versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.32 no.4 São Paulo 2020 Epub 08-Maio-2020
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20202019152
A ação sinérgica dos músculos que constituem o véu palatino e as paredes faríngeas promovem o adequado fechamento velofaríngeo (FVF) resultando em uma ressonância oronasal equilibrada durante a fala. Na presença de alterações estruturais, como no caso das fissuras labiopalatinas (FLP), o FVF só será possível após a realização da cirurgia reparadora do palato(1). A influência de fatores como idade, técnica cirúrgica e tipo de fissura sobre a função velofaríngea após a palatoplastia primária já é bem estabelecida na literatura(2,3).
No que diz respeito ao impacto do tipo de fissura, estudos que empregaram o sistema de classificação de Veau, investigaram a relevância do tipo de fissura sobre a função velofaríngea após a palatoplastia primária e verificaram que o FVF completo esteve presente em um maior número de pacientes com fissura de lábio e palato unilateral (FLPU) e com fissura de palato incompleta (FPI) quando comparados àqueles com fissura de lábio e palato bilateral (FLPB) e com fissura de palato completa (FPC). Os autores sugeriram que o tipo de fissura pode ser um fator que afeta o FVF devido à influência do vômer sobre o comprimento do véu palatino. O fato de a musculatura do véu, nas FLPU e FPI, encontrar-se fixada no vômer favorece os tecidos musculares da região velofaríngea e, consequentemente, o FVF completo, quando comparada à situação da musculatura do véu palatino na FLPB, em que o vômer está completamente isolado, sem qualquer fixação muscular. Ainda, neste tipo de fissura, o palato ósseo encontra-se, estruturalmente, mais curto, fato que pode implicar diretamente no comprimento e mobilidade do véu palatino(4,5).
Além disso, o potencial iatrogênico do processo de reabilitação não é similar para os diferentes tipos de fissura. Fatores como dismorfologia congênita do terço médio da face, adaptações funcionais, iatrogenias cirúrgicas, variações estruturais ósseas entre os diferentes tipos de FLP, podem levar a uma interferência importante no crescimento do terço médio facial, resultando em discrepâncias maxilomandibulares (DMMs). Assim, o crescimento do terço médio da face pode ocorrer de maneira diferente, dependendo do tipo e severidade da fissura(6-8). Este fato ocorre, principalmente, devido à fibrose cicatricial resultante dos inúmeros procedimentos cirúrgicos pelos quais indivíduos com FLP são submetidos durante a infância e que pode comprometer o crescimento do terço médio da face(9). Estudos têm demonstrado que as DMMs ocorrem mais frequentemente em indivíduos com fissura de lábio e palato completa quando comparados a pacientes com fissura de palato isolada(2,10).
No caso de DMMs moderadas a graves, faz-se necessário um tratamento cirúrgico, por meio do reposicionamento das bases ósseas, para adequação das funções orofaciais(2,10,11), o que ocorre em cerca de 10% a 50% da população com FLP(9,12). O tipo de cirurgia mais frequentemente realizado para correção das DMMs é a osteotomia de maxila do tipo Le Fort I para avanço de maxila (AM), que pode ser combinada a osteotomias envolvendo a mandíbula e o mento(13,14). Estudos já enfatizaram que o AM, ao restabelecer o equilíbrio maxilomandibular e, consequentemente, ajustar a posição da língua e dos dentes, promove um efeito benéfico à produção da fala(15,16). No entanto, embora já se tenha confirmado que a quantidade de avanço maxilar, em milímetros, não tem influência direta sobre os resultados de fala em indivíduos com FLP(17-19), a anteriorização dos palatos duro e mole que se faz durante a cirurgia de AM pode modificar o padrão de FVF, contribuindo para o aparecimento da hipernasalidade como consequência de disfunção do mecanismo velofaríngeo (DVF)(11,20).
O diagnóstico da hipernasalidade é, principalmente, realizado por meio da avaliação perceptivo-auditiva da fala, considerada o método “padrão-ouro” para avaliar os sintomas de fala decorrentes da DVF. No entanto, em função de seu caráter subjetivo, a avaliação perceptivo-auditiva é, frequentemente, associada a uma avaliação instrumental para a definição da conduta a ser adotada(1,21,22).
