versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.107 no.2 São Paulo ago. 2016 Epub 27-Jun-2016
https://doi.org/10.5935/abc.20160096
A ecocardiografia sob estresse constitui metodologia validada para diagnóstico e estratificação de risco da doença arterial coronária. A ecocardiografia sob estresse físico (EEF) tem se destacado como a mais fisiológica dentre as modalidades de estresse, todavia sua segurança não está bem estabelecida.
Estudar as complicações relacionadas à EEF e as variáveis clínicas e ecocardiográficas preditoras dessas ocorrências.
Estudo transversal composto por 10250 pacientes submetidos à EEF por conveniência, de janeiro de 2000 a junho de 2014. As arritmias cardíacas (AC) foram as complicações mais frequentemente encontradas durante o exame. Os voluntários foramdivididos em dois grupos, de acordo com a ocorrência de AC à EEF: grupo G1 - composto por pacientes que apresentaram AC e grupo G2 - formado por indivíduos que não exibiram tal complicação.
O grupo G1 com 2843 (27,7%) pacientes, e grupo G2 formado por 7407 (72,3%). Não foram registrados óbitos, infarto agudo do miocárdio, assistolia ou fibrilação ventricular. As extrassístoles supraventriculares (13,7%) e as ventriculares (11,5%) foram as AC predominantes. O grupo G1 apresentou idade média mais elevada, maior frequência de hipertensão arterial sistêmica e tabagismo, maiores dimensões da raiz da aorta e do átrio esquerdo (AE) e menor fração de ejeção do ventrículo esquerdo que o G2. O grupo G1 exibiu também, mais alterações isquêmicas (p < 0,001). As variáveis preditoras foram idade (RR 1,04; [IC] 95% 1,038 - 1,049) e AE (RR 1,64; [IC] 95% 1,448 - 1,872).
A presente investigação demonstrou que a EEF é uma modalidade segura, ocorrendo apenas complicações não-fatais. Idade avançada e aumento da dimensão do AE são preditores da presença de arritmias cardíacas.
Palavras-chave: Doença da Arterial Coronariana; Exercício / fisiologia; Ecocardiografia Sob Estresse; Teste de Esforço; Segurança
Stress echocardiography is well validated for diagnosis and risk stratification of coronary artery disease. Exercise stress echocardiography (ESE) has been shown to be the most physiological among the modalities of stress, but its safety is not well established.
To study the complications related to ESE and clinical and echocardiographic variables most commonly associated with their occurrence.
Cross-sectional study consisting of 10250 patients submitted to ESE for convenience, from January 2000 to June 2014. Cardiac Arrhythmias (CA) were the most frequent complications observed during the examination. The volunteers were divided into two groups according to the occurrence of CA during ESE: G1 group, composed of patients who have CA, and G2 formed by individuals who did not show such complication. Results: Group G1, consisting of 2843 patients (27.7%), and Group G2 consisting of 7407 patients (72.3%). There was no death, acute myocardial infarction, ventricular fibrillation or asystole. Predominant CAs were: supraventricular extrasystoles (13.7%), and ventricular extrasystoles (11.5%). G1 group had a higher mean age, higher frequency of hypertension and smoking, larger aortic roots and left atrium (LA) and lower ejection fraction than G2. G1 group also had more ischemic changes (p < 0.001). The predictor variables were age (RR 1.04; [CI] 95% from 1.038 to 1.049) and LA (RR 1.64; [CI] 95% from 1.448 to 1.872).
ESE proved to be a safe modality of stress, with non-fatal complications only. Advanced age and enlargement of the left atrium are predictive of cardiac arrhythmias.
