versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
Braz. J. Nephrol. vol.42 no.1 São Paulo jan./mar. 2020 Epub 23-Mar-2020
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2020-0010
A importância da avaliação do estado nutricional em pacientes com doença renal crônica (DRC) é inquestionável devido à sua reconhecida relação estreita com desfechos duros em todas as fases da doença. Como não há um marcador universal de estado nutricional, a mensuração de parâmetros antropométricos, bioquímicos, de consumo alimentar e, mais recentemente, de capacidade funcional é amplamente recomendada.
Na presença de DRC, uma constelação de fatores pode influenciar não somente o estado nutricional, mas a sensibilidade dos métodos utilizados. Podemos destacar a condição de hidratação, a inflamação, o processo dialítico, as limitações dos inquéritos dietéticos, além das variações inerentes aos observadores, dentre outros. Além disso, como os pontos de corte para adequação estabelecidos para a população em geral nem sempre são apropriados para esses pacientes, ganha protagonismo a comparação do próprio paciente ao longo do tempo. Sendo, portanto, importante o estabelecimento de uma rotina para acompanhamento da avaliação nutricional dos pacientes com essa enfermidade.
Nesse sentido, o estudo de Oliveira et al.1 publicado no JBN objetivou acompanhar diversos parâmetros nutricionais em uma coorte de pacientes (14 em hemodiálise e 21 em diálise peritoneal). A primeira avaliação foi realizada na fase pré-dialítica (com taxa de filtração glomerular ≤ 15 mL/min/1,73m2); a segunda, no início do tratamento dialítico (2-4 dias após a 1ª sessão de diálise); e a terceira, após 30 dias em tratamento. Os autores encontraram que a maior parte das variáveis avaliadas se manteve constante durante o período de acompanhamento, com algumas diferenças significativas, principalmente nos parâmetros bioquímicos. Houve aumento nos níveis de proteína C-reativa, que foi acompanhada por redução nos níveis de albumina sérica, assim como diminuição da circunferência muscular do braço. O aumento do equivalente proteico do aparecimento de nitrogênio (PNA) certamente foi reflexo de um estado catabólico nesse período de forma mais importante que aumento da ingestão proteica, como referido pelos autores. Esses achados vão de encontro aos conceitos da literatura, e as alterações concomitantes puderam ser visualizadas devido ao caráter longitudinal do estudo.
Considerando que as vias metabólicas utilizadas na vigência do catabolismo proteico apresentam alto dispêndio de energia, seria razoável supor que o gasto energético desses pacientes poderia ter aumentado. No entanto, nos 35 pacientes do estudo, o gasto energético de repouso (GER) medido pela calorimetria indireta se manteve inalterado nos três momentos avaliados. Quando Ikizler et al.2 investigaram o GER pela calorimetria direta antes, durante e 2 horas após a hemodiálise, os autores encontraram que o GER era mais pronunciado nas 2 horas iniciais da sessão de hemodiálise. De forma geral, os estudos que avaliaram o GER dos pacientes com DRC, comparando-o com o de indivíduos saudáveis, mostraram que os valores podem estar reduzidos, semelhantes ou aumentados. E comorbidades como diabetes, inflamação e hiperparatireoidismo são fatores que contribuem para o aumento do GER na DRC.3 O trabalho de Oliveira et al. disponibilizou uma informação pouco estudada - a comparação do GER na fase pré-dialítica, no início da diálise e após um mês de terapia dialítica nos mesmos indivíduos.
Tendo em vista as limitações das metodologias de parâmetros isolados, a avaliação global subjetiva e modelos adaptados têm ganhado notabilidade por serem mais completos, além de serem ferramentas simples e confiáveis para avaliação do estado nutricional.4 Além desses métodos globais, a capacidade funcional, particularmente via força de preensão manual,5 também tem ganhado maior destaque nos últimos anos. A relação dos modelos de avaliação global, assim como de força de preensão manual, com desfechos clínicos já tem sido comprovada na população brasileira com DRC.6-8
As alterações causadas pela evolução da DRC, principalmente em cascatas hormonais, inflamatórias e metabólicas, acabam por desencadear uma redução das reservas corporais de energia e proteína, culminando no desenvolvimento de um quadro de desnutrição energético- proteica. A busca por metodologias de rastreamento do estado nutricional nessa população vulnerável é contínua para auxiliar no manejo nutricional e clínico do paciente e realizar uma avaliação mais adequada do prognóstico do indivíduo. Finalmente, a avaliação longitudinal é crucial na identificação precoce das alterações nutricionais, a fim de prevenir sua evolução e contribuir para a redução da elevada morbidade e a mortalidade observada na população com DRC.