versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.14 no.2 São Paulo abr./jun. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082016MD3550
Nos últimos anos, a terapia sistêmica em medicina oncológica observou duas mudanças dramáticas. Primeiro, os avanços no entendimento de anormalidades genéticas levaram à descoberta de diversos tumores que causam mutações com o consequente desenvolvimento de diferentes terapias alvo. Segundo, uma melhor compreensão da interação entre as células tumorais e o sistema imunológico levou ao campo atualmente mais amplo de imuno-oncologia e ao consequente desenvolvimento de imunoterapias, que, nos dias de hoje, são testadas para o tratamento de diferentes tipos de câncer. Além desses avanços, alguns novos tratamentos quimioterápicos foram aprovados, e outros já bem conhecidos têm sido mais amplamente utilizados. O objetivo desta revisão foi revisar os avanços no tratamento moderno de câncer sistêmico para não oncologistas.
Novas tecnologias desenvolvidas após o ano 2000 permitiram abordagens mais ambiciosas e avaliações completas de tumores em nível molecular. Uma importante iniciativa foi o sequenciamento completo do genoma de vários tumores, que foi lançado em 2005 como parte do The Cancer Genome Atlas.(1) Desde então, mais de 20 diferentes tipos de tumores foram totalmente sequenciados. Os avanços na avaliação de anormalidades genéticas e epigenéticas, e suas consequências no transcritoma permitiram sua melhor compreensão e o mapeamento da intricada rede de via de sinalização, que caracteriza os marcadores de células com câncer.(2,3) A identificação dos tumores causadores das mutações impulsionou histologicamente sua classificação, levando a novas maneiras de analisá-los, tomando como base atuais as mutações encontradas, ao invés da histologia ou do órgão em que o tumor teve início. Apesar de a identificação dos alvos nas células tumorais ter resultado no desenvolvimento de diversas terapias alvo, atualmente confrontamos o fato de tais tratamentos não terem acarretado na cura do câncer metastático como esperado, embora a progressão da sobrevida livre da doença e a geral tenham melhorado. Além disso, antes da escolha das terapias, é necessário testar o alvo, o que requer técnicas sofisticadas e de alto custo. Considerando que alguns alvos podem estar presentes em menos de 5 a 10% da população de pacientes, muitos pacientes precisam ser testados para encontrar um elegível para o tratamento alvo. Somados o custo dos exames e dos medicamentos, essas terapias são quase proibitivas para o Sistema de Saúde Pública, privando uma parcela significativa da população de tais tratamentos.
Tabela 1 mostra as novas terapias disponibilizadas nos últimos 3 anos. A aprovação no Brasil é limitada, principalmente devido a atrasos na legislação, porém é certamente influenciada pelos custos. A tabela descreve as principais indicações, os alvos de cada medicamento e os resultados mais importantes relatados em ensaios clínicos.
Tabela 1 Terapias alvo
Referência | Tipo de tumor (por órgão) | Nome do medicamento | Mecanismo de ação | Indicação | Principais resultados | Disponibilidade no Brasil |
---|---|---|---|---|---|---|
Verma et al.(4) | Mama | Trastuzumabe entansina (T-DM1) | Conjugado de anticorpo anti-Her2+ | Câncer de mama Her2+ metastático, após falha da trastuzumabe e taxano | Melhora da sobrevida livre de progressão e sobrevida global comparada a lapatinibe e capecitabina | Registrado no Brasil. Indisponível no Sistema Público de Saúde Brasileiro |
Swain et al.(5) | Mama | Pertuzumabe | Inibidor de Her2 | Câncer de mama Her2+ metastático | Melhora da sobrevida livre de progressão e sobrevida global comparada a trastuzumabe e taxano | Registrado no Brasil. Indisponível no Sistema Público de Saúde Brasileiro |
Piccart et al.(6) | Mama | Everolimus | Inibidor de mTOR | Câncer de mama HR+ e Her2 metastático em combinação com exemestano | Melhora da sobrevida livre de progressão comparada à segunda linha de exemestano isolado | Registrado no Brasil. Indisponível no Sistema Público de Saúde Brasileiro |
Turner et al.(7) | Mama | Palbociclibe | Inibidor de CDK4 e CDK6 | Câncer de mama HR+ e Her2 metastático em combinação com fulvestranto | Melhora da sobrevida livre de progressão comparada à segunda linha de fulvestranto isolado | Não registrado no Brasil |
