versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde vol.24 no.3 Brasília jul./set. 2015
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000300016
to assess the epidemiological and operational indicators of leprosy in the cities of Curitiba, Londrina and Foz do Iguaçu, in Paraná state, Brazil.
this was a descriptive ecological time-series study using Notifiable Diseases Information System data, for the period 2001-2010. Indicator analysis was performed as per the parameters listed in the 2002 version of the Health Ministry's Leprosy Control Guide.
prevalence decreased from 4.3 to 2.6 in Foz do Iguaçu and from 1.7 to 1.2 in Londrina, whilst Curitiba had less than 1 case per 10,000 inhabitants in the period. The cure rate and consequent treatment effectiveness was regular in the three municipalities.
although the cities studied have shown improvement, this is not yet sufficient to control the disease. The work already begun needs to be fully implemented in forthcoming years.
Key words: Leprosy; Health Status Indicators; Epidemiology, Descriptive
describir los indicadores epidemiológicos y operacionales de la hanseniasis en las ciudades de Curitiba, Londrina y Foz de Iguazú, estado de Paraná, Brasil.
estudio ecológico descriptivo de series temporales, con datos del Sistema de Información de Enfermedades de Declaración Obligatoria, para el período de 2001 - 2010; el análisis de indicadores siguió los parámetros indicados en la Guía de Control de Hanseniasis, del Ministerio de Salud, 2002.
en el periodo estudiado, hubo una reducción de la prevalencia de hanseniasis por cada 10 000 habitantes, en las ciudades de Foz do Iguaçu (de 4,3 para 2,6) y Londrina (de 1,7 para 1,2); Curitiba mostró una prevalencia de 1 caso por 10.000 habitantes en ese periodo; la proporción de cura y por consiguiente la eficacia del tratamiento fue regular en los tres municipios.
los indicadores epidemiológicos mostraron reducción en el diagnóstico de hanseniasis, pero sugieren la existencia de casos ocultos; los indicadores operacionales muestran a una discreta mejoría en la calidad de atención a los portadores de esta enfermedad.
Palabras-clave: Lepra; Indicadores de Salud; Epidemiología Descriptiva
A hanseníase é um desafiante problema de Saúde Pública, devido a sua condição infectocontagiosa, impacto socioeconômico e repercussão psicológica, advinda das deformidades e incapacidades físicas frequentes no processo do adoecimento.1 Não obstante os esforços do Ministério da Saúde e instituições internacionais de saúde para sua eliminação mediante estratégias e ações programáticas, a transmissão ativa da doença continua presente.2
A detecção da hanseníase vem-se reduzindo no mundo, tendo passado de 763.000 casos em 2001 para 249.007 em 2009. No Brasil, ocorreu declínio no coeficiente de detecção em todas as grandes regiões geográficas: média de redução de 1,3 casos/100 mil habitantes na década de 2001 a 2010.
No ano de 2010, detectou-se 18,2 casos/100 mil habitantes no Brasil,3 e na região Sul, 5,2 casos/100 mil habitantes.4 No mesmo ano, o estado do Paraná apresentou um coeficiente de detecção de 10,2 casos/100 mil habitantes, e as cidades de Curitiba, Foz do Iguaçu e Londrina, 3,1, 21,8 e 9,9 casos/100 mil habitantes, respectivamente.4
A partir do ano de 2008, o Programa Nacional de Controle da Hanseníase intensificou ações com o objetivo de acompanhar o comportamento epidemiológico da doença por meio da detecção de casos novos.5 Em 2010, o programa se concentrou nas atividades de capacitação e assessoria técnica dirigidas às regiões endêmicas.6
Diante dos desafios para a execução do Plano Nacional de Eliminação da Hanseníase,7 a prioridade no estado do Paraná tem sido a capacitação dos profissionais da rede de Atenção Básica à Saúde, a descentralização das ações e o envolvimento dos gestores e equipes municipais de saúde.8
A partir do ano de 1997, em Curitiba, Londrina e Foz do Iguaçu, municípios considerados prioritários por apresentarem elevada prevalência e/ou baixo coeficiente de detecção da hanseníase, esse trabalho foi intensificado com o incremento do monitoramento e alocação de recursos, almejando a melhoria dos indicadores epidemiológicos e operacionais.8
Considerando-se a intensificação das atividades do programa, tornou-se necessário avaliar o comportamento dos indicadores epidemiológicos e operacionais relacionados à vigilância e controle da hanseníase nesses municípios. O presente estudo teve como objetivo descrever os indicadores epidemiológicos e operacionais da hanseníase nos municípios de Curitiba, Londrina e Foz do Iguaçu, estado do Paraná, Brasil.
