versão impressa ISSN 1676-2444versão On-line ISSN 1678-4774
J. Bras. Patol. Med. Lab. vol.55 no.6 Rio de Janeiro nov./dez. 2019 Epub 02-Mar-2020
http://dx.doi.org/10.5935/1676-2444.20190059
Acinetobacter spp. demonstrou ser um potencial patógeno oportunista, que afeta principalmente pacientes com alguma comorbidade(1). A espécie Acinetobacter baumannii, em particular, está no primeiro lugar da lista de “prioridade crítica" de bactérias que precisam de atenção especial, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)(2). No entanto, a atenção especial dada a essa espécie também deve ser direcionada a outros representantes provenientes desse gênero, como a Acinetobacter radioresistens. Essa espécie apresenta grande adaptabilidade ao ambiente com baixa umidade relativa e boa persistência e sobrevivência em ambientes hospitalares, com tais condições(3); considerou-se ser ainda um possível reservatório e disseminador de genes que conferem resistência aos carbapenêmicos(4). Até o momento, existem poucos relatos de casos clínicos envolvendo a A. radmresistens (5,7) , nos quais apenas um descreve infecção da corrente sanguínea adquirida na comunidade, de um paciente positivo para o vírus da imunodeficiência humana (HIV)(7).
Paciente do sexo masculino, 73 anos, foi internado em um hospital geral localizado na cidade Natal, nordeste do Brasil, apresentando febre, secreção respiratória e chiado no pulmão. O paciente foi diagnosticado com pneumonia e respirava com o auxílio de uma máscara de ventilação de 50%. Hipertenso, com doença de Alzheimer e Parkinson. Amostras de urina, escarro e sangue foram coletadas para culturas em três locais diferentes na admissão para hospitalização. A cultura de urina no ágar cistina, lactose e eletrólito deficiente (CLED) (HiMedia, Índia) foi negativa, e a cultura de escarro em ágar chocolate (CHOC) (HiMedia, Índia) teve um crescimento (50.000 UFC/ml) com características Gram negativas (por exemplo, pequenas e não pigmentadas); no entanto, esse crescimento foi considerado não significativo pelo laboratório de microbiologia. Três amostras de sangue foram posteriormente inoculadas em ágar chocolate (HiMedia, Índia) e incubadas a 37°C em ambiente microaerofílico por 18 h; todas apresentaram crescimento monomicrobiano significativo. Após a coloração de Gram, foi observado isolado de coccobacilo Gram negativo. Os resultados dos testes bioquímicos revelaram um isolado não fermentativo. Além disso, a cepa apresentou propriedades imóveis, oxidase negativa, catalase positiva e crescimento a 44°C, o que foi sugestivo para o complexo Acinetobacter baumannii. Ainda, a técnica de ionização e dessorção a laser assistida por matriz e analisador de tempo de voo [matrix-assisted laser desorption ionization-time of flight (MALDI-TOF) (VITEK-MS® - bioMérieux, Rio de Janeiro, Brasil)] identificou a cepa como Acinetobacter radioresistens (cepa NT5476). A suscetibilidade antimicrobiana foi avaliada pela técnica de difusão em disco do Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI)(8). De acordo com os pontos de interrupção do CLSI, a cepa NT5476 foi suscetível a todos os antimicrobianos testados in vitro: ciprofloxacina (5 pg), amicacina (30 pg), gentamicina (10 pg), ceftriaxona (30 pg), ampicilina + sulbactam (20 pg), meropenem (10 pg), imipenem (10 pg), sulfametoxazol + trimetropima (25 pg), piperacilina + tazobactam (30 pg) e cefotaxima (30 pg).
Foram realizados ensaios de reação em cadeia da polimerase (PCR) para hidrólise de carbapenêmicos para detecção de genes codificadores para betalactamases classe D, conforme citado anteriormente(9). A cepa apresentou resultados positivos para o gene blaoxa O amplicon foi avaliado em eletroforese em gel de agarose a 2%, corado com brometo de etídio, visualizado no transiluminador ultravioleta (UV) e fotografado. Após a confirmação do gene blaoxa-23, pesquisamos também a cepa NT 5376 para sequência de inserção ISabal, por ensaio de PCR, como anteriormente descrito por Segal et al. (2005)(10). A cepa teve resultados negativos para essa sequência de inserção.
Este é o primeiro relato de septicemia por A. radioresistens no Brasil. Foi realizada terapia antimicrobiana com ceftriaxona, e o paciente recebeu alta hospitalar em boas condições clínicas. Essa infecção pode ser considerada uma infecção adquirida na comunidade, pois foi detectada na admissão do paciente e não estava relacionada com nenhuma hospitalização anterior(11). Infecções comunitárias associadas a Acinetobacter spp. afetam principalmente indivíduos com alguma morbidade(1). O paciente neste relato apresentava Alzheimer e doença de Parkinson. Essas doenças aumentam os casos de aspiração da saliva com maior tendência a infecções respiratórias. A infecção ocorreu, possivelmente, pelas vias aéreas superiores, com subsequente disseminação pela corrente sanguínea. O sistema respiratório é uma porta de entrada para septicemia por Acinetobacter spp.(12), que está de acordo com o diagnóstico inicial do caso, que foi pneumonia. O desenvolvimento da pneumonia aspirativa com a doença de Alzheimer está relacionado com o nível reduzido de consciência, disfagia e perda de reflexos que afetam esses pacientes, favorecendo a aspiração de microrganismos comensais do ambiente para as vias aéreas, causando pneumonia com subsequente disseminação pela corrente sanguínea(13). Embora a cepa abrigasse o gene blaoxa23’ ela foi suscetível aos carbapenêmicos testados e mostrou a ausência do ISabal na triagem por PCR. Nossos achados correspondem a outros estudos que também detectaram o gene blaoxa-23 e a ausência de ISabal na A. radioresistens sensível a carbapenêmicos. Esse fenômeno foi explicado associando essa sensibilidade à ausência de elementos genéticos no genoma, particularmente as sequências de inserção ISaba1(5).
Portanto, mais estudos serão necessários para entender melhor o potencial patogênico da espécie Acinetobacter radioresistens, uma vez que ela pode desempenhar um papel significativo como agente infeccioso, sobretudo em pacientes imunocomprometidos. Além disso, são imprescindíveis experimentos adicionais para o entendimento da importância dos genes de resistência em seu genoma, que não apresentam expressão, e sua capacidade de transmiti-los para outras espécies.