versão impressa ISSN 0047-2085versão On-line ISSN 1982-0208
J. bras. psiquiatr. vol.67 no.2 Rio de Janeiro jan./jun. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000189
To know the modifications of the sleep pattern in chronic benzodiazepine users after the introduction of trazodone.
In a group of 11 patients, a gradual withdrawal of benzodiazepine (BZD) was introduced with progressive introduction of trazodone. Two polysomnograms were performed, the first with BZD usual dose of the patient and the second after BZD suppression and with 150 mg of prolonged release trazodone. Sleep quality questionnaires (Pittsburgh), daytime sleepiness (Epworth) and depressive (Hamilton) and anxious (Beck) symptoms were applied.
Five subjects completed the study and were followed up for at least six weeks. In these patients, trazodone significantly increased sleep efficiency and REM sleep and decreased wakefulness after sleep onset. There was an improvement in sleep quality, but there was no change in depressive and anxious symptoms.
Prolonged release trazodone has been shown to be a therapeutic option for chronic insomnia patients with benzodiazepines with effective withdrawal of the anxiolytic drug. There was improvement in sleep quality by questionnaire and polysomnography. More patients will be needed to determine the benefits of trazodone in this type of intervention.
Key words: Insomnia; trazodone; benzodiazepine; polysomnography
O sono é um estado reversível de desligamento da percepção e da responsividade em relação ao ambiente onde acontecem processos neurobiológicos essenciais para a manutenção da saúde física e cognitiva do ser humano1. Além de trazer prejuízos laborais, sociais, familiares e na qualidade de vida de seus portadores, os distúrbios do sono aumentam os riscos de acidentes de trabalho e automobilísticos1, assim como riscos cardiovasculares e metabólicos2.
Um ciclo normal de sono é constituído de estágios: estágio 1, no qual a atividade muscular desacelera e podem ocorrer contrações musculares, ocupa aproximadamente 5% do ciclo; o estágio 2, no qual a respiração, batimentos cardíacos e temperatura corporal diminuem, ocupa aproximadamente 50% do ciclo; no estágio 3, sono profundo, a atividade muscular é limitada, a respiração é rítmica e o cérebro produz quase exclusivamente ondas delta; e sono REM, com aproximadamente 25% do ciclo, no qual está presente movimento rápido dos olhos, acontece aceleração das ondas cerebrais, os sonhos e também relaxamento muscular e aceleração dos batimentos cardíacos e da respiração3. Durante uma noite de sono acontecem cerca de quatro a seis ciclos de sono REM e NREM dependendo do período total de sono e de outros fatores como idade, temperatura corporal, uso de medicamentos e transtornos do sono3.
Para avaliar a qualidade do sono, a polissonografia é considerada o exame padrão-ouro3,4. Avalia latência para início do sono, tempo total do sono, número de despertares, duração dos estágios e eficiência do sono, diferenciando a percepção errônea do sono e outros distúrbios como apneia obstrutiva do sono e movimento periódico de pernas4.
Entre os medicamentos utilizados para o distúrbio do sono mais comum – a insônia –, os benzodiazepínicos (BZDs) são os psicofármacos mais prescritos, e aproximadamente 4% da população brasileira faz uso BZDs5. Esses medicamentos apresentam atividades sedativa, hipnótica e ansiolítica e são considerados benéficos ao serem administrados a curto prazo ao paciente5,6. Pacientes com transtorno de ansiedade resistentes precisam de avaliação psiquiátrica global e apresentam benefícios bem determinados com os BZDs7,8. No entanto, artigos têm demonstrado aumento do risco de desenvolver Alzheimer em pacientes em uso prolongado de BZDs9,10. Os BZDs proporcionam redução da latência do sono, aumento do tempo total do sono e diminuição dos despertares durante o sono11. Porém, observam-se importantes efeitos negativos, como redução do estágio 3 (sono profundo), podendo ainda haver não apenas diminuição do tempo total do sono REM, mas também redução da densidade de movimentos oculares rápidos, além de seu uso causar dependência, abuso e tolerância com frequência11.
A trazodona é uma droga usada no tratamento de depressão maior, depressão com ou sem episódios de ansiedade, dor neurogênica e outros tipos de dores crônicas, mas recentemente também vem sendo investigada sua capacidade e eficiência em tratar a insônia12.
