versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.14 no.3 São Paulo jul./set. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082016MD3557
O exame ultrassonográfico do tórax avançou nas últimas décadas, de forma consistente, sendo já consolidadas e cotidianas as aplicações que transcendem, em muito, o estudo dos derrames pleurais.
A ultrassonografia progrediu não só na aquisição e no processamento de imagens, mas também na questão da portabilidade, bastante ampliada diante do desenvolvimento de aparelhos pequenos e móveis, somados a uma qualidade de imagem avançada.
Neste novo cenário, a ultrassonografia pulmonar e do tórax assumem um papel de destaque, principalmente em pacientes de unidades de urgência e de medicina intensiva, permitindo avaliação de alterações da parede torácica, incluídos os estudos dos arcos costais, dos espaços pleurais e do parênquima pulmonar, fornecendo informações quantitativas e qualitativas precisas.(1,2)
Considerando-se as principais aplicações da ultrassonografia com escopo torácico, elencadas neste artigo, o método apresenta elevadas sensibilidade, entre 81 e 97%, e especificidade, entre 95 e 100%.(3)
O conhecimento dos principais achados ultrassonográficos na caracterização de diferentes doenças e situações clínico-emergenciais é justificado não só para radiologistas (em especial aqueles com direcionamento para as áreas de emergência e medicina intensiva), como também para médicos emergencistas, sobretudo no contexto do trauma, para cirurgiões torácicos, inclusive com possível aplicabilidade intraoperatória, e para pneumologistas.(3,4)
Nosso objetivo foi pormenorizar a técnica ultrassonográfica na avaliação torácica, elencando os principais achados, nas diferentes situações analisadas, de maneira didática, bem como salientar sua aplicabilidade como ferramenta útil e acurada para os diferentes especialistas.
Os pulmões aerados e o arcabouço ósseo do tórax representam barreira sonora para o estudo ultrassonográfico, havendo uma série de fenômenos acústicos e artefatos que ocorrem nesta condição, e que podem, uma vez bem conhecidos, ser utilizados como diagnósticos. Faz-se aqui um paralelo com a ultrassonografia abdominal, em que os artefatos sonoros são amplamente utilizados como elementos diagnósticos, citando-se o mais utilizado dentre estes a “sombra acústica posterior”, que é observada como um dos critérios de cálculos biliares e renais.
Os conceitos atuais atualizam os artefatos acústicos subpleurais, antes vistos como limitantes na avaliação toráco-pulmonar, agora de forma sistemática, permitindo o avanço na utilização da ultrassonografia como método diagnóstico também em âmbito do tórax, outrora sítio comumente excluído do leque de aplicações da ultrassonografia. Esses artefatos acústicos mencionados, bem caracterizados à ultrassonografia, são denominados linhas, cujas denominações específicas já têm padronização internacional e, por meio delas, podemos estudar as diversas alterações parenquimatosas que acometem o pulmão. Podemos definir, a partir destes conceitos, da maneira que segue:
O eco pleural normal, em condições habituais, é visto como uma linha hiperecogênica deslizando suavemente e sincronizada com a respiração (Figura 1). É a partir dele e de outros artefatos gerados por ele, que derivamos diagnósticos da ultrassonografia torácica.
Figura 1 Anatomia ultrassonográfica. (A). Estudo da parede torácica, com transdutor linear de 7MHz. (1) Observe os diversos planos: pele e subcutâneo, (2) costelas em plano transversal, (3) a musculatura intercostal, e (4) o eco pleural. (B) Anatomia ultrassonográfica da parede torácica com transdutor linear de 7MHz. (1) Observar a diferenciação dos planos a partir da superfície: pele e subcutâneo, (2) musculatura peitoral com aspecto fibrilar característico e o, (3) eco pleural. (C). Demonstração do eco pleural normal com transdutor convexo de 3,5MHz. Observar que, com essa frequência, somente o eco pleural é identificado, destacando-se a linha subpleural paralela A (artefato de reverberação). Observar a baixa resolução da imagem que dificulta a identificação das camadas do eco pleural. (D). Eco pleural. Observar os dois folhetos pleurais (linhas ecogênicas assinaladas pelos marcadores de medidas) e a lâmina anecóica entre eles. A pleura visceral é a linha ecogênica interna e a parietal, a mais externa. A seta aponta linha hipoecoica extrapleural, que representa a gordura extrapleural. Observar a grande diferença de resolução da imagem, com este transdutor de maior frequência condicionada pela melhor resolução, que permite detalhar os componentes do eco pleural
Para realização do exame, utilizamos preferencialmente o transdutor convexo de baixa frequência (3 a 5MHz) e fazemos a varredura de todos os espaços intercostais do tórax, mobilizando o paciente no leito para a avaliação do dorso.
