versão impressa ISSN 1809-2950versão On-line ISSN 2316-9117
Fisioter. Pesqui. vol.27 no.1 São Paulo jan./mar. 2020 Epub 06-Abr-2020
http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/18047027012020
El presente estudio tuvo el objetivo de evaluar el desarrollo motor de niños de 4 a 17 meses de edad e investigar su asociación con factores de riesgo sociodemográficos. Es un estudio transversal, descriptivo, en el cual participaron niños de 4 a 17 meses de la unidad de hospitalización pediátrica de un hospital público en Porto Alegre (Brasil), clínicamente estables y con la espera de recibir el alta pronto. Para la evaluación de los factores de riesgo sociodemográficos, se utilizó un cuestionario desarrollado por los investigadores, que abordó los factores biológicos, sociales y ambientales. Para la evaluación del desarrollo motor, se utilizó la Alberta Infant Motor Scale en la versión traducida, adaptada y validada para la población brasileña. En el análisis estadístico, se aplicaron la prueba t de Student y la prueba chi-cuadrado, con un nivel de significación del 5% (p≤0,05). De 110 niños evaluados, más de la mitad de ellos (63,6%, n=70) tuvieron rendimiento motor inferior a lo esperado. Hubo una asociación estadísticamente significativa entre el desarrollo motor y las vacunas tardías (p=0,005), la convivencia con fumadores en el hogar (p=0,047) y el recibimiento de beneficios socioeconómicos (p=0,036). Se concluye que estos factores sociales pueden estar asociados con factores de riesgo para el desarrollo motor de niños de 4 a 17 meses.
Palabras clave Fisioterapia; Desarrollo Infantil; Factores de Riesgo; Vulnerabilidad Social
O desenvolvimento humano é um processo contínuo, relacionado à idade, que envolve mudanças sequenciais e complexas1), (2. Nesse processo adquire-se grandes e inúmeras habilidades psicomotoras, que evoluem de movimentos simples e desorganizados para habilidades altamente complexas3)- (5. Nas últimas décadas o perfil da morbidade infantil apresentou uma importante mudança: as doenças infecciosas, parasitárias e a desnutrição, antes prevalentes, estão dando lugar a um perfil com novas situações de morbidades, como exposição à violência, pais usuários de drogas, aumento da obesidade e sedentarismo, além de importantes iniquidades em saúde decorrentes das desigualdades econômicas, raciais e étnicas6.
Deste modo crianças que vivem em países de baixa e média renda estão, desde a primeira infância, mais vulneráveis às desigualdades e agravos que oferecem risco ao desenvolvimento. Esses déficits de desenvolvimento acumulados na primeira infância têm implicações negativas no funcionamento cognitivo e psicológico do adulto, bem como na sua escolaridade e renda futuras, contribuindo assim para desigualdades contínuas, geração após geração. Portanto evidencia-se que a exposição no período pré-natal e na primeira infância a fatores de risco biológicos e psicossociais afeta a estrutura e a função do cérebro, comprometendo o desenvolvimento das crianças e suas trajetórias de desenvolvimento no futuro7.
De acordo com relatório de 2016 sobre a situação mundial da infância4, para 2030 a expectativa é de que quase 120 milhões de crianças sofram atraso no crescimento, prejudicando seu desenvolvimento físico e cognitivo, com algumas consequências irreversíveis. Desse modo há evidências para afirmar que o desenvolvimento infantil, principalmente na primeira infância, deve ser prioridade em todos os setores; assim como a equidade para as crianças, visto que é de importância moral e estratégica investir nas pessoas mais necessitadas. Esses esforços são uma questão principalmente de vontade política, que devem se traduzir em ações por meio de políticas, programas e investimentos públicos centrados na equidade para melhorar a vida dos mais desfavorecidos8), (9.
Sabendo que o processo de desenvolvimento ocorre de maneira dinâmica e é suscetível a ser moldado a partir de inúmeros estímulos externos, é fundamental a identificação precoce de crianças expostas a fatores de risco, assim como a avaliação de seu desenvolvimento, a fim de minimizar prejuízos futuros10), (11.
Nesse contexto, considerando a importância da vigilância do desenvolvimento motor infantil, este trabalho teve o objetivo de avaliar o desenvolvimento motor de crianças de quatro a 17 meses e investigar sua associação com fatores de risco sociodemográficos.