Keywords: Coronary Artery Disease; Exercise / physiology; Exercise Test; Safety
A doença arterial coronariana (DAC) constitui a principal causa de morbimortalidade no mundo.1,2 No Brasil, anualmente,3 as doenças cardiovasculares (DCV) são responsáveis por mais de um terço das mortes. Devido ao grande impacto social, a avaliação precoce da DAC tornou-se, então, mandatória, a fim de se identificar, não somente um grupo de alto risco, nos quais intervenções adicionais são necessárias, mas também selecionar um subgrupo de baixo risco, no qual procedimentos adicionais seriam dispensáveis.4,5
O teste ergométrico (TE) é o exame não invasivo recomendado inicialmente para o diagnóstico e a estratificação de risco de pacientes com suspeita de DAC.6-8 Entretanto, tal metodologia apresenta limitações em certas situações como a da presença de bloqueio de ramo esquerdo ou presença de alterações do segmento ST no eletrocardiograma (ECG) de repouso.8 Além disso, as alterações da motilidade segmentar do ventrículo esquerdo, detectadas a partir da ecocardiografia sob estresse (EE), aparecem mais precocemente na cascata isquêmica do que a angina ou alterações do segmento ST, conferindo maior sensibilidade e especificidade à EE.9-12
A EE, introduzida desde o final da década de 70, inicialmente sob a forma de estresse farmacológico, é metodologia bem validada para diagnóstico, estratificação de risco, prognóstico e avaliação da viabilidade miocárdica em coronariopatas.13-18 Apesar de a utilização de fármacos como estressores ter se revelado um procedimento seguro, ultimamente a literatura especializada tem dado grande enfoque ao estudo das complicações dessa prática.19-29
Ainda que apresentem acurácia semelhante em pacientes com capacidade física preservada, a ecocardiografia sob estresse físico (EEF) é a prática de primeira escolha, reservando-se a farmacológica para aquele indivíduo incapaz ou pouco motivado a se exercitar adequadamente.30,31 A EEF também se apresenta como metodologia fisiológica e versátil, cuja utilização tem crescido recentemente, porém, são escassos os trabalhos na literatura que abordem a segurança do método e suas complicações.32,33 Portanto, o objetivo do presente trabalho é estudar as complicações relacionadas à EEF e as variáveis clínicas e ecocardiográficas preditoras dessas ocorrências.
Trata-se de um estudo transversal analítico e descritivo realizado entre janeiro de 2000 e junho de 2014.
A amostra, por conveniência, consistiu de 10250 pacientes com DAC suspeita e/ou estabelecida submetidos à ecocardiografia sob estresse pelo esforço físico no Laboratório de Ecocardiografia da Clínica e Hospital São Lucas (ECOLAB), Aracaju-SE. Foram incluídos todos os pacientes acima de 25 anos referendados e encaminhados ao serviço segundo a indicação dos médicos assistentes, à exceção, apenas, daqueles que se recusaram a participar do estudo. As indicações para a realização do exame foram: pré-operatório, precordialgia típica ou atípica, estratificação de risco, TE positivo ou negativo com clínica, TE ineficaz, check-up.
Os pacientes foram divididos em dois grupos, de acordo com a ocorrência das complicações mais frequentemente observadas à EEF: grupo G1 - composto por pacientes que apresentaram tais complicações ao exame e grupo G2 - formado por indivíduos que não as exibiram.
Os dados clínicos foram colhidos e registrados por meio de entrevistas realizadas antes do procedimento. Foi utilizado um questionário estruturado que investigava peso, altura, sintomas como dispneia e dor torácica, medicações, fatores de risco para DAC e histórico de cardiopatia familiar ou pessoal. Assim como dados referente a DAC prévia como infarto agudo do miocárdio, revascularização percutânea e cirúrgica. Ademais, os resultados de exames laboratoriais e exames do aparelho cardiovascular prévios foram registrados.
Caracterizou-se obesidade um índice de massa corpórea maior que 30 kg/m2. Definiu-se hipercolesterolemia como nível sérico de colesterol total superior a 200 mg/dL (após jejum de 12 horas) e hipertrigliceridemia como nível sérico de triglicérides superior a 150 mg/dL (após jejum de 12 horas) ou uso de agente antilipêmico (estatinas e/ou fibratos).
Considerou-se hipertensão arterial sistêmica quando os níveis pressóricos aferidos no membro superior, em repouso, eram pressão arterial sistólica ≥ 140 mmHg e/ou diastólica ≥ 90 mmHg, ou quando faziam uso de medicação anti-hipertensiva.
O diabetes melito foi definido pela presença de glicemia em jejum acima de 126 mg/dL ou pelo uso de insulina ou agentes hipoglicemiantes orais.
Definiu-se infarto do miocárdio antigo por meio de história clínica e/ou exames complementares prévios, como ECG, ecocardiograma e/ou cineangiocoronariografia.
Primeiramente, o protocolo consistiu na realização de ECG de doze derivações e ecocardiograma de repouso após a investigação clínica. Em seguida, realizou-se o esforço físico em esteira rolante e, logo após, procedeu-se novamente a aquisição das imagens ecocardiográficas.