Com transdutores de alta resolução (5 a 17MHz) o eco pleural pode ser dividido em três elementos: pleura visceral, espaço pleural e pleura parietal, sendo possível inclusive o estudo da gordura extrapleural normal. O tempo total do exame é estimado em cerca de 10 a 15 minutos.
Verificadas abaixo do eco pleural, as linhas A são linhas horizontais paralelas e eqiidistantes ao mesmo tempo, e representam artefatos de reverberação. São encontradas habitualmente em indivíduos saudáveis (Figura 2), podendo ser apagadas (pelas linhas B) ou mesmo realçadas (quando houver peneumotórax).(3)
As linhas B são verticais, perpendiculares ao eco pleural e com origem nele, sendo de pequenas dimensões, com aspecto em cauda de cometa, representando os septos interlobulares. São bem definidas, movendo-se juntamente da linha pleural, por meio da respiração, e apagando as linhas A (Figura 3). Em 30% de indivíduos sadios, uma ou duas linhas B podem ser encontradas por espaço intercostal, notadamente nas regiões pulmonares decúbito dependentes.
Figura 3 Linhas B são perpendiculares à superfície pleural, representam a interface refletora entre os septos interlobulares e o pulmão normal, e têm morfologia em cauda de cometa (setas)
A linha B representa o preenchimento de um septo interlobular ou intralobular, podendo, então, em linhas gerais, ser encontradas em edemas pulmonares ou intersticiopatias.(1,3)
Quando a linha B fica espessa, no formato de um feixe de várias linhas B agrupadas, contíguas, é chamada de “linha B coalescente”, que, por sua vez, representa o vidro fosco encontrado na periferia dos pulmões em tomografias computadorizadas de alta resolução.(1,3)
Definidas como hipoecogenicidades subpleurais (derivadas do pulmão condensado), sem descontinuidade do eco pleural visceral (Figura 4). Não são propriamente linhas, mas são assim designadas para manter unidade de nomenclatura.
As falsas linhas B são verticais à linha pleural e podem ser confundidas com as linhas B verdadeiras, mas representam outras entidades, conforme descrito a seguir. São representadas principalmente pelas linhas E e Z.
O “E” é de enfisema subcutâneo. São as linhas verticais que aparecem quando há gás no subcutâneo, porém não emergem da linha pleural, mas do subcutâneo e não são sincronizadas com a respiração, pois o gás está parado (Figura 5). Podem ser confundidas com as linhas B verdadeiras, pois, a exemplo das mesmas, são bem definidas e também apagam as linhas A.
As linhas Z (Figura 6) são artefatuais e presentes em mais de 80% da população. São, então, bastante comuns e podem ser confundidas com as linhas B coalescentes, acima discutidas. Elas também são verticais e emergem da linha pleural, na forma de aparentes feixes agrupados, porém não são bem definidas, não apagam as linhas A e não são perfeitamente sincronizadas com a respiração.(3)
As consolidações pulmonares são processos que fazem o parênquima pulmonar se tornar parecido com o parênquima hepático. São geralmente de naturezas infecciosas, substituindo o conteúdo aéreo normal por conteúdo mais denso, tornando-se caracterizável à ultrassonografia, desde que não haja parênquima normal entre a linha pleural e a consolidação. Em outras palavras, só conseguimos ver consolidações mais periféricas.
