versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.1 Rio de Janeiro jan. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017221.15912015
No Brasil, assegurar o acesso a medicamentos tornou-se uma das questões cruciais dentro das prioridades nacionais de saúde e tem se constituído em eixo norteador de políticas públicas. O desafio da viabilização do acesso dos cidadãos a medicamentos eficazes, seguros e de qualidade apresenta-se com grande relevância e elevado impacto financeiro para o setor público.
Atualmente, a soma do gasto público e privado em saúde situa-se em torno de 8,4% do Produto Interno Bruto – PIB1. Estima-se que 43% das despesas sejam realizadas diretamente pelo setor público. Ao se considerar sistemas de saúde universais, como é o caso brasileiro, os valores despendidos em saúde ainda parecem estar aquém das necessidades nacionais e comparativamente inferiores ao gasto per capita de muitos países2.
Nos últimos anos as despesas nas três esferas de governo com medicamentos vêm crescendo em ritmo mais acelerado que os outros gastos em saúde3. Em 2009, as despesas com consumo final de medicamentos no Brasil foram de 1,9% do PIB3. Ao se analisar os gastos com saúde (públicos e privados) constatou-se que os medicamentos foram responsáveis por cerca de 22,0%4.
A eficiência da ação governamental com a consequente participação ativa do Estado na produção e regulação de serviços na economia vem sendo objeto de debate há algumas décadas. Muitas vezes, essa participação ativa do Estado na economia vem sendo avaliada como ineficiente. Após a queda do muro de Berlim e a crise econômica que dominou os anos 1980, destacaram-se teorias econômicas liberais que acabaram por influenciar a formação intelectual de muitos economistas latino-americanos5,6. As experiências supostamente bem sucedidas no Chile em 1970 e 1980 estimularam instituições financeiras e organismos internacionais baseados nos Estados Unidos, a partir de 1990, a recomendar um conjunto de políticas econômicas neoliberais5,6. Dentre os principais aspectos propugnados, destacam-se: disciplina fiscal, reforma tributária e redução dos gastos públicos; privatização das estatais e desregulamentação; juros e câmbio de mercado; direito à propriedade intelectual, abertura comercial e investimento estrangeiro direto5,6.
O Brasil desde a década de 1990 vem adotando estas recomendações, tendo como justificativa a aceleração do desenvolvimento econômico. A privatização de empresas e serviços públicos ainda é um dos pontos mais controversos e debatidos no Brasil. Mesmo assim, a partir de 2004, o Ministério da Saúde – MS passou a privatizar os serviços do SUS de assistência farmacêutica para a atenção primária, por meio do credenciamento de farmácias privadas, o programa Farmácia Popular do Brasil (FPB).
Paradoxalmente às políticas privatizantes adotadas no país e no mundo foram criados programas e serviços públicos em assistência farmacêutica como o Programa Dose Certa, do Estado de São Paulo, o Programa Rede Farmácia de Minas (RFMG), do Estado de Minas Gerais, e o Programa Farmácia da Bahia, do Estado da Bahia, em 2012, além da Farmácia Cidadã no Estado do Espírito Santo que buscaram estruturar farmácias comunitárias públicas para a dispensação de medicamentos que compõem a atenção primária7.
Gastos em saúde cada vez mais elevados em um cenário de limitação orçamentária e fiscal trazem à tona a necessidade de avaliar economicamente a melhor forma de alocação dos recursos públicos. Nesta perspectiva, o dilema apresentado, após a adoção pelo país do modelo econômico liberal dos anos 1990, está centrado em avaliar a eficiência e o custo após a privatização de serviços de assistência farmacêutica definidos em lei, em face da alternativa do Estado executá-los diretamente em redes públicas próprias. Até o momento, o pensamento político dominante tem sido o da privatização ou desestatização dos serviços públicos, uma vez que o Estado paga ao setor privado para que execute um serviço ou ação inicialmente realizada diretamente por ele, sob o mote da maior qualidade e eficiência na aplicação dos recursos.
Os programas FPB e RFMG têm como objetivo permitir o acesso dos medicamentos aos usuários, por meio do financiamento com recursos orçamentários públicos8-10. O acesso aos bens e serviços de saúde é uma expressão utilizada pela literatura para determinar a capacidade de um sistema de atenção à saúde responder as necessidades de saúde de uma população7,11.
No Brasil, como em outros países, tem havido grande debate em torno da eficiência na prestação dos serviços públicos e sobre a composição de um mix de serviços público-privado em saúde. Uma das perspectivas defendidas seria que o SUS atuasse como comprador de serviços privados para atender às demandas de saúde da população. Em outra, que o SUS se constitua como prestador direto desses serviços de saúde. Em ambos os cenários, os serviços devem ser universais e financiados com recursos públicos.
Em sua primeira fase (2004) o programa FPB teve como estratégia prover acesso aos medicamentos essenciais com comercialização a baixo custo (Rede Própria). O referido Programa disponibiliza um elenco fixo, atualmente de 112 medicamentos comercializados, em sua maioria, por valores inferiores aos preços CMED ao consumidor definidos para venda em farmácias e drogarias, em contraposição ao Programa Aqui tem Farmácia Popular do Brasil que é composto por elenco mais restrito e para atendimento a condições de saúde específicas.