A nasometria é um método objetivo e quantitativo de análise da fala que apresenta uma boa relação com os julgamentos perceptivos da nasalidade(1,21,23). Esta técnica permite determinar, de maneira indireta, a ressonância de fala por meio da medida da nasalância (correlato acústico da nasalidade). Esta grandeza, expressa em porcentagem, é determinada pela medida da energia acústica captada, simultaneamente, das cavidades oral e nasal durante a fala. Os valores resultantes deste exame sugerem a presença ou ausência da hipernasalidade e sua forte correlação com a avaliação perceptivo-auditiva já foi confirmada em estudos anteriores(1,7,21,23,24).
Considerando as diferentes condições anatômicas das fissuras que envolvem o palato, os processos de cicatrização após as cirurgias primárias reparadoras do palato e seu impacto no crescimento e desenvolvimento das estruturas moles e duras, a hipótese deste estudo é a de que os prejuízos para a fala, após este procedimento cirúrgico, são proporcionais à extensão e gravidade da fissura. Ou seja, os indivíduos acometidos pela fissura de lábio e palato bilateral estariam mais suscetíveis ao aparecimento da hipernasalidade após o AM. Diante disto, o presente estudo teve como objetivo investigar a influência dos tipos de fissura envolvendo o palato sobre o aparecimento da hipernasalidade de fala após o AM utilizando, para tanto, a nasometria como um método objetivo e quantitativo de análise da fala.
Estudo conduzido no Laboratório de Fisiologia do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo – HRAC – USP, Bauru (SP), Brasil, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP) da Instituição com o parecer número 291.650. Trata-se de um estudo retrospectivo, cujos dados foram obtidos do levantamento de prontuários, sendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dispensado pelo CEP.
Foi realizada a análise dos dados de 204 indivíduos com fissura de palato reparada envolvendo ou não o lábio, submetidos ao avanço cirúrgico da maxila, sendo 17 com fissura de palato isolada (FP), 118 com FLPU e 69 com FLPB, de ambos os sexos, com idade entre 18 e 28 (22,9±4,1). Somente foram incluídos neste estudo pacientes que apresentavam DMM com mordida cruzada anterior e/ou posterior (trespasse horizontal menor ou igual a 0mm) e escores indicativos de ausência de hipernasalidade (ressonância de fala equilibrada) obtidos por meio do exame de nasometria antes da cirurgia. Pacientes com síndromes e/ou outras anomalias craniofaciais relacionadas à FLP ou, ainda, que tenham sido submetidos à cirurgia secundária de palato para correção de disfunção velofaríngea previamente ao AM não foram incluídos neste estudo.
Foram analisados os escores de nasalância obtidos, em média, três dias antes (PRÉ-AM) e 15 meses (12 meses a 2 anos e 9 meses) após a cirurgia (PÓS-AM), respeitando-se a rotina de atendimento da Instituição. As avaliações pós-cirúrgicas são, idealmente, realizadas 12 meses após a cirurgia, tempo considerado suficiente para a completa cicatrização óssea e acomodação da musculatura velofaríngea.
Os escores de nasalância foram obtidos em todos os indivíduos utilizando-se um nasômetro (Modelo 6200-3 IBM, versão 30-02-3.22; Kay Elemetrics) durante a leitura de um conjunto de cinco sentenças contendo sons exclusivamente orais do Português-Brasileiro, com o objetivo de identificar a hipernasalidade: “Papai caiu da escada. Fabio pegou o gelo. O palhaço chutou a bola. Tereza fez pastel. A árvore dá frutos e flores”(22). O escore de 27% foi utilizado para indicar o limite de normalidade(24). Assim, valores maiores que 27% foram sugestivos da presença de hipernasalidade.
A nasalância foi expressa em porcentagem. Diferenças entre os grupos foram calculadas por meio do teste ANOVA. A comparação entre as proporções de pacientes que apresentaram hipernasalidade após a cirurgia para cada tipo de fissura analisado foi obtida por meio do teste Qui-quadrado. Foram considerados significantes valores de p < 0,05.
De acordo com a nasometria, 79% (162/204) dos pacientes permaneceram com valores de nasalância indicativos de ausência de hipernasalidade após o AM, enquanto que 21% (42/204) do total de pacientes apresentou escores de nasalância indicativos de hipernasalidade. Do total de 42 pacientes que passaram a apresentar hipernasalidade, 18% (3/17) pertenciam ao grupo de indivíduos com FP, 17% (20/118) ao grupo de indivíduos com FLPU e 27% (19/69) ao grupo de indivíduos com FLPB, conforme descrito na Tabela 1.
