e no serviço de referência para TB de Canoas, não há local apropriado para a coleta de escarro, sendo o paciente orientado a realizá-la em sua residência e a levar a amostra à UBS ou ao serviço de referência. Com a decisão de repassar aos pacientes essa responsabilidade, assume-se o risco de que a coleta seja feita em local inadequado, podendo ocorrer problemas no armazenamento e transporte da amostra de escarro.9 Estudos realizados em diferentes regiões do país mostraram que deficiências no sistema logístico e de informação contribuem para o aumento no tempo entre identificação e diagnóstico, corroborando os achados desta pesquisa.7,10
A mediana do tempo de processamento foi de 3 dias para pacientes com baciloscopia negativa e de 2 dias para aqueles com baciloscopia positiva. Segundo pesquisa realizada no município de Pelotas-RS, entre 2007 e 2010, esse tempo foi de 0 a 3 dias em 48,8% da amostra;11 em Goiás, pesquisa realizada entre 2003 e 2005 encontrou um tempo médio de processamento do exame de 4,6 dias.7 Embora a mediana obtida no presente estudo seja inferior à encontrada em outros similares, todavia mostrou-se elevada em relação ao preconizado pelo Ministério da Saúde.6 O prolongamento do tempo de processamento pode contribuir para o atraso no início do tratamento, implicando pior prognóstico e maior tempo de exposição dos contatos à doença.12
O Ministério preconiza que o tempo entre o resultado positivo e o início do tratamento não ultrapasse 48 horas.5 Neste estudo, esse tempo foi de 3 dias, superior ao recomendado, porém inferior ao apresentado por outros estudos realizados no Brasil. Em Vitória-ES, estudo desenvolvido sobre o período entre 2003 e 2007 encontrou um tempo de 4 dias,13 e no Rio de Janeiro-RJ, pesquisa focada nos anos de 2006 a 2008 concluiu que esse tempo foi de 7 dias.14 A centralização do tratamento de TB apenas em unidades de referência pode explicar, em parte, o tempo mais elevado para início da terapia medicamentosa: a distância a percorrer entre o domicílio do paciente e o serviço de saúde pode-se interpor como uma dificuldade para o acesso ao tratamento.
Embora não se possa estabelecer uma distinção entre pacientes com baciloscopias positivas e negativas, em relação aos tempos de realização do exame, existe uma diferença entre eles no que tange aos determinantes demográficos. As quantidades de examinados por sexo foram semelhantes mas a de homens com resultado positivo foi superior. Embora cerca da metade das pessoas com resultado negativo para o exame fossem homens, eles representaram dois terços dos casos positivos. Esse perfil de sexo se assemelha ao encontrado por outros estudos locais, regionais15-18 e nacionais. No Brasil, em 2012, o coeficiente de incidência de TB em homens foi de 50,2 casos por 100 mil habitantes, 2,1 vezes superior ao encontrado para o sexo feminino.2
Quanto à idade, para o conjunto do país, a faixa mais acometida pela doença mostrou ser a de 40 a 59 anos (2012).2 No município de Belo Horizonte-MG, as pessoas mais frequentemente diagnosticadas com a doença encontravam-se na faixa etária de 30 a 49 anos.16 Um estudo realizado em Santa Cruz do Sul-RS indicou como idade média de diagnóstico, 40,7 anos15 e outra pesquisa, realizada em Porto Alegre-RS, apresentou idade média de 40,4 anos.17 Em Teresina-PI, a maior incidência de tuberculose foi observada aos 50 anos ou mais.18 O perfil diferenciado apresentado neste estudo, com pacientes diagnosticados mais jovens, possivelmente, deve-se ao fato de haver-se analisado apenas dados de pacientes submetidos ao exame de baciloscopia, frente a estudos que consideraram como denominador a população geral. Além disso, um grande percentual de adultos jovens com tuberculose indica transmissão recente e controle inadequado da doença, fato mais comum em países em desenvolvimento.19
Este trabalho teve como limitação a utilização de fontes secundárias. Foram analisados apenas dados de sintomáticos respiratórios que procuraram unidades de saúde para a realização do exame. Populações mais vulneráveis e com problemas de acesso aos serviços de saúde - e.g., usuários de drogas e moradores de rua -, justamente as mais afetadas pela doença, podem estar sub-representadas aqui.20 Sua inclusão poderia implicar percentual ainda maior de positividade nos resultados observados. Outrossim, devido à maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde por parte de contingentes marginalizados, os tempos dispendidos entre a coleta e a entrada da amostra de escarro no laboratório, bem como o tempo entre a liberação do resultado e o início do tratamento, poderiam ser mais elevados caso essa população fosse incluída no estudo. Por sua vez, a exclusão de registros incompletos pode ter agido no sentido contrário, haja vista a completude dos dados coletados ter sido maior entre pacientes com resultados positivo.
Recomenda-se uma reorientação dos serviços de saúde de Canoas, com aumento da busca ativa e descentralização desses serviços, no sentido de promover aumento do número de indivíduos examinados e redução do tempo entre a identificação dos sintomáticos respiratórios e o início do tratamento da tuberculose. É essencial que se dedique especial atenção a homens jovens, dado que os resultados apresentados apontam essa população como responsável por uma maior frequência de exames positivos. Além disso, a criação de salas para coleta de escarro poderia proteger os contatos dos casos e diminuir o tempo entre identificação do sintomático respiratório e entrada da amostra no laboratório. Essas são medidas importantes, capazes de contribuir tanto na redução da prevalência da doença quanto na melhoria de seu prognóstico.