Em 2006, o programa foi ampliado e passou credenciar a rede privada de farmácias e drogarias para fornecer medicamentos por regime de copagamento8,9,12. Em 2013, haviam credenciadas 25.624 farmácias e drogarias privadas. Cerca de 80% da demanda foi por medicamentos para hipertensão e diabetes. No mesmo período os gastos do MS aumentaram 2,5 vezes, saltando de R$ 763 milhões em 2011 para R$ 1,9 bilhão de reais13.
O RFMG foi criado pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais com vistas a estruturar nos 853 municípios, serviços públicos de assistência farmacêutica, com elevado padrão de qualidade sanitária e integrado aos serviços de atenção primária14. Seu principal objetivo é o de garantir acesso a todos os medicamentos distribuídos pelo SUS à população. Inicialmente, o Programa priorizou municípios com população inferior a 10.000 habitantes, o que correspondia a 57,3%. Em 2009, alcançou municípios com até 30.000 habitantes (78,5%) e em 2011 ampliou a todos os de Minas Gerais. Em 2013, já havia mais de 500 unidades do referido programa inauguradas no Estado de Minas Gerais.
No referido programa, os medicamentos constam na Deliberação CIB-SUS/MG 1.392 de 20 de fevereiro de 2013 do Componente Básico, além de poder ser complementado com o elenco de medicamentos do próprio município. O Elenco estadual é composto por 153 medicamentos e insumos distribuídos pelo Estado para os municípios, sendo que, destes, oito medicamentos do Programa Saúde da Mulher são adquiridos de forma centralizada pelo Ministério da Saúde.
A escolha das alternativas comparadas advém de discussões no âmbito da Gestão da Assistência Farmacêutica quanto à melhor opção de investimento dos recursos públicos. O debate traz a tona a seguinte questão: seria melhor terceirizar o fornecimento de medicamentos para o setor privado ou seria mais custo-efetivo fornecer em rede pública própria? Uma melhor compreensão dessas alternativas mostra-se essencial em função do expressivo valor destinado ao “Programa Aqui tem Farmácia Popular do Brasil” do MS; além do crescente número de unidades privadas credenciadas em todo território nacional.
Assim, o objetivo deste estudo é realizar uma avaliação econômica entre os custos dos programas de assistência farmacêutica RFMG e FPB para identificar qual dos modelos apresenta os menores valores para prover acesso aos medicamentos, na perspectiva do financiador público (SUS). Não foi objeto deste trabalho a comparação com a modalidade Rede Própria do Programa Farmácia Popular.
Como os programas Aqui tem Farmácia Popular do Brasil e Rede Farmácia de Minas Gerais têm como objetivo viabilizar o acesso com a consequente disponibilidade para os usuários de medicamentos essenciais, este estudo realizou uma avaliação econômica para comparar os custos entre as duas alternativas.
Em consonância com as Diretrizes Metodológicas para Avaliações Econômicas de Tecnologias em Saúde do Brasil15, a estimativa dos custos incorridos nos dois programas até a dispensação de medicamentos aos cidadãos foi realizada em etapas:
identificação dos custos relevantes à avaliação;
mensuração dos recursos usados e;
valoração dos recursos.
Na RFMG foram identificados os custos envolvidos até a dispensação final, classificados como:
Gestão do programa: planejamento, controle, seleção e programação;
Aquisição: custos de aquisição que envolve o custo unitário, custo por tratamento mensal e custo do processo de aquisição;
Operação logística: armazenamento, distribuição e transporte, custos com perdas;
Dispensação e manutenção nas farmácias: custos associados ao funcionamento e à manutenção das farmácias, custos com perdas.
O custo médio por dispensação na rede pública foi calculado pela razão entre a soma dos custos até a dispensação pela quantidade média de dispensações dia e número médio de medicamentos por prescrição.
Na modalidade FPB, o SUS terceiriza a dispensação para o setor privado. O valor de ressarcimento pago pelo SUS às farmácias privadas credenciadas inclui os custos referentes às etapas 2, 3 e 4. Analogamente ao RFMG também existem custos com a gestão do programa e perdas relativas a fraudes. Desta forma, os custos foram identificados e classificados como:
Gestão do programa: planejamento, controle, seleção e programação;
Dispensação: custo unitário e custo por tratamento mensal fixado com base nos valores de ressarcimento pelo MS; custo da operação de ressarcimento; custos com perdas.
O FPB também está sujeito a perdas devido ao pagamento de dispensações fraudulentas ou indevidas, conforme apontado no Relatório de Auditoria Operacional no FPB – Sistema de Copagamento do Tribunal de Contas da União16 que verificou haver faturamento de medicamentos a pessoas que nunca haviam demandado o programa ou já falecidos. Desta forma, há ainda um custo associado a perdas no FPB, em sua etapa final de dispensação.
Os recursos econômicos consumidos foram coletados em legislações e documentos produzidos pela administração pública. Também foram consultados valores de mercado para os custos com recursos humanos de acordo com dados da Estação de Pesquisa de Sinais do Mercado de Trabalho (EPSM)17. O número médio de dispensações no RFMG foi obtido no SIGAF, Sistema Integrado de Gerenciamento da Assistência Farmacêutica. A coleta de dados ocorreu no período de janeiro a agosto de 2013.
O custo unitário dos medicamentos na RFMG foi estabelecido pelo valor registrado pela SES/MG no último processo licitatório de aquisição realizado até dezembro de 2012. Para o FPB, os valores considerados foram os de referência a serem pagos às farmácias privadas por dispensação ao paciente.