Trata-se de um estudo ecológico descritivo de série temporal, abrangendo os indicadores epidemiológicos e operacionais dos programas de controle da hanseníase de Foz do Iguaçu, Curitiba e Londrina, municípios considerados prioritários para a eliminação da doença no estado do Paraná.
O Paraná está localizado na macrorregião Sul do país e conta com uma área de 199 307,922 km2. Em 2010, o estado contava com uma população estimada em 10.444.526 habitantes, referidos por um índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,749. Sua capital, Curitiba, polariza uma região metropolitana de 435,036 km2, com uma densidade demográfica de 4.027,04 habitantes/km2, população de 1.751.907 e IDH de 8,23 em 2010.9
Foz do Iguaçu ocupa uma área de 617,770 km2, apresenta uma densidade demográfica de 414,58 habitantes/km2, população de 256.088 e IDH de 0,751 no mesmo ano de 2010. O município, localizado no oeste do estado, pertence a uma região de tríplice fronteira internacional - Brasil, Argentina e Paraguai.9
Londrina, localizada na região norte do Paraná, assenta-se sobre uma área de 1.652,568 km2, apresenta uma densidade demográfica de 306,52 habitantes/km2, população de 506.701 habitantes e IDH de 0,778 (2010).9
O período estudado compreendeu uma série histórica de dez anos: 2001 a 2010. Os dados relacionados à doença foram obtidos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Os dados demográficos da distribuição anual da população nos municípios foram colhidos dos censos demográficos e estimativas intercensitárias, realizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Foram calculados cinco indicadores operacionais e cinco indicadores epidemiológicos. Sua definição, forma de cálculo, utilidade e parâmetros de analise estão descritos na Figura 1. A interpretação dos dados baseou-se na avaliação dos indicadores de acordo com os parâmetros para o controle da hanseníase, definidos pelo Ministério da Saúde em 2002.10
Figura 1 Indicadores operacionais e epidemiológicos da hanseníase: construção, utilidade e parâmetros de avaliação
Por se tratar de um estudo sobre dados secundários oficiais de domínio público, sem identificação de sujeitos, houve dispensa de apreciação por Comitê de Ética em Pesquisa. O estudo seguiu as recomendações do Conselho Nacional de Saúde em sua Resolução CNS no 466, de 12 de dezembro de 2012.
No período de 2001 a 2011, foi registrado um total de 2.605 casos novos de hanseníase nos três municípios paranaenses: 882 em Foz do Iguaçu; 1.054 em Curitiba; e 669 em Londrina.
O coeficiente de detecção médio de casos novos por 10.000 habitantes, ao longo da série analisada, permaneceu com parâmetro baixo em Curitiba (0,4), muito alto em Foz do Iguaçu (4,0) e médio em Londrina (1,0) (Figura 2).
Figura 2 Indicadores epidemiológicos da hanseníase segundo municípios prioritários do estado do Paraná, 2001 a 2010
O coeficiente de detecção anual de casos novos na população de 0 a 14 anos de idade apresentou tendência de redução no período de 2001 a 2010. O indicador concluiu a série histórica classificado como baixo, nos três municípios. Destaca-se Curitiba, que apresentou flutuações no coeficiente de detecção em menores de 15 anos ao longo do período analisado: segundo os paramentos da análise, a capital paranaense manteve o indicador baixo em 2003, 2008 e 2010, e médio em todos os outros anos (Figura 2).
Curitiba, ademais, apresentou a maior proporção de casos com incapacidades físicas entre novos casos detectados e avaliados (24,6%), seguida de Foz do Iguaçu, onde tal indicador oscilou entre médio e alto. Em 2007 e 2008, os três municípios apresentaram coeficiente alto. Somente Foz do Iguaçu obteve valor baixo, referente ao ano de 2010 (Figura 2).
Verificou-se redução da prevalência de hanseníase nos três municípios. Curitiba apresentou o melhor resultado, mantendo o coeficiente abaixo de 1 caso por 10.000 habitantes. Em Foz do Iguaçu, o mesmo coeficiente apresentou-se regular na maior parte do período, com elevação nos anos de 2002 e 2003. Londrina apresentou-se com prevalência regular ao longo da série histórica - à exceção do ano de 2009, quando ocorreu uma melhora do indicador (Figura 3).
