Compartilhar

Bacteriologia do abscesso peritonsilar: tendência de mudança e fatores predisponentes

Bacteriologia do abscesso peritonsilar: tendência de mudança e fatores predisponentes

Autores:

Yi-Wen Tsai,
Yu-Hsi Liu,
Hsing-Hao Su

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.84 no.5 São Paulo set./out. 2018

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.06.007

Introdução

O abscesso peritonsilar (APT), ou periamigdaliano, é a infecção cervical profunda mais comum.1 O abscesso pode se espalhar para o espaço parafaríngeo de outros espaços cervicais profundos, para a estrutura adjacente e para a corrente sanguínea. Isso raramente ocorre, mas o APT é potencialmente fatal. O diagnóstico precoce é extremamente crucial e são necessários antibióticos adequados e intervenção cirúrgica para o tratamento do abscesso.2 Os antibióticos resultam em uma redução substancial na progressão da doença. O antibiótico empírico utilizado deve ser eficaz contra o possível agente causador do APT.

Nossos objetivos foram investigar a microbiologia do APT e identificar sua relação com variáveis clínicas, incluindo a doença sistêmica subjacente dos pacientes; hábitos como tabagismo, alcoolismo e o hábito de mascar noz de betel; e duração da hospitalização.

Método

Desenho do estudo e amostra da população

Este estudo retrospectivo incluiu 415 pacientes com APT que foram admitidos em um centro médico terciário localizado no sul de Taiwan de junho de 1990 a junho de 2013. Os critérios de inclusão foram pacientes hospitalizados, clinicamente diagnosticados com APT (código CID-9 475) por aspiração de secreção purulenta ou imagem de tomografia computadorizada (TC). Revisamos os arquivos médicos de cada paciente para coletar os seguintes dados: data de admissão, idade, sexo, altura, peso, fatores clínicos do hospedeiro (Diabetes Melito [DM], hipertensão, tabagismo, alcoolismo, e hábito de mascar noz de betel), resultado da cultura de pus, antibioticoterapia, cirurgia, e duração da hospitalização. O estudo foi aprovado pelo conselho de ética institucional.

Classificamos as bactérias em diferentes categorias de acordo com as características da coloração de Gram e propriedades anaeróbias. Hospitalização prolongada foi definida como aquela com duração maior que 6 dias. Obesidade foi definida como um índice de massa corporal superior a 27, e paciente idoso foi definido como pacientes com idade superior a 65 anos. A estação do calor foi definida como os meses de maio a outubro, quando a temperatura média no sul de Taiwan foi superior a 26 °C de acordo com o registro do Central Weather Bureau de R.O.C., em Taiwan.

Análise estatística

Todos os dados foram analisados utilizando-se o software estatístico SPSS (IBM Corp., Armonk, NY, EUA), exceto pelo teste de Cochran-Armitage, que foi realizado utilizando-se o software SAS (SAS Institute, Cary, NC, EUA). A associação com cada variável independente foi analisada estatisticamente entre os diferentes grupos. As variáveis categóricas foram comparadas usando o teste Qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher, conforme apropriado. A razões de chances (odds ratio) e seus Intervalos de Confiança de 95% (IC 95%) foram calculados. As tendências dos patógenos isolados foram analisadas utilizando-se o teste de Cochran-Armitage. Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significante.

Declaração de ética

Este estudo foi aprovado pelo Conselho de Ética institucional; o número do protocolo de aprovação é VGHKS14-CT7-01.

Resultados

Características demográficas

Este estudo incluiu 415 pacientes. Os resultados das culturas obtidas da secreção purulenta de amostras cirúrgicas ou aspiração com agulha estavam disponíveis para 266 pacientes. Ajustes para a amostra submetida à cirurgia de amígdalas ou drenagem do APT foram realizados, como mostrado na tabela 1. Não havia nenhum paciente com histórico de AIDS ou infecção por HIV neste estudo.

Tabela 1 Características demográficas de pacientes com abscesso peritonsilar 

Idade Geral, (n=266) Diabetes melito Tabagismo Alcoolismo Hábito de mascar noz de betel
<18 anos 22 (8,27) 0 6 (27,27) 5 (22,73) 2 (9,09)
18-64 anos 215 (80,83) 19 (8,84) 111 (51,63) 76 (35,35) 37 (17,21)
≥65 anos 29 (10,90) 4 (13,79) 5 (17,24) 7 (24,14) 3 (10,34)
Total 266 (100) 23 (8,65) 122 (45,86) 88 (33,08) 42 (15,79)

Os dados são apresentados como n(%).

