versão impressa ISSN 0047-2085
J. bras. psiquiatr. vol.63 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000031
We performed a systematic literature review in order to assess the hypothalamic-pituitary-adrenal (HPA) axis activity in depressed considering the baseline measurements of the hormones of this axis and perform a critical analysis of the methodologies used.
We performed search for articles in the databases PubMed and SciELO. In the first database, was introduced the keywords: “depressive disorder”, “HPA axis” and in the second used the terms “depression” or “depressão” and “HPA” or “HPA axis”. We limit to research in adult humans, in English and Portuguese, from the year 2000 until 2011.
Of the 27 selected articles, obtained HPA axis hyperactivity, unregulated activity, hypoactivity or remains unchanged. These results depend on the variables and hormones studied, collected fluid: plasma, urine, saliva, cerebrospinal fluid; the time of collection, the number of collections, the subtype of the depressive disease, among others.
The results do not have consensus on HPA activity. Considering the variables studied, the HPA axis, in most cases, it appears dysfunctional in the presence of depression.
Key words: Depression; HPA axis; systematic review; critical analisys; baseline measurement; cortisol
A depressão é caracterizada por uma ampla gama de sintomas como: humor deprimido, perda de interesse ou de prazer, energia reduzida, levando à fatigabilidade aumentada e atividade diminuída. Também o cansaço marcante após esforços leves é comum. Acrescenta-se, ainda, que a concentração e a atenção reduzidas e o pessimismo com o futuro e as ideias ou atos autolesivos ou suicidas são comuns1,2. Além desses sintomas, o quadro é geralmente acompanhado de alterações orgânicas como os transtornos de sono, do apetite e da função sexual, da perda ou ganho de peso e do retardo ou agitação psicomotora3.
A depressão é a causa mais comum de morbidade psiquiátrica em adultos em todo o mundo. Ela tem importante consequência psicossocial e está associada ao aumento da incidência de doença cardíaca4, de hipertensão5, de diabetes6 e de alterações no colesterol7.
Um problema-chave do diagnóstico é o fato de que os elaborados sistemas de classificação hoje existentes se baseiam somente em descrições subjetivas dos sintomas. Durante o estresse agudo ocorrem respostas fisiológicas adaptativas, incluindo aumento da secreção adrenocortical de hormônios, principalmente de cortisol. A hipótese é de que a disfunção contínua do sistema do estresse, caracterizada pela hiper ou hipoatividade do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA), tem um papel em várias condições, incluindo uma gama do espectro depressivo8. Entre as alterações endocrinológicas em pessoas deprimidas, a alteração mais estudada é a do eixo HPA. Após um evento estressante, o hipotálamo libera o hormônio liberador da corticotrofina (CRH), que é transportado para a hipófise anterior, onde estimula a secreção do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH)9. Este é liberado e transportado para a glândula adrenal. Nela há produção e liberação do glicocorticoide cortisol, entre outros hormônios. Quando os níveis de cortisol estão aumentados, ocorre feedback negativo, levando a um efeito inibitório à liberação hormonal em um ou vários pontos de liberação dos hormônios retromencionados8-10. Os glicocorticoides, então, interagem com seus receptores em múltiplos tecidos-alvo, incluindo o eixo HPA, onde são responsáveis pela inibição negativa por feedback da secreção do ACTH pela pituitária e do hormônio liberador de corticotrofina (CRH) pelo hipotálamo. Embora os glicocorticoides regulem a função de quase todos os tecidos do corpo, o efeito fisiológico mais conhecido desses hormônios é a regulação do metabolismo energético. Os efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores dos glicocorticoides são evidentes em doses farmacológicas, ao passo que, fisiologicamente, esses hormônios possuem importante papel regulatório no sistema imunológico. Os efeitos dos glicocorticoides são mediados pelos receptores de glicocorticoides (RG). Vários estudos têm demonstrado que a função do RG se encontra prejudicada na depressão maior, resultando em reduzido feedback negativo mediado por RG no eixo HPA e produção e secreção aumentadas de CRH em várias regiões cerebrais possivelmente envolvidas na etiologia da depressão. O conceito da sinalização deficiente pelo RG é um mecanismo-chave na patogênese da depressão. Os dados indicam que os antidepressivos têm efeitos diretos no RG, conduzindo à função intensificada e à expressão aumentada do RG. O mecanismo de alteração desses receptores envolve também componentes não esteroides, tais como citocinas e neurotransmissores. As pesquisas nessa área estão conduzindo a novos insights na fisiopatologia e tratamento dos transtornos afetivos8-10.