Neste estudo, adotou-se ainda o valor médio de carga tributária de 26,27% (8,83% a 33,14%) para descontar os valores referentes aos custos unitários18, já que todos os fornecedores de medicamentos para consumo final devem recolher impostos no ato da venda. Assim o financiador público ao adquirir ou ressarcir o custo dos medicamentos recebe de volta parcela do valor pago devido à carga tributária incidente sobre vendas de medicamentos no Brasil.
Os custos estimados para tratamento foram estabelecidos a partir da multiplicação do custo unitário de aquisição pela quantidade de unidades farmacêuticas necessárias para um tratamento mensal. Por sua vez, o número de unidades farmacêuticas necessárias para um tratamento foi estabelecido a partir dos parâmetros de dose diária definida (DDD) multiplicada por trinta dias para cada medicamento, de acordo com o Sistema de Classificação Anatômico-Terapêutico das Substâncias19.
O custo de tratamento mensal foi ajustado para agregar os valores percentuais relativos ao custo da operação logística, custo com perdas e custo da dispensação e manutenção das unidades ou de ressarcimento, quando necessário. No FPB, o custo de tratamento mensal foi calculado a partir do valor de referência e o número de unidades farmacêuticas por mês de tratamento, agregado ao custo com perdas.
O custo de operação logística foi definido com base no valor contratado por licitação efetuada pela SES/MG em 2011 para a realização dos serviços integrados de armazenagem e distribuição/transporte até as unidades de dispensação da RFMG, o qual agrega valor médio de 2% sobre o custo unitário.
Os custos com perdas de medicamentos incluem aqueles relacionados a incertezas na programação, quando estas levam a uma aquisição maior que a demanda futura. Também guardam relação com problemas no armazenamento e transporte, seja por avarias, fraudes e desvios de produtos ou expiração de validade. Os estudos na literatura sobre perdas são escassos e não apresentam estatísticas no país. Assim, infere-se haver perdas nos setores público e privado do país. O padrão para perdas de produtos farmacêuticos no setor público varia de 2 a 5% em unidades monetárias do volume anual movimentado, podendo chegar a 10% em situações específicas7,20. Neste estudo adotou-se o valor de 5% de perdas no RFMG e de 2% no programa FPB, considerando a possibilidade de perdas por fraude.
Os custos médios mensais de dispensação e manutenção em farmácias da RFMG foram definidos pela soma de todos os recursos gastos na produção do serviço. Os custos relativos ao imóvel foram valorados com base no custo do m2 construído no ano de 2012 bem como no valor estimado para locação (0,5% a 0,7% do valor total do imóvel), divulgados pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis de Minas Gerais. Os valores de mercado referentes ao salário dos funcionários foram extraídos da base EPSM17. Os demais custos foram levantados a partir de despesas típicas de unidades da RFMG.
O funcionamento da unidade foi parametrizado para doze horas de atendimento por dia, cinco dias por semana por 22 dias por mês. A jornada de trabalho considerada para os funcionários foi de 40 horas semanais e o tempo médio de uma dispensação adotado foi de 6 minutos. As unidades da RFMG realizam diariamente, em média, cerca de 300 dispensações, resultando em 6.600 dispensações mensais. O número médio de dispensações foi extraído, da capacidade média de atendimento diária, registrada no SIGAF, multiplicado por 22 dias e dividido pelo número médio de medicamentos prescritos por paciente.
Adotou-se o valor médio de 2,2 medicamentos prescritos por paciente21,22. O custo médio mensal global (dispensação+manutenção) em farmácias da RFMG foi estimado a partir da razão entre a soma dos recursos consumidos pelo número médio de dispensações realizadas, disponível no SIGAF, Sistema Integrado de Gerenciamento da Assistência Farmacêutica.
O número de unidades farmacêuticas solicitadas em Minas Gerais ao longo do ano de 2012 foi obtido a partir do Relatório de Gestão SAF/201214. A partir disto, estimou-se o número de tratamentos mensais para cada medicamento no ano de 2012 e a estimativa do valor total gasto pela SES/MG para os medicamentos comuns aos programas.
Para a análise de sensibilidade, buscou-se identificar os principais parâmetros sujeitos a variabilidade e incertezas. Assim, foram realizadas análises univariadas a fim de melhorar a confiabilidade dos resultados. Em seguida, foram verificadas faixas plausíveis de variação dos fatores relacionados à incerteza e definidos os intervalos das medidas. Os diferentes resultados decorrentes da variação dos parâmetros foram calculados e apresentados. Já, as incertezas do modelo proposto foram testadas para sua robustez através de análise de sensibilidade univariada e probabilística, usando a simulação de Monte Carlo.
O programa FPB fornece 15 subgrupos farmacológicos, 24 medicamentos, 41 apresentações e 1 insumo na rede credenciada de farmácias e drogarias privadas. Além disso, o programa RFMG fornece na rede de farmácias comunitárias públicas dos SUS nos 853 municípios, 74 subgrupos farmacológicos, 129 medicamentos, 240 apresentações e 9 insumos distintos.
A Tabela 1 apresenta a relação com 22 medicamentos comuns aos dois programas, de acordo com a indicação terapêutica e sua respectiva Dose Diária Definida (DDD).