Bacteriologia

Dos pacientes com amostra de secreção purulenta, 230 (230 de 266, 86,47%) mostraram crescimento bacteriano na cultura. A cultura dos 36 pacientes restantes não apresentou crescimento bacteriano. Dos 230 pacientes, 132 (132-230, 57,39%) apresentaram vários agentes isolados (polimicrobiano), incluindo 62 casos relatados como "flora normal" apenas ou "flora mista" (62 de 230, 26,96%). As culturas de 168 pacientes (168 de 266, 63,15%) mostraram resultados positivos para isolamento de patógenos. Mais de um patógeno foi isolado em 64 pacientes (64 de 168, 38,10%). Bactérias aeróbias foram isoladas de 85,7% (144/168) das culturas positivas, enquanto bactérias anaeróbias ou aeróbias facultativas foram isoladas em 44,0% (74 de 168) e bactérias aeróbias e anaeróbias misturadas em 29,8% (50 de 168).

O patógeno mais comum identificado através da cultura foi o Streptococcus viridans (48 de 168, 28,57%), seguido por Klebsiella pneumoniae (39 de 168, 23,21%) e o Streptococcus beta hemolítico (17 de 168, 10,12%), como mostrado na tabela 2. Os pacientes foram divididos em 4 períodos de 1990 a 1995, 1996 a 2001, 2002 a 2007 e 2008 a 2013; e a taxa de isolamento dos anaeróbios foi de 25%, 23,81%, 45,45% e 49,35%, respectivamente. A taxa de isolamento de patógenos anaeróbios aumentou significativamente entre 1990 e 2013 (teste de Cochran-Armitage, p = 0,048), como mostrado na tabela 3 e figura 1. As taxas de isolamento de bactérias gram-positivas e gram-negativas nesses 4 períodos foram 100% e 25%, 57,14% e 47,62%, 62,12% e 48,48%, e 51,95% e 49,35%, respectivamente. A maioria dos patógenos anaeróbios era Prevotella spp. (24 de 168, 14,29%) e Fusobacterium spp. (16 de 168, 9,52%), como mostrado na tabela 2.

Tabela 2 Bacteriologia de 168 pacientes com abscesso peritonsilar 

Patógeno causador Geral (n = 168) DM
(n = 17)
HTN
(n = 22)
Tabagismo (n = 78) Alcoolismo (n = 59) Hábito de mascar noz de betel (n = 27) Obesidade
(n = 30)
BGN Aeróbia 51 (30,36) 10 (58,82) 8 (36,36) 22 (28,21) 15 (25,42) 8 (29,63) 8 (26,67)
Klebsiella pneumoniae 39 (23,21) 7 (41,18) 7 (31,82) 19 (24,36) 13 (22,03) 7 (25,93) 7 (23,33)
BGP aeróbio 22 (13,10) 10 (58,82) 5 (22,73) 12 (15,38) 11 (18,64) 4 (14,81) 6 (20,00)
CGN aeróbio 4 (2,38) 1 (5,88) 1 (4,55) 1 (1,28) 1 (1,69) 1 (3,70) 2 (6,67)
CGP aeróbio 99 (58,93) 10 (58,82) 12 (54,55) 46 (58,97) 32 (61,02) 21 (77,78) 19 (63,33)
Staphylococcus spp. 9 (5,36) 0 (0,00) 1 (4,55) 5 (4,6) 5 (8,47) 1 (3,70) 2 (6,67)
Streptococcus do grupo beta-hemolítico 18 (10,71) 1 (5,88) 1 (4,55) 15 (19,23) 10 (16,95) 4 (14,81) 4 (13,33)
Streptococcus do grupo "milleri" 24 (14,29) 4 (23,53) 4 (18,18) 10 (12,82) 8 (13,56) 9 (33,33) 4 (13,33)
Streptococcus do grupo viridans 48 (28,57) 5 (29,41) 7 (31,82) 16 (20,51) 13 (22,03) 7 (25,93) 7 (23,33)
Cocos anaeróbios 34 (20,23) 5 (29,41) 5 (22,73) 17 (21,79) 13 (22,03) 7 (25,93) 11 (36,67)
Peptostreptococos spp. 9 (5,36) 1 (5,88) 1 (4,55) 7 (8,97) 6 (10,17) 3 (11,11) 4 (13,33)
BGP anaeróbio 14 (8,33) 1 (5,88) 5 (22,73) 5 (6,41) 4 (6,78) 2 (7,41) 3 (10,00)
BGN anaeróbio 45 (26,79) 1 (5,88) 6 (27,27) 24 (30,77) 18 (30,51) 7 (25,93) 6 (20,00)
Fusobacterium spp. 17 (10,12) 0 (0,00) 1 (4,55) 10 (12,82) 6 (10,17) 3 (11,11) 2 (6,67)
Prevotella spp. 24 (14,29) 1 (5,88) 4 (18,18) 11 (14,10) 10 (16,95) 4 (18,18) 4 (13,33)