Juruena e Cleare11 revisaram a relação dos subtipos de depressão, em que atividade do eixo está aumentada em depressão crônica grave e melancólica e está diminuída em depressão atípica e sazonal. Dessa forma, o subtipo melancólico com hiperestimulação noradrenérgica e do eixo HPA parece estar associado a uma função reduzida do autorreceptor da 5-HT1A e, portanto, à ativação serotonérgica intensificada do eixo HPA, assim como uma reação autoimune na fase aguda. Esta última contribui para a estimulação do eixo HPA e reduz a inibição do feedback negativo pelos receptores de corticosteroides. Por outro lado, os pacientes com depressão atípica e baixa atividade do eixo HPA parecem ter estimulação aferente noradrenérgica e serotonérgica reduzidas, possivelmente devido à reduzida síntese de serotonina (5-HT) e, ao contrário dos pacientes melancólicos, uma função prejudicada do autorreceptor da 5-HT1A sem hipercortisolismo. Enquanto o debate relativo aos melhores critérios clínicos para definir depressão continuam, os dados existentes propõem que a fisiopatologia neuroendócrina é diferente, inclusive oposta à observada em pacientes com depressão melancólica. De fato, reconhece-se que a hiperestimulação do eixo HPA e a função hipernoradrenérgica estejam relacionadas à depressão melancólica, assim como existem evidências dos níveis aumentados de cortisol plasmático e aumento da secreção do CRH em quadros melancólicos. Por outro lado, existem dados crescentes demonstrando que a hipoatividade do eixo HPA, a menor atividade do CRH, possivelmente a secreção de cortisol abaixo do normal e a diminuição da atividade das vias noradrenérgicas aferentes estão presentes em pacientes com características atípicas de depressão11.
O cortisol é o hormônio principal de resposta ao estresse e alterações de seu nível de liberação ou do nível dos hormônios citados podem levar a transtornos neuroendócrinos importantes. Estudos realizados mostram que, em deprimidos, o eixo HPA pode estar alterado, apresentando sua atividade aumentada ou diminuída, ou seja, o eixo pode estar em hiperatividade ou hipoatividade, resultando em níveis basais dos hormônios desse eixo aumentados ou diminuídos respectivamente. Sua atividade também pode estar desregulada, e essa alteração pode se dar devido ao nível aumentado de um dos hormônios em diferentes horários do dia e inalterado ou diminuído em outros. Além do mais, um dos hormônios pode estar com seu nível alterado, enquanto outro não, mostrando uma desregulação do mecanismo de feedback8,9. Em um artigo de revisão, Manica et al.12 referem uma série de relatos demonstrando que alterações no eixo HPA de deprimidos causa nível plasmático alto de cortisol. O estresse causado pela depressão leva à hiperatividade do eixo HPA devido a aumento na secreção do CRH pelo hipotálamo e hiper-responsividade do córtex adrenal pelo ACTH. Segundo Holsboer e Barden13, a hiperatividade do eixo HPA na depressão maior é um dos mais consistentes achados em psiquiatria. Uma significante porcentagem de pacientes tem apresentado concentrações altas de cortisol no plasma, urina e fluido cerebroespinhal (FCE), uma resposta exagerada do ACTH e alargamento da pituitária e glândula adrenal, e estes se relacionam com a depressão melancólica.
Embora existam muitas pesquisas que resultam em hiperatividade do eixo HPA, existem autores cujos artigos de revisão demonstram que a resposta do eixo depende do tipo de depressão11,14. Mello et al.15 estudaram sobre a relação entre estresse, eixo HPA e depressão e concluíram que as alterações desse eixo dependem de diversos fatores, entre eles a gravidade e o tipo de depressão, o genótipo, história de trauma na infância, temperamento e, provavelmente, resiliência.