Tewari et al.(8) | Cervical | Bevacizumabe | Inibidor de VEGF | Câncer de mama metastático | Melhora da sobrevida global quando adicionada à quimioterapia | Registrado no Brasil. Indisponível no Sistema Público de Saúde Brasileiro |
Grothey et al.(9) | Colorretal | Regorafenibe | Inibidor multiquinase | Tratamento prévio para câncer colorretal metastático | Melhora modesta da sobrevida global comparada à assistência de suporte isolada | Não registrado no Brasil |
Fuchs et al.(10) | Estômago | Ramucirumabe | Antagonista de VEGFR2 | Gástrico inoperável ou adenocarcinoma da junção esofagogástrica após quimioterapia | Melhora da sobrevida comparada ao placebo | Não registrado no Brasil |
Demetri et al.(11) | GIST | Regorafenibe | Inibidor multiquinase | GIST metastático após tratamento padrão com imatinibe e sunitinibe | Melhora da sobrevida livre de progressão comparada ao placebo | Não registrado no Brasil |
Wu et al.(12) e Sequist et al.(13) | Pulmão | Afatinibe | Inibidor EGFR | CPCNP metastático com deleções no éxon 19 EGFR ou mutação do L858R EGFR | Melhora da sobrevida livre de progressão comparada a gencitabina e cisplatina ou cisplatina e pemetrexede | Não registrado no Brasil |
Shaw et al.(14,15) | Pulmão | Crizotinibe | Inibidor de ALK e ROS1 | CPCNP metastático com fusão de ALK-EML4, ou com rearranjo de ROS1 | Melhora da sobrevida livre de progressão comparada a pemetrexede em doença refratária à platina | Não registrado no Brasil |
Shaw et al.(16) | Pulmão | Ceritinibe | Inibidor de ALK | Rearranjo do ALK metastático CPCNP | Resposta em não sensível e doença pré-tratada com crizotiniba | Não registrado no Brasil |
Chapman et al.(17) | Melanoma | Vemurafenibe | Inibidor de BRAF | Melanoma com mutação do BRAF V600E metastático | Melhora de sobrevida global e sobrevida livre de progressão comparada a dacarbazina | Registrado no Brasil. Indisponível no Sistema Público de Saúde Brasileiro |
Robert et al.(18) | Melanoma | Dabrafenibe | Inibidor de BRAF | Mutação do melanoma metastático BRAF V600E | Melhora a sobrevida global quando combinada com trametinibe, comparada a vemurafenibe | Não registrado no Brasil |
Robert et al.(18) | Melanoma | Trametinibe | Inibidor de MEK | Melanoma metastático com mutação do BRAF V600E ou V600K | Melhora a sobrevida global quando combinada com dabrafenibe, comparada a vemurafenibe | Não registrado no Brasil |
Ledermann et al.(19) | Ovário | Olaparibe | Inibidores de poli (ADP-ribose) polimerases | Câncer de ovário avançado por mutação do BRCA | Melhora da sobrevida livre de progressão comparada ao placebo em recidiva sensível à platina | Não registrado no Brasil |
Brose et al.(20) | Tiroide | Sorafenibe | Inibidor multiquinase | Câncer de tiroide metastático diferenciado refratário a iodo radioativo | Melhora da sobrevida livre de progressão comparada ao placebo | Não registrado no Brasil para essa indicação |
Schlumberger et al.(21) | Tiroide | Lenvatinibe | Inibidor dos receptores VEGF, PDGFR, RET e KIT | Câncer de tiroide diferenciado metastático refratário para iodo radioativo | Melhora da sobrevida livre de progressão comparada ao placebo | Não registrado no Brasil |
Elisei et al.(22) | Medular da tireoide | Cabozantinibe | Inibidores de MET, VEGFR2 e RET | Carcinoma medular de tireoide progressivo metastático | Melhora da sobrevida livre de progressão comparada ao placebo | Não registrado no Brasil |
Wells et al.(23) | Medular da tireoide | Vandetanibe | Inibidor RET quinase e VEGF | Carcinoma medular de tireoide progressivo metastático | Melhora da sobrevida livre de progressão comparada ao placebo | Não registrado no Brasil |
T-DM1: Kadcyla; Her2: receptor tipo 2 do fator de crescimento epidérmico humano; CDK: quinase dependente de ciclina; VEGF: fator de crescimento vascular endotelial; VEGFR: receptor do fator de crescimento do endotélio vascular; GIST: tumor estromal gastroentestinal; EGFR: receptor do fator de crescimento epidérmico; CPCNP: carcinoma de pulmão de células não pequenas; ALK: quinase do linfoma anaplásico; ROS1: ROS proto-oncogene 1; BRAF: proto-oncogene B-Raf; MEK: proteínas-quinase ativadas por mitógenos; BRCA: gene de câncer de mama; PDGFR: receptores do fator de crescimento derivado de plaquetas; MET: receptor de fator de crescimento de hepatócito; RET: rearranjada durante a transfecção; KIT: c-kit de proto-oncogene.