Dados são apresentados como n (%).Os isolados aeróbios incluíram isolados aeróbios e anaeróbios facultativosDM, Diabetes Melito; BGN, Bacilos Gram-Negativos; CGN, Cocos Gram-Negativo; BGP, Bacilos Gram-Positivos; CGP, Cocos Gram-Positivos; HTN, Hipertensão.

Tabela 3 Taxa de isolamento de diferentes tipos de bactérias durante intervalos de 6 anos, 1990-2013 

Anos, número de pacientes, tipos (%) de bactérias 1990-1995 1996-2001 2002-2007 2008-2013 Total (1990-2013) Teste de tendência (p-valor)
Gram-positivo (% dos pacientes totais) 4 (100) 12 (57,14) 41 (62,12) 40 (51,95) 97 (57,74) 0,120
Gram-negativo (% dos pacientes totais) 1 (25) 10 (47,62) 32 (48,48) 38 (49,35) 81 (48,21) 0,569
Anaeróbios (% dos pacientes totais) 1 (25) 5 (23,81) 30 (45,45) 38 (49,35) 74 (44,05) 0,048a
Paciente 4 21 66 77 168

aDenota para p-valor < 0,05.

Figura 1 Taxa de isolamento de diferentes tipos de bactérias a cada intervalo de 6 anos. 

Os fatores clínicos do hospedeiro foram associados a vários patógenos isolados. O habito de mascar noz de betel foi associada ao isolamento de Cocos Gram-Positivos (CGP) (OR = 2,67, p = 0,04). A associação do isolamento bacteriano com o hábito de fumar e alcoolismo não foi estatisticamente significante. Pacientes idosos (idade > 65 anos) apresentaram menor taxa de isolamento de K. pneumoniae (OR = 2,76, p = 0,03). A obesidade (IMC > 27) foi associada a um maior isolamento de Peptostreptococcus (OR = 4,19, p = 0,04), como mostrado na tabela 4.

Tabela 4 Associação entre os fatores predisponentes e o patógenoa 

Fatores predisponentes Patógeno causador OR IC 95% p-valor
Idosob KP 2,76 1,10-6,93 0,03e
Obesidadec Peptostreptococos 4,19 0,98-17,88 0,04e
Estação do calord BGP 3,22 1,13-9,19 0,02e
KP 0,49 0,23-1,01 0,04e
Masca noz de betel CGP 2,67 1,02-7,02 0,04e

aNão foi observada diferença estatisticamente entre isolados bacterianos e tabagismo, alcoolismo e DM.

bIdoso indica que a idade do paciente era mais de 65 anos.

cA obesidade indica que o índice de massa corporal do paciente era superior a 27.

dEstação do calor indica que a data de admissão foi entre maio e outubro, período no qual a temperatura média no sul de Taiwan foi superior a 27 ºC.

eDenota para p-valor < 0,05.IC, intervalo de confiança; DM, Diabetes Melito; BGP, Bacilos Gram-Positivos; CGP, Cocos Gram-Positivos; HTN, Hipertensão; KP, Klebsiella pneumoniae; OR, Odds Ratio (Razão de chances).

Além disso, na estação do calor, observamos que o risco de isolamento de Bacilos Gram-Positivos (GPB) aumentou (OR = 3,22, p = 0,02), mas que o isolamento de K. pneumoniae diminuiu (OR = 0,49, p = 0,04), conforme demonstrado na tabela 4. Não houve microrganismo específico associado à internação prolongada.