Estudo transversal, descritivo, com amostra não probabilística por conveniência, de modo que participaram da pesquisa todos os sujeitos cujos pais se dispuseram a responder os questionários, desde que preenchessem os critérios de inclusão. Os dados foram coletados entre os meses de julho e dezembro de 2017, sendo a amostra constituída pelos pacientes hospitalizados na unidade de internação pediátrica do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV), em Porto Alegre (RS). Foram incluídas no estudo crianças entre quatro e 17 meses, clinicamente estáveis, sem suporte de oxigênio e com alta breve prevista, cujos pais ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) após serem esclarecidos sobre o estudo. Foram excluídas da pesquisa crianças: (1) com doenças neurológicas já diagnosticadas; (2) que participassem de programas de reabilitação física ou motora; ou (3) que, por algum motivo, não atenderam aos critérios de inclusão.
As avaliações foram conduzidas em uma sala do setor específica para esse fim, com mobília que permitisse a movimentação espontânea e segura das crianças.
Para obter informações gerais sobre a criança utilizou-se um questionário, elaborado pelas pesquisadoras, com base na literatura atual, que aborda de forma ampla os fatores biológicos, sociais e ambientais que podem ser considerados fatores de risco ao desenvolvimento motor. O questionário abordava as principais informações de saúde da criança, desde a gestação até a internação no momento da pesquisa, bem como informações relacionadas à saúde dos familiares e dados socioambientais. O questionário teve duração aproximada de 15 minutos e foi realizado na forma de entrevista.
Em seguida, para a avaliação do desenvolvimento motor foi utilizada a Alberta Infant Motor Scale (AIMS) (12, um instrumento de observação traduzido, adaptado e validado para a população brasileira13. A AIMS avalia o desenvolvimento motor de recém-nascidos a termo e pré-termo, a partir de 38 semanas de idade gestacional até 18 meses de idade corrigida, permitindo quantificar a movimentação espontânea e as habilidades motoras da criança a partir de 58 itens divididos em quatro subescalas, definidas pelas posições supina (9 itens), prona (21 itens), sentada (12 itens) e em pé (16 itens). Cada postura possui posições que o bebê assume e atribui-se um ponto, o que gera um escore no final. O escore das quatro posturas é somado e, dessa forma, origina-se um escore total bruto obtido pelo teste, o qual é convertido em nível percentual motor, comparando-o com níveis de indivíduos com idades equivalentes em amostras padronizadas em uma tabela, que vai de 0% a 100%. Com esse nível percentual motor, os bebês podem ser categorizados como: típico, suspeita de atraso e atraso12. Típico se o nível percentual for acima de 25%; suspeita de atraso se o nível percentual ficar entre 5% e 25%; e, por fim, atraso se o nível percentual ficar abaixo de 5%. Os avaliadores foram cegados e houve treinamento prévio de duas semanas com doutores na área. Essa escala foi gentilmente cedida pelo Grupo de Avaliação e Intervenção Motora da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A análise estatística descritiva foi realizada por meio do cálculo de frequência, porcentagem, média e desvio-padrão (DP), conforme a natureza dos dados. Foi utilizado o teste qui-quadrado para análise das frequências para variáveis dicotômicas. Realizou-se o cálculo da magnitude de efeito por meio do teste de Cohen para as variáveis que não apresentaram diferenças significativas no desempenho motor das crianças avaliadas. O nível de significância adotado foi de 5% (p≤0,05) para todos os testes, sendo utilizado para as análises o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0.
Foram avaliadas 110 crianças, com média de idade de 8,95 meses (DP±4,315), sendo 61 meninos (55,5%). Quanto à idade gestacional, 24 eram prematuros (21,8%), com idade gestacional inferior a 37 semanas, e 89 (80,9%) tinham peso adequado ao nascer. Das crianças avaliadas, 66 (60%) não possuíam nenhuma patologia de base e 91 delas (82,7%) estavam internadas por causas respiratórias, sendo que 70 (63,6%) estavam na segunda internação ou mais e 67 (61%) estavam com vacinas atrasadas. As características sociodemográficas da amostra estão descritas na Tabela 1.
Ainda se notou que 37,2% das crianças não têm a presença paterna em casa, 48,7% convivem com tabagismo no domicílio e apenas 13,9% frequentam creche. Quanto à família, 29% das mães não atingiram o número mínimo de seis consultas de pré-natal recomendadas pelo Ministério da Saúde14 e também 29% delas fumaram durante a gestação. A maioria dos responsáveis não concluiu o ensino fundamental (38,7% das mães e 28,1% dos pais), 61,1% têm renda de até dois salários mínimos, 51,9% recebem algum benefício socioeconômico e 41,7% das famílias relatam conviver com violência (Tabela 1).
