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Avaliação do profissionalismo em estudantes da área da saúde: uma revisão sistemática

Avaliação do profissionalismo em estudantes da área da saúde: uma revisão sistemática

Autores:

Erica Toledo de Mendonça,
Rosângela Minardi Mitre Cotta,
Vicente de Paula Lelis,
Paulo Marcondes Carvalho Junior

ARTIGO ORIGINAL

Interface - Comunicação, Saúde, Educação

versão impressa ISSN 1414-3283versão On-line ISSN 1807-5762

Interface (Botucatu) vol.20 no.58 Botucatu jul./set. 2016 Epub 03-Maio-2016

http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015.0274

RESUMEN

Las discusiones sobre el profesionalismo ganaron importancia en la década pasada en el escenario mundial, especialmente en los EE.UU., para ser reconocidas como una competencia a desarrollar por los profesionales.

Objetivo

verificar las publicaciones acerca de el profesionalismo en la literatura, destacando cómo ha sido su evaluación de los estudiantes de las ciencias de la salud.

Métodos

estudio de revisión sistemática, realizada a partir de las recomendaciones de la guía Preferred Reporting Intems for Systematic Reviews and Meta-Analyses, PRISMA, adaptada.

Resultados

fueron encontrados siete estudios que abordaron la evaluación del profesionalismo. Entre ellos, dos artículos se acercaron a los niveles “Knows” e “Knows how” de la pirámide adaptada de Miller para la evaluación del profesionalismo, mientras que cinco de los estudios se localizan en el nivel de “Shows” e “Does”, que muestra una dimensión práctica de la evaluación. La evaluación del profesionalismo representa un reto importante, destacando la necesidad de estudios que lo puedan mensurar su perspectiva más global.

Palabras-clave: Profesionalismo; Enseñanza y aprendizaje; Evaluación

Introdução

As tendências contemporâneas das práticas de cuidados em saúde têm se tornado alvo de debates e reflexões à medida que avançamos no século 21. As desigualdades em saúde visualizadas dentro e entre as nações, quer no âmbito cientifico, tecnológico, social e de formação, necessitam serem reexaminadas, trazendo, para o exercício dos papéis profissionais, os conceitos relacionados à cidadania plena, à globalização, à responsabilidade social e ao profissionalismo, engendrando caminhos possíveis para a superação dos desafios existentes na práxis1,2.

Nesse sentido, os debates atuais sobre o processo de ensino e aprendizagem na área da saúde colocam em evidência uma formação profissional que prime pela qualidade dos cuidados prestados em saúde, com ênfase nas habilidades técnicas e científicas, além de acenar, com muito vigor, para a importância das competências ética e humanística, e para uma prática dedicada ao bem-estar dos pacientes acima dos interesses pessoais2.

Sob essa perspectiva, as evidências cientificas sobre as práticas médicas destacam um momento de colapso de suas atividades, marcadas pelo tecnicismo e pelos interesses econômicos. Estes têm, muitas vezes, prioridade na tomada de decisões sobre os cuidados em saúde, desconsiderando as necessidades reais de indivíduos, famílias e comunidades3,4. Segundo Goldie5, nos últimos anos, o relacionamento da classe médica com a sociedade está sob tensão, sendo caracterizado por comportamentos pouco profissionais, nos quais estão deficientes os valores fundamentais de caráter e normas éticas.

É neste contexto que as discussões sobre ‘profissionalismo’ ganharam destaque, ao inseri-lo como a pedra angular do contrato social entre a medicina e o público em geral. O profissionalismo surgiu num contexto no qual era premente a necessidade de renovação do ensino e da prática médica. A definição adotada para o termo o descreve como um conjunto de competências relacionadas ao uso criterioso: da comunicação, conhecimento, habilidades técnicas, raciocínio clínico, emoções, valores, ética e reflexões na prática diária, para o benefício do indivíduo e da comunidade4.

