versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.22 no.2 Rio de Janeiro 2018 Epub 21-Jun-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0233
A epidemia do vírus da imunodeficiência humana (HIV) apresentou modificações em suas características, não somente o perfil epidemiológico, como também na evolução para condição crônica de saúde. No que se refere ao atendimento em saúde, no início da epidemia, na década de 1980, o principal cenário constituiu-se de serviços hospitalares e ambulatórios. Diante de ações bem sucedidas no manejo da infecção na atenção primária à saúde (APS) de algumas cidades brasileiras, o processo de descentralização e gestão compartilhada entre os serviços (especializado e atenção básica) foi reconhecido como possibilidade tanto para prevenção quanto para assistência às pessoas vivendo com HIV.1
Quanto às modificações epidemiológicas, houve a inclusão de crianças e adolescentes infectados pelo HIV. Além de cuidados contínuos de saúde, no âmbito da prática clínica e na esfera social, comum às pessoas vivendo com HIV, as crianças e adolescentes têm especificidades devido à dependência de familiares. Dentre as quais se destacam o monitoramento e a avaliação criteriosa centrada em suas vulnerabilidades.2
A vulnerabilidade dessa população, no plano individual, engloba fatores biológicos (imunidade em desenvolvimento), clínicos (manifestações sintomatológicas da AIDS), medicamentosos (adesão à terapia, efeitos colaterais, adaptações de dosagens e falha terapêutica) e assistenciais (acompanhamento permanente de saúde e de (re)internações hospitalares). O plano social diz respeito à dependência de cuidados de outrem e a autonomia, além da resposta preconceituosa à epidemia e da orfandade. E o plano programático remete à organização e qualificação dos serviços de saúde.
Entre essas vulnerabilidades, se têm as dificuldades de acesso e vínculo nos serviços de APS, especialmente pelo receio quanto ao sigilo diagnóstico na comunidade e a manutenção do fluxo de atenção no sistema de saúde com resolutividade seja da prevenção e manejo da infecção seja da puericultura ou hebiatria.
Reconhece-se que a APS caracteriza-se pelo acesso de primeiro contato, longitudinalidade e integralidade da atenção, coordenação da assistência no sistema de saúde, que deverá ser centrada na família, garantindo a orientação e participação da comunidade e da competência cultural dos profissionais. Quando presentes os quatro atributos essenciais, um serviço pode ser considerado provedor de atenção primária e, quando estão presentes os atributos derivados, pode ser considerado com o potencial de interação com os usuários e comunidade.3
Dentre os derivados, o atributo orientação familiar avalia a necessidade individual considerando o contexto da família e seu potencial de cuidado, incluindo ferramentas para tal abordagem. A atenção voltada à família acontece quando há integralidade e essa está fundamentada na atenção à saúde do usuário e sua família no seu ambiente. Na orientação comunitária, a saúde é reconhecida por meio da epidemiologia e do contato direto com a comunidade, para que, diante da avaliação dos serviços, possa propor mudanças nos programas e monitoramento da efetividade das mesmas.3
A verificação dos atributos derivados mostra melhores desfechos de saúde quanto maior os escores encontrados, minimizando as vulnerabilidades da população de crianças e adolescentes vivendo com HIV.2,4,5 Estudos desse tipo são pouco frequentes na produção do conhecimento científico,6 mas há unanimidade que a avaliação da APS proporciona identificar, em determinado cenário, o grau de orientação de cada serviço e equipe de saúde, permitindo a produção do conhecimento acerca de sua efetividade.7,8
O estudo de revisão de literatura aponta contribuições para minimizar a vulnerabilidade programática ao HIV na APS e mostra problemas relacionados com a estrutura e a dinâmica da organização dos serviços, em especial, quando considera o acesso, a capacitação da equipe, a articulação entre equipe e entre serviços. Além desses problemas, apresenta as dificuldades na operacionalização das práticas de diagnóstico precoce, aconselhamento e visitas domiciliares, que limitam o potencial resolutivo da APS.4 No entanto, há outras práticas que são recomendadas para serem desenvolvidas na APS como as de promoção e de prevenção da infecção pelo HIV, de integração dos serviços para o diagnóstico precoce e de acompanhamento da terapia antirretroviral.1 Entretanto, centradas em uma dimensão técnico-instrumental.5
Este estudo objetivou avaliar os atributos derivados de Atenção Primária à Saúde com foco nas crianças e adolescentes vivendo com HIV, na experiência de profissionais, comparando unidades do modelo tradicional (UBS) e Estratégia Saúde da Família (ESF).