Figura 3 Coeficiente de prevalência da hanseníase (por 10.000 habitantes) segundo municípios prioritários do estado do Paraná, 2001 a 2010
Quanto à proporção de curados no ano com incapacidades físicas, Curitiba apresentou, em todos os anos avaliados, resultado acima do preconizado pelo Ministério da Saúde. Foz do Iguaçu apresentou valores médios, em 8 dos 10 anos da serie. Para Londrina, esse indicador oscilou entre baixo a alto, mantendo valores médios em 5 a 6 anos do período avaliado. Ao fim da série histórica, todos os municípios obtiveram proporções elevadas de curados com incapacidades físicas (Figura 2).
A proporção de casos novos diagnosticados nos anos que iniciaram a poliquimioterapia mostrou tendência crescente nos três municípios avaliados (Figura 4).
Figura 4 Indicadores operacionais da hanseníase segundo municípios prioritários do estado do Paraná, 2001 a 2010
Houve crescimento da proporção de casos novos com grau de incapacidade física avaliado, nos três municípios estudados. Todavia, Foz do Iguaçu alcançou resultado bom somente a partir do ano de 2007. Os três municípios apresentaram proporção de cura regular ao longo da série temporal. Destaca-se que em Curitiba, nos anos de 2007 e 2008, essa proporção foi considerada precária devido à oscilação do indicador no período estudado (Figura 4).
Na proporção de casos curados com grau de incapacidade física avaliado, Curitiba mostrou melhora, enquanto Foz do Iguaçu e Londrina apresentaram resultado precário entre 2001 e 2008, voltando a regredir em 2010 (Figura 4).
É relevante que a proporção de abandono do tratamento tenha se mostrado baixa, permanecendo classificada como boa nos três municípios ao longo da série histórica considerada (Tabela 1).
Os indicadores epidemiológicos - coeficiente de detecção anual de novos casos na população geral; coeficiente de detecção anual de novos casos na população menor de 15 anos de idade; e coeficiente de prevalência - sinalizaram redução no diagnóstico da hanseníase nos municípios prioritários do estado do Paraná. O comportamento desses coeficientes pode indicar a redução da transmissibilidade da doença,11 visto que o coeficiente de detecção elevado entre menores de 15 anos nos países endêmicos assinala continuidade da transmissão do bacilo e inconsistência das atividades de controle.2 Observa-se em Foz do Iguaçu e Londrina, ao final da série histórica analisada, coeficiente elevado de detecção de casos novos, indicando a necessidade de potencializar as atividades de controle da hanseníase.10 Os indicadores operacionais apontaram discreta melhoria na qualidade do atendimento aos portadores da doença.
O crescimento na detecção de casos com incapacidade física sugere diagnóstico tardio, o que contribui para a permanência de casos não diagnosticados (prevalência oculta) e continuidade da cadeia de transmissão.3
Outra hipótese para esse crescimento pode se encontrar no aumento da avaliação de incapacidades devido ao maior número de profissionais disponíveis, como resultado da descentralização de ações. A princípio, atividades como diagnóstico, tratamento e avaliação de incapacidades físicas eram realizadas apenas por dermatologistas, nos centros de referência da rede pública de saúde. Somente em 1996 iniciou-se, no estado do Paraná, a estratégia de descentralização, para os municípios, do atendimento e tratamento da doença.11
A proporção de curados no ano com incapacidades físicas foi alto ao final da série histórica, nos municípios estudados. O resultado demonstra a importância da vigilância das incapacidades e sua identificação, possibilitando o incentivo à prevenção por meio do autocuidado, durante o tratamento ou na pós-alta. Ademais, o principal objetivo desse indicador é fornecer informação para a (i) programação de políticas voltadas ao controle de sequelas e (ii) disponibilização de insumos para atender pacientes já com incapacidades físicas no momento do diagnóstico.12 O acompanhamento sistemático de pessoas diagnosticadas com hanseníase, apresentando ou não incapacidades físicas, possibilita uma melhor vigilância das complicações crônicas da doença.13
O coeficiente de prevalência apresentou tendência de redução, embora - diferentemente de Curitiba - os municípios de Foz do Iguaçu e Londrina não tenham atingido a meta proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de apresentar prevalência da hanseníase menor que 1 caso para cada 10.000 habitantes. Conforme apontou estudo realizado por Silva-Sobrinho e Mathias (2008),11 essas localidades constituem áreas com detecção tardia, dada a presença de elevado número de casos virchowianos e dimorfos (formas clínicas polares, que não foram detectadas oportunamente), não esperados em territórios que já alcançaram a meta de eliminação da hanseníase; ou que estão próximos de alcançá-la, como é o caso do estado do Paraná. Tais resultados sugerem a presença de uma prevalência oculta, qual seja: casos detectados mui tardiamente e que, antes disso, atuam como mantenedores e difusores da endemia, podendo ser responsáveis por aumentos nos coeficientes de prevalência da doença.14