Para avaliar o estado endócrino de uma pessoa, existem testes de laboratório que podem envolver dosagens dos níveis basais de hormônios, bem como testes dinâmicos. Em relação ao primeiro, sabemos que, ao longo dos anos, foram desenvolvidos ensaios para dosar os hormônios nos fluidos corporais. Como exemplo temos o radioimunoensaio (RIE), o ensaio imunorradiométrico (EIRM), a eletroquimioluminescência (EQL), a quimioluminescência (QL), o radioensaio (RE), entre outros. Em relação aos testes dinâmicos ou de estímulo, dá-se um hormônio que estimula a liberação de outro hormônio. Quando se testa a supressão do eixo HPA, um glicocorticoide sintético como a dexametasona suprime a secreção de ACTH e, na ausência ou diminuição dele, a glândula suprarrenal ou adrenal deixa de secretar cortisol. Contrastando com pessoas com sua glândula em estado normal, pacientes deprimidos podem permanecer hipercortisolêmicos em decorrência da crônica hiperatividade do eixo HPA8,9.
Em estudos pioneiros, Carrol et al.16 encontraram que pacientes deprimidos não apresentavam supressão ao teste de supressão da dexametasona, o que demonstrava hiperatividade do eixo HPA refletindo em hipercortisolemia. Desde então, muitos autores têm utilizado diferentes testes para avaliar o funcionamento do eixo HPA na depressão.
Sabe-se que existem formas de minimizar o viés do estudo por meio de critérios de exclusão. Para estudos do eixo HPA que visem avaliar as condições basais, devemos avaliar a condição física e excluir sujeitos que sejam usuários de mais do que 25 cigarros por dia e/ou que apresentem doença viral precedendo duas semanas ou durante o procedimento. Além disso, gravidez ou lactação, dependência de álcool e/ou drogas ilícitas e doença física e psiquiátrica significante alteram as condições basais. Deve-se também excluir outras doenças psiquiátricas. Em relação aos participantes do grupo controle, é necessário avaliá-los por meio de uma história clínica completa e exame físico, devendo-se incluir os indivíduos saudáveis que não fizerem uso de medicações psicotrópicas e/ou hormonais (incluindo contraceptivos orais); devem ser excluídos do estudo aqueles que tiverem história pessoal ou familiar (de primeiro grau), prévia ou atual, de doença psiquiátrica, além de se realizarem testes de urina para uso de drogas ilícitas e gravidez antes do início do estudol17.
Considerando que existem controvérsias em relação ao funcionamento do eixo HPA na depressão, faz-se necessária uma busca de estudos metodologicamente bem realizados que avaliem a atividade do eixo e forneçam informações que permitam entender os motivos que levam às variadas respostas dele. Nosso objetivo é realizar revisão sistemática da literatura e avaliar criticamente os modelos metodológicos existentes nos artigos que avaliem o funcionamento do eixo neuroendócrino HPA por meio de medidas basais dos hormônios.
Foi realizada busca de artigos nas bases de dados PubMed e SciELO. Na primeira base de dados, introduziram-se as palavras-chave “depressive disorder” e “HPA axis”. Evitou-se a palavra-chave “depression”, porque ela amplia a pesquisa para qualquer assunto que envolva a palavra, sem que, necessariamente, haja o transtorno depressivo. Para a segunda base de dados, o termo “depression” ou “depressão” foi mais adequado, porque era necessário ampliar o número de referências, além de se associarem as palavras-chave: “HHA” ou “HPA axis”. Foram utilizados os seguintes limites: pesquisa em humanos adultos, com idade superior a 18 anos, em inglês e português, a partir do ano 2000. Refinou-se a busca por meio da pesquisa sistemática nos resumos dos artigos, incluindo-se aqueles que avaliem o funcionamento do eixo neuroendócrino HPA mediante medidas basais dos hormônios em pessoas deprimidas nas bases de dados PubMed e SciELO.
Nesta revisão serão incluídos somente os estudos que fornecem informação direta do estado do eixo HPA, ou seja, por meio das medidas dos níveis dos hormônios no seu estado basal em pacientes deprimidos. Dessa forma, não serão incluídos artigos com desafios, nos quais são utilizados medicamentos ou hormônios para avaliação do funcionamento do eixo HPA. Somente serão incluídos estudos com testes, sejam eles farmacológicos ou psicológicos, se houver análise dos resultados em separado, ou seja, se no estudo houver avaliação do eixo no seu estado basal e, depois, for realizado algum teste. Somente os resultados antes do teste serão considerados para a revisão presente.
Além do descrito, os critérios de exclusão utilizados no estudo de revisão considerando as bases de dados pesquisadas, assim como o número total de artigos e o número de artigos excluídos, repetidos, incluídos e selecionados, encontram-se na figura 1.
Dos 27 artigos selecionados, o número de publicações que avaliaram a atividade desse eixo por meio de medidas basais encontra-se como se segue na figura 2.