Tratou-se de uma pesquisa com delineamento transversal desenvolvida em serviços da APS, tanto ESF, quanto o modelo tradicional de UBS, dos municípios de residência de crianças e adolescentes vivendo com HIV. Aproximadamente 47 crianças e 45 adolescentes mantém acompanhamento no ambulatório de doenças infecciosas, situado em hospital de referência da região Centro-Oeste do Rio Grande do Sul, Brasil (RS, BR). Em média 60% dessas residem em Santa Maria, município sede desse serviço. Para coleta de dados, foram selecionados os municípios de residência, totalizando 25, os quais estão localizados nas regiões centro-oriental, centro-ocidental, sudoeste, sudeste, noroeste e nordeste do RS/BR (Figura 1). Foi realizado o contato por telefone com as Secretarias de Município de Saúde, com as ESF e as UBS de cada município para prever a locomoção às mesmas e realizar as entrevistas, desenvolvidas no período de março a agosto de 2014.
Figura 1 Localização, porte populacional e cobertura por tipo de serviço dos municípios de coleta dos dados, Rio Grande do Sul, Brasil, 2014. Fonte: Arquivo pessoal.
Tendo em vista que no Brasil estamos em uma fase de transição do modelo tradicional de UBS para a cobertura de 100% da população no modelo da ESF, a amostra possui uma distribuição heterogênea entre os municípios e, também, em cada município. Cita-se como exemplos, o município de Uruguaiana, somente modelo tradicional com 13 UBS, enquanto o município de Santiago, somente o modelo de ESF, outros municípios possuem os dois modelos, distribuídos de modo também heterogêneo. À época, havia 60 UBS e 108 ESF nos municípios acessados para coleta de dados.
Para desenvolver a entrevista, foram treinados nove coletadores de dados, sendo quatro mestrandas e cinco bolsistas de iniciação científica. O treinamento foi feito pela coordenação do projeto que também supervisionou a etapa de campo por meio de encontros semanais para discutir as facilidades e dificuldades encontradas. A jornada diária de coleta de dados era de oito horas, pois condizia com a carga horária dos profissionais da APS.
A população elegível para o estudo foi de 596 profissionais da APS, sendo acessada a população total dos referidos municípios, sem cálculo amostral. Os critérios de inclusão foram: formação em Enfermagem, Medicina (ginecologista, pediatra, clínico geral) ou Odontologia. Os critérios de exclusão: profissionais com contrato temporário (não pertencer ao quadro efetivo do município), que estivesse em período de férias, atestado de saúde ou afastamento do trabalho, o que implicou em 42 profissionais excluídos (7%). Corresponderam às perdas 27 profissionais (4,9%), após persistir em três tentativas de contato, finalizando a coleta de dados com 527 profissionais.
Na coleta de dados, foi utilizado um questionário de caracterização da população com variáveis sociodemográficas (idade, sexo); de formação acadêmica e vínculo (formação, conclusão da graduação, pós-graduação, conclusão da pós-graduação, vínculo empregatício e tempo de serviço); e quanto à possibilidade de atender criança e/ou adolescente com HIV (mesmo desconhecendo o diagnóstico de infecção). Esse instrumento foi elaborado a partir da experiência prévia do grupo de pesquisa em projetos matriciais concluídos, o qual foi submetido a pré-teste, que possibilitou adequações de linguagem e ordenação das questões.