Tabela 1 Relação de medicamentos constantes em ambos os programas e sua respectiva indicação de uso.
Indicação de uso | Medicamentos | DDD (mg) |
---|---|---|
Asma | Beclometasona; Dipropionato 250 mcg aerossol oral | 0,8 |
Beclometasona; Dipropionato 50 mcg suspensão nasal | 0,8 | |
Salbutamol; Sulfato 100 mcg aerossol | 0,8 | |
Contraceptivos | Levonorgestrel + Etinilestradiol; 0,15mg +0,03 mg cpr | – |
Medroxiprogesterona; Acetato 150 mg/ml susp inj | 1,67 | |
Noretisterona; 0,35 mg cpr | – | |
Noretisterona enantato + estradiol valerato;50mg/ml + 5mg/ml inj | – | |
Diabetes | ||
Hipoglicemiante oral | Glibenclamida; 5 mg cpr | 10 |
Metformina; cloridrato 850 mg cpr | 2000 | |
Insulinas* | Insulina humana NPH; 100 UI/ml 3 mL | 40 |
Insulina humana regular; 100 UI/ml 10 mL | 40 | |
Doenças Cardiovasculares | ||
Anti-hipertensivos | Enalapril; maleato 10 mg cpr | 10 |
Propranolol; cloridrato 40 mg cpr | 160 | |
Hidroclorotiazida; 25 mg cpr | 25 | |
Losartana; potássica 50 mg cpr revestido | 50 | |
Captopril; 25 mg cpr | 50 | |
Hipolipemiante | Sinvastatina: 10mg cpr | 30 |
Sinvastatina; 40mg cpr | 30 | |
Doença de Parkinson | Levodopa; Benzerazida; cloridrato 100 mg +25mg cpr | 600 |
Levodopa+Carbidopa; 250mg + 25 mg cpr | 600 | |
Glaucoma | Timolol; maleato 5 mg/ml sol oftálmica | – |
Osteoporose | Alendronato; sódio 70 mg cpr | 10 |
*DDD em U.
Para os itens. Levonorgestrel + Etinilestradiol; 0,15mg +0,03 mg, Noretisterona; 0,35 mg, Noretisterona enantato + estradiol valerato;50mg/ml + 5mg/ml inj e Timolol; maleato 5 mg/ml sol oftálmica por não estar disponível a DDD no ATC/DDD, utilizou-se para o cálculo a informação da posologia máxima diária de cada um dos medicamentos, disponível em bula.
A Tabela 2 sumariza os custos associados às despesas fixas e variáveis mensais em uma Unidade da RFMG. Os maiores custos estão associados aos recursos humanos e encargos sociais, representando 86,4% do total mensal.
Tabela 2 Despesas mensais para o funcionamento de uma Unidade da Rede Farmácia de Minas.
Item | Parâmetro | Qtde (a) | Custo unitário mensal (R$) (b) | Custo mensal Total (R$) (a*b) | % do Item | % do Total |
---|---|---|---|---|---|---|
Recursos Humanos (RH) | Farmacêutico* | 2 | 3.455,90 | 6.911,80 | 36,8% | 17,6% |
Atendente - Técnico de Farmácia* | 6 | 1.832,48 | 10.994,88 | 58,6% | 27,9% | |
Capacitação/Treinamento | 8 | 106,62 | 852,96 | 4,5% | 2,2% | |
Subtotal recursos humanos | 18.759,64 | 100,0% | 47,6% | |||
Encargos sociais | 13° salário (9,75%) | 1 | 1.388,57 | 1.388,57 | 11,4% | 4,4% |
Férias (+1/3 das férias) (13,00%) | 1 | 1.851,42 | 1.851,42 | 15,2% | 5,9% | |
INSS, FGTS e alimentação (57,00%) | 1 | 8.117,78 | 8.117,78 | 66,8% | 25,9% | |
Vale-transporte** | 8 | 116,60 | 932,80 | 6,1% | 2,4% | |
Benefícios (uniformes) | 8 | 100,00 | 66,67 | 0,4% | 0,2% | |
Subtotal encargos sociais RH | 15.280,04 | 100,0% | 38,8% | |||
Materiais de consumo | Serviços gerais, materiais de higiene e limpeza | 1 | 500,00 | 500,00 | 62,5% | 1,3% |
Materiais de consumo | 1 | 300,00 | 300,00 | 37,5% | 0,8% | |
Subtotal materiais de consumo | 800,00 | 100,0% | 2,0% | |||
Serviços | Telecomunicações (internet/telefone) | 1 | 150,00 | 150,00 | 15,3% | 0,4% |
Manutenção corretiva e evolutiva do software*** | 1 | 70,00 | 70,00 | 7,1% | 0,2% | |
Água e energia elétrica | 1 | 250,00 | 250,00 | 25,4% | 0,6% | |
Descarte de resíduos**** | 512,95 | 512,95 | 52,2% | 1,3% | ||
Subtotal serviços | 982,95 | 100,0% | 2,5% | |||
Imóvel | Imóvel comercial***** | 1 | 2.222,40 | 2.222,40 | 77,0% | 5,6% |
Manutenção predial (4%) | 665,00 | 665,00 | 23,0% | 1,7% | ||
Subtotal imóvel | 2.887,40 | 100,0% | 7,3% | |||
Mobiliário e equipamentos | Manutenção dos equipamentos (5%) | 250,00 | 250,00 | 37,5% | 0,6% | |
Depreciação do mobiliário e equipamentos | 1 | 416,67 | 416,67 | 62,5% | 1,1% | |
Subtotal mobiliário e equipamentos | 666,67 | 100,0% | 1,7% | |||
Total | 39.376,70 | 100% |
*Fonte: RAIS – Elaboração: Estação de Pesquisa de Sinais de Mercado – EPSM/NESCON/FM/UFMG.;
**Valor de passagem: ida e volta de ônibus para o município de Belo Horizonte;
***Valor calculado a partir do contrato da SES-MG para manutenção e desenvolvimento do SIGAF;
****Fonte Processo licitatório realizado pela FHEMIG e Relatório de Contratos Secretaria de Controladoria Geral do Estado do Pernambuco;
