versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.15 no.4 São Paulo out./dez. 2017 Epub 18-Dez-2017
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082017ao4147
Os implantes mamários de silicone são largamente empregados para aumento de volume, melhora do aspecto estético das mamas, reconstrução mamária pós-câncer, correção de alterações congênitas das mamas e reparação pós-trauma ou queimadura. O número de pacientes portadoras de implante tem crescido anualmente. No ano de 2015, foram realizadas 1.488.992 cirurgias de aumento mamário com prótese de silicone ao redor do mundo, das quais 166.340 foram no Brasil. Estes dados referem-se somente aos procedimentos efetuados por cirurgiões plásticos certificados.(1)
Existem inúmeros fabricantes que produzem diversos tipos de próteses, que variam em sua forma, superfície externa do envelope e conteúdo.(2,3)A durabilidade destes implantes não é previsível, e o risco de perda de sua integridade aumenta com o decorrer do tempo, a partir de sua fabricação e, principalmente, em função da qualidade de sua produção.(4)
São variadas as complicações que podem surgir em pacientes portadoras de implantes mamários, como ruptura do envelope e extravasamento do silicone, deslocamento da prótese, aumento da consistência dos tecidos ao redor do implante e surgimento de coleções líquidas na região.(5)Além das características do implante utilizado, a técnica cirúrgica empregada, a causa da cirurgia e a condição clínica da paciente também são determinantes das complicações que ocorrem.
Uma das complicações mais frequentes e mais estudadas é a perda de integridade da prótese. Ela implica na indicação de nova cirurgia para sua retirada ou troca. Pode ocorrer ruptura devido a erro técnico durante o ato operatório ou, mais frequentemente, por falha na fabricação do implante. Em 2010, a agência francesa Agence Nationale de Securité du Médicament et des Produit de Santé suspendeu o uso de próteses mamárias de silicone gelatinoso produzidas pela Poly Implant Prothèse (PIP), devido ao uso em sua fabricação de material não aprovado, que poderia causar a perda da integridade dos implantes, tendo sido recomendada a retirada destas próteses do mercado.(6,7)
A ruptura do envelope é assintomática em até 50% das pacientes, e a presença de coleções líquidas é difícil de ser identificada ao exame físico.(8)A dificuldade de se chegar ao diagnóstico clínico da maioria das complicações leva à necessidade da utilização de exames diagnósticos por imagem. Dentre as modalidades de exame disponíveis, a mamografia e a ultrassonografia não são ideais para avaliação dos implantes e suas complicações, sendo a ressonância magnética considerada o exame de referência.(9–12)Em 2006, o Food and Drug Administration (FDA) recomendou o controle das próteses por meio de ressonância magnética após 3 anos de inserção do implante e a repetição do exame a cada 2 anos.(6)
Para que o médico radiologista possa elaborar um laudo radiológico preciso, é importante que ele tenha acesso aos dados clínicos e cirúrgicos da paciente. No entanto, muitas vezes estes dados não estão disponíveis na solicitação do exame de imagem feita pelo médico responsável e são obtidas somente por meio de informações fornecidas pela paciente no dia do exame.
Analisar a qualidade e a quantidade de dados que constam nas requisições médicas de exame de ressonância magnética das mamas em pacientes portadoras de prótese mamária de silicone.
Estudo retrospectivo, em que foram analisados 300 prontuários de pacientes do sexo feminino portadoras de prótese mamária de silicone submetidas ao exame de ressonância magnética das mamas a partir de 12 de dezembro de 2012 a 17 de agosto de 2013 no Serviço de Radiologia do Hospital Israelita Albert Einstein.
Foram coletados dados dos questionários entregues às pacientes logo antes do exame, preenchidos por um membro da equipe de enfermagem, com as respostas fornecidas pelas pacientes. Também foram analisados os dados que constavam das solicitações médicas destes exames. Foram estudados 300 prontuários após a exclusão de 46 que não continham a requisição médica ou o questionário disponível.
Dos questionários foram utilizados os seguintes dados: idade, razão para a realização do exame, motivo para a colocação da prótese, referência a sinal ou sintoma especificando a localização e lateralidade, tempo decorrido desde a cirurgia de implante da prótese atual, se a cirurgia foi de troca da prótese e se foi submetida à radioterapia ou quimioterapia.
Das solicitações médicas do exame, foram utilizadas informações sobre a prótese mamária, a cirurgia de colocação do implante mamário, clínicas com referência a algum sinal ou sintoma, e a especialidade do médico requisitante.
As variáveis categóricas foram descritas por frequências absolutas e relativas, e as quantitativas, por medidas-resumo, como média e desvio padrão, ou mediana e intervalo interquartil (IIQ), além de valores mínimos e máximos.