Para avaliar a qualidade da atenção à saúde a partir da presença e extensão dos atributos da APS (variáveis dependentes), foi utilizado o instrumento PCATool - Brasil, versão profissionais, o qual é dividido em oito (8) componentes.9 Entre os instrumentos que tem o objetivo de avaliar a qualidade da APS,6 o Primary Care Assessment Tool (PCATool) permite mensurar a presença e extensão dos atributos da APS em diferentes cenários no Brasil e no exterior.9-11 Os atributos são definidos como um conjunto indissociável de elementos estruturantes presentes nos serviços de saúde, denominados essenciais e derivados. Os primeiros são: acesso de primeiro contato com sistema de saúde, longitudinalidade, coordenação e integralidade. Os atributos derivados, que qualificam as ações dos serviços de APS, são: orientação familiar e comunitária.3
Neste artigo foram analisados os atributos derivados: Orientação Familiar (G1: sobre ideias ou opiniões no processo de planejamento de tratamento/cuidado; G2: sobre doenças ou problemas de saúde existentes na família; G3: disponibilidade em atender membros da família para discutir problemas de saúde ou familiares) e Orientação Comunitária (H1: visitas domiciliares; H2: conhecimento dos problemas de saúde da comunidade que atende; H3: serviço ouve opiniões e ideias da comunidade de como melhorar os serviços de saúde; H4: pesquisas com os usuários sobre satisfazer as necessidades das pessoas; H5: pesquisas na comunidade para identificar problemas de saúde; H6: presença de usuários no Conselho Local de Saúde). Justifica-se essa escolha dos atributos derivados pela convergência do objeto de estudo que está relacionado à vulnerabilidade programática na saúde da criança, o que indica a necessidade de avaliação da interação dos profissionais com os usuários e com a comunidade para qualificar as ações dos serviços de APS.12
Os dados foram inseridos no programa Epi-info® versão 7.0, buscando a exatidão com dupla digitação independente, sendo que após foram verificados e corrigidos erros e inconsistência. Para a análise, foi utilizado o programa Statistical Analysis System (SAS) versão 9.3. Os escores foram obtidos pela média aritmética dos itens que compõem os atributos derivados, conforme orientação do manual do instrumento para análise. Para avaliação, os escores foram dicotomizados segundo valores ≥ 6,6 para alto escore e < 6,6 para baixo escore. Alto escore é definido como extensão satisfatória de cada atributo e baixo escore como insatisfatória.9
As variáveis categóricas foram apresentadas em frequência absoluta e relativa e as variáveis contínuas, em média, desvio padrão, mínimo e máximo. Para a comparação das proporções dos escores dicotomizados (alto escore e baixo escore) dos atributos da APS nas variáveis do perfil sociodemográfico, de formação e situação ocupacional dos profissionais, foi utilizado Teste Qui-quadrado de Pearson. Quando foram comparados os escores dos atributos da APS, segundo o tipo de serviço, foi aplicado o Teste de Mann Whitney. Para as análises estatísticas, foi adotado o nível de significância de 5%. Para confiabilidade dos dados, foi calculado o Alfa de Cronbach, considerando como indicadores de consistência de p-valor < 0,70.
Para a verificação das variáveis associadas ao alto escore em relação aos atributos derivados, foi aplicada a Regressão de Poisson. Foram estimadas as razões de prevalência (RP) e respectivos intervalos de confiança (IC 95%). Na análise bruta e ajustada, as variáveis independentes foram associadas ao alto escore com p-valor < 0,25.
Os aspectos éticos de estudos com seres humanos foram respeitados com aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, parecer consubstanciado n°183.572/2013 de projeto matricial. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi apresentado em duas vias, sendo de posse de cada participante do estudo uma cópia do termo e outra devidamente arquivada.
