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Avaliação dos desfechos estéticos e funcionais em cirurgia de rinoplastia: um estudo prospectivo

Avaliação dos desfechos estéticos e funcionais em cirurgia de rinoplastia: um estudo prospectivo

Autores:

Sara Sena Esteves,
Miguel Gonçalves Ferreira,
João Carvalho Almeida,
José Abrunhosa,
Cecília Almeida e Sousa

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.83 no.5 São Paulo set./out. 2017

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.06.010

Introdução

A avaliação do desfecho da cirurgia medido pela satisfação ou qualidade de vida do paciente é muito importante, especialmente em cirurgia plástica. Há muitas áreas de otorrinolaringologia em que os desfechos têm sido avaliados, tais como oncologia de cabeça e pescoço, sinusite aguda e apneia obstrutiva do sono. Existe um interesse crescente na avaliação dos desfechos autorrelatados em cirurgia plástica, sendo a cirurgia plástica facial uma das áreas mais importantes de pesquisa. Os desfechos de qualquer procedimento cirúrgico podem ser medidos por termos quantitativos e/ou qualitativos. No caso de cirurgia plástica, os procedimentos são geralmente eletivos e feitos para fins estéticos e, como tal, a análise dos parâmetros quantitativos, como dias de internação, morbilidade e mortalidade, pode ser aplicável, mas eles não são relevantes. Portanto, os cirurgiões plásticos faciais medem o sucesso com base em avaliações qualitativas. No entanto, a falta de uma apreciação qualitativa padronizada torna difícil comparar objetivamente o sucesso de diferentes técnicas e cirurgiões isoladamente.

O autorrelato sobre os desfechos é cada vez mais reconhecido como um desfecho importante em ensaios clínicos ou para avaliar a eficácia dos procedimentos médicos. Portanto, questionários projetados para avaliar a qualidade de vida e autoimagem são muito úteis para avaliar o sucesso da cirurgia plástica facial, pois padronizam as informações coletadas e possibilitam uma comparação objetiva de procedimentos que medem os efeitos positivos e negativos, bem como melhorias após a rinoplastia. 1-3 A satisfação do paciente depende de fatores subjetivos, tais como percepção da aparência pré-operatória do paciente, suas expectativas, as capacidades de relação social, o consumo de álcool e o temperamento.4 Em comparação com a rinoplastia primária, a rinoplastia de revisão é uma cirurgia mais desafiadora porque o seu principal objetivo é corrigir os defeitos funcionais e/ou estéticos ou queixas após a cirurgia anterior ter falhado em atender às expectativas do paciente.5 Portanto, compreender as expectativas do paciente no pré-operatório é fundamental para se alcançarem os desfechos desejados.6 O cirurgião e o paciente geralmente não apresentam a mesma satisfação com o procedimento, uma vez que as expectativas e as opiniões são diferentes.

Em 2000, Alsarraf et al. foram os primeiros a criar e testar um questionário com confiabilidade, consistência interna e validade para várias cirurgias plásticas, inclusive rinoplastia. 7,8 Esse questionário, Avaliação dos Desfechos de Rinoplastia (ROE), possibilitou medir os aspectos qualitativos, tais como as variáveis sociais, emocionais e psicológicas (fig. 1). Em Portugal, o estudo de satisfação do paciente após a rinoplastia era uma área negligenciada, principalmente devido à ausência de instrumentos validados para avaliar os desfechos objetivos e subjetivos do procedimento. Em 2013, Sena Esteves S. et al. validaram esse questionário ROE para o português.9

Figura 1 Versão em inglês do questionário de Avaliação de Desfechos de Rinoplastia. 

O objetivo deste estudo foi avaliar a satisfação dos pacientes submetidos a rinoplastia em um centro terciário com o questionário ROE no pré e pós-operatório e determinar a relação com as características do paciente e os detalhes da cirurgia.

Método

O Comitê de Ética em Pesquisa do nosso hospital aprovou o estudo sob no número de registro ID: 051/13. Um estudo prospectivo incluiu todos os indivíduos adultos submetidos à rinoplastia entre fevereiro de 2013 e agosto 2014 em um centro terciário. Foram recrutados110 pacientes, mas três deles foram omitidos do estudo, por perda de seguimento.

Foram incluídos 107 pacientes, os quais foram submetidos a uma consulta pré-operatória com um otorrinolaringologista e responderam ao questionário ROE. Além disso, os questionários incluíram dados demográficos do paciente, como idade, sexo, etnia, nível de escolaridade, aspectos psicológicos, motivo da consulta e informações sobre cirurgias estéticas antes da consulta. A satisfação pós-operatória foi avaliada por um telefonema aos 3 e 6 meses após a cirurgia, pelo mesmo otorrinolaringologista. A pessoa que fez a chamada não foi necessariamente o cirurgião. Os pacientes também foram questionados se ainda escolheriam se submeter à rinoplastia mesmo se soubessem o resultado final.