Esta temática tem se tornado um componente dos currículos formais dos cursos de Medicina em todo o mundo e ainda, timidamente, no Brasil, mas com destaque maior nos Estados Unidos; e ainda pode ser desenvolvido nas práticas diárias do ensino em saúde, sob a forma do currículo oculto4. As discussões acerca da importância de sua inserção nos currículos e práticas já vêm sendo feitas há algum tempo, especialmente, a partir do ano de 2002.

A partir desta data, as comunidades médicas europeias e americanas se mobilizaram para discussão das demandas que permeavam a área da saúde, o que culminou na elaboração de uma Carta que continha os princípios do profissionalismo, uma nova competência que foi agregada ao conjunto de habilidades médicas6.

Dentre estes princípios, destacam-se: princípio da primazia do bem-estar do paciente, compreendido como uma atuação que leve em consideração os interesses do paciente; princípio da autonomia do paciente, o qual entende que os profissionais devem ser honestos com seus pacientes, empoderando-os para a tomada de decisões conscientes; e o princípio da justiça social, sendo a profissão médica responsável pela distribuição justa dos recursos de cuidado à saúde7.

Inseridas nestes princípios estão as responsabilidades profissionais, que são compromissos dos médicos com: a competência, a honestidade com os pacientes, a confidencialidade, a manutenção de relações apropriadas com os indivíduos, a melhoria da qualidade e do acesso ao cuidado, a distribuição justa dos recursos, o conhecimento científico, a manutenção da confiança com o manejo adequado dos conflitos de interesse e compromisso com as responsabilidades profissionais7.

Assim, o profissionalismo surgiu como uma competência essencial para os profissionais da área médica no mundo todo, e se gestou num contexto no qual se questionava o que era necessário para uma boa prática médica7. Esta se reflete nas atitudes, comportamentos, caráter e padrões de prática adequados, personificados por meio da familiaridade com os códigos de ética e padrões estabelecidos por organizações médicas institucionais8-10. Desta forma, o profissionalismo foi reconhecido, então, como a base do contrato social que legitima a profissão de médicos e demais profissionais da saúde, e um ideal a ser seguido por estes e especificado como um compromisso para o alcance de níveis de cuidados em saúde de qualidade1,11.

Não obstante, a questão que se coloca refere-se a como ensinar/praticar/avaliar o profissionalismo de uma maneira responsável, priorizando o princípio da justiça, de maneira a formar, nos indivíduos, um ethos profissional que vincule as competências técnico-científicas à humana8,12.

Na literatura cientifica são poucos os estudos que têm como objetivo avaliar a conjuntura do profissionalismo em estudantes da área da saúde, de forma a verificar como esta competência tem sido manejada por educadores em todo o mundo e aprendida/apreendida pelos estudantes de graduação.

Corroborando com as inúmeras dimensões supracitadas que compõem o conceito de profissionalismo, evidenciadas por Rego7, Pearson and Hoagland13 concordam que o profissionalismo é um conceito multifacetado, e, por isso, de difícil mensuração. Muitas tentativas de medir este conjunto de competências têm sido feitas, porém, ainda prevalecem avaliações muito subjetivas, de baixa confiabilidade, centradas nos julgamentos de docentes e especialistas.

Entretanto, alguns instrumentos objetivos têm sido utilizados para esta finalidade, no intuito de captar algumas das dimensões do profissionalismo14. Já se reconhece que o profissionalismo deve ser avaliado longitudinalmente, combinando distintas abordagens, e captando as dimensões pessoal, interpessoal, institucional e social do sujeito avaliado, sendo, dessa maneira, um grande desafio internacional sua avaliação15. Diante desta questão, há que se destacar ainda a importância da avaliação qualitativa dos atributos do profissionalismo, tendo em vista a complexidade do conceito e sua aplicação prática4,16.

Definiu-se, a partir destas considerações, a seguinte questão norteadora deste estudo: como a temática da avaliação do profissionalismo em estudantes de graduação dos cursos da saúde tem sido abordada na literatura científica?

Assim, o objetivo do presente estudo foi verificar as publicações sobre profissionalismo na literatura mundial, destacando como tem sido sua avaliação em estudantes de graduação da área da saúde.