A caracterização da população pesquisada identificou 270 profissionais em UBS (51%) e 257 em ESF (49%). Quanto à idade, a maioria com <30 anos (n = 420, 79,7%) e do sexo feminino (n = 339, 64,4%). Quanto à formação, Clínico Geral (n = 174, 33%), Ginecologista (n = 38, 7,2%), Pediatra (n = 33, 6,3%), Enfermeiro (n = 167, 31,7%) e Odontólogo (n = 115, 21,8%).
A comparação entre os tipos de serviço de APS mostrou que o escore derivado de APS atribuído às ESF (7,8) foi maior do que o atribuído às UBS (6,8), ambos satisfatórios. O resultado saiu conforme o esperado, visto as características definidoras da ESF como processo de territorialização, sistema de informação eletrônico e participação da comunidade. Quando avaliados separadamente, os atributos derivados, se mantiveram ambos com escores satisfatórios na ESF, orientação familiar (8,4) e comunitária (7,2). Entretanto, na UBS, somente o atributo orientação familiar foi satisfatório (7,9). (Tabela 1)
Tabela 1 Comparação dos escores dos atributos derivados da APS na experiência de profissionais de serviços de APS de municípios do Rio Grande do Sul, Brasil, 2014.
Atributos derivados | Unidade Básica de Saúde (n = 243) |
Estratégia Saúde da Família (n = 249) |
p-valor* | ||
---|---|---|---|---|---|
Média (DP) | Mínimo-Máximo | Média (DP) | Mínimo-Máximo | ||
Orientação familiar | 7,9 (2,2) | 0-10 | 8,4 (1,5) | 3,3-10 | 0,039 |
Orientação comunitária | 5,6 (2,2) | 0-10 | 7,2 (1,5) | 2,2-10 | <0,001 |
Escore derivado | 6,8 (1,7) | 0,6-10 | 7,8 (1,2) | 0,4-10 | <0,001 |
*Teste Mann-Whitney;
DP: desvio padrão
A predominância de ESF, com escore maior para os atributos derivados, indica que a presença satisfatória dos atributos favorece e qualifica a atenção prestada, resultado que também foi encontrado em outros estudos tanto com profissionais.10,13-15 quanto com cuidadores16,17 Isso indica a qualidade da APS para atender crianças e adolescentes vivendo com HIV e suas famílias, convergente com o aumento significativo das condições crônicas e da sobrevida dos usuários com doenças infectocontagiosas, que modificou as demandas de atenção para os serviços de saúde, como a integração dos usuários, família e comunidade.18 A transformação do modelo assistencial tradicional da UBS para ESF visa a atenção às necessidades do usuário em seu núcleo familiar e comunitário. Por meio de orientações e normatizações de políticas nacionais para consolidar as redes de atenção, enfatiza-se a promoção da saúde de acordo com os determinantes sociais e as necessidades da comunidade.13,16
Em estudo que apresentou escore satisfatório da orientação familiar na ESF, familiares cuidadores de crianças menores de um ano de idade relataram que os médicos e enfermeiros conheciam suas famílias e acometimentos de saúde prevalentes, e acreditavam que a equipe de saúde estava interessada em conhecer as condições de saúde da comunidade.17 Por outro lado, na experiência de profissionais de saúde do município de São Luiz (Maranhão) o atributo orientação familiar obteve baixo escore para ESF.8 Isso indica a importância de avaliar a qualidade da atenção na ESF na experiência tanto daqueles que prestam o cuidado quanto daqueles que o buscam, compreendendo as diferentes perspectivas, mesmo que possam não convergir, mas se complementar no intuito de potencializar a interação das equipes de APS com usuários e comunidade.