*****Fonte: Conselho Regional de Corretores de Imóveis – CRECI-MG.
O custo médio de uma dispensação foi calculado em R$2,71, adotando-se o número médio de 2,2 medicamentos prescritos por paciente.
O cálculo dos custos de tratamento mensal incluindo as demais despesas para a produção do serviço no SUS revelou que dezessete dos 22 tratamentos são mais baratos no RFMG. Dos cinco medicamentos restantes, três integram o Programa Saúde da Mulher (Tabela 3). O referido Programa está contemplado na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher e cobre todo o território nacional23. Os medicamentos e os insumos deste Programa vêm sendo disponibilizados mediante aquisição centralizada no MS, que permite ganho de escala e preços unitários menores.
Tabela 3 Análise de custo minimização por medicamento e estimativa de gasto anual nos dois programas: RFMG e PFPB.
Medicamento | Tratamento (ano) | RFMG | |||
---|---|---|---|---|---|
Vr unitário (a) R$ | Custo tto mensal por paciente R$ | Custo tto mês paciente ajustado (b) R$ | Custo Total (c) (R$) | ||
Insulina humana NPH; 100 UI/ml 3 mL | 655.522 | 4,5800 | 13,5073 | 17,1783 | 11.260.717,20 |
Captopril; 25 mg cpr | 3.496.121 | 0,0093 | 0,4101 | 3,1511 | 11.016.614,46 |
Losartana; potássica 50 mg cpr ver | 4.512.958 | 0,0279 | 0,6171 | 3,3728 | 15.221.440,53 |
Sinvastatina; 40mg cpr | 1.212.782 | 0,0902 | 1,4964 | 4,3145 | 5.232.529,32 |
Sinvastatina; 10mg cpr | 1.118.485 | 0,0378 | 2,5076 | 5,3976 | 6.037.097,18 |
Enalapril; maleato 10 mg cpr | 1.576.560 | 0,0151 | 0,3336 | 3,0691 | 4.838.669,33 |
Metformina; cloridrato 850 mg cpr | 1.365.689 | 0,033 | 1,7175 | 4,5513 | 6.215.673,93 |
Salbutamol; Sulfato 100 mcg aerossol | 301.599 | 0,01 | 1,7695 | 4,6071 | 1.389.482,48 |
Insulina humana regular; 100 UI/ml 10 mL | 258.259 | 9 | 7,9628 | 11,2401 | 2.902.857,79 |
Propranolol; cloridrato 40 mg cpr | 854.170 | 0,009 | 0,7981 | 3,5666 | 3.046.490,57 |
Alendronato; sódio 70 mg cpr | 358.114 | 0,2452 | 0,7749 | 3,5418 | 1.268.358,64 |
Glibenclamida; 5 mg cpr | 1.155.875 | 0,0092 | 0,4063 | 3,147 | 3.637.564,07 |
Noretisterona + estradiol; 50mg+5/mL sol inj | 784.260 | 3,05 | 2,2488 | 5,1203 | 4.015.663,36 |
Beclometasona; 250 mcg aerossol oral | 274.185 | 0,085 | 6,0164 | 9,1554 | 2.510.283,84 |
Beclometasona; 50 mcg susp nasal | 51.725 | 0,095 | 33,6209 | 38,7199 | 2.002.800,72 |
Levodopa+Carbidopa; 250mg + 25 mg cpr | 21.491 | 0,159 | 8,4406 | 11,7518 | 252.562,24 |
Timolol; 5 mg/mL sol oftálmica | 98.604 | 0,196 | 0,8671 | 3,6405 | 358.970,50 |
Levodopa+Benzerazida; 100 mg +25 mg cpr | 7.249 | 0,99 | 131,3869 | 143,4272 | 1.039.660,10 |
Noretisterona; 0,35 mg cpr | 187.963 | 0,0583 | 1,2893 | 4,0928 | 769.285,30 |
Levonorgestrel + Etinilestradiol; 0,15+0,03 mg cpr | 1.949.218 | 0,0191 | 0,295 | 3,0278 | 5.901.827,35 |
Medroxiprogesterona; 150 mg/ml susp inj | 902.284 | 7 | 1,7238 | 4,5581 | 4.112.695,39 |
Hidroclorotiazida; 25 mg cpr | 7.220.275 | 0,008 | 0,177 | 2,9014 | 20.948.976,68 |
Custo Total | 113.980.220,98 |
Medicamento | FPB | |||
---|---|---|---|---|
Vr de referência unitário (d) R$ | Custo tto mês por paciente R$ | Custo tto mês por paciente ajustado (e) R$ | Custo Total (f) (R$) | |
Insulina humana NPH; 100 UI/ml 3 mL | 26,55 | 78,3013 | 79,8673 | 52.354.742,56 |