Métodos

Desenho do estudo: trata-se de um estudo de revisão sistemática da literatura, conduzida a partir das recomendações propostas no guia Preferred Reporting Intems for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) adaptado, tendo com eixo central a identificação de estudos que realizaram a avaliação do profissionalismo em estudantes de graduação da área da saúde em todo o mundo17,18.

Estratégias de busca: realizaram-se consultas às bases de dados LILACS (Literatura Latino-americana e do Caribe), Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online), Scielo (Scientific Eletronic Library Online), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Eric (Institute of Education Sciences) e Pubmed.

As palavras-chave utilizadas foram: profissionalismo, educação e saúde, e seus equivalentes em inglês e espanhol. Foram selecionados artigos com texto completo e lidos os títulos e resumos, nos idiomas português, inglês e espanhol. A pergunta gatilho que motivou a revisão dos estudos e que permitiria uma maior aproximação dos pesquisadores com a temática foi: O que existe publicado acerca da temática do profissionalismo na literatura mundial, e, dentre as temáticas encontradas, como se insere a avaliação? Após análise dos estudos encontrados acerca desta questão, procedeu-se à organização temática dos mesmos, e definiu-se, como tema central deste artigo, a avaliação do profissionalismo em estudantes de graduação, com definição de outros critérios de inclusão.

Foram estabelecidos como recorte temporal, para seleção dos estudos, os anos de 2002 a 2014, sendo justificado pelo fato de que, em 2002, federações e organizações médicas europeias realizaram uma ampla discussão acerca da temática do profissionalismo e organizaram, a partir daí, uma Carta elencando os princípios fundamentais e as principais responsabilidades/compromissos profissionais para o exercício desta competência.

Critérios de inclusão: foram incluídos os artigos que trabalharam a temática da avaliação do profissionalismo, que tivessem como público-alvo estudantes de graduação da área da saúde, que abordassem avaliações longitudinais das atitudes/habilidades relacionadas ao profissionalismo, realizadas duas ou mais vezes, ou avaliações antes e após intervenções que abordassem a temática do profissionalismo; e estudos pertencentes ao recorte temporal 2002-2014. A Figura 1 representa o fluxograma de identificação e seleção dos artigos para revisão sistemática.

Figura 1 Fluxograma de identificação e seleção dos artigos para revisão sistemática sobre a temática do profissionalismo. 

Utilizou-se, como referencial teórico para discussão das avaliações, o estudo de Consorti et al.15, que apresenta uma adaptação da Pirâmide de Miller para avaliar o profissionalismo (Figura 2).

(A) Development of competencies (knowledge, skills and attitudes) necessary for the exercise of medical practice.

(B) Examples of objectives relevant to progressive levels of professional competence. Examples of pertinent assessment tools.

Abbreviations: HC (health care); MCQs (multiple-choice questions); P-MEX (Professionalism Mini Evaluation Exercise).

Figura 2 Adaptação da Pirâmide de Miller para avaliar do profissionalismo. 

Resultados

A busca nas bases de dados resultou na identificação inicial de 628 artigos, dos quais, ao proceder-se à categorização temática, foram encontrados: 64 que abordaram a temática da avaliação do profissionalismo; 15 estudos que trabalharam as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) em interface com o profissionalismo; 58 artigos que trouxeram debates, opiniões e discussões acerca da importância do profissionalismo no ensino em saúde; 24 estudos que abordaram a percepção do profissionalismo por estudantes, profissionais e usuários dos serviços de saúde; 86 estudos que trabalharam como inserir o profissionalismo nos currículos e as estratégias didático-metodológicas que poderiam ser utilizadas para tal; e, por fim, 95 estudos que trouxeram pesquisas e experiências diversas acerca do profissionalismo.

Após esta fase, foram definidos, como objeto de estudo e discussão, os artigos que abordaram a avaliação do profissionalismo, baseados nos critérios de inclusão descritos anteriormente. Ao final, incluíram-se sete artigos na presente revisão sistemática, que foram lidos na íntegra e analisados conforme são apresentados no Quadro 1.