Na ultrassonografia, elas se apresentam como estruturas com ecogenicidade de tecidos sólidos. Podem ser diminutas, periféricas ou maiores, destacando-se focos hiperecogênicos de permeio, que são os bronco-gramas aéreos.(3,5)
O uso do Doppler (colorido ou Power) pode ser útil para a identificação de fluxo no interior da consolidação, ajudando a diferenciar de atelectasias.(6)
A ultrassonografia tem sido utilizada também, para controle de recrutamento pulmonar, em pacientes de unidade de terapia intensiva, com vistas à avaliação de ventilação assistida.(7)
Existem três critérios claros para diagnóstico de pneumotórax:(8–11) (1) não vemos o pulmão se movimentando com a respiração, porque o gás no espaço pleural não permite que vejamos a linha pleural subjacente deslizando; assim, quando nos deparamos com hemitórax com deslizamento pulmonar ausente e, por conseguinte, não sincronizado com a inspiração e expiração do paciente, devemos estar diante de um pneumotórax (Figura 7); (2) uma outra característica que auxilia no diagnóstico é procurar por linhas B, pois se o pneumotórax não nos permite ver a linha pleural, também fica impossível ver linhas B que, por definição, são formadas e emergem a partir da linha pleural, representando a visualização dos septos interlobulares; a presença de linhas B descarta pneumotórax;(2) (3) presença do “ponto pulmonar”, que representa a visualização do pulmão aerado, expandindo-se na região do pneumotórax.
Figura 7 Pneumotórax. Deslizamento pulmonar ausente (no exame dinâmico), e, por conseguinte, não há movimento do eco correspondente à pleura (seta), sincronizado com a inspiração e expiração do pacienteVCI: veia cava inferior.
A ultrassonografia é considerada um método com muito boa acurácia para detectar pneumotórax, muitas vezes até superior à radiografia em pneumotórax mínimos e localizados.(3)
Destacam-se atualmente alguns protocolos na ultrassonografia pulmonar que têm sido utilizados no manuseio dos pacientes com quadros agudos e que podem ser assim descritos:
–. Blue Protocol(1) (Bedside Lung Ultrassonography in Emergency): protocolo de emergência para diagnóstico imediato de insuficiência respiratória aguda. Neste protocolo conhecido como azul, perfis com achados específicos foram concebidos para as principais doenças (pneumonia, insuficiência cardíaca congestiva, doença pulmonar obstrutiva crônica, asma, embolia pulmonar, pneumotórax) com precisão superior a 90%.
–. No protocolo FALLS (Fluid Administration Limited by Lung Sonography):(11) a sequência deste protocolo inclui a exclusão do diagnósticos diferenciais de choque cardiogênico, hipoevolêmico e acelera o diagnóstico de choque séptico.
–. Protocolo C.A.U.S.E. (Cardiac Arrest Ultrasound Exam): este protocolo normatiza, de forma definitiva, a utilização da ultrassonografia no atendimento à parada cardíaca, demonstrando inequivocamente sua utilização nesta condição e contribuindo para condução na dissociação eletromecânica.
Uma vez que sabemos reconhecer e interpretar as linhas B1 (espessamento septal interlobular e intralobular) e linhas B2 coalescentes (vidro fosco), podemos estreitar nossa interpretação diagnóstica. Os padrões ultrassonográficos mais importantes são:(1,3,9–11)
–. edema hemodinâmico: linhas B1(Figura 8) regularmente espaçadas (cerca de 7,0mm entre elas, que é o diâmetro do lóbulo pulmonar secundário). As linhas B representam os septos interlobulares espessados, a exemplo do que vemos na tomografia de alta resolução dos pulmões. Linhas B2 (Figura 9) também fazem parte deste quadro, representando o padrão vidro fosco.
–. Pneumonia intersticial: como temos septos inter e intralobulares espessados, veremos na ultrassonografia múltiplas linhas B, porém, nesta situação, irregularmente espaçadas, eventualmente com linhas B coalescentes, representando o vidro fosco, e até mesmo diminuição do deslizamento pulmonar.
–. Pneumonia alveolar: representada pelas consolidações discutidas anteriormente. Ressalta-se que a ultrassonografia permite a detecção até de diminutas consolidações milimétricas, desde que justapleurais (periféricas).
A ultrassonografia de tórax, aliada à radiografia de tórax, muitas vezes é suficiente para o diagnóstico e a conduta das afecções pulmonares de pacientes internados, sobretudo em ambientes de emergência e intensivos/ semi-intensivos.(10,11)
A incorporação deste conhecimento por médicos radiologistas, emergencistas e intensivistas pode ser crucial para a boa evolução dos casos, reduzindo, muitas vezes, o tempo da conduta terapêutica, comparando-se com o tempo necessário para a realização da tomografia de alta resolução dos pulmões, levando-se ainda em conta a questão da necessidade de mobilização até o setor de tomografia, por vezes arriscada, somado ao relativo alto custo financeiro e operacional do exame tomográfico.(1–5)