Tabela 1 Número de indivíduos por tipo de fissura de acordo com a presença ou ausência de hipernasalidade após o avanço cirúrgico de maxila e a média dos valores de nasalância (±DP) para cada grupo
Tipo de Fissura | HIPERNASALIDADE PÓS-AM | |||
---|---|---|---|---|
N (≤27%) | N (>27%) | Média da Nasalância (%) | Teste ANOVA | |
FP | 14 | 3 | 21±11% | |
FLPU | 98 | 20 | 21±12% | 0,0927 |
FLPB | 50 | 19 | 21±12% | |
Total | 162 | 42 | 21±12% |
Legenda: DP = Desvio padrão; AM = Avanço cirúrgico de maxila; FP = fissura de palato isolada; FLPU = fissura de lábio e palato unilateral; FLPB = fissura de lábio e palato bilateral; N (≤ 27%) = número de pacientes com escores de nasalância indicativos de ausência de hipernasalidade; N (> 27%) = número de pacientes com escores de nasalância indicativos de hipernasalidade. Diferença não significante entre os grupos – teste ANOVA (p = 0,955)
A comparação entre as proporções de pacientes que apresentaram hipernasalidade após a cirurgia, para cada tipo de fissura, não demonstrou diferença significante entre os grupos, como apresentado na Tabela 2.
Tabela 2 Comparação entre as proporções de pacientes que apresentaram hipernasalidade após o avanço cirúrgico de maxila de acordo com o tipo de fissura
HIPERNASALIDADE APÓS AM | |||
---|---|---|---|
Teste Qui-quadrado | p-valor | ||
FP vs FLPU | 18% vs 17% | 0,075 | 0,785 |
FP vs FLPB | 18% vs 27% | 0,277 | 0,598 |
FLPU vs FLPB | 17% vs 27% | 2,350 | 0,125 |
Legenda: AM = Avanço cirúrgico de maxila; FP vs FLPU = fissura de palato isolada vs fissura de lábio e palato unilateral; FP vs FLPB = fissura de palato isolada vs fissura de lábio e palato bilateral; FLPU vs FLPB = fissura de lábio e palato unilateral vs fissura de lábio e palato bilateral. Diferença não significante entre os grupos após a cirurgia – Teste Qui-quadrado
O avanço cirúrgico da maxila é um procedimento utilizado para estabelecer a adequação das funções orofaciais pelo reposicionamento das bases ósseas. No entanto, em indivíduos com fissura de lábio e palato, a deterioração da função velofaríngea após este procedimento cirúrgico tem sido relatada. Vários estudos investigaram o efeito do AM sobre a fala de indivíduos com fissura de palato reparada, utilizando, para tanto, avaliação perceptiva(13-15,17-19) e instrumental(11,17,18).
Pesquisadores da área realizaram uma revisão crítica da literatura e analisaram 39 artigos, publicados entre os anos de 1971 e 2004, que investigaram os efeitos das osteotomias craniomaxilofaciais e da distração osteogênica sobre a fala e o funcionamento velofaríngeo. Dentre estes, 32 estudos estavam relacionados ao AM. Os autores encontraram 12 artigos que concluíram que o AM não apresenta efeitos deletérios claros para a fala e a função velofaríngea. Em 15 outros estudos, verificou-se o relato de prejuízos para a ressonância de fala decorrentes do procedimento cirúrgico, sendo que, em nove destes 15 estudos, tais prejuízos foram observados em uma pequena parcela dos indivíduos avaliados. Os cinco estudos restantes reportaram deterioração da função velofaríngea apenas em indivíduos com FVF marginal(25).
Sabe-se que, de maneira isolada, a quantidade de avanço maxilar, em milímetros, não tem influência direta sobre os resultados de fala em indivíduos com FLP(17-20), porém a literatura ainda se mostra controversa no que diz respeito às possíveis causas que levam à deterioração da função velofaríngea após a osteotomia Le Fort I(17). Com o objetivo de investigar os aspectos morfofuncionais da região velofaríngea que podem ser considerados preditores do aparecimento ou agravamento da hipernasalidade após o avanço cirúrgico de maxila, um estudo recente investigou os resultados de fala de 52 pacientes com FLP reparada submetidos à osteotomia Le Fort I. Para tanto, foi utilizada avaliação perceptiva da fala somada à avaliação subjetiva e tomográfica dos aspectos morfofuncionais do palato. Os autores verificaram que 21% (11/52) dos indivíduos estudados passaram a apresentar o sintoma de fala e que este resultado estava correlacionado à mobilidade regular ou ruim do véu palatino. Ou seja, quanto pior a movimentação do véu para completar o FVF, pior o resultado de fala após o AM(19).