Quadro 1 Resultados das principais avaliações sobre profissionalismo realizadas junto a estudantes de graduação da área da saúde de acordo com a literatura internacional 

OBS: Os objetivos e algumas expressões não foram traduzidos para o português para evitar um deslocamento das ideias originais que os artigos apresentaram.

Os artigos foram publicados entre os anos de 2006 a 2012, oriundos de pesquisas realizadas: nos EUA (Biagiole et al.19; Huntoon et al.20; Brehm et al.12; Zink, Halaas e Brooks4); Reino Unido (Chaytor et al.21; Papageorgiou et al.16) e Austrália (Redwood e Townsend22), sendo a maioria proveniente dos EUA e publicados após o ano de 2011. O fato de a maioria das publicações terem sido realizadas após 2011 mostra que as discussões sobre avaliação do profissionalismo têm ganhado destaque nos últimos anos.

A caracterização dos estudos revelou que a maioria deles abordou pesquisas com estudantes de Medicina (n=5), Odontologia (n=1), Farmácia, Enfermagem e outras disciplinas (n=1). Quatro dos estudos analisados trabalharam com os resultados de pesquisas que avaliaram o profissionalismo de maneira quantitativa, por meio de Escalas Likert, abordando medidas de comportamentos dos estudantes nos estudos de Biagioli et al.19 e Chaytor et al.21 (em relação a conhecimento, emoção, excelência, honra/integridade e altruísmo/respeito; outro estudo abordou a questão da avaliação do profissionalismo quanto aos quesitos disciplina, organização e realização das tarefas acadêmicas); e avaliações relativas à aplicação de experiências de ensino visando o desenvolvimento do profissionalismo (treinamento em defesa legislativa em saúde; curso de dissecção de anatomia; ensino de habilidades de consulta pelo método Calgary-Cambridge; pesquisa que abordou uma orientação acerca do tema profissionalismo e uma experiência de campo; avaliação da experiência clinica de estudantes inseridos no estágio rural).

A partir destas considerações, observou-se que os estudos de Biagioli et al19 e Chaytor et al.21 avaliaram o profissionalismo do ponto de vista das competências, sendo que o primeiro abordou as competências humanas, ligadas aos valores pessoais que os estudantes desenvolveram (avaliado por meio de escalas fechadas), para verificar as atitudes dos mesmos durante o estágio de cirurgia. Já no segundo estudo, a abordagem centrou-se na utilização da Conscientiousness Index (CI), um dos instrumentos validados existentes para avaliação do profissionalismo no que tange aos aspectos de conduta profissional e ética (organização, responsabilidade, disciplina, realização de tarefas, dentre outros). Ambos os estudos se aproximam dos níveis “Knows” e “Knows how” da Pirâmide adaptada de Miller para avaliação do profissionalismo do estudo de Consorti et al.15.

Já os demais estudos (Papageorgiou et al.16; Redwood e Townsend22; Huntoon et al.20; Brehm et al.12; Zink, Halaas e Brooks4), que abordaram avaliações do profissionalismo relacionadas às vivências práticas e aplicação de estratégias de ensino em saúde, demonstrando uma dimensão do fazer, do simular, podem ser inseridos nos níveis “Shows” e “Does” da pirâmide apresentada na Figura 2 deste estudo, revelando uma dimensão da pesquisa no âmbito prático.

A partir destes resultados, pode-se inferir que os estudos apresentados nesta revisão avaliaram alguns aspectos do profissionalismo, mas não o seu desenvolvimento na perspectiva mais global, relacionando as dimensões pessoais, interpessoais, sociais e institucionais, que representam facetas relevantes na avaliação do profissionalismo.

Discussão

Os resultados deste estudo evidenciam que os processos de avaliação do profissionalismo ainda são tímidos em todo o mundo, sendo uma realidade praticada em poucas escolas de formação em saúde. Estas, muitas vezes, estão restritas a países desenvolvidos e naqueles em que a educação e a prática médica têm atingido seu grau máximo de crise, em função das práticas prioritariamente biológico-centradas e medicalizantes, como é o caso dos EUA.