Em estudo realizado em Piracicaba (São Paulo), a avaliação dos profissionais também resultou em escores maiores para a ESF nos atributos orientação familiar e orientação comunitária, em relação aos escores das UBS. Esses atributos favorecem o planejamento e o desenvolvimento de ações que permitem a atenção qualificada aos usuários.19 Em pesquisa realizada em Chapecó (Santa Catarina) que avaliaram a experiência de profissionais de UBS, os escores de ambos os atributos derivados foram satisfatórios e maiores em relação aos demais atributos da APS.20 Em estudos com usuários18,21 e com cuidadores,16 apresentou-se baixo escore para APS nos diferentes serviços. Esses resultados apontam que profissionais de saúde avaliam seus serviços com atenção qualificada de acordo com os recursos disponíveis; entretanto os usuários, inclusive familiares cuidadores, percebem a falta de recursos humanos e materiais, e referem que não há resolutividade, reiterando a importância de ambas as perspectivas para a qualidade da APS, mais prevalente nas ESF.
A avaliação dos itens (questões) que compõe os elementos estruturantes dos atributos derivados possibilitou melhor compreensão dos resultados. As avaliações que contribuíram com o escore médio da Orientação Familiar foram os questionamentos dos profissionais, durante a consulta, quanto à existência de doenças e problemas de saúde na família (G2) e a disposição para discutir problemas de saúde com a família (G3), sendo que as duas questões obtiveram escore satisfatório em ambos os serviços (Tabela 2).
Tabela 2 Comparação dos itens que compõem os elementos dos atributos Orientação Familiar (N=524) e Orientação Comunitária (N=492), dicotomizados em alto e baixo escore, segundo o tipo de serviço na experiência de profissionais de saúde de municípios do Rio Grande do Sul, Brasil, 2014.
Unidade Básica de Saúde | Estratégia Saúde da Família | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Alto Escore (≥ 6,6) n (%) |
Baixo Escore (< 6,6) n (%) |
p-valor* | Alto Escore (≥ 6,6) n (%) |
Baixo Escore (< 6,6) n (%) |
p-valor* | |
Orientação Familiar (N=524) | n = 270 | n = 254 | ||||
G1 - Você pergunta aos pacientes quais suas ideias e opiniões ao planejar o tratamento e cuidado do paciente ou membro da família? | 0,490 | 0,983 | ||||
Alto escore | 118 (43,7) | 15 (5,6) | 91 (35,8) | 14 (5,5) | ||
Baixo escore | 125 (46,3) | 12 (4,4) | 129 (50,8) | 20 (7,9) | ||
G2- Você pergunta sobre doenças e problemas de saúde que possam ocorrer nas famílias dos pacientes? | 0,798 | 0,724 | ||||
Alto escore | 159 (58,9) | 17 (6,3) | 142 (55,9) | 23 (9,1) | ||
Baixo escore | 84 (31,1) | 10 (3,7) | 78 (30, 7) | 11 (4,3) | ||
G3 - Você está disposto e capaz de atender membros da família dos pacientes para discutir um problema de saúde ou problema familiar? | 0,934 | 0,838 | ||||
Alto escore | 147 (54,1) | 16 (5,9) | 159 (62,6) | 24 (9,4) | ||
Baixo escore | 97 (35,9) | 11 (4,1) | 61 (24,0) | 10 (3,9) | ||
Escore Geral Orientação Familiar | 243 (90,0) | 27 (10,0) | <0,001 | 220 (86,6) | 34 (13,4) | <0,001 |
Orientação Comunitária (N=492) | N=248 | N=244 | ||||
H1 - Você ou alguém do seu serviço de saúde faz visitas domiciliares? | 0,433 | 0,714 | ||||
Alto escore | 60 (24,2) | 47 (18,9) | 140 (57,4) | 93 (38,1) | ||
Baixo escore | 72 (29,0) | 69 (27,8) | 6 (2,5) | 5 (2,0) | ||
H2 - Você crê que seu serviço de saúde tem conhecimento adequado dos problemas de saúde da comunidade que atende? | 0,823 | 0,157 | ||||
Alto escore | 46 (18,5) | 42 (16,9) | 64 (26,2) | 52 (21,3) | ||
Baixo escore | 86 (34,7) | 74 (29,8) | 82 (33,6) | 46 (18,8) | ||
