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Avaliação e manejo da dor na UTI neonatal: análise de uma intervenção educativa para os profissionais de saúde,

Avaliação e manejo da dor na UTI neonatal: análise de uma intervenção educativa para os profissionais de saúde,

Autores:

Carmen L.G. de Aymar,
Luciane S. de Lima,
Cândida M.R. dos Santos,
Emilly A.C. Moreno,
Sônia B. Coutinho

ARTIGO ORIGINAL

Jornal de Pediatria

versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782

J. Pediatr. (Rio J.) vol.90 no.2 Porto Alegre mar./abr. 2014

http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2013.09.008

Introdução

Os resultados de alguns estudos ainda demonstram uma lacuna entre o conhecimento científico a respeito da dor neonatal, como também suas consequências, e a utilização de métodos para sua avaliação e tratamento.1 , 2 Essa condição tem sido relacionada à ausência de protocolos de avaliação e tratamento da dor nos serviços, ao desconhecimento teórico sobre a sua fisiopatologia, assim como aos métodos de avaliação e alternativas terapêuticas instituídas por parte dos profissionais envolvidos com os cuidados ao neonato de risco.3 , 4

Porém, o acesso ao conhecimento científico e a existência de normas e de rotinas não bastam para que se evidenciem mudanças na prática diária. É necessária a reflexão sobre a prática, a práxis reflexiva. Assim, segundo Vázquez, "quanto mais o homem for capaz de refletir sobre a sua realidade e sentir-se inserido nela, maiores condições ele terá de agir, comprometendo-se em transformá-la".5

A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS)6 remete à prática reflexiva no ambiente de trabalho para transformação das práticas na assistência, através da problematização do processo de trabalho. Envolve a participação da equipe interprofissional, incluindo todos os funcionários dos serviços. Observa-se que as ações da PNEPS são amplamente utilizadas na atenção da assistência primária, evidenciando-se a necessidade de maior investimento nesse tipo de iniciativa na assistência terciária.

Assim, esse estudo é pioneiro no país, na área do intensivismo neonatal, utilizando a pesquisa-ação como metodologia para uma intervenção efetiva na melhoria do manejo da dor, cujo objetivo foi conhecer a percepção de uma equipe de terapia intensiva neonatal sobre a avaliação e o manejo da dor antes e após uma intervenção educativa construída e implementada na unidade.

Métodos

O estudo foi realizado na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) do Hospital Agamenon Magalhães (HAM). Localizado em Recife/PE, região Nordeste do Brasil, é uma unidade pública de referência para atendimento à gestante de alto risco.

Estudo de intervenção desenvolvido na modalidade de pesquisa-ação, através de um grupo operativo (GO). O objetivo primordial da pesquisa-ação é o de transformar uma situação específica, na qual a relação entre o pesquisador e o participante é muito próxima.7

A pesquisa foi realizada no período de setembro de 2011 a fevereiro de 2013 e a coleta de dados foi feita pela pesquisadora. Foram convidados a participar do estudo todos os profissionais que atuam nos cuidados diretos aos recém-nascidos: neonatologistas, fisioterapeutas, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem que atuam como diaristas e/ou plantonistas na unidade de terapia intensiva neonatal do serviço envolvido, após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, para cada fase da pesquisa. A pesquisadora não respondeu aos questionários.

O estudo foi realizado em três fases: na primeira fase, foi realizado um estudo quantitativo do tipo transversal, para identificar como os profissionais percebiam o manejo da dor na unidade escolhida, realizado através da aplicação de um questionário aos profissionais de níveis superior e médio que atuam diretamente com os recém-nascidos. Essa fase (setembro a novembro de 2011) contou com 70 participantes, sendo 41 de nível superior e 29 de nível médio, correspondendo a 80,3% e a 90,6%, respectivamente, dos profissionais lotados no setor no período da coleta. Não houve recusas e a não participação foi devida a ocorrência de férias e/ou licenças.