Algumas terapias alvo que foram aprovadas e estão disponíveis há muitos anos no sistema de saúde privado brasileiro ainda têm acesso limitado no Sistema Único de Saúde (SUS). Alguns exemplos são a trastuzumabe para câncer de mama Her2+ metastático; erlotinibe e gefitinibe para câncer de pulmão metastático por mutação do receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR); cetuximabe e panitumumabe para câncer colorretal metastático RAS tipo selvagem, além de diversos tratamentos utilizados em malignidades hematológicas, que não são o foco deste relato. Outros tratamentos alvo já estão disponíveis há muitos anos na América do Norte e/ou Europa, porém ainda não foram registrados no Brasil. Exemplos são a aflibercepte para câncer colorretal, pazopanibe e trabectedina para sarcomas de partes moles e axitinibe para carcinoma de células renais.
Sabe-se já há algum tempo que o sistema imune humano reconhece os antígenos tumorais e aumenta a resposta imune, apesar de a explicação atual para a variação no controle do tumor pelo sistema imune permanece obscura. As células cancerosas são capazes de invadir a vigilância imunológica por meio da supressão da imunidade do tumor alvo, de acordo com mecanismos descritos ao longo das duas últimas décadas.(24) Isso ocorre pela inibição de células T helper e citotóxicasao invés da estimulação de células T regulatórias. Mecanismos inibitórios determinados pelo antígeno 4 associado com linfócito T citotóxico (CTLA-4), pela morte programada 1 (PD1) e por sua ligante de morte celular programada 1 (PD-L1) atualmente podem ser alvos e inibidos por novas imunoterapias, que levam ao desbloqueio da resposta imune. Isso, por fim, pode desencadear um ataque imune às células cancerosas. Os anticorpos anti-CTLA-4, bem como os inibidores PD1 e PD-L1, já foram aprovados e são usados para tratar um número limitado de tipos de tumores (melanoma e câncer pulmonar), com resultados preliminares promissores, que indicam o potencial uso no futuro em uma grande variedade de cânceres.
A tabela 2 descreve as novas imunoterapias, suas indicações aprovadas, seus mecanismos de ação e seus principais resultados em ensaios clínicos.
Tabela 2 Imunoterapias
Referência | Tipo de tumor (por órgão) | Nome do medicamento | Mecanismo de ação | Indicação | Principais resultados | Disponibilidade no Brasil |
---|---|---|---|---|---|---|
Hodi et al.(25) e Robert et al.(26) | Melanoma | Ipilimumabe | Anti-CTLA-4 | Melanoma metastático | Melhora da sobrevida global comparada a vacina gp100 e melhora da sobrevida global quando adicionado à dacarbazina comparada dacarbazina isolada | Registrado no Brasil. Indisponível no Sistema Público de Saúde Brasileiro |
Robert et al.(27) e Weber et al.(28) | Melanoma | Nivolumabe | Anti-PD1 | Melanoma metastático sem mutação BRAF ou após progressão em ipilimumabe e inibição de BRAF | Melhora da sobrevida global e sobrevida livre de progressão comparada à dacarbazina | Não registrado no Brasil |
Robert et al.(29) | Melanoma | Pembrolizumabe | Anti-PD1 | Melanoma metastático | Melhora da sobrevida livre e sobrevida livre de progressão comparada a ipilimumab | Não registrado no Brasil |
Brahmer et al.(30) | Pulmão | Nivolumabe | Anti-PD1 | CPCNP metastático, histologia escamosa | Melhora da sobrevida global, sobrevida livre de progressão e da taxa de resposta comparado a docetaxel | Não registrado no Brasil |
Garon et al.(31) | Pulmão | Pembrolizumabe | Anti-PD1 | CPCNP metastático | Atividade antitumoral significante | Não registrado no Brasil |
CTLA-4: antígeno 4 associado com linfócito T citotóxico; PD1: morte programada 1; BRAF: proto-oncogene B-Raf; CPCNP: carcinoma de pulmão de células não pequenas.