A avaliação do indicador 'proporção de casos novos diagnosticados no ano que iniciaram a poliquimioterapia' apontou melhoria na qualidade do atendimento em hanseníase prestado pelos serviços de saúde nos municípios estudados, haja vista a evolução da adesão ao esquema terapêutico no decorrer do tempo. A poliquimioterapia trouxe novas perspectivas de cura, possibilidade de eliminação da doença e avanço na atenção preventiva, evitando as complicações clínicas decorrentes dos processos inflamatórios em portadores.15
Os indicadores operacionais - casos novos com grau de incapacidade física avaliado e proporção de casos curados no ano com grau de incapacidade física avaliado, entre outros indicadores - mostraram melhoria na qualidade do atendimento, o que, teoricamente, poder-se-ia refletir na redução da ocorrência de incapacidades físicas dos pacientes no momento da alta por cura. Entretanto, esse fato não foi constatado pelo presente estudo: o indicador epidemiológico 'proporção de curados no ano com incapacidades físicas' foi alto na maioria dos anos da série histórica, nos três municípios de estudo. Esse indicador pode sugerir falha na avaliação e na prevenção de incapacidades físicas, seja no diagnóstico ou durante o tratamento, possivelmente devido à falta de experiência dos profissionais responsáveis pelo manejo desses pacientes, em uma atividade dependente da qualificação da equipe de saúde.12
O indicador 'proporção de cura entre casos novos diagnosticados' - útil para subsidiar a avaliação da efetividade do tratamento - apontou dificuldades na capacidade do Programa de Controle da Hanseníase de Foz do Iguaçu para melhorar ou manter o número de casos curados: verificou-se redução de casos com desfecho de cura em Foz do Iguaçu, ao final da série histórica (passando do parâmetro bom para regular), comparativamente aos programas dos demais municípios.
O desempenho do indicador 'abandono do tratamento' explica - em parte - a ausência de incremento na proporção de casos curados. Talvez, o achado resulte de outros fatores ligados aos serviços de saúde e/ou aos doentes, os quais poderiam esclarecer tais resultados: por exemplo, a ocorrência de óbitos, entre outros aspectos que não foram objeto do presente estudo.
Ressalta-se que no Brasil, as políticas de saúde preveem que a Atenção Básica à Saúde esteja integrada aos demais níveis da assistência, dada sua importância para a divulgação - e orientação permanente - sobre os sinais e sintomas da doença entre as famílias adstritas, bem como no diagnóstico oportuno, especialmente para as crianças, na longitudinalidade das ações de tratamento medicamentoso e na prevenção de incapacidades físicas, visando o aumento na proporção de casos curados.16
As causas para abandono descritas na literatura podem ser classificadas em quatro grupos: (i) causas relacionadas com o tratamento em si (eventos adversos, dificuldade na deglutição); (ii) causas associadas aos serviços de saúde; (iii) causas relacionadas aos doentes; e a (iv) combinação das causas ligadas aos serviços e doentes.17 Desse modo, para redução sustentada do abandono, é necessário o envolvimento de gestores, profissionais de saúde e comunidade, a fim de estimular o incremento das estratégias de ação pertinentes; entre estas, a investigação científica.18
Em Foz do Iguaçu e Londrina, os dados revelaram que a detecção de casos novos, embora apresente tendência de redução, mantém coeficiente elevado, evidenciando áreas com detecção tardia e, consequentemente, prevalência superior a 1 caso de hanseníase por 10.000 habitantes. Este aspecto é esperado, visto que a evolução da incidência da doença varia significativamente, segundo diferentes espaços geográficos, em todo o mundo.19
Embora as cidades estudadas tenham apresentado melhora em alguns indicadores, todavia não é esse o resultado desejado para o controle da doença no país. As localidades estudadas necessitam implementar o trabalho iniciado nos últimos anos, especialmente em relação ao acompanhamento e avaliação das incapacidades físicas causadas pela hanseníase, preferencialmente nos ambiente da Atenção Básica à Saúde.20
Constata-se a necessidade de estratégias adicionais, para alcançar os resultados desejáveis de detecção oportuna e cura conforme os parâmetros definidos pelo Ministério da Saúde. Também é importante a realização de novas pesquisas, destinadas a avaliar as razões do abandono do tratamento pelos pacientes, e a realização de exames dos contatos, que podem ser úteis no sentido de melhorar o monitoramento da hanseníase nesses municípios. Por fim, este estudo reforça a importância da realização de avaliação como caminho para subsidiar o planejamento das ações de controle da hanseníase.