Para registro das informações colhidas, foram elaborados formulários específicos, contendo questões de acordo com as variáveis do estudo: dados pessoais: idade, sexo, nº de filhos, história de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) - do profissional e/ou familiar de primeiro grau, história de dor crônica - do profissional e/ou familiar de primeiro grau, prática religiosa; dados profissionais: profissão e tempo de formação, nível de especialização/pós-graduação, atividade docente, tempo de atuação, jornada e regime de trabalho em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTI-PED) e na UTIN/HAM; dados relativos à dor: percepção dos profissionais acerca do manejo da dor na UTIN do serviço, considerando conhecimento e utilização de métodos de avaliação e de alívio da dor em procedimentos frequentes na UTIN (métodos farmacológicos e não-farmacológicos) e a necessidade de mudanças na prática.

Na segunda fase (março a setembro de 2012), foi realizada uma intervenção educativa, utilizando o grupo operativo, que foi composto por: mediador (pesquisadora), relator (componente do grupo escalado), observador externo (externo à equipe da UTIN, com experiência prévia em GO) e demais participantes.

Foram realizados 16 encontros no período de abril a agosto de 2012, com duração média de uma hora, a cada 10 dias (aproximadamente), havendo a participação de todas as categorias profissionais da Unidade Neonatal (UNN) - quatro médicos, duas enfermeiras, dois fisioterapeutas e cinco técnicas em enfermagem - com a média de 10 participantes por encontro, pois houve ausências pontuais. Destaca-se que o grupo manteve a sua estrutura e foi assegurada a representação de todas as categorias profissionais em todos os encontros.

A metodologia da problematização, operacionalizada através das cinco etapas do Arco de Maguerez,8 foi adotada para orientação dos trabalhos durante o GO. Seguindo essa metodologia, inicialmente foi problematizada a questão da dor a partir da vivência de um dos participantes do grupo. A seguir, foi trazida a discussão para o contexto da UTIN e debatida a situação atual do manejo da dor (observação da realidade). Foi então iniciada uma discussão, visando identificar fatores que poderiam contribuir de forma positiva ou negativa para a adequada prática profissional com relação ao manejo da dor.

Dessa forma, foram elencados como pontos-chave: empatia (capacidade de se colocar no lugar do outro), conhecimento (capacitação), protocolo específico, valorização do trabalho em equipe, sobrecarga de trabalho e lembrança/sensibilização quanto ao tema e quanto ao trabalho mecânico (prática não reflexiva).

A etapa seguinte (teorização) foi desenvolvida através da busca de material científico a respeito dos temas elencados como pontos-chave. Assim, na etapa de elaboração de hipóteses de solução, chegou-se à conclusão de que a prática precisava ser modificada e que algumas ações poderiam favorecer as mudanças necessárias.

Foram apontadas como urgentes a humanização da assistência, a elaboração e disponibilização de um Protocolo de Manejo da Dor Neonatal do HAM (adequado às necessidades e à realidade do serviço, que aborda avaliação, medidas farmacológicas e não farmacológicas para alívio da dor e humanização do cuidado), a criação de um novo impresso de registro de cuidados de enfermagem contemplando a utilização da Escala de Avaliação de Dor Neonatal (NIPS - Neonatal Infant Pain Scale) como quinto sinal vital (a cada 3 horas) e a capacitação de todos os profissionais da UNN, não apenas da UTIN.

O grupo identificou também a necessidade de lembrar os profissionais a respeito da dor do bebê, sendo idealizada a figura do "fiscal da dor" a cada plantão (profissional que teria o compromisso de lembrar a toda equipe o cumprimento do protocolo).

Por fim, a quinta etapa do Arco de Maguerez (aplicação à realidade) foi desenvolvida através da implementação das estratégias definidas na fase anterior pelo GO. Essas atividades ocorreram durante o mês de setembro de 2012. Foram realizados 28 encontros, com duração média de uma hora cada, coordenados pelos membros do GO, quando foram capacitados cerca de 90% dos profissionais da UNN, conforme determinado como estratégia pelo GO.