Captopril; 25 mg cpr | 0,28 | 12,3866 | 12,6344 | 44.171.293,96 |
Losartana; potássica 50 mg cpr ver | 0,32 | 7,0781 | 7,2196 | 32.581.941,72 |
Sinvastatina; 40mg cpr | 0,89 | 14,7644 | 15,0597 | 18.264.155,39 |
Sinvastatina; 10mg cpr | 0,23 | 15,2621 | 15,5674 | 17.411.848,20 |
Enalapril; maleato 10 mg cpr | 0,39 | 8,6264 | 8,7989 | 13.872.054,01 |
Metformina; cloridrato 850 mg cpr | 0,16 | 8,3272 | 8,4937 | 11.599.746,42 |
Salbutamol; Sulfato 100 mcg aerossol | 0,1 | 17,6952 | 18,0491 | 5.443.594,73 |
Insulina humana regular; 100 UI/ml 10 mL | 26,55 | 23,4904 | 23,9602 | 6.187.937,56 |
Propranolol; cloridrato 40 mg cpr | 0,08 | 7,0781 | 7,2196 | 6.166.800,66 |
Alendronato; sódio 70 mg cpr | 3,37 | 10,6487 | 10,8617 | 3.889.728,65 |
Glibenclamida; 5 mg cpr | 0,12 | 5,3086 | 5,4147 | 6.258.752,43 |
Noretisterona + estradiol; 50mg+5/mL sol inj | 10,17 | 7,4983 | 7,6483 | 5.998.261,89 |
Beclometasona; 250 mcg aerossol oral | 0,15 | 10,6171 | 10,8295 | 2.969.280,66 |
Beclometasona; 50 mcg susp nasal | 0,13 | 46,0075 | 46,9277 | 2.427.353,30 |
Levodopa+Carbidopa; 250mg + 25 mg cpr | 0,58 | 30,7896 | 31,4054 | 674.946,54 |
Timolol; 5 mg/mL sol oftálmica | 0,86 | 3,8045 | 3,8806 | 382.639,12 |
Levodopa+Benzerazida; 100 mg +25 mg cpr | 1,05 | 139,3497 | 142,1367 | 1.030.305,46 |
Noretisterona; 0,35 mg cpr | 0,1274 | 2,8186 | 2,875 | 540.384,04 |
Levonorgestrel + Etinilestradiol; 0,15+0,03 mg cpr | 0,1795 | 2,7796 | 2,8352 | 5.526.330,54 |
Medroxiprogesterona; 150 mg/ml susp inj | 11,12 | 2,7384 | 2,7932 | 2.520.223,89 |
Hidroclorotiazida; 25 mg cpr | 0,08 | 1,7695 | 1,8049 | 13.031.949,44 |
Custo Total | 253.304.271,17 |
Medicamento | FPB x RFMG | ||
---|---|---|---|
Δ Valor Unitário Aquisição = (d-a)/d | Δ Custo Tto mensal ajustado = (e-b)/e | Custo Incremental Δ = (f-c) | |
Insulina humana NPH; 100 UI/ml 3 mL | 82,8% | 78,5% | 41.094.025,36 |
Captopril; 25 mg cpr | 96,7% | 75,1% | 33.154.679,50 |
Losartana; potássica 50 mg cpr ver | 91,3% | 53,3% | 17.360.501,19 |
Sinvastatina; 40mg cpr | 89,9% | 71,4% | 13.031.626,07 |
Sinvastatina; 10mg cpr | 83,6% | 65,3% | 11.374.751,02 |
Enalapril; maleato 10 mg cpr | 96,1% | 65,1% | 9.033.384,68 |
Metformina; cloridrato 850 mg cpr | 79,4% | 46,4% | 5.384.072,49 |
Salbutamol; Sulfato 100 mcg aerossol | 90,0% | 74,5% | 4.054.112,24 |
Insulina humana regular; 100 UI/ml 10 mL | 66,1% | 53,1% | 3.285.079,77 |
Propranolol; cloridrato 40 mg cpr | 88,7% | 50,6% | 3.120.310,10 |
Alendronato; sódio 70 mg cpr | 92,7% | 67,4% | 2.621.370,01 |
Glibenclamida; 5 mg cpr | 92,4% | 41,9% | 2.621.188,36 |
Noretisterona + estradiol; 50mg+5/mL sol inj | 70,0% | 33,1% | 1.982.598,53 |
Beclometasona; 250 mcg aerossol oral | 43,3% | 15,5% | 458.996,82 |
Beclometasona; 50 mcg susp nasal | 26,9% | 17,5% | 424.552,58 |
Levodopa+Carbidopa; 250mg + 25 mg cpr | 72,6% | 62,6% | 422.384,30 |
Timolol; 5 mg/mL sol oftálmica | 77,2% | 6,2% | 23.668,62 |
Levodopa+Benzerazida; 100 mg +25 mg cpr | 5,7% | -0,9% | -9.354,64 |
Noretisterona; 0,35 mg cpr | 54,3% | -42,4% | -228.901,26 |
Levonorgestrel + Etinilestradiol; 0,15+0,03 mg cpr | 89,4% | -6,8% | -375.496,80 |
Medroxiprogesterona; 150 mg/ml susp inj | 37,1% | -63,2% | -1.592.471,51 |
Hidroclorotiazida; 25 mg cpr | 90,0% | -60,8% | -7.917.027,24 |
Custo Total | 139.324.050,19 |
Legenda: VR: Valor de referência;
TTO: tratamento.