Pesquisando a partir do banco de dados PubMed, identificamos 30 estudos envolvidos na bacteriologia do APT entre 1980 e 2016. As datas, as localizações geográficas e as espécies bacterianas predominantes identificadas nestes estudos foram listadas na tabela 5.

Tabela 5 Estudos envolvidos na bacteriologia do APT durante o período de 1980-2016 

Investigador País Ano Cultura positiva Aeróbios predominantes Anaeróbios predominantes
Brook, I. et al., 198119 EUA - 16 Streptococcus gama-hemolíticos Bacteroides sp.
Streptococcus alfa-hemolíticos CGP anaeróbios
Jokipii, A. M. et al., 19888 Finlândia - 42 Streptococcus do Grupo A Peptostreptococos sp.
Streptococcus do grupo viridans Bacteroides sp.
Brook, I. et al., 199137 EUA 1978-1985 34 Staphylococcus aureus Bacteroides sp.
Streptococcus pyogenes Peptostreptococos sp.
Snow et al., 199138 RU - 55 Streptococcus beta-hemolíticos -
Staphylococcus aureus
Jousimies-Somer et al., 199320 Finlândia - 122 Streptococcus pyogenes Fusobacterium necrophorum
Streptococcus do grupo milleri Prevotella melaninogenica
Mitchelmore et al.,19959 RU 1982-1992 45 Streptococcus do Grupo A Peptostreptococos sp.
Prevotella
Muir et al., 199539 Nova Zelândia 1990-1992 39 Streptococcus do Grupo A -
Prior A et al., 199540
Cherukuri, S., 2002
RU - 45 - -
EUA 1990-1999 82 Streptococcus sp. -
Haemophilus sp.
Matsuda, A. et al., 200210 Japão 1988-1999 386 Streptococcus alfa-hemolíticos Bastonetes gram-negativos anaeróbios
Neisseria sp. Porphyromnas sp.
Hanna, B.C. et al., 200641 Irlanda do Norte 2001-2002 37 Streptococcus do Grupo A Bacteroides sp.
Sakae et al., 200642 Brasil 2001 26 Streptococcus viridans Peptostreptococcus sp.
Streptococcus pyogenes Prevotella sp.
Zagolski, O. et al., 2007 Polônia - 12 Streptococcus sp. Bacteroides sp.
Megalamani et al., 2008 Índia 2003-2006 39 Streptococcus beta-hemolíticos -
Pseudomonas
Sunnergren et al., 20087 Suécia 2000-2006 67 Streptococcus do Grupo A Bacteroides sp.
Klug et al., 200911 Dinamarca 2001-2006 405 Streptococcus do Grupo A Fusobacterium sp.
Streptococcus dos Grupos C ou G
Gavriel, H. et al., 20096 Israel 1996-2002 137 Streptococcus pyogenes Prevotella sp.
Streptococcus intermedius Peptostreptococcus sp.
Segal, N. et al., 20094 Israel 2004-2007 64 Streptococcus do Grupo A -
Streptococcus do Grupo C
Repanos, C. et al., 200932 RU 1998-2005 107 Streptococcal sp. -
Rusan et al., 2009 Dinamarca 2001-2006 623 Streptococcus do Grupo A Fusobacterium sp.
Acharya, A. et al., 20105 Nepal 2007-2008 18 Streptococcus pyogenes -
Staphylococcus aureus
Marom, T. et al., 201017 Canadá 1998-2007 180 Streptococcus viridans -
Streptococcus do Grupo A
Hidaka, H. et al., 201143 Japão 2002-2007 65 Streptococcus do grupo milleri Prevotella sp.
Outros Streptococcus sp. Peptostreptococos sp.
Klug et al., 201112 Dinamarca 2005-2009 36 Streptococcus viridans Prevotella sp.
Neisseria sp. Fusobacterium sp.
Love, R. L. et al., 201113 Nova Zelândia 2006-2008 147 Streptococcus do Grupo A
Outros Streptococcus beta-hemolíticos
Fusobacterium sp.
Albertz, N et al., 201216 Chile 2000-2012 112 Streptococcus pyogenes Bacteroides sp.
Outros Streptococcus Peptostreptococcus sp.
Fusobacterium sp.
Takenaka, Y. et al., 20123 Japão 2005-2009 50 Streptococcus pyogenes Anaeróbios
Streptococcus
Fusobacterium sp.
Sowerby, L. J. et al., 201314 Canadá 2009-2010 42 Streptococcus do Grupo A -
Streptococcus anginosus
Gavriel, H. et al., 2015 Israel 1996-2003 132 Streptococcus pyogenes Prevotella sp.
Peptostreptococcus sp.
Mazur, E. et al., 201518 Polônia 2003-2013 45 Streptococcus do grupo viridans Fusobacterium sp.
Streptococcus pyogenes Prevotella sp.
Plum, A. W. et al., 201544 EUA 2002-2012 69 Streptococcus milleri em adultos -
Streptococcus beta-hemolíticos em crianças
Lepelletier, D. et al., 201636 França 2009-2012 412 Streptococcus do Grupo A Fusobacterium spp.
Tachibana, T. et al., 201645 Japão 2008-213 100 Streptococcus viridans Fusobacterium sp.
Vaikjarv, R. et al., 201646 Estônia 2011-2012 22 Streptococcus sp. Streptococcus spp.
Presente estudo, 2017 Taiwan 1990-2013 168 Streptococcus viridans Prevotella sp.
Klebsiella pneumoniae Fusobacterium sp.