A versão em português validada do questionário ROE foi usada, é composta por seis perguntas (cinco sobre a forma do nariz e uma sobre a respiração nasal). Cada pergunta é pontuada pelo paciente em uma escala de 0 a 4, em que 0 representa a resposta mais negativa e 4 a mais positiva (fig. 2). A soma das pontuações foi dividida por 24 e multiplicada por 100, para se obter um resultado que variou de 0 a 100. Pontuação inferior indica maior insatisfação. A diferença positiva entre a pontuação pós e pré-operatória significa melhoria após a intervenção.

Figura 2 Versão em português do questionário de Avaliação de Desfechos de Rinoplastia. 

Os cirurgiões também responderam a um questionário, no dia da cirurgia, sobre técnicas operatórias usadas durante a rinoplastia, outros procedimentos nasais e rinoplastia prévia.

Todos os pacientes que procuravam por uma rinoplastia, além de outros procedimentos nasais, como septoplastia ou turbinoplastia, foram incluídos. Os pacientes com menos de 18 anos e com deformidades nasais congênitas ou neoplásicas foram excluídos.

O tempo de acompanhamento foi de, pelo menos, 12 meses.

A análise dos dados foi feita com o software IBM SPSS Statistics 20. O teste t bicaudal e Anova de uma via em uma situação específica (avaliação do grau de alfabetização e satisfação) foram usados para analisar os dados. Um p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Resultados

Depois de os critérios de inclusão e exclusão terem sido contemplados, 107 pacientes participaram do estudo. A amostra foi composta por 56 do sexo feminino e 51 do masculino. A população foi dividida em três grupos: 18 a 29 anos, 30 a 49 anos e 50 anos. As características demográficas dos pacientes estão detalhadas na tabela 1.

Tabela 1 Características do paciente 

Nº de pacientes %
Sexo
Masculino 51 47,7%
Feminino 56 52,3%
Idade (anos)
18-29 47 43,9%
30-49 54 50,5%
≥ 50 6 5,6%
Etnia
Caucasiano 107 100,0%
Nível de escolaridade
Abaixo do 9º ano 9 8,4%
9º ano 25 23,4%
12º ano 42 39,3%
Graduação 21 19,6%
MSc/PhD 10 9,3%
Razão para cirurgia
Funcional 14 13,1%
Estética 5 4,7%
Ambos 88 82,2%

As razões para a rinoplastia foram estéticas em 4,7% dos pacientes, funcionais em 13,1% e uma combinação de estética e funcional em 82,2%. A maioria dos pacientes pesquisou informações sobre cirurgia plástica e rinoplastia antes da primeira consulta com o otorrinolaringologista (57%). Quando perguntamos na consulta pré-operatória se havia um nariz ideal que gostariam de transpor ao deles, 96% responderam que não e 11% responderam que sim.

Também foi perguntado se o cirurgião explicara o que seria corrigido na cirurgia do nariz e 2% responderam definitivamente não, 10% responderam um pouco, 25% responderam mais ou menos, 31% responderam muito e 39% responderam definitivamente sim.

Em relação aos aspectos psicológicos, 59% dos pacientes consideraram-se ansiosos e 78% seguros (tabela 2).

Tabela 2 Características psicológicas 

Inseguro Seguro Total
Ansioso 23 (21,5%) 36 (33,6%) 59 (55,1%)
Calmo 6 (5,6%) 42 (39,3%) 48 (44,9%)
Total 29 (27,1%) 78 (72,9%) 107 (100,0%)

O escore médio de ROE no pré-operatório foi de 32,8 ± 12,1 (variação, 8,3-58,3) e o escore médio de pós-operatório foi de 81,2 ± 17,9 aos 3 meses (variação, 25-100) e 81,9 ± 17,1 aos 6 meses (variação de 37,5-100). A análise estatística dos escores de ROE apresentou uma melhoria significativa do período pré-operatório para o pós-operatório (p < 0,05). No entanto, não houve diferença entre os escores pós-operatórios de 3 e 6 meses.

A correlação entre os aspectos psicológicos e a satisfação é apresentada na tabela 3, mostra que os pacientes ansiosos estavam significativamente menos satisfeitos do que aqueles calmos, no período pré-operatório.

Tabela 3 Escores médios no pré e pós-operatório e correlação com aspectos psicológicos 

Pré-operatório Pós-operatório (3 meses) Pós-operatório (6 meses)
Ansioso
Média 30,72 80,22 81,28
DP 11,71 17,81 17,16
Calmo
Média 35,33 82,38 82,46
DP 12,24 18,12 17,12
Valor p 0,050 0,539 0,724

DP, desvio padrão.

Não houve diferença entre os sexos nos escores médios pós-operatórios (p > 0,05), mas o escore médio pós-operatório dos pacientes com maior grau de escolaridade era mais baixo, indicou uma menor satisfação (p < 0,05).

A rinoplastia primária foi feita em 87,9% dos casos e a rinoplastia de revisão em 12,1%. Não houve diferença significativa nos escores pós-operatórios de ROE entre os dois grupos.

Avaliamos as diferentes abordagens cirúrgicas usadas e os procedimentos nasais concomitantes. As abordagens cirúrgicas usadas foram a rinoplastia aberta (n = 27), a abordagem delivery (n = 35) e abordagem não delivery (n = 45). Não foi encontrada diferença significativa na melhoria da pontuação de ROE entre a técnica aberta e fechada (p = 0,765) ou entre as duas técnicas fechadas (p = 0,071).