Tabela 1 Características sociodemográficas da amostra
Variáveis | n | % | |
---|---|---|---|
Raça/cor (n=110) | |||
Branca | 53 | 48,2 | |
Preta, parda e indígena | 57 | 51,8 | |
Idade materna gestacional (n=108) | |||
Até 20 anos | 31 | 28,7 | |
21 anos ou mais | 77 | 71,3 | |
Idade paterna (n=100) | |||
Até 20 anos | 16 | 16 | |
21 anos ou mais | 84 | 84 | |
Renda (n=108) | |||
Até 2 salários mínimos | 66 | 61,1 | |
Mais que 2 salários mínimos | 42 | 38,9 | |
Benefício socioeconômico (n=108) | |||
Não | 52 | 48,1 | |
Sim | 56 | 51,9 | |
Saneamento básico (n=110) | |||
Não | 28 | 25,4 | |
Sim | 82 | 74,6 | |
Violência local (n=108) | |||
Não | 63 | 58,3 | |
Sim | 45 | 41,7 |
O valor de n (número) foi variável para cada característica, pelo fato de algumas informações não estarem disponíveis.
Quanto ao desenvolvimento motor, os resultados da AIMS estão demonstrados na Figura 1. Foi possível observar que o desempenho motor de mais da metade das crianças avaliadas (63,6%, n=70) encontra-se aquém do esperado.
A Tabela 2 mostra os resultados das análises da associação entre o desenvolvimento motor das crianças e os possíveis fatores de risco sociais observados. Das crianças com suspeita de atraso e atraso no desenvolvimento motor, 70% (n=49) estavam com as vacinas atrasadas, havendo associação entre essas duas variáveis (p=0,005). As crianças cujas famílias recebem benefício socioeconômico também apresentaram maior atraso no desenvolvimento motor (p=0,036). Ainda foi possível observar associação do desenvolvimento motor com a presença de tabagistas na casa (p=0,047).
Tabela 2 Classificação do desenvolvimento motor e sua associação com fatores de risco sociais
Variáveis | Típico | Suspeita de atraso | Valor p | Valor da | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | ||||
Idade materna gestacional | |||||||
Até 20 anos | 13 | 32,5 | 18 | 25,7 | p=0,447 | d=0,2126 | |
21 anos ou mais | 27 | 67,5 | 52 | 74,3 | |||
Vacinação em dia | |||||||
Não | 17 | 42,5 | 49 | 70 | p=0,005* | -d=0,0224 | |
Sim | 23 | 57,5 | 21 | 30 | |||
Consultas de pré-natal | |||||||
0 a 5 consultas | 8 | 20 | 23 | 32,9 | p=0,149 | d=0,1239 | |
6 ou mais consultas | 32 | 80 | 47 | 67,1 | |||
Tabagismo gestacional | |||||||
Não | 31 | 79,5 | 45 | 66,2 | p=0,144 | d=0,1218 | |
Sim | 8 | 20,5 | 23 | 33,8 | |||
Tabagismo em casa | |||||||
Não | 25 | 64,1 | 31 | 44,3 | p=0,047* | d=0,0695 | |
Sim | 14 | 35,9 | 39 | 55,7 | |||
Presença do pai em casa | |||||||
Não | 12 | 30 | 29 | 41,4 | p=0,233 | d=0,1551 | |
Sim | 28 | 70 | 41 | 58,6 | |||
Escolaridade materna | |||||||
EF incompleto | 20 | 50 | 38 | 54,3 | p=0,665 | d=0,26 | |
EF completo ou mais | 20 | 50 | 32 | 45,7 | |||
Escolaridade paterna | |||||||
EF incompleto | 11 | 27,5 | 23 | 32,9 | p=0,559 | d=0,2412 | |
EF completo ou mais | 29 | 72,5 | 47 | 67,1 | |||
Renda | |||||||
Até 2 salários mínimos | 20 | 51,2 | 46 | 66,7 | p=0,115 | d=0,1088 | |
Mais que 2 salários mínimos | 19 | 48,8 | 23 | 33,3 | |||
Benefício socioeconômico | |||||||
Não | 24 | 61,5 | 28 | 40,6 | p=0,036* | d=0,0608 | |
Sim | 15 | 38,5 | 41 | 59,4 | |||
Saneamento básico | |||||||
Não | 11 | 28,2 | 17 | 24,3 | p=0,653 | d=0,261 | |
Sim | 28 | 71,8 | 53 | 75,7 | |||
Violência local | |||||||
Não | 21 | 53,8 | 42 | 60,9 | p=0,477 | d=0,2226 | |
Sim | 18 | 46,2 | 27 | 39,1 | |||
Creche | |||||||
Não | 33 | 84,6 | 60 | 87 | p=0,735 | d=0,2772 | |
Sim | 6 | 15,4 | 9 | 13 |
EF: ensino fundamental; *: teste qui-quadrado; a: magnitude do efeito (d de Cohen): 0,2 a 0,4 - efeito pequeno. O valor de n (número) foi variável para cada característica, pelo fato de algumas informações não estarem disponíveis.