-, Indica "não relatado".

Vários antibióticos de amplo espectro, como penicilina ou cefazolina combinados com Gentamicina (GM) e metronidazol, clindamicina com GM ou amoxicilina-clavulanato, foram utilizados em nossa série. Todos esses antibióticos foram efetivos sem diferença significativa.

Discussão

Em nosso estudo, o patógeno mais comum identificado através da cultura de secreção em pacientes com APT foi S. viridans, seguido de K. pneumoniae; os anaeróbios comumente isolados em nosso estudo foram Prevotella e Fusobacterium spp. Revisamos os dados de bacteriologia de estudos anteriores, como mostra a tabela 5. A maioria dos estudos3-16 relataram Streptococcus do grupo A como o patógeno aeróbio mais comum no APT; alguns estudos12,17,18 relataram que os patógenos aeróbios mais comuns foram S. viridans, seguido por Streptococcus beta hemolítico do grupo A. A prevalência de K. pneumoniae foi raramente relatada em estudos anteriores. Em estudos anteriores, Fusobacterium nucleatum,3,8,11,12,15,19,20Prevotella,3,12,19-21Bacteroides,7,8,19Peptostreptococos,8,9,20 e Streptococcus anaeróbios12 foram os agentes patogênicos anaeróbios mais comuns. As divergências das culturas bacterianas podem ser devidas à diferentes localizações geográficas. Com as diferenças em dietas e estilo de vida, a flora bacteriana de cada pessoa também pode ser diferente.

K. pneumoniae e Streptococcus spp. são parte da flora oral normalmente encontrada na boca e são patógenos odontogênicos de infecção cervical profunda.22-24 O grupo S. viridans é o agente etiológico de cáries dentárias, pericoronarite ou, se introduzido na circulação sanguínea, endocardite. Em Taiwan, K. pneumoniae tem sido associado à infecção pulmonar em pacientes com aspiração ou abscesso hepático,25 em pacientes imunocomprometidos ou com diabetes.26

Pacientes idosos27 ou com diabetes melito28 são considerados imunocomprometidos e têm mais chance de desenvolver infecções. Pacientes com DM e idosos também estão associados à maior número de complicações e taxa de mortalidade em infecções cervicais profundas.29,30 Assim, os pacientes com APT com as características acima necessitam hospitalização mais prolongada.30 Relatamos a microbiologia do APT nestes pacientes imunocomprometidos. Pacientes com DM não apresentaram risco aumentado de isolamento de K. pneumoniae como agente causador do APT. Em contraste, pacientes idosos com APT na série atual apresentaram maior risco de isolamento de K. pneumoniae.

A tendência para uma maior taxa de isolamento de anaeróbios foi observada durante o período de 2002 a 2013 (p=0.048). Garvriel6 relatou um aumento significativo no crescimento anaeróbio durante o período de 1996 a 1999 e, em seguida, um declínio lento e não significativo até 2002. Takenaka3 não relatou nenhuma alteração na porcentagem de casos com crescimento anaeróbio entre 2 períodos (2005 a 2007 e 2008 a 2009). Tal fenômeno pode resultar de uma mudança real nos patógenos; da alteração de antibióticos utilizados ou métodos de cultura melhorados para patógenos anaeróbios. Em nossa série, não foi observada nenhuma alteração importante dos antibióticos utilizados ou melhoria dos métodos de cultura. Os médicos devem prescrever antibióticos empíricos para incluir anaeróbios.