Durante a capacitação, foram utilizadas metodologias ativas de ensino-aprendizagem, mantendo a lógica do GO e atendendo à PNEPS,6 e cada profissional participou de dois desses encontros. O protocolo desenvolvido pelo GO e adotado pelo serviço foi discutido com os participantes a cada encontro, assim como foi realizado treinamento prático de utilização das escalas adotadas para avaliação da dor neonatal - NIPS e Escala de Codificação de Atividade Facial Neonatal (NFCS - Neonatal Facial Coding Scale).

Na terceira fase do estudo (fevereiro de 2013), foi reaplicado o questionário inicial, para avaliar a mudança de percepção dos profissionais acerca do manejo da dor na unidade, acrescido de perguntas relativas à intervenção educativa.

A coleta de dados da terceira fase foi realizada quatro meses após o término da capacitação e contou com 60 participantes, sendo 33 de nível superior e 27 de nível médio, o que representou 71,7% e 81,8%, respectivamente, dos profissionais da UTIN no período. No intervalo entre as duas coletas (15 meses), alguns profissionais de nível superior pediram exoneração dos cargos. Além disso, o período de coleta na primeira fase foi de três meses, enquanto que na terceira fase foi de apenas um mês, e a existência de funcionários em gozo de férias e em licenças (médica, gestação e prêmio) contribuiu para a diferença no número dos participantes.

Para análise dos dados quantitativos, foi realizada a codificação, o processamento em dupla entrada e a validação utilizando o software Epi-Info 6.04d, e para a análise estatística, o software Stata/SE 12.0 para Windows (Serial number: 30120571032. Licensed to: IMIP Prof. Fernando Figueira).

Para verificar a existência de associação foram aplicados o teste Qui-quadrado e o teste Exato de Fisher para as variáveis categóricas. Todos os testes foram aplicados com 95% de confiança. Os resultados estão apresentados sob a forma de tabelas.

Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital Agamenon Magalhães/PE, sob o número 280, CAAE-0173.0.236.000-10.

Resultados

Na primeira fase participaram 70 profissionais, 41 de nível superior e 29 de nível médio, correspondendo a 80,3% e a 90,6% dos profissionais lotados no setor no período da coleta. A terceira fase contou com 60 participantes, 33 (71,7%) de nível superior e 27 (81,8%) de nível médio, o que representou 71,7% e 81,8%, respectivamente, dos profissionais lotados na UTIN no período.

Participaram da primeira fase 23 médicos, 13 enfermeiros, 5 fisioterapeutas e 29 técnicos/auxiliares de enfermagem. Na terceira fase, participaram 18, 11, 4 e 27 profissionais, respectivamente.

Quanto ao perfil (tabela 1), não houve diferença estatisticamente significativa entre as duas fases da avaliação, apesar da variação no número de participantes, principalmente de nível superior. Entre os profissionais de nível superior, mais de 90% possuíam residência/especialização e mais de 50% desempenhavam atividade de ensino/preceptoria de estudantes, nas duas fases do estudo.

Tabela 1 Perfil dos profissionais Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Hospital Agamenon Magalhães. Recife, 2013 