Entre os anos 2000 e 2011, tem-se que aproximadamente 60% das pesquisas realizadas sobre o tema citado ocorreram nos anos 2003-2004 e 2007-2008.
Entre os estudos, diversas foram as variáveis estudadas em deprimidos. Em 16 estudos tivemos variáveis em comum: em quatro, o paciente apresentava depressão na fase de remissão ou recuperação18-21; em outros quatro, o que tornava os estudos parecidos era o fato de terem estudado o eixo em subtipos de depressão22-25; em dois, estudou-se a interferência de eventos diários pelos quais passam as pessoas na atividade do eixo21,26; em outros dois estudos, os autores optaram por avaliar o ritmo circadiano e/ou ultradiano do eixo27,28; em mais dois estudos, verificou-se a resposta do eixo HPA em deprimidos, comparando com outra doença psiquiátrica28-30; finalmente, em dois estudos, focou-se na interferência do sistema renina-angiotensina-aldosterona no eixo HPA31.
As variáveis estudadas encontram-se como se segue na tabela 1.
Tabela 1 Tipos de variáveis estudadas no eixo HPA em deprimidos e número de estudos
Variável | Número de estudos |
Depressão remitida | 4 (14,8%) |
Subtipos de depressão | 4 (14,8%) |
Eventos diários | 2 (7,4%) |
Ritmo circadiano e/ou ultradiano | 2 (7,4%) |
Depressão comparada com outra doença psiquiátrica | 2 (7,4%) |
SRAA | 2 (7,4%) |
Gravidade da depressão | 1 (3,7%) |
Fases do ciclo menstrual | 1 (3,7%) |
Sintomas dissociativos | 1 (3,7%) |
Diferenças entre homens e mulheres | 1 (3,7%) |
Tentativa de suicídio | 1 (3,7%) |
Curso da depressão | 1 (3,7%) |
Variabilidade intraindividual | 1 (3,7%) |
Análise estatística | 1 (3,7%) |
Ultrarrisco para psicose | 1 (3,7%) |
Perfil lipídico e adiposidade | 1 (3,7%) |
Vulnerabilidade biológica | 1 (3,7%) |
Pulsatilidade do hormônio | 1 (3,7%) |
Total | *26 (96,23%) |
* A soma de variáveis é de 28, porque em dois estudos usaram-se duas variáveis. A soma de estudos que utilizou de variáveis na depressão foi de 26 (96,23%). Em um estudo, relacionou-se apenas a depressão com o eixo HPA, sem associar alguma variável específica.
Entre os artigos, o cortisol foi estudado em todos eles18-44, seguido por ACTH19,22,24,27,28,31,35,40 e prolactina29,38. O sulfato de dehidroepiandrosterona (DHEA-S)32 e o CRH36 só apareceram em um estudo cada. Na maior parte dos estudos, houve hiperatividade18,20,22-25,29,30,32,34,42-44 ou a atividade do eixo HPA estava desregulada21,27,28,31,35,37,38-41. Em poucos estudos, havia hipoatividade19,26,36 do eixo ou não havia alteração33. Na figura 3 ilustramos os resultados considerando o tipo e a quantidade de hormônios estudados no total e a proporção desses hormônios em relação à atividade do eixo.
A seguir, caracterizamos os estudos, conforme a atividade do eixo, analisando os principais resultados, conforme as respostas e a função do eixo HPA em deprimidos. Busca-se, dessa forma, compreender os motivos que levaram a essas diferentes respostas.