Por sua vez, os medicamentos Levodopa 100mg + benzerazida 25mg e hidroclorotiazida 25 mg, apresentaram custos de tratamento igual e mais baixo, respectivamente, no FPB. Isso se explica pela inclusão das despesas para a dispensação no SUS, embora seus custos unitários de aquisição pública sejam iguais ou inferiores no RFMG.
A partir da estimativa de população atendida em 2012, em Minas Gerais, foi calculado o custo anual total em unidades monetárias para cada medicamento comum aos programas. Se a população inicialmente estimada no RFMG fosse atendida em sua totalidade no FPB, haveria um custo incremental de R$ 139.324.050,19 (Tabela 3).
Deve-se contabilizar ainda, no custo do FPB, o valor pago pelo MS à Caixa Econômica Federal referente à contratação de serviços bancários para gerenciar as transações financeiras de ressarcimento às farmácias e drogarias credenciadas. Segundo o MS, em 2012 esse valor foi de R$ 632.020,48.
As análises de sensibilidade univariadas foram realizadas nas variáveis que apresentaram maior impacto nos resultados: salário mensal do farmacêutico, número de dispensações por mês, número médio de medicamentos prescritos por paciente, custo unitário dos medicamentos, custo com perdas logísticas, custo com perdas por ressarcimento e carga tributária (Tabela 4).
Tabela 4 Análise de sensibilidade univariada dos parâmetros.
Parâmetro | Valor Base | Intervalo | ICER (FPB - RFMG/SUS) R$ |
---|---|---|---|
Salário mensal por Farmacêutico (R$) | 3.455,90 | (990,00 – 5.921,24) | (156.636.856,12;122.011.263,31) |
Quantidade de Dispensações por mês | 6.600 | (1.100 – 8.800) | (-245.268.232,22; 158.553.674,31) |
Quantidade de Medicamentos por Paciente | 2,20 | (1,30 – 3,80) | (86.072.819,29; 171.710.779,04) |
Coeficiente de variação do Custo Unitário | 1,00 | (0,35 – 1,65) | (163.414.165,30; 115.233.954,13) |
Coeficiente de Perdas Logísticas | 1,05 | (1,02 – 1,40) | (140.382.965,46; 126.970.159,42) |
Coeficiente de Perdas no Ressarcimento | 1,02 | (1,005 – 1,05) | (135.598.997,67; 146.774.183,80) |
Coeficiente de Carga Tributária | 0,2627 | (0,0883 – 0,3314) | (190.473.788,67; 119.175.055,25) |
Na análise de sensibilidade multivariada com número médio de medicamentos prescritos por paciente versus quantidade média de dispensações mensais (Gráfico 1) observa-se maior eficiência da RFMG na medida em que há aumento do número de medicamentos prescritos e do número médio de dispensações mensais. O número de dispensações mensais foi o único parâmetro com potencial impacto no ICER, favorável ao FPB, mas apenas no cenário em que esse número for inferior a 2.300. Ao analisar o custo com perdas logísticas versus número médio de dispensações mensais observa-se maior eficiência da RFMG mesmo em um cenário pouco provável de até 40% de perdas no setor público (1,02 a 1,4).
A análise de Monte Carlo mostrou-se favorável ao RFMG. Foram realizadas 10 mil simulações resultando em um valor médio de R$ 114.053.709,99 para RFMG e de R$ 254.106.120,65 para o programa FPB.
No Brasil, o direito à saúde está garantido na Constituição federal a todos os brasileiros. Cabe ao Estado executar por meio do SUS a assistência terapêutica integral, incluindo a farmacêutica. Entretanto, o pleno cumprimento desse dever é dificultado pela segmentação observada na assistência farmacêutica com a separação dos medicamentos em diferentes componentes: o componente básico, estratégico e especializado da assistência farmacêutica além de regras de acesso no SUS, como a liberação dos medicamentos oncológicos, do sistema de saúde suplementar privado e, mais recentemente, do sistema de copagamento/ressarcimento do FPB. Ademais, é usual que o cidadão necessite realizar desembolso pessoal para a compra de medicamentos. Essa situação tende a se tornar mais grave no caso de doenças crônicas. Também devido aos altos custos dos novos tratamentos, os medicamentos podem se tornar inacessíveis24.
O Brasil, com sua participação no mundo globalizado, vem recebendo influências de pensamentos e teorias propostas e implantadas em outros países. No campo econômico, destaca-se o conjunto de políticas com características neoliberais, dentre elas, a privatização a fim de reforçar o papel do setor privado na economia5,25. No entanto, esse debate sobre a participação do setor privado no SUS é controverso. Por um lado, argumenta-se que essa participação aliviaria o setor público de uma carga desnecessária, seria mais eficiente e possuiria maior capacidade e velocidade de inovação. Por outro lado, a adoção de um modelo misto introduz irracionalidade na organização das ações e nos gastos, em um contexto de escassez de recursos, na medida em que pulveriza os recursos públicos em ações concomitantes ofertadas nas mesmas localidades, em farmácias privadas e públicas25,26. Assim, os recursos financeiros destinados pelo MS ao setor privado, via FPB, para a oferta dos 22 medicamentos aqui analisados é equivalente ao orçamento repassado ao setor publico para a oferta de 129 medicamentos integrantes da Relação Estadual de Medicamentos básicos de Minas Gerais.