Dos pacientes, 91 foram submetidos a septoplastia, 88 a turbinoplastia e 11 a cirurgia sinusal endoscópica funcional. O escore de ROE após a cirurgia não foi significativo entre os dois grupos (p > 0,05).

Quando se perguntou se fariam a cirurgia novamente depois de conhecer o resultado final, eles responderam: 72,9%, com certeza; 11,2%, provavelmente; 6,5% talvez; 5,6%, provavelmente não; e 3,7% definitivamente não.

Finalmente, é importante observar que 100% dos pacientes tiveram um escore mais elevado em ROE após a cirurgia, o que mostra que todos estavam mais satisfeitos após a rinoplastia.

Discussão

A rinoplastia é uma das cirurgias mais comuns feitas por cirurgiões plásticos faciais em todo o mundo.10

Esse procedimento apresenta baixo índice de satisfação do paciente, em comparação com outras cirurgias estéticas.11 A satisfação do paciente é a principal medida de desfecho de sucesso em cirurgias estéticas faciais, mas a maioria dos cirurgiões não usa ferramentas quantitativas para avaliá-la. A satisfação do paciente pode ser influenciada por ambiente social, educação, experiência de vida e nível de expectativas, que podem ou não ser realistas. A documentação fotográfica completa é fundamental para o médico e os pacientes, para o planejamento da cirurgia e a avaliação dos resultados pós-operatórios.12 No presente estudo optou-se por usar o questionário ROE, porque foi validado por nós em Portugal.9 Esse questionário mede o resultado do procedimento cirúrgico, avalia a função respiratória, a qualidade de vida e os resultados estéticos. O objetivo do cirurgião é melhorar tanto a estética como a respiração, e não apenas o componente estético.

Neste estudo prospectivo com 107 pacientes, avaliamos o escore ROE antes da cirurgia e 3 e 6 meses mais tarde, o que possibilitou resultados mais precisos sobre a satisfação.

Nossos resultados mostraram melhoria estatisticamente significativa nos escores de ROE após a rinoplastia, o que demonstra um alto índice de satisfação nessa população de pacientes. Curiosamente, a mudança nos escores ROE foi maior em pacientes com menor nível de escolaridade, o que pode ser explicado por menores expectativas pré-cirúrgicas e falta de informação e acesso à Internet. Sexo, idade, cirurgia primária versus de revisão e procedimentos nasais adicionais, tais como septoplastia, turbinoplastia ou FESS, não apresentaram diferenças significativas nos escores de ROE. É importante salientar que a técnica cirúrgica (aberta ou fechada) não tem efeito sobre o escore de ROE após a rinoplastia e mostra que o resultado da cirurgia era o mesmo, independentemente da abordagem cirúrgica usada.

Em nosso estudo, o escore médio pré-operatório de ROE foi de 32,78 e a melhoria média foi de 49,03 após a cirurgia. Esses números alinham-se com os relatados por Alsarraf et al., que encontraram um escore médio pré-operatório de 38,8 e uma melhoria média de 44,5.8 Apesar da melhoria significativa nos escores de ROE na nossa população, apenas 72,9% definitivamente escolheriam submeter-se ao mesmo processo novamente.

Este estudo concentrou-se na população de pacientes de um hospital público, onde a rinoplastia é feita em associação com outros procedimentos nasais e os médicos que fazem consultas pré-operatórias são mais ou menos experientes nesses campos. Essa pode ser a razão para 12% dos pacientes que responderam não ou um pouco não terem uma compreensão clara da explicação do cirurgião sobre a cirurgia estética proposta. Idealmente, todos os pacientes deveriam ser esclarecidos sobre isso.

Em nossa amostra havia 51 homens e 56 mulheres, o que mostra que os homens estão cada vez mais preocupados com sua aparência física.

Estudos prospectivos são realmente importantes, pois possibilitam escolher bons candidatos para a cirurgia e avaliar os resultados do procedimento objetivamente.

Este estudo foi feito em um serviço de otorrinolaringologia de um hospital público central composto por especialistas seniores e residentes. Uma limitação do estudo foi o fato de a rinoplastia ser feita por diferentes cirurgiões com diferentes níveis de experiência na área estética. Portanto, tanto as expectativas criadas na consulta pré-operatória como a pesquisa de satisfação pós-operatória podem ser afetadas por essas condições.

Conclusões

O questionário ROE é uma ferramenta útil para avaliar os desfechos da cirurgia de rinoplastia. A satisfação dos nossos pacientes aos 3 e 6 meses melhorou significativamente após a rinoplastia. O tipo de abordagem cirúrgica e os procedimentos nasais não tiveram qualquer influência sobre os índices de satisfação pós-operatórios. No entanto, os pacientes com menor escolaridade estavam mais satisfeitos com o procedimento.

A cirurgia de rinoplastia melhorou significativamente a qualidade de vida do paciente quanto à função e ao aspecto do nariz.

REFERÊNCIAS

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