Considerando os 13 estudos que geraram a hiperatividade, temos que a faixa etária variou de 18 até 66 anos de idade, predominando o sexo feminino em todos os estudos, exceto um22 em que no grupo controle havia mais homens (52,94%). O número de participantes variou de 12 a 1.029, e em 918,20,22-24,29,30,32,44 estudos esse número não ultrapassou 100 e em quatro25,34,42,43 estudos havia mais de 100 pessoas estudadas. Nove estudos18,22,24,25,30,32,34,44 eram do tipo caso-controle, prospectivo; dois42,43 estudos eram do tipo coorte prospectivo e dois23,29 estudos eram prospectivos não controlados. Em todos os estudos, o diagnóstico de depressão foi baseado nos critérios diagnósticos do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV). As escalas aplicadas para avaliar a gravidade da depressão foram a Escala de Avaliação de Depressão de Hamilton (HAM-D) em quatro estudos, e em dois estudos a escala era de 17 itens20,32 e em um22 era de 21 itens. Em um34 desses estudos, associou-se à HAM-D de 17 itens o Inventário de Depressão de Beck (BDI). Em quatro18,23,24,44 estudos utilizou-se a Escala de Avaliação para Depressão de Montgomery-Asberg (MADRS), em três25,42,43, o Inventário de Sintomatologia Depressiva (IDS), e em dois29,30, o BDI-II. A gravidade da depressão variava de moderada a grave. Entre os hormônios, o cortisol foi estudado em todos18,20,22-25,29,30,32,34,42-44, seguido pelo ACTH4,25,35, prolactina38 e DHEA-S32. Considerando esses cinco estudos, dois hormônios diferentes foram avaliados, sendo três22,24,25 com cortisol e ACTH, um com cortisol e prolactina29 e outro com cortisol e DHEA-S32. Os fluidos utilizados para detecção do nível dos hormônios foram: plasma22-24,29,32, saliva18,20,29,30,42-44 e urina34. Em sete estudos, os participantes usaram medicamentos antidepressivos23,25,29,32,43,44, benzodiazepínicos23,32,43,44, antipsicóticos23 e anticoncepcionais32. Entre esses, em dois estudos43,44 foram usados antidepressivo e benzodiazepínico, em outros dois25,29, somente antidepressivo; em um32 estudo foram usados três medicamentos (antidepressivo, benzodiazepínico e anticoncepcional) e em outro23 foram usados antidepressivo, benzodiazepínico e antipsicótico. Em seis estudos18,20,24,30,34, não houve uso de medicamento nos dias próximos da coleta de dados. Para avaliar o nível de hormônio estudado, o número de amostras variou de 1 até 144 em um dia.
Levando-se em conta os 10 estudos que encontraram uma resposta desregulada do eixo HPA, a faixa etária variou de 18 a 74 anos. Quanto à proporção homem/mulher, o sexo feminino predominou em três estudos21,31,39 e o masculino, em outros três27,35,41. Dois28,38 estudos foram realizados somente com mulheres e um40 somente com homens, e em um37 estudo não houve informação quanto ao gênero dos participantes. O número de participantes variou de 7 a 77. Nove21,27,28,31,35,37-40 estudos eram do tipo caso-controle, prospectivo e um41 estudo era prospectivo não controlado. Em oito estudos, o diagnóstico de depressão foi realizado por meio dos critérios diagnósticos do DSM-IV21,28,31,35,37-39,41; em dois27,40 foi baseado no DSM III-R. A escala HAM-D foi aplicada para avaliar a gravidade da depressão em nove estudos (em dois27,40 estudos foi utilizada a HAM-D de 21 itens e em um21, a de 17. Nos outros estudos28,31,35,37,41 não se especificou de quantos itens a escala era e em um39 desses foram utilizados a HAM-D e o BDI-II e a MADRS em um38, e a gravidade da depressão variava de moderada a grave. Entre os hormônios, o cortisol foi estudado em todos, seguido pelo ACTH27,28,31,35,40 e prolactina38. Considerando esses seis estudos, dois hormônios diferentes foram avaliados, sendo cinco com cortisol e ACTH27,28,31,35,40 e um com cortisol e prolactina38. Os fluidos utilizados para detecção do nível dos hormônios foram: plasma27,31,35,37,38,40,41, saliva21,39 e urina28, e nenhum estudo utilizou de mais de um fluido. Em quatro21,35,39,41 estudos, os medicamentos mais utilizados foram antidepressivos21,35,39,41, benzodiazepínicos21,35,39,41, antipsicóticos21,35, estabilizadores de humor35 e anticoncepcionais21,39. Em seis estudos27,28,31,37,38,40, não houve uso de medicamentos. Para avaliar o nível de hormônio estudado, o número de amostras variou de 1 até 72 em um dia.
Em relação aos três estudos que geraram hipoatividade do eixo HPA, temos que a faixa etária variou de 29 a 61 anos e o sexo feminino predominou em todos eles. O número de participantes variou de 16 a 45. Os três estudos eram do tipo caso-controle, prospectivo. Em dois estudos19,26, o diagnóstico de depressão foi realizado por meio dos critérios diagnósticos do DSM-IV; em um36, foi baseado no DSM-III. A HAM-D foi aplicada para avaliar a gravidade da depressão em todos. Os deprimidos apresentaram depressão moderada a grave. Entre os hormônios, o cortisol foi estudado em todos, seguido pelo CRH36. Em um36 estudo, dois hormônios diferentes foram avaliados, sendo eles o cortisol e o CRH. Os fluidos utilizados para detecção do nível dos hormônios foram: saliva19,26,36, urina19,36 e fluido cerebroespinhal36; em três19,26,36 estudos foram utilizados saliva, em dois19,36, urina e em um36, FCE. Em dois26,36 estudos, os participantes usaram medicamentos, em um19, não. Para avaliar o nível de hormônio estudado, o número de amostras variou de 1 a 10 por dia.