H3 - Seu serviço de saúde ouve opiniões e idéias da comunidade de como melhorar os serviços de saúde? | 0,159 | 0,116 | ||||
Alto escore | 40 (16,1) | 45(18,10 | 73 (29,9) | 59 (24,2) | ||
Baixo escore | 92 (37,1) | 71 (28,60) | 73 (29,9) | 39 (16,0) | ||
H4 - Faz pesquisas com os pacientes para ver se os serviços estão satisfazendo (atendendo) as necessidades das pessoas? | 0,336 | 0,691 | ||||
Alto escore | 16 (6,4) | 19 (7,7) | 34 (13,9) | 25 (10,2) | ||
Baixo escore | 116 (46,8) | 97 (39,1) | 112 (45,9) | 73 (29,9) | ||
H5 - Faz pesquisas na comunidade para identificar problemas de saúde que ele deveria conhecer? | 0,597 | 0,363 | ||||
Alto escore | 14 (5,6) | 10 (4,0) | 30 (12,3) | 25 (10,2) | ||
Baixo escore | 118 (47,6) | 106 (42,7) | 116 (47,5) | 73 (29,9) | ||
H6 - Presença de usuários no Conselho Local de Saúde (Conselho Gestor, Conselho de Usuários) | 0,327 | 0,839 | ||||
Alto escore | 44 (17,7) | 32 (12,9) | 60 (24,6) | 39 (16,0) | ||
Baixo escore | 88 (35,5) | 84 (33,9) | 86 (35,2) | 59 (24,2) | ||
Escore Orientação Comunitária | 132 (53,2) | 116 (46,8) | 0,309 | 146 (59,8) | 98 (40,2) | 0,002 |
*Teste do Qui-quadrado de Pearson.
Na Orientação Comunitária, somente as visitas domiciliares (H1) obtiveram escore satisfatório. Entretanto, quando comparados por tipo de serviço, a UBS apresentou baixo escore para as visitas enquanto a ESF apresentou alto escore para ouvir opiniões da comunidade para melhorar o serviço (H3) (Tabela 2).
Estudos com familiares cuidadores de crianças, em ambos os tipos de serviço, e a atenção centrada na família indicou que as práticas de saúde ainda não valorizam aspectos familiares, apontando fragilidade na APS.12,21 Em contraponto, o estudo realizado em São Luiz (Maranhão), apenas em serviços com ESF, apontou que a troca de informações com familiares é uma realidade.8 Também quando o foco da atenção é a tuberculose, há inclusão de familiares no processo terapêutico para o enfrentamento da doença.22 Tais resultados sinalizam a necessidade de considerar a participação do usuário na formulação de propostas e ações para a efetividade da atenção.
Outro fator para efetividade da atenção são as visitas domiciliares,3,7 avaliado com alto escore somente na ESF neste artigo. Essa avaliação positiva pelos profissionais11 converge com a avaliação na perspectiva de familiares cuidadores,12 mas nem sempre com os usuários.11 A visita domiciliar proporciona educação em saúde e partilha de experiências com os usuários e famílias. Para tanto, os profissionais necessitam conhecimento abrangente, além da clínica, para considerar aspectos culturais e sociais. Estudo em infectologia, com a população de usuários com tuberculose, considera que acolhimento e informações na perspectiva da visita contribuem para evitar o abandono do tratamento, ampliando as possibilidades terapêuticas.23
A visita se atrela à facilidade do acesso, ampliação da equidade e interpretação da doença por meio do reconhecimento do cotidiano. Proporciona o contato direto com a comunidade ao viabilizar a intermediação entre o domicílio e a unidade de saúde, inclusive na prática clínica dos enfermeiros.24,25 Nesse sentido, a clínica ampliada, como instrumentalizadora do processo de trabalho em saúde, minimiza a vulnerabilidade programática. Pode contribuir com o cuidado em saúde às crianças e adolescentes com HIV, ao adequar o manejo do HIV às situações de vulnerabilidade individual e social das famílias responsáveis pelo cuidado cotidiano. Diante da necessidade de ampliar a prática clínica dos enfermeiros no cuidado às crianças e aos adolescentes, a clínica ampliada auxilia no processo de trabalho em saúde centrado nos usuários, com orientação familiar e comunitária.