Um dos aspectos frequentemente relacionados com a implantação do FPB refere-se ao incremento do acesso aos medicamentos pela população. É importante compreender que garantir acesso significa enfocar todas as suas dimensões, o que equivale a dizer que não basta haver disponibilidade. Os medicamentos precisam ser prescritos e utilizados de forma racional, precisam ser economicamente acessíveis e apresentar o padrão de qualidade adequado27. Entretanto, a oferta desses produtos em geral não vem associada ao necessário acompanhamento farmacêutico integrado ao serviço de saúde.
No modelo tradicional a farmácia comercial tem sua remuneração baseada em um percentual do valor dos medicamentos dispensados. No entanto, a disponibilidade dos medicamentos, embora seja fundamental, não implica em qualidade na sua utilização e consequente efetividade. Por sua vez, farmácias pertencentes ao sistema público de saúde possuem como diretriz a integralidade da atenção, em uma perspectiva multidisciplinar, que pressupõe o adequado acompanhamento do paciente. Muitas vezes, esse acompanhamento representa recomendar aos prescritores e pacientes terapêuticas não farmacológicas, substituição de tratamentos e até mesmo a suspensão do uso quando desnecessário. Medidas que no setor privado significam redução no faturamento e, portanto, estão economicamente desincentivadas. Assim, a garantia de acesso é fundamental desde que os medicamentos sejam considerados essenciais e estejam com o devido acompanhamento farmacoterapêutico.
O presente trabalho considerou que o acesso aos medicamentos criteriosamente selecionados pelo SUS é o benefício que justifica a alocação dos recursos econômicos nos programas públicos de medicamentos. Sabe-se que o programa FPB, em alguns casos, possibilita ao paciente acessar diferentes marcas, conforme prescrição médica. Na dispensação realizada pelo SUS, a prescrição é atendida com o produto disponível, resultado do certame licitatório. Potenciais diferenças terapêuticas não foram analisadas. Este trabalho assume que os medicamentos previamente selecionados pelo SUS possuem padrão de qualidade, eficácia e segurança semelhantes, uma vez que são adquiridos obrigatoriamente após avaliação e registro pela ANVISA. Todavia no referido estudo, adotou-se como pressuposto que as outras dimensões são equivalentes.
Outra limitação está relacionada à gestão dos programas, em que se assumiu a equivalência de custos nas atividades de planejamento, controle, seleção, programação e aquisição (na RFMG) ou de operação envolvidos nos processos de pagamentos/ressarcimento pelo MS às farmácias conveniadas (no FPB). Além disso, os custos associados com propaganda e marketing não foram identificados e valorados.
Os resultados são robustos ao demonstrarem dominância econômica da assistência farmacêutica prestada pelas farmácias do SUS quando comparadas com o atual modelo de terceirização desses serviços para farmácias privadas. Na modelagem econômica observou-se que os estabelecimentos públicos passam a ser dominados pelos privados, apenas quando realizam uma quantidade de atendimentos inferior a 2.300 dispensações mensais, colocando o desafio da adequada organização das ações para a utilização da capacidade instalada nas farmácias públicas. Também cabe ressaltar que, apesar de não ter sido objeto desse estudo, compromete igualmente o acesso eventuais falhas de abastecimento que resultam em indisponibilidade de produtos à população. O enfrentamento dessas situações se relaciona ao volume de recursos orçamentários disponibilizados para aquisição de produtos e à qualidade da estrutura e das operações logísticas adotadas.
Destaca-se ainda que esta avaliação econômica foi realizada levando em consideração os recursos financeiros necessários para garantir provimento de serviços farmacêuticos com alto padrão de qualidade no âmbito do SUS. Portanto, os valores utilizados no modelo para o setor público se referem a um padrão de qualidade muito superior à situação de precariedade encontrada em muitas unidades públicas de saúde.
O Brasil apresenta uma formulação avançada de políticas públicas para a saúde, inclusive na área da assistência farmacêutica. Entretanto, a ação governamental, que deve cumprir a garantia do direito à saúde, mostra fragilidades diante das forças de mercado. Este artigo buscou apresentar subsídios para o debate no âmbito da Gestão da Assistência Farmacêutica no SUS sobre opções de investimento dos recursos públicos para prover acesso aos medicamentos no país. A produção direta dos serviços pelo setor público em uma rede própria pública mostrou-se economicamente mais favorável que a terceirização dos serviços para o setor privado no Programa Aqui tem Farmácia Popular do Brasil. Como demonstrado, a vantagem econômica no setor público está diretamente relacionado à sua capacidade de atendimento de pacientes. O que demanda atenção é a baixa produtividade das unidades, o que afeta diretamente o custo médio dos serviços prestados, podendo inverter os resultados. O investimento em um modelo público integrado com os princípios e as diretrizes do SUS se apresenta em condições adequadas para garantir assistência farmacêutica integral e universal de qualidade aos usuários. A avaliação econômica realizada reforça essa afirmativa, uma vez que encontrou maior eficiência na alternativa de aplicação dos recursos diretamente na rede pública.