Em relação ao estudo que não gerou alteração da atividade do eixo, temos que a faixa etária variou de 22 a 40 e somente foram estudadas pessoas do sexo feminino. O número de participantes variou de 12 a 15. O estudo era caso-controle, prospectivo. O diagnóstico foi baseado nos critérios diagnósticos do DSM-IV e não foi referida a escala utilizada para avaliação da gravidade da depressão. O hormônio avaliado foi o cortisol na saliva. As participantes usaram medicamentos tanto antidepressivos quanto benzodiazepínicos, e o número de amostras foi de 12 por dia, repetidas por quatro vezes ao longo de um mês.
Os principais resultados encontrados nos 27 estudos selecionados como descrito anteriormente se encontram na tabela 2.
Tabela 2 Distribuição dos resultados segundo a atividade do eixo
Hiperatividade: 13 (48,15%) | Desregulada: 10 (37,04%) | Hipoatividade: 03 (11,11%) | SA: 01 (3,7%) | |
Idade (anos) | 18-66 | 18-74 | 29-61 | 22-40 |
Sexo | 53,8%-77% F | 50-85,71% F (03E) 54,4-60,9% M (03E) 100% F (02E) 100% M (01E) 01E: SI | 51,42%-68,75% F | 100% F |
Nº de participantes | Até 100: 09 (69,23%) > 100: 04 (30,77%) | Até 100: 10 (100%) | Até 100: 3 (100%) | Até 100: 01 (100%) |
Tipo de estudo | CC: 11 (84,62%) NC: 02 (15,38%) | CC: 09 (90%) NC: 01 (10%) | CC: 03 (100%) | CC: 01 (100%) |
Hormônio | Cortisol: 13 (100%) ACTH: 03 (23,07%) Prolactina: 01 (7,69%) DHEAS: 01 (7,69%) | Cortisol: 10 (100%) ACTH: 5 (50%) Prolactina: 01 (10%) | Cortisol: 03 (100%) ACTH: 01 (33,33%) CRH: 01 (33,33%) | Cortisol: 01 (100%) |
Técnica | RIE: 06 (46,15%) ELISA: 03 (23,08%) QL: 02 (15,38%) EQL: 02 (15,38%) EIRM: 01 (7,69%) CLAP: 01 (7,69%) | RIE: 08 (80%) EIRM: 04 (40%) RE: 01 (10%) QL: 01 (10%) | RIE: 03 (100%) | RIE: 01 (100%) |
Fluido | Saliva: 06 (46,15%) Plasma: 05 (38,46%) Urina: 02 (15,38%) | Plasma: 07 (70%) Saliva: 02 (20%) Urina: 01 (10%) | Saliva: 02 (66,64%) Urina: 01 (33,33%) FCE: 01 (33,33%) | Saliva: 01 (100%) |
Uso de medicamentos | Sim: 07 (53,85%) Não: 06 (46,15%) | Sim: 04 (40%) Não: 06 (60%) | Sim: 1 (33,33%) Não: 2 (66,64%) | Sim: 01 (100%) |
Amostragem por dia | 01-144 medidas | 01-72 medidas | 01-10 medidas | 12 medidas |
ACTH: hormônio adrenocorticotrófico; CC: caso-controle; CLAP: cromatografia líquida de alta performance; DHEA-S: sulfato de dehidroepiandrosterona; CRH: hormônio liberador da corticotrofina; E: estudo; EIRM: ensaio imunorradiométrico; EQL: eletroquimioluminescência; F: feminino; FCE: fluido cerebroespinhal; M: masculino; Nº: número; NC: não controlado; QL: quimioluminescência; RE: radioensaio; RIE: radioimunoensaio; SA: sem alteração; SI: sem informações.Avaliação do eixo HPA em deprimidos
Entre os principais medicamentos utilizados pelos participantes, tivemos os antidepressivos, os benzodiazepínicos, os antipsicóticos, os anticoncepcionais e os estabilizadores de humor, totalizando 1418,19,21-24,26,29,32,33,35,36,39,41 estudos em que os pacientes utilizaram medicamentos entre os 27 estudados. Se verificarmos o uso de medicamentos e a atividade do eixo, teremos que a maioria dos estudos28,20,22,23,29,32,34 resultou em resposta hiperativa do eixo HPA; quatro21,35,39,41 em desregulação do eixo, dois26,36 em hipoatividade e um estudo33 em que se usou medicamento, e a resposta foi a atividade inalterada. Veja figura 4, na qual se verificam as proporções dos medicamentos adotados e a resposta do eixo HPA.