O campo do profissionalismo é tema que emergiu e ganhou destaque nos últimos dez anos, mas os estudos ainda se centram em discussões sobre sua importância e inserção nos currículos. É preciso reconhecer que a temática da avaliação do profissionalismo, com enfoque nos instrumentos e métodos utilizados para tal, é questão contemporânea, ficando, como mote central, a definição dos momentos da formação em que devem ser incluídos, bem como qual o papel dos atores envolvidos neste processo.

Ademais, os estudos apresentados no Quadro 1 revelaram que o profissionalismo foi avaliado somente nos aspectos comportamentais (pessoais, avaliados pelo próprio estudante) e seu desenvolvimento no âmbito prático, o que denota uma restrição aos aspectos do sujeito. Goldie5 aponta, em seu estudo, que o comportamento profissional é também influenciado por fatores conjunturais e contextuais que aparecem durante a aprendizagem e a prática.

Sendo assim, a avaliação do profissionalismo deve incluir outros intervenientes inseridos no ambiente de ensino, como, por exemplo, a avaliação dos colegas, dos profissionais de saúde, dos pacientes, devendo, assim, abordar outros aspectos: individuais, interpessoais, sociais e institucionais5.

Este mesmo autor reconhece que nenhum instrumento sozinho é capaz de medir o desempenho de um indivíduo em todas as dimensões supracitadas, especialmente quando se refere a construções multidimensionais como o profissionalismo. Porém, atenção especial deve ser dada: à expertise da pessoa que avalia, à validade dos instrumentos utilizados, e, ainda, à amostragem adequada dos participantes. Para tal, sugere-se a triangulação de diferentes métodos avaliativos, além da capacitação dos envolvidos para tal.

Atualmente, os métodos/ferramentas mais utilizados para medir o profissionalismo são: as avaliações por pares, as observações por membros do corpo docente (com o uso de listas de verificação padronizadas), portfólios reflexivos desenvolvidos pelos estudantes e discussão de dilemas éticos. No entanto, métodos de avaliação mais completos, que incluam a abordagem dos aspectos contextuais e sociais, necessitam ainda de maior desenvolvimento5.

Além deste aspecto mais global da avaliação, um fator de grande relevância é que a mesma deve vir sempre acompanhada de feedback para melhorar o desempenho das equipes e estimular a reflexão sobre as atitudes apresentadas. O propósito da avaliação deve ser explicitado, se somativa ou formativa, e seu desenvolvimento e acompanhamento longitudinais. Goldie5 ainda revela que o uso de instrumentos que permitam a realização de comentários descritivos é interessante. A avaliação do profissionalismo ainda deve incluir situações que envolvem conflitos, por meio da proposição de soluções para o dilema.

Sob este aspecto, o estudo de Biagioli et al.19 demonstrou que os escores avaliativos para os comportamentos profissionais de estudantes no estágio de cirurgia melhoraram significativamente após reuniões para discussões da primeira avaliação e posterior feedback acerca dos comportamentos pouco profissionais que precisavam ser melhor desenvolvidos (excelência e altruísmo/respeito). Esta experiência demonstrou que a prática de feedback deveria ser um componente importante dos processos de avaliação. Cabe destacar, ainda, que os escores destes quesitos foram menores para os estudantes de cirurgia do que os de medicina familiar, interna e rural.

O estudo de Chaytor et al.21 demonstrou que os estudantes dos anos 1 e 2 do curso de Medicina apresentaram um conhecimento e consciência elevados de seus papéis profissionais (níveis 1 e 2 da Pirâmide de Miller apresentada na Figura 1), o que pode ser relacionado ao ideal profissional que os estudantes trazem consigo ao adentrarem as escolas médicas. Este ideal pode ainda não ter sofrido a influência do contexto, das práticas em saúde e dos modelos de comportamentos que os profissionais exibem em sua assistência, e que acabam por influenciar positiva ou negativamente a visão dos estudantes.