Apesar desse resultado inédito, sabe-se que outras variáveis podem estar relacionadas com o risco da deterioração velofaríngea após a cirurgia ortognática e necessitam ser investigadas. Dentre as variáveis já analisadas pela literatura com este propósito, nenhum estudo investigou a influência do tipo de fissura sobre os resultados de fala após este procedimento cirúrgico.
O objetivo deste estudo, em última análise, foi investigar se o aparecimento da hipernasalidade após o avanço cirúrgico de maxila ocorre em proporções diferentes na dependência do tipo de fissura (FP, FLPU, FLPB) que o indivíduo apresenta. Para tanto, a ressonância de fala foi analisada por meio da nasometria, um dos instrumentos que refletem, com acurácia, os resultados da avaliação perceptivo-auditiva da hipernasalidade(1,21,23,24).
Os resultados mostraram que 21% (42/204) do total de pacientes apresentou hipernasalidade após o avanço cirúrgico de maxila. Esta porcentagem é similar aos resultados de fala relatados por outros autores. Chanchareonsook et al.(17) verificaram que dois de oito (25%) pacientes submetidos ao avanço cirúrgico de maxila apresentaram escores de nasalância indicativos de hipernasalidade após a cirurgia. Haapanen et al.(26) demonstraram que 27% de 15 indivíduos com FLP submetidos à osteotomia Le Fort I para tratamento de DMM do tipo Classe III apresentaram deterioração da função velofaríngea, que foi detectada por meio da avaliação perceptivo-auditiva da fala. No entanto, este resultado é inferior aos 45% de hipernasalidade observados por Trindade et al.(11) em 22 indivíduos submetidos ao AM combinado a procedimentos envolvendo a mandíbula e o nariz. É preciso considerar, entretanto, que esses resultados de fala foram verificados no período de nove meses, em média, após a cirurgia. A literatura tem mostrado que a estabilidade cirúrgica é atingida, no mínimo, em um ano após o avanço de maxila(27). A acomodação dos tecidos moles da região velofaríngea pode ocorrer lentamente e levar um longo período para se estabilizar, levando a uma resposta tardia quanto ao resultado final de ressonância da fala(14). Esta diferença na proporção de indivíduos que passaram a apresentar hipernasalidade após a cirurgia pode ser explicada pelo período da avaliação pós-operatória que, no presente estudo, foi de 15 meses, em média. Outros pesquisadores mostraram que, de um grupo de 10 indivíduos submetidos ao AM, nenhum apresentou mudanças na ressonância de fala após o procedimento cirúrgico, de acordo com valores de nasalância. No entanto, apenas quatro pacientes no grupo avaliado apresentavam ressonância equilibrada antes da cirurgia(18), fato que deve ser considerado na interpretação dos resultados encontrados.
No que diz respeito à proporção de indivíduos com hipernasalidade após a cirurgia, diferença significante entre os três grupos não foi observada. A despeito dos resultados estatísticos, a análise dos dados individuais de nasalância mostrou que o aparecimento da hipernasalidade foi ligeiramente maior no grupo de pacientes com FLPB (27%) que nos grupos com FLPU (17%) e FP (18%). A literatura tem apontado algumas particularidades em torno da região velofaríngea de indivíduos com FLPB.
Recentemente, um estudo utilizando imagens de exames de ressonância magnética analisou o volume nasofaríngeo e as medidas lineares da profundidade da nasofaringe, comprimento e espessura do véu palatino em três grupos de crianças com diferentes tipos de fissura. Os autores verificaram que indivíduos com FLPB demonstraram um maior volume nasofaríngeo quando comparados àqueles com FLPU e com fissura submucosa. Não foi encontrada diferença entre os grupos quanto às medidas lineares(28).
De maneira similar, outro estudo comparou mudanças na região faríngea após a osteotomia de maxila em 50 pacientes com FLPU, FLPB e FP utilizando análise cefalométrica e constatou uma mudança significante na área nasofaríngea nos três grupos após a cirurgia. Embora a maioria das medidas tenha sido maior no grupo de pacientes com FP antes e após a cirurgia, a alteração mais evidente na região nasofaríngea foi observada no grupo com FLPB (88%), quando comparado aos indivíduos dos grupos com FLPU (83%) e FP (73%)(7).
Considerando que mudanças na nasofaringe tendem a ser mais evidentes em indivíduos com FLPB após o AM, como já comprovado por Heliövaara et al.(7), é possível aventar a hipótese de que o formato da região nasofaríngea ou, até mesmo, o comportamento dos músculos que delimitam esta região apresenta características particulares que podem levar a diferentes resultados de fala. Isto poderia explicar a tendência de um maior número de indivíduos pertencentes ao grupo com FLPB apresentar hipernasalidade após o AM quando comparado aos dos demais grupos.