A distribuição das variáveis quantitativas foi estudada por histogramas e boxplots , tendo sido aplicado o teste de normalidade de Shapiro-Wilk. Foram aplicados testes de Mann-Whitney na comparação entre as solicitações com e sem presença de dados quanto ao tempo de colocação da prótese.
As associações entre a presença de dados nas solicitações médicas e as variáveis de interesse foram analisadas por testes χ2. As análises foram realizadas com auxílio do programa Stastical Package of Social Science (SPSS) e considerando o nível de significância 5%.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê Ética em Pesquisa número 352.947, CAAE: 18452813.4.0000.0071. Os prontuários das pacientes pertencem ao Hospital Israelita Albert Einstein, sendo isentos do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE).
A análise dos dados contidos no questionário prévio mostrou que a idade das mulheres na ocasião do exame variou entre 17 e 82 anos, com média de 45,8 anos (desvio padrão de 11,6 anos) ( Tabela 1 ).
Tabela 1 Análise descritiva dos dados contidos nos questionários respondidos pelas pacientes
Idade, anos | ||
Média (DP) | 45,8 (11,6) | |
Mínimo-máximo | 17-82 | |
Razão principal para a realização do exame, n (%) | ||
Avaliação após câncer de mama | 93 (31,0) | |
Avaliação após cirurgia de finalidade estética | 180 (60,0) | |
Nódulo de mama | 27 (9,0) | |
Queixa clínica ou alteração física reportada, n (%) | ||
Não refere | 206 (68,7) | |
Sim | 94 (31,3) | |
A última cirurgia foi troca de prótese, n (%) | ||
Não refere | 241 (80,3) | |
Sim | 59 (19,7) | |
Há quantos anos foi a cirurgia de colocação de prótese? | ||
Mediana (IIQ) | 5,0 (2,0-9,0) | |
Mínimo-máximo | 1-30 | |
Pacientes, n | 264 | |
Foi submetida à radioterapia? n (%) | ||
Não refere | 261 (87,0) | |
Sim | 39 (13,0) | |
Foi submetida à quimioterapia? n (%) | ||
Não refere | 259 (86,3) | |
Sim | 41 (13,7) | |
Radioterapia e quimioterapia, n (%) | ||
Não refere | 246 (82,0) | |
Sim | 54 (18,0) |
DP: desvio padrão;
IIQ: intervalo interquartil.
A maior parte dos exames foi realizada em pacientes que tinham sido submetidas à cirurgia de implante da prótese por razão estética (60,0%) e 30% em pacientes que foram submetidas à reconstrução mamária por câncer primário da mama.
No questionário, 31,3% das pacientes referiram apresentar alguma alteração física ou sintoma de mama.
O tempo decorrido entre a colocação da prótese e a solicitação do exame variava entre 1 e 30 anos, com mediana de 5 anos (IIQ: 2 a 9 anos); além disso 19,7% das pacientes reportaram que já terem trocado a prótese pelo menos uma vez.
Em relação ao tratamento, 13,0% das pacientes foram submetidas à radioterapia, 13,7% à quimioterapia, e 18,0% à radioterapia e à quimioterapia.
Em 23,7% das solicitações, os médicos forneceram pelo menos uma das informações sobre a prótese, dados clínicos ou da cirurgia, sendo que, em 19,0%, existia apenas uma informação, 3,0% continham duas informações e apenas 1,7% forneceu as três informações. Das informações constantes, 2,3% eram sobre a prótese, 5,3% sobre a cirurgia de implante da prótese atual e 22,3% sobre a presença de um sinal ou sintoma clínico ( Tabela 2 ).
Tabela 2 Análise descritiva dos dados contidos nas requisições médicas
Dados nas requisições médicas | n (%) | |
---|---|---|
Especialidade do médico requisitante | ||
Ginecologia ou Mastologia | 175 (58,3) | |
Cirurgia Plástica | 59 (19,7) | |
Oncologia ou Radioterapia | 12 (4,0) | |
Clínica Médica (qualquer especialidade clínica) | 29 (9,7) | |
Outras especialidades | 8 (2,7) | |
Não referido | 17 (5,7) | |
Há dados da prótese na solicitação do exame? | ||
Não | 293 (97,7) | |
Sim | 7 (2,3) | |
Há dados clínicos na solicitação do exame? | ||
Não | 233 (77,7) | |
Sim | 67 (22,3) | |
Há dados da cirurgia na solicitação do exame? | ||
Não | 284 (94,7) | |
Sim | 16 (5,3) | |
Qualquer dado fornecido pelo médico | ||
Não | 229 (76,3) | |
Sim | 71 (23,7) |
A maioria das solicitações de exame (58,3%) foi efetuada por médicos da especialidade de Ginecologia, seguidos pela Cirurgia Plástica (19,7%); as demais especialidades somaram 22% dos pedidos ( Tabela 2 ). Considerando as duas especialidades mais frequentes (Ginecologia e Cirurgia Plástica), houve evidências de associação entre a especialidade e a presença de dados nas solicitações (p<0,001). Os resultados sugerem que os cirurgiões plásticos fornecem mais informações do que os ginecologistas (49,2% dos cirurgiões plásticos versus 18,9% dos ginecologistas).