O APT é frequentemente uma infecção polimicrobiana. O crescimento de agentes polimicrobianos foi observado nas culturas de 57,39% dos pacientes. A razão para o uso de antibióticos empíricos seria para incluir CGP, BGN e anaeróbios respiratórios. Se necessário, os antibióticos adequados devem ser escolhidos com base nos resultados da cultura. No entanto, o manejo da maioria dos pacientes não-complicados não necessariamente é afetado pelo resultado da cultura.31 Repanos et al.32 sugeriram que o uso de antibióticos de amplo espectro, como cefalosporina ou penicilina combinada com metronidazol, é efetivo. Em nosso estudo, nenhuma diferença significativa foi encontrada entre várias combinações de antibióticos de amplo espectro.

O tabagismo tem sido comumente observado em pacientes com APT em vários estudos,17,18,33,34 os quais relataram o tabagismo como fator de risco para APT. Marom et al.17 relataram uma incidência significativamente maior para S. viridans, outros cocos gram-positivos e anaeróbios. Em nosso estudo, não houve significância estatística no patógeno causador entre fumantes e não fumantes com APT, semelhante aos achados do estudo de Klug.34

Mascar noz de betel é um hábito popular no Sudeste Asiático. Que seja de nosso conhecimento, nenhum estudo encontrou uma associação entre a bacteriologia do APT e o hábito de mascar noz de betel. Em nossa série, esse hábito foi associado a um maior risco de apresentar CGP como patógenos. No estudo de Ling et al.,35 ele foi associado a uma probabilidade de infecção subgengival por Actinobacillus actinomycetemcomitans e Porphyromonas gingivalis.

Em nosso estudo, pacientes idosos (com idade superior a 65 anos) apresentaram alto risco de isolamento de K. pneumoniae. O estudo de Marom17 relatou uma taxa de isolamento significativamente maior para infecção por CGP (espécies mistas de Streptococcus) e bastonetes gram-negativos em pacientes mais velhos (40 anos ou mais) do que em pacientes mais jovens.

A estação do calor aumentou o risco de infecção por BGP e reduziu o risco de infecção por K. pneumoniae em pacientes com APT em nosso estudo atual. Nosso instituto está localizado em uma região tropical que tem aproximadamente seis meses (maio a outubro) de clima quente, com uma temperatura média de 27 °C. Em contraste, Klug et al.,15 de outro instituto localizado em uma zona temperada, relataram maior incidência de infecção por F. nucleatum durante o verão do que durante o inverno. Também relataram que Streptococcus do Grupo A foram significativamente mais frequentemente identificados no inverno e na primavera. Um estudo francês36 relatou que APT causado por S. pyogenes ou anaeróbios foi mais prevalente no inverno e na primavera do que no verão. Essa flutuação na microbiologia do APT pode estar relacionada ao clima.

Em nossa série, nenhum microrganismo específico foi associado a prognóstico ruim do APT. Essa descoberta é consideravelmente semelhante aos relatos de Marom17 e Mazur.18

Nosso estudo tem várias limitações. Como coletamos dados retrospectivamente através de análise de arquivos médicos, os dados do registro médico podem ter sido perdidos durante os primeiros anos. Como utilizamos populações pequenas de patógenos isolados, é necessário um tamanho amostral maior para determinar a relação entre o patógeno isolado e os fatores predisponentes.

Conclusões

O patógeno causativo mais comum do APT foi S. viridans, seguido por K. pneumoniae. O isolamento de anaeróbios aumentou significativamente nos últimos anos. Os mais comuns foram Prevotella e Fusobacterium spp. Os antibióticos empíricos que têm como alvo aeróbios e anaeróbios provavelmente são adequados como tratamento. O isolamento bacteriano pode estar associado a fatores clínicos do hospedeiro, fatores ambientais e duração da hospitalização.