Com base na hipótese de que indivíduos com FLPU e FP podem apresentar condições musculares diferentes e favoráveis quanto ao tamanho, posição e fisiologia, comparados àqueles com FLPB(4), é razoável supor que este último grupo pode ser mais vulnerável ao prejuízo da fala após o AM. Contudo, isto não foi comprovado no presente estudo. Acredita-se que, nos indivíduos que passaram a apresentar o sintoma de fala após o AM, as condições funcionais do palato possam estar inadequadas como consequência da palatoplastia primária, podendo exprimir a população que apresenta mobilidade do véu palatino classificada como regular ou ruim, fato que, comprovadamente, pode levar ao aparecimento ou agravamento da hipernasalidade após o AM, independentemente do tipo de fissura que envolve o palato(19). Outra explicação para este resultado é que o aparecimento da hipernasalidade esteja relacionado a diferenças no formato da região velofaríngea. Pode-se especular que indivíduos que apresentem esta região mais estreita possuem condições mais favoráveis ao FVF após o AM em comparação àqueles que têm o formato da região velofaríngea mais largo, fato que pode impactar negativamente sobre a função velofaríngea.
Ressalte-se que o presente estudo revelou uma expressiva proporção de indivíduos (21%) que passou a apresentar hipernasalidade após a cirurgia. Este grupo merece atenção especial no planejamento de futuras intervenções cirúrgicas com o objetivo de corrigir sintomas de fala residuais.
Cabe, ainda, mencionar que as técnicas cirúrgicas utilizadas no momento da palatoplastia primária não foram controladas e estas foram realizadas por mais de um cirurgião plástico. Da mesma forma, as cirurgias de avanço de maxila foram realizadas por mais de um cirurgião bucomaxilofacial e as técnicas cirúrgicas empregadas não foram controladas, ou seja, avanço de dois ou mais segmentos, avanço total de maxila ou, ainda, cirurgia bimaxilar. Considerando que o tipo de cirurgia primária de palato, a experiência do cirurgião e o tipo de procedimento realizado para anteriorizar a maxila podem ter influência sobre os resultados cirúrgicos quanto à acomodação dos tecidos moles após a cirurgia ortognática, esta foi considerada uma limitação do presente estudo. No entanto, assegura-se que todos os cirurgiões plásticos e cirurgiões bucomaxilofaciais da equipe da Instituição possuem experiência de, no mínimo, 9 anos na realização das cirurgias reparadoras de palato e cirurgias ortognáticas.
Outra limitação do estudo foi a não inclusão da avaliação perceptivo-auditiva da fala na metodologia do estudo, especialmente considerando ser este o método “padrão-ouro” para avaliação dos sintomas decorrentes da DVF. Isto se deu pelo fato de as avaliações perceptivo-auditivas de fala dos participantes deste estudo terem sido realizadas de maneira presencial e por um único avaliador. Levando-se em consideração que, para fins de pesquisa, é recomendável que os resultados de avaliações subjetivas sejam gerados a partir de consenso entre dois ou mais avaliadores, os autores do presente estudo optaram por utilizar a avaliação instrumental como método de análise dos resultados.
Em geral, o presente estudo comprovou que o aparecimento da hipernasalidade após o avanço cirúrgico da maxila não sofre influência do tipo de fissura. Estes resultados são importantes para a prática clínica, uma vez que fornecem informações às equipes multidisciplinares e aos seus pacientes a respeito dos riscos de deterioração do mecanismo velofaríngeo e aos possíveis tratamentos para os sintomas de fala. Pesquisas têm sido conduzidas no Laboratório de Fisiologia do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo na tentativa de identificar os fatores que podem levar indivíduos com FLP ao aparecimento ou piora da hipernasalidade após o AM.
Sugere-se que estudos posteriores sejam conduzidos com o objetivo de verificar a aplicação e efetividade de tratamentos complementares pós-cirurgia primária reparadora de palato em indivíduos com deficiência de crescimento do terço médio da face, como a expansão da maxila associada ao tratamento ortodôntico ou a protração maxilar com ancoragem óssea, a fim de minimizar o impacto do avanço cirúrgico de maxila sobre a fala nos casos em que este procedimento seja necessário.
Os resultados do presente estudo mostraram que o tipo de fissura não tem influência sobre o aparecimento da hipernasalidade após o avanço cirúrgico de maxila, a despeito das diferentes condições anatômicas dos tipos de fissura que envolvem o palato.