Os estudos apresentaram critérios de exclusão adequados, porém para cada estudo algum critério faltou; entre os mais comuns, citam-se: uso de cigarro, antidepressivo tricíclico, uso de anticoncepcional e substâncias de abuso, não exclusão de outras doenças psiquiátricas e, para o grupo controle, além do citado, não exclusão de história familiar de depressão e/ou história passada de depressão.
Há, ainda, muita controvérsia na literatura estudada quanto à atividade do eixo HPA na depressão, mas observa-se que, na maioria dos estudos, houve alteração na atividade dele, estando essa aumentada, desregulada ou diminuída. Em revisão45, alguns estudos confirmaram a hipercortisolemia em depressão melancólica e psicótica. Nessa revisão, os autores relataram o estudo de Joyce et al.46, que demonstraram que os níveis plasmáticos de cortisol são maiores em pacientes deprimidos em comparação a controles saudáveis, assim como em pacientes deprimidos com sintomas melancólicos quando comparados àqueles sem sintomas melancólicos. Outros estudos47,48 afirmaram que a depressão psicótica é o subtipo mais associado à hipercortisolemia, e a não supressão do cortisol após o TSD (teste de supressão pela dexametasona). Além do mais, Van Wijnendaele et al.49 encontraram resultados anormais no TSD, em cerca de 50% dos 130 pacientes em estudo, sobre anormalidades biológicas em pacientes deprimidos. Ainda, nessa revisão, encontraram que em estudos50 a hipercortisolemia (basal ou em resposta ao TSD) é evidente em pacientes com depressão maior e tem sido relacionada a diversas alterações comportamentais, como distúrbios do sono, lassidão, diminuição da atenção, diminuição da libido, distúrbios psicomotores, ansiedade e ideação suicida. No entanto, há dificuldades para interpretar esses dados, pois os estudos analisados demonstram que em muitos estudos os pacientes deprimidos não são hipercortisolêmicos50.
Para entender os motivos que levaram a respostas diferentes do eixo HPA em deprimidos, é fundamental observar como os estudos foram realizados. Nos 27 artigos estudados, investigou-se o eixo, porém considerando diferentes variáveis, o que impede comparar os resultados dos diferentes estudos entre si. Além dessas diferenças, tais resultados dependem dos hormônios estudados, do fluido coletado (plasmático, urinário, salivar, cerebroespinhal), do horário de coleta, do número de coletas, da análise estatística utilizada, do número, sexo e idade dos participantes, dos critérios de inclusão e exclusão, entre outros.
Apesar de algumas semelhanças apresentadas nos 16 estudos em que tivemos variáveis em comum, diferenças em cada estudo, como metodologia adotada, hormônio estudado e presença de subtipos diferentes de depressão, também não permitiram a comparação dos resultados.
A faixa etária nos diferentes estudos variou amplamente de um extremo a outro, podendo ser um dos motivos para as variadas respostas do eixo HPA. Há estudos que mostraram que há diminuição da resposta do cortisol ao acordar (RCA: normalmente são retiradas amostras do cortisol salivar após o participante acordar, ou seja, no tempo zero e a cada 15 minutos até completar 1 hora), conforme a idade51-53, bem como o DHEA-S geralmente declina com a idade54.
Em relação a pesquisas realizadas somente com homens ou somente com mulheres, sabe-se que, na diferença entre sexos, as mulheres possuem maior reatividade do eixo a rejeição social, enquanto os homens reagem mais a estressor relacionado à realização pessoal55-57. Além do mais, existe diferença estrutural entre sexos (morfologia, tipo e número de sinapses) e diferença no funcionamento fisiológico (apoptose, sinaptogênese e processos dendríticos) na regulação da atividade do eixo HPA, que são alteradas pela interação com idade e severidade da doença58. Dessa forma, não há como generalizar os dados desses estudos quanto à reatividade do eixo quando se considera somente um dos sexos.