No presente estudo foram avaliados pacientes insones com uso crônico de BZDs em relação à qualidade do sono por questionários e por polissonografia e comparados os desfechos após substituição do BZD por trazodona.
Foram incluídos pacientes que procuraram o atendimento especializado de medicina do sono em Criciúma, Santa Catarina, que fossem usuários de BZDs por pelo menos 12 meses e que estivessem apresentando queixas de insônia com critérios para insônia crônica4. Foram aceitos pacientes de ambos os sexos maiores de 18 anos e dispostos a se submeterem a duas polissonografias, sendo a primeira com BZD e a segunda somente com trazodona. A amostra foi realizada de junho de 2014 a maio de 2015. Os pacientes que aceitassem participar teriam que seguir o esquema de redução gradual de BZD semanal em torno de 25% da dose plena utilizada previamente, assim como aumentado progressivamente por semana a dose da trazodona de liberação controlada chegando a 150 mg (Tabela 1).
Tabela 1 Esquema de tratamento com redução gradual do benzodiazepínico e aumento gradual da trazodona
Trazodona | Benzodiazepínico | |
---|---|---|
1ª etapa (1 semana) | 1/3 do comprimido | Dose prévia |
2ª etapa (1 semana) | 1/3 do comprimido | Diminui 25% do comprimido |
3ª etapa (1 semana) | 2/3 do comprimido | Diminui 50% do comprimido |
4ª etapa (1 semana) | 1 comprimido | Diminui 75% do comprimido |
5ª etapa (1 semana) | 1 comprimido podendo aumentar a dose | Diminui 75% do comprimido ou nada |
6ª etapa (1 semana) | Dose plena | Nada |
O estudo foi realizado por meio de avaliações objetivas do padrão do sono, a partir de dados obtidos por polissonografia (Alice 5®) como eficiência do sono (EF), latência para início do sono (LS), latência para o sono REM (LREM), estágios do sono (E1, E2, E3 e REM), índice de microdespertares (ID), tempo acordado após início do sono (WASO), índice de apneia e hipopneia.
Foi aplicado o Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh (PSQI), uma ferramenta que avalia a qualidade do sono subjetiva do paciente no último mês, combinando questões qualitativas e quantitativas. As 19 questões que o compõem são agrupadas em sete componentes, pontuadas de 0 a 3, e avaliam qualidade subjetiva do sono, latência para o sono, duração do sono, eficiência do sono, transtornos do sono, uso de medicamentos para dormir e disfunção diurna. O escore global varia de 0 a 21, sendo 5 o escore divisor da normalidade13.
A Escala de Sonolência de Epworth (ESE) foi realizada e consiste em pontuar de 0 a 3 para possibilidade de cochilar em algumas situações cotidianas para avaliação da sonolência diurna excessiva, sendo 10 pontos o divisor entre normalidade e sonolência diurna excessiva14.
E para avaliação sobre a presença de sintomas depressivos e ansiosos, foram aplicadas a Escala de Depressão de Hamilton (HAM-D) de 21 itens e o Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), respectivamente. A Escala de Hamilton classifica como depressão severa escores acima de 25 pontos, depressão moderada de 18 a 24 pontos, depressão leve de 7 a 17 pontos e abaixo de 7 pontos como normalidade15. O Inventário de Beck é avaliado da seguinte forma: pontuações de 30 a 60 indicam ansiedade grave, de 17 a 29, ansiedade moderada, de 10 a 16, ansiedade leve e de 0 a 9, normalidade16.
Os dados coletados foram analisados com auxílio do software IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0. As variáveis quantitativas foram expressas por meio de mediana e amplitude (mínimo e máximo), quando não apresentaram distribuição normal, e por média e desvio-padrão, quando seguiram esse tipo de distribuição. As variáveis qualitativas foram expressas por meio de frequência e porcentagem.
Os testes estatísticos foram realizados com um nível de significância α = 0,05 e confiança de 95%. A distribuição dos dados quanto à normalidade foi avaliada por meio da aplicação do teste de Shapiro-Wilk. A comparação da eficiência do sono, tempo acordado, índice de despertar, latência do sono REM, etapas do sono, sono REM, Hamilton, Pittsburgh, Beck e Epworth, antes e depois da aplicação do tratamento, foi avaliada por meio da aplicação do teste T de Wilcoxon. A correlação entre a eficiência do sono e os escores de Hamilton, Pittsburgh e Beck foi avaliada por meio do cálculo do coeficiente de correlação de Kendall.
Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Parecer nº 729.677/2014). Todos os pacientes que ingressaram assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Inicialmente, 11 pacientes ingressaram na análise, com média de idade de 46,4 ± 8,72 anos, eficiência do sono em porcentagem de 74,2 ± 18,71, tempo desperto após início do sono (WASO) em minutos de 65,0 ± 53,24, HAM-D de 29,0 (± 12,38), PSQI de 15,0 (± 3,98), BAI de 24,0 (± 15,14) e ESE de 3,0 (± 3,68) (Tabela 2). Todos os pacientes obtiveram escores compatíveis com o diagnóstico por questionário de transtorno do sono e também de transtorno depressivo, de acordo com o PSQI (mín = 11; máx = 19) e o HAM-D (mín = 14; máx = 40), respectivamente (Tabela 2). Todos os pacientes faziam uso de BZDs por pelo menos 12 meses. Três pacientes usavam 2 mg de clonazepam, quatro pacientes utilizavam 4 mg de clonazepam, dois pacientes utilizavam 10 mg de diazepam, um paciente utilizava 2 mg de alprazolam e um paciente utilizava 6 mg de bromazepam. Dos 11 pacientes, seis desistiram de realizar a segunda polissonografia, quatro deles porque melhoraram com a trazodona (e não acharam necessário realizar a segunda polissonografia) e dois deles não quiseram substituir o BZD pela trazodona.
Tabela 2 Qualidade do sono, sonolência diurna e sintomas ansiosos e depressivos na amostra inicial (n = 11)
Média (Mín-Máx) | DP * | |
---|---|---|
Idade (anos) | 46,4 (34,0-62,0) | 8,72 |
Eficiência do sono – EF (%) | 74,2 (37,7-97,2) | 18,71 |
Tempo acordado após início do sono – WASO (min) | 65,0 (12,0-196,0) | 53,24 |
Índice de despertar – ID | 6,1 (1,4-8,9) | 2,09 |
Latência do sono REM – LREM (min) | 225,5 (114,0-396,0) | 104,09 |
Etapa do sono 1 – E1 (%) | 10,7 (2,2-38,1) | 10,25 |
Etapa do sono 2 – E2 (%) | 77,4 (59,3-90,8) | 10,99 |
Etapa do sono 3 – E3 (%) | 8,1 (0,0-25,8) | 9,30 |
REM (%) | 4,5 (0,5-18,1) | 5,24 |
Escala de Depressão de Hamilton – HAM-D | 29,0 (14,0-40,0) | 12,38 |
Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh – PSQI | 15,0 (11,0-19,0) | 3,98 |
Inventário de Ansiedade de Beck – BAI | 24,0 (2,0-47,0) | 15,14 |
Escala de Sonolência de Epworth – ESE | 3,0 (0,0-10,0) | 3,68 |
* Desvio-padrão.
Cinco pacientes (três mulheres e dois homens) prosseguiram até o final do estudo e realizaram a segunda PSG e os questionários para análise da eficácia do tratamento, com pelo menos seis semanas de acompanhamento.
Paciente número 1 – 62 anos, sexo feminino, com insônia há sete anos, utilizava previamente 10 mg de diazepam (há cinco anos), com dados polissonográficos pré e pós-tratamento com trazodona demonstrando EF de 38% para 92%, LREM de 337 minutos para 176 minutos, estágio 3 de 1% para 21%, REM de 1% para 15%, escala de HAM-D de 14 para 7 pontos, PSQI de 14 para 7 pontos, BAI de 2 para 3 pontos e ESE manteve-se com a pontuação zero.
Paciente número 2 – 51 anos, sexo masculino, com insônia há seis anos, utilizava previamente 4 mg de clonazepam (há dois anos), com dados polissonográficos pré e pós-tratamento com trazodona demonstrando EF de 88% para 94%, LREM de 119 minutos para 126 minutos, estágio 3 de 26% para 18%, REM de 10% para 18%, escala de HAM-D de 30 para 20 pontos, PSQI de 13 para 7 pontos, BAI de 22 para 8 pontos e ESE de 9 para 4 pontos.