Sabe-se que fatores como os recursos disponíveis e a estrutura dos serviços de saúde têm um grande efeito sobre as atitudes e o comportamento dos médicos. Educadores médicos que estudaram os meios para desenvolver atitudes profissionais e comportamentos entre estudantes de medicina e residentes, constataram que as características de comportamento profissional (profissional modelo/exemplo, com atitudes virtuosas) são um dos métodos mais eficazes para incutir desempenhos profissionais nos estudantes2. Depreende-se, a partir disso, que inserir os estudantes em cenários de prática que tenham profissionais-modelo é uma boa estratégia de facilitar o desenvolvimento do profissionalismo nos mesmos.

Em relação aos cinco estudos classificados nos domínios “Show” e “Does”, da Pirâmide adaptada de Miller (Papageorgiou et al.16; Redwood e Townsend22; Huntoon et al.20; Brehm et al.12; Zink, Halaas e Brooks4), notou-se uma avaliação positiva do profissionalismo após as intervenções e/ou experiências de campo. Estas pesquisas demonstraram: melhoria das habilidades de comunicação com o paciente, educação em saúde, respeito à equipe de trabalho interdisciplinar, sigilo e atitudes como compaixão e respeito à diversidade. Além disso, os estudantes ressaltaram, em alguns estudos, a importância de se inserir o profissionalismo no ensino em saúde, e como sua discussão possibilitou uma maior conscientização sobre o assunto.

A virtude, de acordo com Daaleman et al.23, é a base para a compreensão sobre o profissionalismo, sendo compreendida como os hábitos e atitudes promovidas em indivíduos por meio dos bons exemplos e dos valores intrínsecos, mas que são incorporados, também, em ambientes de aprendizagem.

Recentemente, houve a classificação de cinco grandes temas na medição do profissionalismo, que pode ser resumida como: a adesão aos princípios éticos da prática; as interações efetivas com pacientes e seus familiares e com outros profissionais de saúde; confiabilidade e compromisso com a competência14. Neste estudo, ainda se destaca a falta de clareza sobre o fato de o profissionalismo ser uma construção adquirida ou aprendida, sendo um conceito ou uma competência ainda em desenvolvimento.

A partir destes cinco temas apresentados, pode-se considerar que uma avaliação global do profissionalismo envolveria aspectos contidos nos quatro níveis da Pirâmide de Miller. Esta avaliação poderia ser realizada por meio de instrumentos e métodos que envolvessem a observação e mensuração da interação entre os sujeitos (estudante-docente-paciente-instituição), no âmbito comportamental, além dos aspectos cognitivos (dimensão dos conhecimentos), indispensáveis a uma prática médica pautada nos princípios éticos e em benefício dos pacientes.

Considerações finais

Os achados deste estudo apontam para evidências de que a avaliação do profissionalismo em estudantes de graduação dos cursos da área da saúde representa um grande desafio, tendo em vista que sua efetivação exige uma mensuração de aspectos mais globais, como as dimensões pessoal, interpessoal, institucional e social.

Este processo, muitas vezes, é dificultado pelo desconhecimento dos sujeitos envolvidos sobre os instrumentos de avaliação confiáveis, do próprio conceito de profissionalismo e da importância de sua inserção no currículo formal (além do oculto). Ademais, o tempo demandado neste processo também deve ser considerado, uma vez que as avaliações requerem um espaço de tempo mais longo, por serem de natureza longitudinal.

Destarte, salienta-se a importância de se aprofundar esta temática, visando sua inserção na formação profissional em saúde, de forma a minimizar os efeitos da crise que a prática em saúde tem vivenciado, relacionada a comportamentos pouco profissionais, comprometidos desde a perspectiva ética e moral.

O estudo sobre o profissionalismo e a produção cientifica desta temática no mundo aponta para a necessidade de se reverem os paradigmas educacionais tradicionais focados em modelos rígidos, para um processo que prime pela renovação do pensamento e do comportamento, reconhecendo o profissionalismo como um desafio complexo que requer uma nova forma de ensinar a aprender.

Cabe, assim, a ampliação de estratégias de ensino, aprendizagem e avaliação inovadoras pelos educadores, e que permitam aos estudantes o desenvolvimento do profissionalismo e o engajamento legítimo nas questões éticas, de cidadania e responsabilidade social.

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