versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.15 no.3 São Paulo jul./set. 2017 Epub 12-Jun-2017
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082017rc3942
O baço acessório é uma alteração congênita causada por uma falha no desenvolvimento embriológico do tecido esplênico, com incidência aproximada de 10% na população em geral. Em 16% dos casos, este tecido localiza-se no segmento caudal do pâncreas.(1)
O baço acessório intrapancreático é uma afecção benigna e raramente causa sintomas. Sua grande importância resulta no fato de ser um diagnóstico diferencial de tumores neuroendócrinos pancreáticos, mas com terapias e prognóstico completamente distintos.(2)
O presente caso descreveu um achado incidental de exame radiológico, que mimetizou tumor pancreático neuroendócrino.
Mulher de 79 anos, assintomática, em seguimento de hepatite C crônica, ao realizar ultrassonografia de abdome de rotina apresentou achado incidental de nódulo hipoecoico de 10mm de diâmetro em cauda pancreática. Exame físico sem alterações e exames laboratoriais dentro da normalidade, inclusive CA19.9.
A ressonância magnética de abdome confirmou o achado de lesão nodular de 12mm em cauda pancreática, hipointenso em T1, hiperintenso em T2 e com realce após a infusão de contraste (Figura 1).
Baseado nestes achados, suspeitou-se de tumor neuroendócrino pancreático não funcionante. Foi realizada pancreatectomia distal com preservação esplênica (Figura 2). O procedimento cirúrgico foi realizado sem intercorrências por acesso videolaparoscópico, e a secção pancreática foi realizada com grampeador linear 60mm (EndoGIA®) carga amarela. A paciente evoluiu com fístula pancreática no quinto dia pós-operatório, sem necessidade de nova abordagem cirúrgica, recebendo alta hospitalar no 16º dia pós-operatório.
Aos cortes macroscópicos o espécime cirúrgico revelou área nodular com 12x7x7mm, de aspecto liso e coloração acastanhada, circundada por tecido pancreático. O diagnóstico de baço acessório intrapancreático foi confirmado pelo estudo anatomopatológico (Figura 3).
O baço acessório é uma anormalidade congênita com incidência de aproximadamente 10% em estudos de necrópsias.(1) Seu desenvolvimento resulta de uma alteração durante a diferenciação das células mesenquimais na formação do tecido esplênico ao longo do trajeto dos vasos esplênicos.(2) Geralmente baços ectópicos (em torno de 80%) localizam-se próximo ao hilo esplênico, e 16% estão localizados na cauda pancreática.(3)
Em geral, o baço acessório intrapancreático é uma lesão assintomática e sem indicação de terapia cirúrgica. No entanto, na maioria dos casos descritos, o diagnóstico foi firmado após ressecção cirúrgica, devido à dificuldade no diagnóstico diferencial pré-operatório com tumores neuroendócrinos pancreáticos.(4)
Os tumores neuroendócrinos pancreáticos são neoplasias neuroendócrinas raras, com incidência anual estimada de <1/100 mil em estudos populacionais e correspondem a menos de 2% de todos os tumores pancreáticos.(5,6) São classificados em funcionantes e não funcionantes, de acordo com a secreção hormonal e a sintomatologia decorrente, mas, infelizmente, ainda não há um consenso mundial para tal definição. A maioria dos tumores neuroendócrinos pancreáticos é não funcionante, e estes são em sua maioria malignos.(6) A ressecção cirúrgica primária se mostrou um fator associado ao aumento de sobrevida a longo prazo nestes tumores, principalmente nas lesões acima de 20mm. A terapia conservadora é preferida em casos de tumores menores que 10mm.(7)
A grande importância em se diferenciar baço acessório intrapancreático de tumores neuroendócrinos pancreáticos no pré-operatório reside no fato de que este necessita de intervenção cirúrgica enquanto o primeiro deve preferencialmente ser manejado de forma conservadora. A dificuldade consiste em fazer tal diagnóstico diferencial, visto que, até o presente momento, não existem exames laboratoriais ou radiológicos capazes de confirmar ou excluir o diagnóstico de baço acessório intrapancreático.(4)
Os exames de imagem podem ser úteis na diferenciação entre as duas lesões. Entretanto, a tomografia computadorizada com contraste e a ressonância magnética convencional são limitadas nesta avaliação, principalmente nas lesões menores que 10mm.(8)
A ressonância magnética em combinação com a fase de difusão ponderada revelou-se um método de alta acurácia no diagnóstico e na diferenciação entre baço ectópico intrapancreático e pequenos tumores pancreáticos sólidos. O baço ectópico intrapancreático normalmente apresenta-se na ressonância magnética de difusão ponderada hiperintenso em T2 e hipointenso em T1, em comparação ao tecido pancreático normal.(8) O ultrassom endoscópico com biópsia aspirativa, além das imagens, fornece o diagnóstico definitivo por meio do anatomopatológico, mas se trata de um exame que depende do investigador e da localização da lesão, além de ser um método invasivo.(9)
A 68Ga-DOTA-TOC PET/CT é um método de alta especificidade para o diagnóstico de tumores neuroendócrinos pancreáticos, pois nela existe uma expressão importante de receptores de somatostatina nos linfócitos. Assim, sempre há um acúmulo fisiológico de 68Ga-DOTA-TOC no tecido esplênico.(10)
A cintilografia com hemácias marcadas com tecnécio 99 é um dos métodos de maior especificidade para o diagnóstico de baço ectópico intrapancreático, pois, ao injetar as hemácias marcadas com o radiofármaco, mais de 90% do material é captado pelo tecido esplênico, o que contribui de maneira importante para a detecção de tecido esplênico intrapancreático e o diferencia dos tumores pancreáticos neuroendócrinos e, principalmente, evita um procedimento cirúrgico desnecessário ao paciente.(11)
O baço ectópico intrapancreático é uma afecção rara que, em pacientes assintomáticos, não tem indicação de intervenção cirúrgica. Este diagnóstico diferencial deve ser considerado no pré-operatório de lesões sólidas pancreáticas sugestivas de neoplasias neuroendócrinas, a fim de evitar ressecções pancreáticas desnecessárias.