Paciente número 3 – 48 anos, sexo feminino, com insônia há três anos, utilizava previamente 6 mg de bromazepam (há dois anos), com dados polissonográficos pré e pós-tratamento com trazodona demonstrando EF de 89% para 93%, LREM de 350 minutos para 103 minutos, estágio 3 de 0% para 13%, REM de 4% para 20%, escala de HAM-D de 39 para 42 pontos, PSQI de 19 para 17 pontos, BAI de 37 para 20 pontos e ESE de 10 para 1 ponto.
Paciente número 4 – 46 anos, sexo feminino, com insônia há quatro anos, utilizava previamente 10 mg de diazepam (há 1,5 ano), com dados polissonográficos pré e pós-tratamento com trazodona demonstrando EF de 83% para 98%, LREM de 207 minutos para 185 minutos, estágio 3 de 8% para 36%, REM de 2% para 11%, escala de HAM-D de 34 para 41 pontos, PSQI de 18 para 15 pontos, BAI de 15 para 35 pontos e ESE de 3 pontos para 0.
Paciente número 5 – 52 anos, sexo masculino, com insônia há cinco anos, utilizava previamente 4 mg de clonazepam (há cinco anos), com dados polissonográficos pré e pós-tratamento com trazodona demonstrando EF de 91% para 99%, LREM de 159 minutos para 54 minutos, estágio 3 de 3% para 12%, REM de 4% para 15%, escala de HAM-D de 40 para 27 pontos, PSQI de 11 para 10 pontos, BAI de 29 para 22 pontos e ESE de 2 para 4 pontos.
A análise da primeira PSG com BZD para a segunda PSG com trazodona das médias de EF (%) 77,7 vs. 89,5; TTS (min) 317,1 vs. 350; WASO (min) 74,8 vs. 8,2; LREM (min) 234,0 vs. 128,8; E1 (%) 9,0 vs. 5,7; E2 (%) 79,3 vs. 60,1; E3 (%) 7,4 vs. 18,1; REM (%) 4,2 vs. 18,1; Índice de Apneia e Hipopneia (IAH) 5,1 vs. 2,1 eventos por hora; roncos (%) 13,0 vs. 0,6. Para análise estatística, foram utilizadas as medianas da EF (inicial: 87,7%; final: 93,6%), do WASO em minutos (inicial: 44,0; final: 7,5) e do REM em porcentagem (inicial: 4,2%; final: 15,3%), que tiveram diferenças significativas (p = 0,043) quando comparados com BZD versus com trazodona (Tabela 3). Não houve evidência de síndrome de abstinência durante a redução até a suspensão do BZD e aumento gradual da trazodona.
Tabela 3 Padrão do sono antes e após tratamento (n = 5)
Mediana (Mín – Máx) | Valor p | ||
---|---|---|---|
| |||
Antes | Depois | ||
Eficiência do sono – EF (%) | 87,7 (37,7-91,3) | 93,6 (92,4-99,4) | 0,043* |
Tempo acordado após início do sono – WASO (min) | 44,0 (25,0-196,0) | 7,5 (2,0-15,0) | 0,043* |
Índice de microdespertar – ID | 7,9 (4,8-8,9) | 8,4 (6,5-10,3) | 0,345 |
Latência do sono REM – LREM (min) | 206,5 (118,5-349,5) | 125,5 (54,0-185,0) | 0,080 |
Etapa do sono 1 – E1 (%) | 9,1 (3,1-15,5) | 5,7 (2,5-9,0) | 0,225 |
Etapa do sono 2 – E2 (%) | 83,2 (61,0-88,6) | 61,6 (46,3-67,0) | 0,080 |
Etapa do sono 3 – E3 (%) | 2,9 (0,0-25,8) | 12,9 (9,2-35,7) | 0,225 |
REM (%) | 4,1 (0,5-10,1) | 15,3 (11,4-20,3) | 0,043* |
* Diferença estatisticamente significativa quando valor de p ≤ 0,05.
Foi evidenciada melhora significativa na média do PSQI (inicial: 14; final: 10) dos pacientes que completaram o tratamento (p = 0,043). Não houve melhora significativa nos sintomas ansiosos dos pacientes, de acordo com o BAI (p = 0,686). Apenas um paciente obteve escore suficiente para diagnóstico de sonolência diurna de acordo com a ESE (pontuando 10), normalizada após o tratamento (4 pontos). No entanto, na ESE a média dos cinco pacientes não apresentou diferença significativa quando comparada nos dois grupos (p = 0,144) (Tabela 4).