Nos estudos, podemos observar grande variação no número dos participantes, desde amostras muito pequenas até grandes amostras, diferenças no método de análise dos resultados e diferenças entre os indivíduos. Segundo Posener et al.27, as razões para achados variáveis a respeito da regulação do cortisol e ACTH na depressão não estão claras. Pode-se incluir a frequência de amostragem, de métodos de análise e heterogeneidade do paciente. Ainda considerando essas diferenças, quanto menor a amostra, mais difícil generalizar os resultados.
O uso de medicamentos para realização de pesquisa para avaliação do eixo HPA permanece contraditório. Sabe-se que, em alguns estudos, os pacientes usaram benzodiazepínicos, porém estes podem inibir o CRH e suprimir a secreção de cortisol e ACTH. Segundo Ekstrom et al.59 e Kostoglou-Athanassiou et al.60, o uso de contraceptivo oral diminui o nível plasmático de vasopressina (substância que exerce influência no eixo HPA), e segundo Amin et al.61, há aumento do nível de cortisol. Em alguns estudos, o uso de droga antipsicótica pode influenciar o nível de cortisol e arginina-vasopressina plasmático62,63. Antidepressivos tricíclicos podem afetar o eixo HPA42.
Por outro lado, o uso de medicamento pode agir melhorando os sintomas depressivos, influenciando o estado mental e a atividade neuroendócrina. Contrariamente, em 13 estudos, tanto os realizados em pacientes deprimidos como em deprimidos na fase de recuperação e remissão, os participantes não usaram medicamentos, nesse caso, não houve influência de drogas no eixo.
Há algumas semelhanças quando se considera a totalidade dos artigos: em sua grande maioria, o estudo foi caso-controle, o cortisol foi avaliado em todos, sendo a saliva e o plasma os fluidos mais pesquisados. A técnica mais utilizada foi o RIE; os questionários e escalas, em sua maioria, foram baseados nos critérios diagnósticos do DSM-IV e Hamilton, respectivamente; e a intensidade da depressão variava de moderada a grave. Mesmo assim, as respostas do eixo foram diferentes. Dos quatro22-25 estudos que pesquisaram subtipos de depressão, dois envolveram a depressão melancólica22,24, resultando em hiperatividade do eixo; esse achado vai ao encontro do estudo64 que investigou 40 deprimidos melancólicos e encontrou nível mais alto de cortisol em 80% dos participantes. Segundo uma recente revisão de estudos latino-americanos65, o diagnóstico de melancolia foi baseado em uma psicopatologia e psiconeuroendocrinologia próprias e reconhecido como um transtorno de humor distinto e merecedor de uma atenção e tratamento específicos nos sistemas de classificação. Nessa revisão, encontrou-se que a depressão maior típica (melancólica) caracteriza-se por ativação excessiva dos sistemas fisiológicos de estresse, do sistema noradrenérgico no locus coeruleus e do eixo HPA.
Considerando-se o exposto, a realização dessa revisão traz como possíveis implicações futuras o desenvolvimento de novas metodologias para avaliação do eixo. Entre elas, se considerarmos apenas o eixo em si, devemos considerar a importância de inserir no estudo todos os critérios de exclusão já mencionados, minimizando-se o viés do estudo. Porém, é importante considerar que existem outras diferenças que podem influenciar no estudo. Ou seja, a interação biológico-ambiente. Entre elas, conforme Mello et al.15, tem-se: a hereditariedade; o ambiente na infância, podendo levar a traumas; o temperamento, que dá ao indivíduo a capacidade de lidar com o ambiente; a resiliência, que pode explicar os diferentes tipos de respostas ao mesmo evento estressante. A união desses diversos fatores poderia gerar metodologias mais adequadas no estudo do eixo HPA.
Em relação aos 27 artigos apresentados, verifica-se que foram estudadas diferentes variáveis que podem alterar a atividade do eixo HPA. Em sua maioria, a atividade do eixo HPA em deprimido está aumentada ou desregulada, mas, apesar de algumas semelhanças entre os artigos, tivemos, também, atividade diminuída ou inalterada. Mais estudos são necessários para avaliar a atividade do eixo HPA, por meio de medidas basais. Replicação dos estudos viabilizaria a comparação dos resultados.