Variáveis Baseline Reavaliação p-valor
n % n %
Nível superior
Idade (anos)
< 40 21 51,2 15 45,5 0,795a
≥ 40 20 48,8 18 54,5
Nº de filhos
Nenhum 13 31,7 7 21,2 0,479b
1 - 2 23 56,1 23 69,7
3 ou mais 5 12,2 3 9,1
História internamento em UTI
Sim 3 7,3 3 9,1 1,000b
Não 38 92,7 30 90,9
Pessoa próxima em UTI
Sim 29 70,7 23 69,7 1,000a
Não 12 29,3 10 30,3
História de dor crônica
Sim 19 46,3 20 60,6 0,323a
Não 22 53,7 13 39,4
Tempo de formado
< 15 anos 21 51,2 18 54,5 0,775b
> 15 anos 20 48,8 15 45,5
Tempo de atuação em Neonatologia
< 15 anos 24 61,5 19 59,4 0,852b
> 15 anos 15 38,5 13 40,6
Nível médio
Idade (anos)
< 40 14 51,9 9 34,6 0,323a
≥ 40 13 48,1 17 65,4
Nº de filhos
Nenhum 11 37,9 8 30,8 0,802a
1-2 13 44,9 12 46,1
3 ou mais 5 17,2 6 23,1
Internamento em UTI
Sim 3 10,3 3 11,1 1,000b
Não 26 89,7 24 88,9
Pessoa próxima em UTI
Sim 9 34,6 12 44,4 0,652a
Não 17 65,4 15 55,6
História de dor crônica
Sim 15 53,6 15 57,7 0,976a
Não 13 46,4 11 42,3
Tempo de formado
< 15 anos 17 60,7 13 48,1 0,349b
> 15 anos 11 39,3 14 51,9
Tempo de atuação em Neonatologia
< 15 anos 23 82,1 22 84,6 0,807b
> 15 anos 5 17,9 4 15,4

UTI, Unidade de Terapia Intensiva.

a Teste Qui-Quadrado.

b Teste Exato de Fisher.

Quanto à percepção dos profissionais de nível superior acerca do manejo da dor na UTIN-HAM (tabela 2), foi apontada diferença estatisticamente significativa entre as duas fases, para todos os itens questionados. Destaca-se o aumento na referência de avaliação e de utilização de algum método de alívio da dor. No nível médio foi significativo o reconhecimento da existência de normas e rotinas após a intervenção educativa e o aumento da percepção de que a dor é avaliada através de escalas ou choro, mímica facial, movimentação de membros e parâmetros fisiológicos.

Tabela 2 Percepção dos profissionais em relação à avaliação e ao manejo da dor na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Hospital Agamenon Magalhães. Recife, 2013 

1ª fase 3ª fase p-valor
n % n %
Nível superior
Lembrança da ocorrência de dor no neonato
Sempre / Frequentemente 21 51,2 26 81,2 0,016a
Nunca / Raramente 20 48,8 6 18,8
Avaliação da dor do neonato (escalas ou outros meios)
Sempre / Frequentemente 9 22,5 21 65,6 0,001b
Nunca / Raramente 26 65,0 9 28,1
Não sabe 5 12,5 2 6,3
Uso de métodos para alívio da dor
Sempre / Frequentemente 12 30,8 25 75,7 < 0,001b
Nunca / Raramente 22 56,4 6 18,2
Não sabe 5 12,8 2 6,1
Existência de normas e rotinas para avaliação e manejo da dor
Sim 3 7,3 25 78,1 < 0,001b
Não 35 85,4 5 15,6
Não sabe 3 7,3 2 6,3
Nível médio
Lembrança da ocorrência de dor no neonato
Sempre / Frequentemente 16 57,1 18 75,0 0,291a
Nunca / Raramente 12 42,9 6 25,0
Avaliação da dor do neonato (escalas ou outros meios)
Sempre / Frequentemente 10 35,7 19 76,0 0,008a
Nunca / Raramente 18 64,3 6 24,0
Uso de métodos para alívio da dor
Sempre / Frequentemente 9 36,0 15 65,3 0,091b
Nunca / Raramente 15 60,0 7 30,4
Não sabe 1 4,0 1 4,3
Existência de normas e rotinas para avaliação e manejo da dor
Sim 5 22,7 23 92,0 < 0,001a
Não 17 77,3 2 8,0

a Teste Qui-Quadrado.

b Teste Exato de Fisher.

Na observação dos dados relativos à utilização de algum método (farmacológico e/ou não farmacológico), na opinião dos participantes de nível superior (tabela 3), foi observada mudança para todos os procedimentos pesquisados, exceto para período pós-operatório, intubação traqueal eletiva e ventilação mecânica (dados não apresentados na tabela).