REFERÊNCIAS

1 Galioto NJ. Peritonsillar abscess. Am Fam Physician. 2008;77:199-202.
2 Steyer TE. Peritonsillar abscess: diagnosis and treatment. Am Fam Physician. 2002;65:93-6.
3 Takenaka Y, Takeda K, Yoshii T, Hashimoto M, Inohara H. Gram staining for the treatment of peritonsillar abscess. Int J Otolaryngol. 2012;2012:1-5.
4 Segal N, El-Saied S, Puterman M. Peritonsillar abscess in children in the southern district of Israel. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2009;73:1148-50.
5 Acharya A, Gurung R, Khanal B, Ghimire A. Bacteriology and antibiotic susceptibility pattern of peritonsillar abscess. JNMA J Nepal Med Assoc. 2010;49:139-42.
6 Gavriel H, Lazarovitch T, Pomortsev A, Eviatar E. Variations in the microbiology of peritonsillar abscess. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2009;28:27-31.
7 Sunnergren O, Swanberg J, Molstad S. Incidence, microbiology and clinical history of peritonsillar abscesses. Scand J Infect Dis. 2008;40:752-5.
8 Jokipii AM, Jokipii L, Sipila P, Jokinen K. Semiquantitative culture results and pathogenic significance of obligate anaerobes in peritonsillar abscesses. J Clin Microbiol. 1988;26:957-61.
9 Mitchelmore IJ, Prior AJ, Montgomery PQ, Tabaqchali S. Microbiological features and pathogenesis of peritonsillar abscesses. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 1995;14:870-7.
10 Matsuda A, Tanaka H, Kanaya T, Kamata K, Hasegawa M. Peritonsillar abscess: a study of 724 cases in Japan. Ear Nose Throat J. 2002;81:384-9.
11 Ehlers Klug T, Rusan M, Fuursted K, Ovesen T. Fusobacterium necrophorum: most prevalent pathogen in peritonsillar abscess in Denmark. Clin Infect Dis. 2009;49:1467-72.
12 Klug TE, Henriksen JJ, Fuursted K, Ovesen T. Significant pathogens in peritonsillar abscesses. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2011;30:619-27.
13 Love RL, Allison R, Chambers ST. Peritonsillar infection in Christchurch 2006-2008: epidemiology and microbiology. N Z Med J. 2011;124:16-23.
14 Sowerby LJ, Hussain Z, Husein M. The epidemiology, antibiotic resistance and post-discharge course of peritonsillar abscesses in London, Ontario. J Otolaryngol Head Neck Surg. 2013;42:1-7.
15 Klug TE. Incidence and microbiology of peritonsillar abscess: the influence of season, age, and gender. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2014;33:1163-7.
16 Albertz N, Nazar G. Peritonsillar abscess: treatment with immediate tonsillectomy - 10 years of experience. Acta Otolaryngol. 2012;132:1102-7.
17 Marom T, Cinamon U, Itskoviz D, Roth Y. Changing trends of peritonsillar abscess. Am J Otolaryngol. 2010;31:162-7.
18 Mazur E, Czerwinska E, Korona-Glowniak I, Grochowalska A, Koziol-Montewka M. Epidemiology, clinical history and microbiology of peritonsillar abscess. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2015;34:549-54.
19 Brook I. Aerobic and anaerobic bacteriology of peritonsillar abscess in children. Acta Paediatr Scand. 1981;70:831-5.
20 Jousimies-Somer H, Savolainen S, Makitie A, Ylikoski J. Bacteriologic findings in peritonsillar abscesses in young adults. Clin Infect Dis. 1993;16(Suppl. 4):S292-8.
21 Brook I. The role of anaerobic bacteria in tonsillitis. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2005;69:9-19.
22 Parhiscar A, Har-El G. Deep neck abscess: a retrospective review of 210 cases. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2001;110:1051-4.
23 Huang TT, Tseng FY, Yeh TH, Hsu CJ, Chen YS. Factors affecting the bacteriology of deep neck infection: a retrospective study of 128 patients. Acta Otolaryngol. 2006;126:396-401.
24 Rega AJ, Aziz SR, Ziccardi VB. Microbiology and antibiotic sensitivities of head and neck space infections of odontogenic origin. J Oral Maxillofac Surg. 2006;64:1377-80.