Para as demais variáveis avaliadas o teste não demonstrou associação estatisticamente significativas com o desenvolvimento motor, entretanto pode-se observar dados relevantes. Das crianças com atraso, 41,4% (n=29) não vivem com a presença paterna e 87% (n=60) não frequentam a creche. Sobre as mães, 25,7% (n=18) têm 20 anos ou menos, 33,8% (n=23) fumaram na gestação e 54,3% (n=38) não têm o ensino fundamental completo. Ainda na Tabela 2, para as variáveis que não apresentaram diferença estatística significativa no desempenho motor, está demonstrado o cálculo da magnitude de efeito, que demonstrou efeito pequeno (d=0,2 a 0,4) dessas variáveis quanto ao impacto no desenvolvimento motor.
Ao avaliar o desenvolvimento motor de 110 crianças de quatro a 17 meses de idade, este estudo constatou que grande parte delas (63,3%) demonstrou desenvolvimento motor aquém do esperado, com atraso ou suspeita de atraso para o desenvolvimento. Outros estudos recentes15), (16 com populações semelhantes e utilizando diferentes escalas também encontraram altos índices de atraso no desenvolvimento motor. Sá et al. (17 realizaram um estudo de avaliação e intervenção do qual participaram 100 lactentes com idade de zero a 18 meses, utilizando também a AIMS. A avaliação inicial verificou atraso no desenvolvimento motor de 55% das crianças, número semelhante ao encontrado em nosso estudo. Diante desse cenário, fica evidente a necessidade de que se despenda mais atenção e cuidado ao desenvolvimento infantil, não só por parte dos pesquisadores, mas principalmente pelos profissionais da saúde, da educação e pelo poder público, monitorando e acompanhando todas as faixas etárias, seja qual for o cenário a que pertençam.
Nosso estudo associou estatisticamente o desenvolvimento motor com a presença de tabagistas em casa (p=0,047), sendo também um resultado interessante o tabagismo materno na gestação, que demonstrou frequência alta (33,8%), embora não estatisticamente significativa (p=0,144). Diversos estudos18), (19) que avaliaram crianças de faixa etária semelhante ao deste encontraram associação significativa entre o atraso do desenvolvimento motor infantil e a exposição pré-natal ao tabagismo, tanto passivo quanto ativo. O estudo de Ribeiro, Perosa e Padovani20, composto por 65 crianças com idade de aproximadamente um ano, relatou associação significativa entre o tabagismo materno pós-natal e o desenvolvimento global das crianças, o que corrobora nossos achados. Ademais, um trabalho realizado na Grã-Bretanha e na Groenlândia21, avaliando crianças mais velhas, entre oito e nove anos, concluiu que os filhos de fumantes apresentaram maiores dificuldades motoras em comparação com as crianças de pais não fumantes, nos sugerindo que os efeitos da exposição ao tabagismo não se restringem à primeira infância, mas podem persistir nos anos subsequentes.
Acredita-se que, além de estar diretamente relacionada ao atraso no desenvolvimento, a frequente exposição ao tabagismo pode explicar outras situações, como o alto número de internações por causas respiratórias encontrado em nossa amostra, na qual 82,7% das crianças estavam internadas por esse motivo. Além dos prejuízos diretos e bem notórios causados pela exposição frequente à fumaça do cigarro, ela também está relacionada a hospitalizações frequentes, como observadas na nossa amostra, em que 63,6% da população estudada encontrava-se na segunda internação ou mais. Assim, entende-se que as frequentes hospitalizações também impactam na qualidade de vida, à medida que crianças hospitalizadas sofrem com experiências de limitação física, dor, medo, falta à escola, além de ficarem afastadas do cotidiano e da família22. Tudo isso também afeta indiretamente o desenvolvimento, e remete à importância de os profissionais de saúde fornecerem informação e orientação aos familiares quanto a esses prejuízos tão sérios, que podem ser evitados.