Tabela 3 Percepção dos profissionais sobre utilização de métodos (farmacológicos e/ou não farmacológicos) para alívio da dor na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Hospital Agamenon Magalhães. Recife, 2013 

Procedimento/situação clínica 1ª fase 3ª fase p-valor
n % n %
Nível superior
Drenagem torácica
Sempre / Frequentemente 26 65,0 28 87,4 0,030a
Nunca / Raramente 12 30,0 2 6,3
Não sabe 2 5,0 2 6,3
Enterocolite necrosante
Sempre / Frequentemente 24 58,5 26 81,2 0,023a
Nunca / Raramente 15 36,6 3 9,4
Não sabe 2 4,9 3 9,4
Punção arterial
Sempre / Frequentemente 1 2,6 15 46,8 < 0,001
Nunca / Raramente 37 94,8 14 43,8
Não sabe 1 2,6 3 9,4
Punção periférica
Sempre / Frequentemente 0 0,0 13 50,0 < 0,001
Nunca / Raramente 40 100,0 13 50,0
Inserção de PICC e
Sempre / Frequentemente 5 12,8 19 61,3 < 0,001
Nunca / Raramente 20 51,3 5 16,1
Não sabe 14 35,9 7 22,6
Aspiração de vias aéreas superiores
Sempre / Frequentemente 2 5,0 13 40,6 < 0,001
Nunca / Raramente 37 92,5 16 50,0
Não é Necessário 1 2,5 3 9,4
Aspiração de tubo traqueal
Sempre / Frequentemente 4 10,3 14 43,8 0,001a
Nunca / Raramente 34 87,1 15 46,8
Não sabe 1 2,6 3 9,4
Coleta de líquido cefalorraquidiano
Sempre / Frequentemente 6 15,0 21 63,6 < 0,001
Nunca / Raramente 30 75,0 5 15,2
Não sabe 4 10,0 7 21,2
Nível médio
Coleta de sangue
Sempre / Frequentemente 2 7,0 15 60,0 <0,001b
Nunca / Raramente 25 92,6 10 40,0
Acesso venoso periférico
Sempre / Frequentemente 12 41,4 19 76,0 0,022b
Nunca / Raramente 17 58,6 6 24,0
Aspiração de vias aéreas superiores
Sempre / Frequentemente 2 7,1 12 48,0 0,001a
Nunca / Raramente 25 89,3 11 44,0
Não é Necessário 1 3,6 2 8,0
Aspiração de tubo traqueal
Sempre / Frequentemente 3 11,1 12 50,0 < 0,002b
Nunca / Raramente 24 88,9 9 37,5

a Teste Exato de Fisher.

b Teste Qui-Quadrado.

Entre os participantes de nível médio, houve melhora significativa no relato da utilização de algum método para o alívio da dor para todos os procedimentos questionados após a intervenção educativa (tabela 3), exceto para punção de calcanhar (dados não apresentados na tabela).

A participação na capacitação (uma das estratégias definidas pelo grupo operativo) foi referida por 86,4% dos profissionais que responderam ao questionário na terceira fase da pesquisa. Estes referiram a utilização das escalas para avaliação da dor estabelecidas no protocolo adotado no serviço após a intervenção (NIPS e NFCS), com frequência de 94,4%. A mudança na avaliação e manejo da dor na unidade foi percebida por 79,6% dos participantes (tabela 4).

Tabela 4 Percepção dos profissionais (nível médio e superior) da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Hospital Agamenon Magalhães acerca da avaliação e do manejo da dor após a intervenção educativa. Recife, 2013 

n %
Participação na capacitação a
Sim 51 86,4
Não 8 13,6
Percepção de mudanças após a intervenção educativa a
Sim 47 79,6
Não 10 16,9
Não sabe 2 3,5
Cumprimento do protocolo adotado
Sempre / Frequentemente 34 56,7
Nunca / Raramente 17 28,3
Não Sabe 9 15,0
Utilização de escalas de avaliação da dor NIPS/NFCS b
Sim 51 94,4
Não 3 5,6

NIPS, Escala de Avaliação de Dor Neonatal (Neonatal Infant Pain Scale)

NFCS, Escala de Codificação de Atividade Facial Neonatal (Neonatal Facial Coding Scale).

a Não informado, 1.

b Não informado, 6.