25 Siu LK, Yeh KM, Lin JC, Fung CP, Chang FY. Klebsiella pneumoniae liver abscess: a new invasive syndrome. Lancet Infect Dis. 2012;12:881-7.
26 Wang JH, Liu YC, Lee SS, Yen MY, Chen YS, Wang JH, et al. Primary liver abscess due to Klebsiella pneumoniae in Taiwan. Clin Infect Dis. 1998;26:1434-8.
27 Castle SC. Clinical relevance of age-related immune dysfunction. Clin Infect Dis. 2000;31:578-85.
28 Geerlings SE, Hoepelman AIM. Immune dysfunction in patients with diabetes mellitus (DM). FEMS Immunol Med Microbiol. 1999;26:259-65.
29 Huang TT, Liu TC, Chen PR, Tseng FY, Yeh TH, Chen YS. Deep neck infection: analysis of 185 cases. Head Neck. 2004;26:854-60.
30 Huang TT, Tseng FY, Liu TC, Hsu CJ, Chen YS. Deep neck infection in diabetic patients: comparison of clinical picture and outcomes with nondiabetic patients. Otolaryngol Head Neck Surg. 2005;132:943-7.
31 Herzon FS. Harris P. Mosher Award thesis. Peritonsillar abscess: incidence, current management practices, and a proposal for treatment guidelines. Laryngoscope. 1995;105:1-17.
32 Repanos C, Mukherjee P, Alwahab Y. Role of microbiological studies in management of peritonsillar abscess. J Laryngol Otol. 2009;123:877-9.
33 Powell EL, Powell J, Samuel JR, Wilson JA. A review of the pathogenesis of adult peritonsillar abscess: time for a re-evaluation. J Antimicrob Chemother. 2013;68:1941-50.
34 Klug TE, Rusan M, Clemmensen KK, Fuursted K, Ovesen T. Smoking promotes peritonsillar abscess. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2013;270:3163-7.
35 Ling LJ, Hung SL, Tseng SC, Chen YT, Chi LY, Wu KM, et al. Association between betel quid chewing, periodontal status and periodontal pathogens. Oral Microbiol Immunol. 2001;16:364-9.
36 Lepelletier D, Pinaud V, Le Conte P, Bourigault C, Asseray N, Ballereau F, et al. Peritonsillar abscess (PTA): clinical characteristics, microbiology, drug exposures and outcomes of a large multicenter cohort survey of 412 patients hospitalized in 13 French university hospitals. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2016;35:867-73.
37 Brook I, Frazier EH, Thompson DH. Aerobic and anaerobic microbiology of peritonsillar abscess. Laryngoscope. 1991;101:289-92.
38 Snow DG, Campbell JB, Morgan DW. The microbiology of peritonsillar sepsis. J Laryngol Otol. 1991;105:553-5.
39 Muir DC, Papesch ME, Allison RS. Peritonsillar infection in Christchurch 1990-2: microbiology and management. N Z Med J. 1995;108:53-4.
40 Prior A, Montgomery P, Mitchelmore I, Tabaqchali S. The microbiology and antibiotic treatment of peritonsillar abscesses. Clin Otolaryngol Allied Sci. 1995;20:219-23.
41 Hanna BC, McMullan R, Gallagher G, Hedderwick S. The epidemiology of peritonsillar abscess disease in Northern Ireland. J Infect. 2006;52:247-53.
42 Sakae FA, Imamura R, Sennes LU, Araujo Filho BC, Tsuji DH. Microbiology of peritonsillar abscesses. Braz J Otorhinolaryngol. 2006;72:247-51.
43 Hidaka H, Kuriyama S, Yano H, Tsuji I, Kobayashi T. Precipitating factors in the pathogenesis of peritonsillar abscess and bacteriological significance of the Streptococcus milleri group. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2011;30:527-32.
44 Plum AW, Mortelliti AJ, Walsh RE. Microbial flora and antibiotic resistance in peritonsillar abscesses in Upstate New York. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2015;124:875-80.
45 Tachibana T, Orita Y, Takao S, Ogawara Y, Matsuyama Y, Shimizu A, et al. The role of bacteriological studies in the management of peritonsillar abscess. Auris Nasus Larynx. 2016;43:648-53.
46 Vaikjarv R, Kasenomm P, Jaanimae L, Kivisild A, Roop T, Sepp E, et al. Microbiology of peritonsillar abscess in the South Estonian population. Microb Ecol Health Dis. 2016;27:27787.