A combinação de duas imunoterapias já foi relatada com sucesso. Nivolumabe combinado a ipilimumab teve melhores resultados do que o uso desses medicamentos isoladamente no tratamento de melanoma metastática.(32,33) Nivolumabe e pembrolizumabe, como outros anti-PD1, anti-PD-L1 e combinações com anti-CTLA-4, estão em teste para uma gama de tumores, com resultados preliminares extraordinários relatados. Resultados positivos com essas imunoterapias foram relatados em cânceres renais, de bexiga, pancreáticos, e colorretal metastático relacionados a síndrome de Lynch, câncer gastresofageal e glioblastoma, entre outros. É importante ressaltar que, para a maioria das doenças, há uma correlação clara do benefício com uma expressão de PD-L1 mais alta em células tumorais,(34,35) ainda não existe uma avaliação padronizada para a expressão de PD1 ou PD-L1. Um aspecto único relacionado às imunoterapias é, algumas vezes, sua resposta significativamente lenta, que tem sido relatada tanto com anti-CTLA-4 também como com inibidores anti-PD1.(36,37) Isso reforça a necessidade de uma avaliação cuidadosa antes de considerar esses medicamentos ineficazes, pois tal fato contribui para o estabelecimento de um diferente conjunto de critérios de resposta, conhecido como critérios de resposta imunerrelacionadas (irRC).(38) Efeitos colaterais relacionados à imunidade derivam da ativação de doenças autoimune mediadas na pele, no trato gastrintestinal, no fígado e no sistema endócrino. O efeito colateral mais relevante clinicamente é a diarreia, que pode ter início tardio e ser um risco para vida se não tratada adequada e rapidamente.
Além das novas terapias alvo e imunoterapias, poucos tratamentos novos (com mecanismos de ação variados) com impacto clínico significativo foram disponibilizados e aprovados para uso clínico nos últimos anos.
A tabela 3 descreve novos tratamentos sistêmicos, suas indicações, mecanismos de ação e principais resultados em ensaios clínicos.
Tabela 3 Outras novas terapias para o câncer
Referência | Tipo de tumor (por órgão) | Nome do medicamento | Mecanismo de ação | Indicação | Principais resultados | Disponibilidade no Brasil |
---|---|---|---|---|---|---|
Ryan et al.(39) | Próstata | Abiraterona | Bloqueia o 17-alfa-hidroxilase citocromo P450, reduzindo a produção de andrógeno | Câncer de próstata resistente à castração metastática | Melhora na sobrevida global comparada à prednisona | Registrado no Brasil. Indisponível no Sistema Público de Saúde Brasileiro |
Beer et al.(40) | Próstata | Enzalutamida | Bloqueador de receptor de andrógeno e sinal inibidor de receptor andrógeno | Câncer de próstata resistente à castração metastática | Melhora na sobrevida globa comparada ao placebo | Registrado no Brasil para castração e quimioterapia. Indisponível no Sistema Público de Saúde Brasileiro |
Sweeney et al.(41) e James et al.(42) | Próstata | Docetaxel | Interfere no fuso mitótico | Tratamento precoce de câncer de próstata mestastático sensível à castração | Melhora na sobrevida global quando adicionada a castração, comparada com a castração isolada | Registrado no Brasil. disponível no Sistema Público de Saúde Brasileiro |
Parker et al.(43) | Próstata | Cloreto de rádio (223 Ra) | Emissão alfa direcionada à metástase óssea | Câncer de próstata metastático (ósseo) resistente à castração | Melhora na sobrevida global comparada ao placebo | Registrado no Brasil. Indisponível no Sistema Público de Saúde Brasileiro |
Cortes et al.(44) | Mama | Mesilato de eribulina | Inibidores de microtúbulo | Câncer de mama metastático previamente tratado | Melhora da sobrevida global comparada ao tratamento de escolha do corpo clínico | Registrado no Brasil. Indisponível no Sistema Público de Saúde Brasileiro |
Atualmente discute-se em todo mundo os custos significantes associados às novas terapias para o câncer em geral, especificamente em relação aos medicamentos anticancerígenos. As imunoterapias, que parecem se tornar indicadas para uma parcela significativa dos pacientes com câncer, e algumas das novas terapias alvo podem custar anualmente centenas de milhões de dólares por paciente.(45) Custo é certamente um fator limitante significativo para disponibilizar esses medicamentos no Brasil.
Alguns bons tratamentos para o câncer ainda precisam ser registrados no Brasil, enfatizando a lacuna entre o que é praticado aqui e nos países desenvolvidos. Não menos importante é a diferença significativa entre o que é registrado e o que é utilizado em sistemas de saúde privado, em comparação com o que está disponível, de fato, no SUS. A não ser que os preços dos medicamentos tornem-se mais razoáveis em um futuro próximo, e a avaliação em tecnologia em saúde no SUS passe a ser pautada por padrões bem estabelecidos e limites pré-específicos de custo-efetividade, essas novas terapias contra o câncer serão ainda mais limitadas para países em desenvolvimento como no caso do Brasil e, como consequência, a diferença entre o que é praticado internacionalmente e em nosso país tende a aumentar significativamente.