Discussão

Este foi um estudo pioneiro no país, na área do intensivismo neonatal, utilizando a pesquisa-ação como metodologia para uma intervenção na melhoria do manejo da dor, podendo servir como parâmetro para outros serviços em contextos institucionais semelhantes.

O desenvolvimento de um protocolo próprio do serviço e a criação de práticas de sensibilização e envolvimento de toda a equipe no processo de mudança foram algumas das estratégias definidas pelo GO, tendo sido questionadas aos participantes na fase de reavaliação.

O questionamento sobre a existência de normas e rotinas relativas ao manejo da dor mostrou considerável diferença entre as duas etapas da pesquisa, evidenciando que o Protocolo de Manejo da Dor Neonatal foi bem divulgado, sendo de conhecimento da maioria dos profissionais.

Com relação à utilização de métodos de alívio da dor em procedimentos, destaca-se que todos os procedimentos e situações incluídos nos questionários são reconhecidamente dolorosos e, para a maioria, existem recomendações específicas de métodos para seu alívio.9 , 10

No tocante ao alívio da dor na intubação eletiva e na ventilação mecânica, não se observou significância estatística após a intervenção. Porém, vale salientar que o protocolo elaborado pelo grupo operativo e adotado no serviço não incluiu recomendações bem definidas quanto à utilização de drogas para essas situações específicas, embora a literatura oriente diversas opções terapêuticas.11 - 14

É importante destacar a referência dos participantes quanto à frequência da utilização de escalas para avaliação da dor. Considera-se relevante esse dado, pois a correta avaliação da situação na qual se pretende intervir é condição primordial para instituição de uma conduta adequada.15 , 16

Fica claro que, embora tenham sido vislumbradas melhorias, muitas mudanças ainda são necessárias. A evidente dicotomia entre a teoria e a prática consiste ainda em um desafio para vários estudiosos do tema. A literatura refere que o acesso ao conhecimento e a existência de normas e rotinas não bastam para que se evidenciem mudanças na prática diária.2 , 17 , 18

Vale ressaltar o pequeno período de intervalo entre a intervenção e a reavaliação (quatro meses), o que, em concordância com estudos realizados, poderia justificar alguns resultados negativos, como elevados percentuais de referência a falta de conhecimentos e necessidade de mudanças após a intervenção. Conforme está referido na literatura, o conhecimento a respeito do tema demora a ocasionar mudanças nas práticas clínicas.3 , 4

Outra limitação do estudo foi a não verificação da prática do serviço, pois este teve como objetivo a percepção dos profissionais acerca do tema.

Embora a pesquisa-ação venha sendo utilizada com resultados positivos na área da saúde, sobretudo na atenção primária, na literatura pesquisada não foram encontrados estudos que permitissem comparações com os resultados obtidos na presente pesquisa, que foi desenvolvida junto aos profissionais da assistência terciária.

Verificou-se que, apesar da avaliação e do manejo da dor neonatal no serviço selecionado ainda estar aquém das recomendações atuais, segundo a percepção dos profissionais, um processo de mudança foi iniciado e, principalmente, os sujeitos envolvidos comprovaram ser possível transformar a realidade quando a isso se propõem.

A utilização da metodologia proposta - pesquisa-ação - propiciou uma avaliação crítica e uma reflexão sobre a importância do tema "dor neonatal" por parte dos profissionais envolvidos na assistência.

Assim, concluímos que os profissionais envolvidos na intervenção educativa perceberam mudanças no manejo da dor na unidade e as relacionaram às estratégias definidas e implementadas pelo GO.

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