Além das visitas, o serviço de APS deve ouvir opiniões da comunidade para qualificá-lo fundamental para o planejamento das ações. Porém, os escores mostraram que na prática os atributos derivados não se estabelecem como ferramenta gerencial e propulsora de tomada de decisões, apesar de obter melhor escore para ESF, o que indica que os profissionais desse tipo de serviço têm melhor conhecimento da comunidade em que estão inseridos.26 Infere-se, então, o potencial das ESF para o diagnóstico situacional das crianças e adolescentes com HIV em sua área de abrangência, inclusive para promover a comunicação entre os serviços, busca ativa e continuidade do cuidado de modo integral, a partir da proximidade com as famílias das crianças e reconhecimento de suas necessidades.
A ausência de diferença estatisticamente significante indica que não encontramos evidencia suficientemente forte para comprovar quais dos itens que compõe a Orientação Familiar e a Comunitária interferem no alto escore para cada tipo de serviço avaliado (ESF e UBS). Embora sem diferença, destacamos que podem ser consideradas significativas do ponto de vista terapêutico, a exemplo do item que se refere a perguntar aos usuários o que consideram acerca do planejamento do cuidado/tratamento (G1). O desconhecimento ou desconsideração das dificuldades enfrentadas pelos familiares no cotidiano de cuidado da criança, interfere negativamente no sucesso terapêutico. Os familiares referem as dificuldades com a administração dos antirretrovirais, o sigilo do diagnóstico, a rede de apoio social e com o preconceito.27
O serviço de saúde investigar (H5) e conhecer os problemas de saúde da comunidade (H2) pode ser considerado significativo do ponto de vista assistencial, desde o planejamento das ações até a execução, inclusive promovendo a busca ativa e a continuidade da atenção. Entretanto, o desconhecimento dos usuários infectados de sua área de abrangência interfere negativamente na vulnerabilidade programática.28
A partir dos escores obtidos, observa-se que a presença dos atributos derivados aproxima o profissional de saúde dos usuários e da comunidade e infere-se que isso potencializa as ações para o manejo da infecção, considerando as vulnerabilidades dessas crianças e adolescentes. Quanto à vulnerabilidade social, estar próximo da comunidade, contribui para a promoção de ações de apoio aos cuidados cotidianos desenvolvidos pelos familiares das crianças e para a aquisição de autonomia do adolescente.
Ainda relacionado ao alto escore, quando associadas às variáveis de formação e de ocupação dos profissionais, independente do tipo de serviço, somente o vínculo empregatício foi significativo na regressão bruta e ajustada (Tabela 3).
Tabela 3 Regressão de Poisson bruta e ajustada para as variáveis independentes associadas ao alto escore da APS em relação aos atributos derivados na avaliação da atenção à saúde de crianças e adolescentes com HIV, na experiência de profissionais de saúde de municípios do Rio Grande do Sul, Brasil, 2014.