Tabela 4 Qualidade do sono, sonolência diurna e sintomas ansiosos e depressivos, antes e após o tratamento (n = 5)
Mediana (Mín – Máx) | Valor p | ||
---|---|---|---|
| |||
Antes | Depois | ||
Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI) | 14 (11-19) | 10 (7-17) | 0,043* |
Escala de Sono de Epworth (ESE) | 3 (0-10) | 1 (0-4) | 0,144 |
Inventário de Ansiedade de Beck (BAI) | 22 (2-37) | 20 (3-35) | 0,686 |
Escala de Depressão de Hamilton (Ham-D) | 34 (14- 40) | 27 (7-42) | 0,279 |
* Diferença estatisticamente significativa quando o valor de p ≤ 0,05.
Na amostra estudada, também encontramos correlação fraca negativa entre eficiência do sono e PSQI (ĩ = -0,245, p = 0,305), assim como eficiência do sono e BAI (ĩ = -0,200; p = 0,392), porém não significativas. Não houve correlação entre eficiência do sono e HAM-D (ĩ = 0,000, p = 0,999).
Obtivemos uma média de WASO de 65 ± 53,2 minutos e de LREM de 225,5 ± 104,1 minutos, valores consideravelmente maiores que os obtidos em estudo de 2014 de Ellis et al., que analisou o padrão de sono de 14 pacientes com insônia crônica, em que foram obtidos valores de 31,4 ± 29,1 e 66,3 ± 14,9 de média para WASO e LREM, respectivamente17. Nesse mesmo estudo, os pacientes insones tiveram uma média de 89,2 ± 6,1% de EF e de 19,4 ± 8,2% de REM, maiores que as médias de nossos pacientes, que apresentaram 74,2 ± 18,71 de EF (%) e 4,5 ± 5,4 de REM (%). O HAM-D médio de nossos pacientes, de 29,0 ± 12,4 pontos, também foi maior que o desse estudo17, que foi de 6,6 ± 4,4, demonstrando um perfil com maior pontuação nos critérios depressivos e com critérios polissonográficos mais graves de insônia.
Após o esquema com trazodona isolada, foi observada melhora média de 13,2% na EF (p = 0,043), aumento similar observado da EF em estudo publicado em 2008 por Zavesicka et al. (p = 0,004), em que se associou a trazodona (100 mg) à terapia cognitivo-comportamental para tratar insônia em 20 pacientes não depressivos18. Kaynak et al. Analisaram, em 12 pacientes depressivos, a substituição do uso de inibidor da recaptação da serotonina por trazodona (100 mg), sendo também observada melhora na EF (79,8% para 90%, p < 0,01)19. Outros benefícios em dados polissonográficos também foram demonstrados como a diminuição do ID (25 para 13) e aumento de E3 (19,5% para 28%)19, o que, no entanto, não evidenciamos com diferença estatisticamente significativa em nosso estudo – E3 7,4% vs. 18,1% (cálculo com mediana 2,9 para 12,9, p = 0,229).
Aumento da EF (77,7% para 89,5%) e diminuição do WASO (74,8 minutos para 8,2 minutos com redução de 89%) significativos (p = 0,043) também foram encontrados em estudo de 2002 que utilizou trazodona (100 mg) para tratar a insônia de 11 pacientes depressivos – EF (77% para 84%), WASO (58 minutos para 33 minutos com redução de 43%) –, comparando com placebo20. Nesse artigo de Saletu-Zyhlarz et al.20 também houve aumento significativo das ondas lentas (E3), diferindo de nosso estudo. Já em 2011, Roth et al. analisaram, em 16 pacientes com insônia primária, os efeitos da trazodona (50 mg) versus placebo na cognição, psicomotricidade e polissonografias, não havendo diferença significativa em nenhum desses quesitos21, provavelmente por ser utilizada dose mais baixa. Após a retirada dos BZDs e iniciado o uso de trazodona, houve aumento de 59% de S3 (38,4 minutos) e redução de 24,2% de S2 (65 minutos), com provável relevância clínica e sono mais restaurador, apesar de não estabelecer diferenças estatisticamente significativas. Entretanto, em estudo publicado em 1994, analisando a eficácia da trazodona de liberação controlada (150 mg) em seis pacientes insones crônicos e distímicos, houve acréscimo em S3 (em 52 minutos) e diminuição de S2, com diferença estatisticamente significativa (77 minutos)22. O padrão polissonográfico com o BZD foi de eficiência do sono baixa, tempo acordado após início do sono aumentado, latência aumentada para o sono REM e superficialização do estágios do sono. Já o padrão polissonográfico com a trazodona foi de aumento da eficiência do sono, redução do tempo acordado após início do sono e aumento da porcentagem do REM com diferença estatisticamente significativa. Não houve sonolência diurna aumentada com o uso da trazodona determinada pelo ESE, sem diferença estatisticamente significativa.