Observam-se evidências de associação entre a presença de qualquer dado fornecido pelo médico e a razão principal para a realização do exame (p=0,006). Ainda, proporção de dados fornecidos pelos médicos nas solicitações em razão de câncer ou estética foi maior do que nas solicitações em razão de nódulo de mama.
Foram encontradas evidências de diferenças entre as solicitações com presença e sem presença de dados quanto ao tempo de colocação da prótese (p=0,026). A mediana de tempo de colocação da prótese em solicitações com informações (mediana 7; IIQ: 3-11) foi maior do que naquelas sem informações (mediana 5; IIQ: 2-8).
Não existiram evidências de associação entre a presença de qualquer dado fornecido pelos médicos e as seguintes variáveis: paciente ter sido submetida à radioterapia ou quimioterapia (p=0,938), cirurgia para troca de prótese (p=0,311) e presença de queixa clínica (p=0,272).
A solicitação de um exame de imagem geralmente é feita por um profissional médico, após avaliação clínica do paciente. Esta realidade não é diferente em pacientes portadoras de implantes mamários − inclusive, no caso específico destas pacientes, houve crescimento na utilização dos métodos de imagem, uma vez que eles são superiores ao exame físico para detecção de complicações relacionadas aos implantes.
Nesta pesquisa, é relevante a constatação do baixo o índice de informações contidas nas requisições dos exames. Apenas 2,3% continham dados sobre o tipo de prótese. Mesmo após a ocorrência nesses últimos anos de repetidos escândalos envolvendo falhas em próteses de alguns fabricantes, a maioria das solicitações de exames não continha informações sobre a marca de implante que a paciente portava. O mesmo se refere à falta de informações sobre o formato da prótese. Em 2017, estudo por imagem demonstrou ser possível identificar se as próteses assimétricas mudaram de posição e eixo.(13)
Apenas 5,3% das solicitações continham informações sobre a cirurgia de colocação da prótese atual. Nos questionários, 19,7% das pacientes referiram que tinham sido submetidas à troca de prótese. A causa da troca e a técnica cirúrgica utilizada, bem como a presença de alterações da anatomia, são relevantes para a confecção do laudo de imagem. Quando é realizada cirurgia para a troca de uma prótese rota, se o silicone extravasado não for retirado, sua presença nos tecidos pode modificar a interpretação da imagem.(14)
Ao responder o questionário prévio ao exame, 31,3% das pacientes referiram queixas clínicas e 31% relataram que já tinham sido submetidas à quimioterapia ou à radioterapia. No entanto, apenas 22,3% das solicitações médicas continham algum dado clínico. Há um evidente deficit de informações nas solicitações, considerando que um terço dos exames foram pedidos para o seguimento de câncer de mama destas pacientes.
A maioria das solicitações dos exames foi feita por ginecologistas (58,3%). Embora em número menor (19,7%), as solicitações feitas por cirurgiões plásticos continham maior volume de informações sobre o implante. O cirurgião plástico pode fornecer mais informações, pois é ele o responsável pelo ato de colocação dos implantes.
Diversos estudos demonstraram que existem inúmeros fatores associados a erros e discrepâncias nos laudos dos exames de imagem,(15,16)cujas taxas são de 3 a 11%. No entanto, estes podem ser minimizados, se o médico radiologista dispuser da maior quantidade de dados clínicos e laboratoriais sobre o paciente.(17)Uma das maneiras de atingir este objetivo é por meio do intercâmbio com o médico requisitante.(18)
Uma vez que está claro que os dados fornecidos são baixos em nosso estudo, algumas ações poderiam ser implementadas, como a conscientização de que o exame complementar é parte do processo diagnóstico e o que médico solicitante tem a responsabilidade sobre o que indicou ou participou. As instituições, como os hospitais, as sociedades e os órgãos regulatórios, têm se preocupado em prover condições técnicas e de humanização para o exercício de função do médico radiologista. Por isto consideramos que também elas deveriam promover meios de conscientização e até mesmo protocolos de atuação, para estimular os médicos a aumentarem seu intercâmbio com os radiologistas e, assim, incluir o maior volume de dados possíveis em sua solicitação de exame, reduzindo a possibilidade de eventos não desejados.
A quantidade de informações contidas na solicitação médica de exame de ressonância magnética de mama em pacientes portadoras de prótese mamária foi baixa, o que pode comprometer a qualidade do laudo radiológico. Medidas institucionais de orientação da importância das informações clínicas nas solicitações de exames ou desenvolvimento de pedidos médicos padronizados deveriam ser adotados para estimular um maior intercâmbio de informações entre o médico solicitante e o médico radiologista.