Quanto às variáveis socioeconômicas, neste estudo a renda familiar e o atraso no desenvolvimento motor foram independentes (p=0,115). No entanto, ao observar que o maior percentual de participantes do estudo tinha renda familiar de dois a três salários mínimos, optou-se por verificar também a associação do atraso motor com o recebimento de algum benefício socioeconômico. Dentre os benefícios, o mais citado pelos responsáveis foi o Bolsa Família, cuja população alvo é de famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, com renda mensal de, no máximo, 170 reais por pessoa23. Esta análise demonstrou associação estatisticamente significativa (p=0,036), confirmando a baixa renda familiar como fator de risco para o desenvolvimento infantil. Ainda, analisando os resultados da tabulação cruzada do teste estatístico para a renda familiar e o atraso no desenvolvimento verificou-se que, nas categorias suspeitas de atraso no desenvolvimento cuja renda é de até dois salários mínimos, o número de casos esperados, se as variáveis fossem independentes, foi de 42,2 crianças e o número de casos encontrados foi de 46 crianças; ou seja, se o número de casos esperados foi menor que o número de casos encontrados, rejeita-se a hipótese de independência. O mesmo ocorreu nas categorias desenvolvimento típico com renda superior a dois salários mínimos, sendo 19 o número de casos ocorridos e 15,2 a contagem esperada.
Vários estudos24)- (27) demonstraram que a renda foi considerada um fator de risco significante quando relacionada ao desenvolvimento infantil. Crestani et al. (24 avaliaram 182 díades mãe-bebê, entre zero e 18 meses, e concluíram que nas famílias em que a renda per capita era menor que 200 reais, a chance de a criança ter o desenvolvimento comprometido foi seis vezes maior em relação às crianças do grupo com renda superior a 200 reais per capita. Do mesmo modo, Wei et al. (25 desenvolveram um estudo que avaliou o desenvolvimento de crianças de um a 35 meses por meio de um questionário que envolvia cinco domínios: comunicação, função motora grossa, função motora fina, resolução de problemas e relação pessoal-social. Ao final do estudo, os autores concluíram que a renda familiar foi associada ao desenvolvimento infantil em todos os domínios avaliados, incluindo as funções motoras, o que vem de encontro ao nosso estudo.
Ainda foi possível observar neste trabalho que, embora sem associação estatisticamente significativa, a maioria das mães (54,3%) não possuía ensino fundamental completo e 25,7% tinham 20 anos ou menos. Conforme a literatura, diferentes pesquisas26)- (29 demonstraram associação entre o nível de escolaridade materno e os escores de desenvolvimento, avaliados por diferentes escalas e com populações semelhantes. Pereira, Saccani e Valentini27) avaliaram 49 bebês de três a 16 meses utilizando a AIMS, assim como no nosso estudo, e observaram associações significativas entre desenvolvimento motor, renda e escolaridade, tanto materna quanto paterna, sugerindo que fatores ambientais se sobressaem aos biológicos quanto a essa influência.
Desse modo, compreende-se que a renda da família tem estreita relação com o desenvolvimento da criança, já que uma boa condição econômica pode oferecer melhor espaço físico, brinquedos, experiências de lazer, entre outros, além de melhores condições gerais para a família. Ou seja, a renda é diretamente responsável pela qualidade de vida dessas crianças30), (31. Assim, ressalta-se a importância de monitorar o desenvolvimento infantil, principalmente daqueles em condições de vida desfavoráveis, a fim de reduzir a probabilidade de esses fatores de risco provocarem consequências negativas e até irreversíveis.
Em nosso estudo também foi possível verificar associação entre o atraso no desenvolvimento motor e o esquema vacinal incompleto (p=0,005). Na literatura pesquisada, são escassos os trabalhos relacionando essas duas variáveis. Veleda, Soares e César-Vaz32 pesquisaram o desenvolvimento neuropsicomotor de 220 crianças de oito a 12 meses de idade e observaram que aquelas com esquema vacinal incompleto correm duas vezes mais risco de ter desenvolvimento suspeito do que as crianças com a vacinação em dia, embora essa associação tenha apresentado apenas uma tendência à significância. Pedraza, Sales e Menezes33 avaliaram 353 crianças com idade entre seis e 72 meses e encontraram associação estatística significante do atraso vacinal com o déficit de estatura e com a renda familiar per capita inferior a 0,5 salários mínimos. Ou seja, além de as crianças com as vacinas atrasadas terem menor estatura, elas prevalecem nos grupos mais desfavorecidas economicamente.