Variáveis | Alto Escore | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
RPb* | IC95%†
Mínimo-Máximo |
p-valor | RPa‡ | IC95%†
Mínimo-Máximo |
p-valor | |
Vínculo empregatício | ||||||
Estatutário | 0,881 | 0,808-0,960 | 0,004 | 0,869 | 0,815-0,925 | < 0,001 |
Celetista | 0,937 | 0,856-1,025 | 0,156 | 0,891 | 0,826-0,962 | 0,003 |
Terceirizado | ref | ref | ||||
Tempo de serviço | ||||||
≤3 anos | 1,013 | 0,9670-1,0610 | 0,5790 | 1,0160 | 0,9520-1,0830 | 0,6380 |
>3 anos | ref | ref | ||||
Formação | ||||||
Clínico Geral | 0,990 | 0,909-1,077 | 0,807 | 0,972 | 0,885-1,068 | 0,558 |
Enfermeiro | 0,907 | 0,83-0,992 | 0,033 | 0,920 | 0,818-1,034 | 0,163 |
Odontólogo | 0,956 | 0,872-1,047 | 0,331 | 0,958 | 0,849-1,080 | 0,481 |
Ginecologista | 0,943 | 0,84-1,058 | 0,317 | 0,935 | 0,832-1,050 | 0,257 |
Pediatra | ref | ref | ||||
Graduação | ||||||
≤15 anos | 0,980 | 0,936-1,026 | 0,386 | 1,015 | 0,940-1,097 | 0,698 |
>15 anos | ref | ref | ||||
Pós-graduação | ||||||
Especialização | 1,081 | 0,929-1,258 | 0,314 | 1,080 | 0,926-1,260 | 0,329 |
Não Possui | 1,154 | 0,991-1,344 | 0,660 | 0,981 | 0,629-1,531 | 0,932 |
Resídência | 1,130 | 0,967-1,320 | 0,123 | 1,099 | 0,930-1,298 | 0,267 |
Mestrado | ref | ref | ||||
Pós-graduação | ||||||
≤6 anos | 0,973 | 0,920-1,029 | 0,333 | 0,979 | 0,906-1,057 | 0,585 |
>6 anos | ref | ref |
*RPb: Regressão de Poisson bruta;
†IC 95%: intervalo de confiança de 95%;
‡RPa: Regressão de Poisson ajustada por: Idade, Situação Conjugal, Vínculo empregatício, Tempo de serviço, Formação, Conclusão da Graduação, Pós Graduação e Conclusão da Pós-Graduação.
ref - valor de referência
Não foi localizado estudo que associou o escore dos atributos derivados com o perfil dos profissionais, não sendo possível identificar convergências ou divergências com investigações que utilizaram o PCATool, sendo o diferencial deste estudo. Infere-se que o vínculo estatutário pode estar relacionado à menor rotatividade nos serviços de APS e a formação qualificada. Embora a formação não tenha obtido significância estatística, na regressão bruta, a participação do enfermeiro no alto escore pode estar relacionada à sua formação direcionada aos aspectos familiares e comunitários. Essa significância não se manteve na regressão ajustada, o que pode ter influência de outras variáveis como o vínculo. Este estudo aponta o impacto de vínculos empregatícios estáveis na qualidade do cuidado prestado, o que indica necessidade de provimento de recursos humanos na APS, principalmente em ESF, como um dos desafios para a ampliação de sua cobertura.
Salienta-se que os resultados foram interpretados com algumas limitações, pois apontaram a visão dos profissionais, indicando a possibilidade de ampliação ao avaliar a experiência, também, de usuários e de gestores. Todavia, a carência de estudos nacionais da APS com foco no HIV aponta para relevância de avaliações similares.
Ambos os serviços apresentaram escore satisfatório nos atributos derivados da APS, o que indica o potencial desses serviços para atenção às crianças e adolescentes vivendo com HIV. Resguardadas as suas diferenças em que o escore derivado de APS atribuído às ESF foi maior do que o atribuído às UBS. Mostraram-se associados ao alto escore a qualificação profissional e o vínculo empregatício. Apenas o item relacionado à visita domiciliar foi significativamente satisfatório no atributo orientação para comunidade. Mesmo os itens com ausência de significância estatística foram importantes para a indicação da necessidade de maior interação entre os profissionais da APS e crianças e adolescentes vivendo com HIV, inclusive seus cuidadores.
Recomendamos que no planejamento das ações em saúde os profissionais considerarem a opinião do usuário e seus familiares elegendo as prioridades do núcleo familiar e da comunidade, a partir de suas necessidades. E, que considerem a visita domiciliária como uma ferramenta para qualificar as ações e obter a efetividade na atenção à saúde. Concluímos que a ampliação da cobertura da ESF nos municípios pode qualificar a APS.