Foi observada melhora significativa no PSQI de nossos pacientes (p = 0,043), assim como em estudo publicado por Nierenberg et al., que analisou o PSQI de 17 pacientes usuários de antidepressivos (fluoxetina ou bupropiona) que apresentavam insônia, comparando a introdução de trazodona com placebo23.
Em relação aos sintomas depressivos dos pacientes, não obtivemos melhoras no HAM-D (p = 0,279), porém no trabalho de Scharf e Sachais com seis pacientes depressivos e insones que receberam de 150 a 400 mg de trazodona ocorreu melhora com diferença estatisticamente significativa24. Dez pacientes dependentes de BZDs que fizeram uso de trazodona (dose final de 300 mg) para retirada do ansiolítico apresentaram índices de menor depressão e ansiedade determinados pelos questionários de HAM-D e escala de ansiedade de Hamilton25. Nossos pacientes apresentaram alto índice no escore HAM-D e utilizaram dose média de trazodona menor do que nos estudos supracitados. Tais fatores podem ter contribuído para a ausência de melhora dos sintomas depressivos.
Sabe-se que ocorre aumento de apneia e ronco com o uso de BZD pelo efeito miorrelaxante26. Em trabalho de Veasey com cinco bulldogs apneicos, houve redução do IAH com uso de trazodona e L-triptofano, com efeito de maior atividade neuromuscular na via aérea dos animais atribuída à trazodona27. Em estudo de Smales et al., 15 pacientes com apneia obstrutiva do sono foram analisados segundo parâmetros respiratórios comparando com a trazodona (100 mg) versus placebo e foi demonstrada redução significativa da apneia de 38,7 ± 6,2 vs. 28,5 ± 5,6 eventos por hora, p = 0,04128. Prováveis efeitos da trazodona em apneicos são aumentar o limiar do despertar (arousal threshod), melhorar o controle ventilatório e aumentar a tonicidade da via aérea superior28. Interessante observar que o IAH com BZD médio foi de 5,1 eventos por hora (grau leve de apneia) e o IAH médio com a trazodona foi de 2,1 eventos por hora (índice considerado normal), podendo ser atribuído o maior índice ao efeito miorrelaxante do BZD26 e a redução do IAH ocasionada pela retirada do BZD e com provável efeito benéfico da trazodona na via aérea28,29.
Podemos descrever como fatores limitantes do estudo o pequeno número de pacientes, com dificuldade em manter o seguimento deles, uma vez que não foram somente aplicados questionários, mas também realizadas polissonografias pré e pós-intervenção. Ressaltamos que cada indivíduo foi avaliado pelo menos com cinco consultas, além de contato semanal, totalizando o acompanhamento em seis semanas. A maioria dos trabalhos com maior número de pacientes insones para a retirada de BZD somente utilizou questionários sem a realização de polissonografia ou com menor tempo de seguimento30,31. Houve desistência de realizar a segunda polissonografia (6 de 11 pacientes), sendo quatro deles porque melhoraram com a trazodona e dois deles que optaram por não trocar o BZD, mesmo referenciando os riscos do uso crônico de BZD como a demência31. A utilização de um grupo controle e comparação com placebo também não foi realizada em nosso trabalho.
Apesar do pequeno número de pacientes que completaram o estudo, foram observadas melhoras na qualidade do sono do paciente, tanto em análise polissonográfica quanto na avaliação por meio de questionário PSQI. Entretanto, as melhoras na qualidade do sono não foram acompanhadas por mudanças nos sintomas ansiosos ou depressivos avaliados pelas escalas de Beck e Hamilton, respectivamente. Portanto, sugerimos novos estudos nos quais sejam recrutados mais pacientes insones, com grupo controle e comparação placebo versus trazodona, com maior tempo de seguimento dos indivíduos. Apesar dessas limitações, a trazodona aparenta ter efeito benéfico na retirada de BZD, com melhora na qualidade do sono.