Diferentes estudos34), (35) encontraram associação entre o esquema de vacinação incompleto das crianças com a renda da família e também com a escolaridade dos responsáveis. Sugerem que esses fatores contribuem com o atraso no desenvolvimento, por diversos fatores: pela dificuldade de acesso ao serviço de saúde, por questões de transporte, carência de unidades de saúde nas áreas mais periféricas, desconhecimento da importância das vacinas por parte dos responsáveis, difícil compreensão das orientações dos profissionais de saúde, entre outros. Assim, alguns estudos36)- (38) atentaram para os determinantes nas vacinas atrasadas. Os principais motivos citados pelos responsáveis para o atraso foram a falta de vacinas nos postos; adoecimento da criança no dia da vacina; falta de tempo dos cuidadores; distância da unidade de saúde; descuido ou esquecimento por parte do cuidador; dificuldade de entendimento entre os responsáveis e os profissionais; e a impossibilidade de comparecer ao serviço de saúde, em razão do horário de trabalho ou da saúde dos cuidadores. Todos esses determinantes chamam atenção para a importância de o Estado garantir serviços de atenção à saúde que alcancem a todos, bem como para a importância das unidades de saúde desenvolver estratégias e ações que considerem suas especificidades locais, na busca de diminuir os índices de não vacinação.
Acredita-se que vacinas atrasadas acabam por influenciar o desenvolvimento infantil indiretamente, já que a não imunização traz consigo a possibilidade de adquirir doenças e morbidades que oferecem risco à saúde da criança. Por isso a cobertura vacinal é um indicador tão importante e merece atenção especial, em todos os níveis da saúde, assim como os demais fatores biológicos, sociais e ambientais discutidos neste estudo.
Algumas limitações deste estudo devem ser consideradas. Nossa amostra pequena, de 110 crianças, não permite que a análise estatística seja mais robusta, nem que nossos resultados sejam extrapolados para a totalidade da população. O questionamento sobre a renda familiar em salários mínimos também pode ter prejudicado a análise dos resultados, o que talvez não tivesse ocorrido caso a variável fosse medida na forma de renda per capita. Outro aspecto a ser considerado foi a impossibilidade de precisar o tempo total de internação das crianças, já que o estudo não as acompanhou até o fim da internação. Além disso, notou-se que houve certa omissão de dados nas respostas dos responsáveis, especialmente quanto aos questionamentos sobre o uso de drogas ilícitas e outras substâncias psicoativas, mesmo tendo sido esclarecidos sobre o objetivo das questões e sobre o sigilo dos dados colhidos, o que pode ter influenciado de alguma maneira nossos resultados.
O estudo identificou fatores sociais como vacinas atrasadas, a convivência com tabagistas em casa e o recebimento de benefício socioeconômico como fatores de risco ao desenvolvimento motor de crianças de quatro a 17 meses. Os resultados demonstram a importância da atuação fisioterapêutica não apenas no âmbito hospitalar, mas também na atenção primária e secundária, serviços que estão mais próximos das famílias e onde estas são assistidas com mais frequência.
Dados dessa natureza se mostram importantes, não só para a comunidade científica e para o campo da fisioterapia, mas também para toda a população, já que a identificação precoce desses fatores de risco permite que ações preventivas sejam desenvolvidas, evitando assim consequências negativas ao desenvolvimento de nossas crianças. Desde 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente garante por lei a proteção integral à criança e ao adolescente, abordando de maneira abrangente a garantia de que usufruam todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, bem como desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade, sendo dever de todos - família, comunidade, sociedade e poder público - assegurar esses direitos, sem nenhum tipo de discriminação.
Tendo conhecimento de todos esses fatores de risco, é dever do fisioterapeuta participar da identificação, prevenção, promoção e reabilitação das crianças em risco ou já comprometidas. Os resultados deste estudo ressaltam que, além da vigilância e de ações preventivas, há necessidade de construir políticas públicas voltadas à garantia do pleno desenvolvimento infantil, assegurando melhor qualidade de vida e bem-estar biopsicossocial não só da criança, mas de todo seu grupo sociofamiliar.