Todos os pacientes foram submetidos aos protocolos padrão de Bruce ou Ellestad durante o teste ergométrico. Foi realizada monitoração contínua da frequência cardíaca, e os pacientes encorajados a alcançar o seu pico máximo de esforço físico. Para cálculos metabólicos, o volume de oxigênio inspirado no pico do exercício (VO2max) foi obtido indiretamente por meio da seguinte fórmula: VO2 max = 14,76 - 1,379t + 0,451t2 - 0,012t3, em que t é a duração do teste34 em minutos. A carga foi expressa em equivalentes metabólicos, em que 1 MET corresponde a 3,5 mL/kg·min de VO2 inspirado, referente ao repouso.35 Durante o teste, os indivíduos foram continuamente monitorados com ECG de três derivações.
Foram denominadas alterações eletrocardiográficas isquêmicas ao exercício a ocorrência de infradesnivelamento do segmento ST horizontal ou descendente ≥ 1 mm para homens e ≥ 1,5 mm para mulheres a 0,08 segundos do ponto J.8
O ambiente para a realização do exame é ergonomicamente projetado com equipe constantemente treinada, por se tratar de Hospital considerado referência em cardiologia e possuidor de acreditação nível 3 por avaliação específica. Como rotina, é recomendada a suspensão de betabloqueadores três dias antes do exame, mantendo-se as demais drogas usuais do paciente.
Exames foram realizados com equipamento Hewlett Packard/Phillips SONOS 5500 até o ano de 2012 e em seguida com o Phillips IE-33, observando-se os aspectos técnicos classicamente descritos por Schiller et al.36 As imagens ecocardiográficas bidimensionais foram obtidas nas janelas acústicas paraesternais e apicais, durante o repouso e imediatamente após o esforço, com o paciente em decúbito lateral esquerdo e registro eletrocardiográfico simultâneo.
A motilidade segmentar da parede do ventrículo esquerdo (VE) foi avaliada por ecocardiografista experiente, com nível III, conforme preconizado pela Sociedade Americana de Ecocardiografia. O espessamento parietal segmentar do VE foi avaliado quantitativamente no repouso e, após o esforço, por meio da utilização do modelo de 16 segmentos, graduado em: 1, normal; 2, hipocinético; 3, acinético; 4, discinético. O índice de escore da motilidade do ventrículo esquerdo (IEMVE) foi calculado no repouso e durante o exercício como a soma dos escores conferidos a cada um dos 16 segmentos dividido pelo número de segmentos avaliados no dado momento. O IEMVE igual a um corresponde à normalidade, de 1,1 a 1,6 representa disfunção leve, de 1,61 a 2, disfunção moderada. Valores maiores que 2 representam disfunção importante.36 A diferença entre o IEMVE de esforço e de repouso é chamada de ΔIEMVE. O desenvolvimento de nova alteração na motilidade parietal ou piora de dissinergia existente (ΔIEMVE ≠ 0) foi considerado indicativo de isquemia miocárdica.
Os pacientes foram observados antes, durante e após o estresse sob esforço físico para verificação de possíveis complicações decorrentes dele, sendo monitorados com o ECG de doze derivações durante esse tempo. As complicações pesquisadas e suas respectivas definições são baseadas naquelas descritas por Geleijnse et al.29
Foram consideradas complicações maiores, a presença de morte, infarto agudo do miocárdio, ruptura cardíaca, fibrilação ventricular e assistolia cardíaca.
As complicações menores foram definidas como bloqueio atrioventricular (BAV), espasmo coronário, acidente vascular encefálico (AVE), hipotensão e hipertensão arterial no pico do esforço, taquicardia ventricular sustentada (> 30 batimentos/min), taquicardia ventricular não sustentada, taquicardia supraventricular sustentada, taquicardia supraventricular não sustentada, extrassístoles ventriculares e extrassístoles supraventriculares
As variáveis categóricas foram apresentadas como porcentagens e analisadas por meio do teste de qui-quadrado (χ2) ou teste exato de Fisher. As variáveis contínuas foram representadas por média +/- desvio padrão e comparadas com auxílio do teste t não pareado de Student ou teste de Mann-Whitney U, conforme apropriado.
Para avaliar os fatores de risco preditores de complicações à EEF foi utilizada regressão de Cox de forma univariada e multivariada. As variáveis incluídas no modelo multivariado foram todas aquelas com p < 0,1 na análise univariada. Problemas de multicolinearilidade foram resolvidos antes da inserção das variáves no modelo. Foi utilizado o método forward de seleção de variáveis. As variáveis que permaneceram no modelo foram testadas em busca de possíveis interações. O pressuposto de proporcionalidade de risco foi testado por meio dos resíduos de Schoenfeld para cada uma das variáveis que permaneceram no modelo final. Foram considerados significativos os valores de p < 0,05. As análises estatísticas foram processadas por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21.0 (Chicago, IL).
Os princípios éticos que regem a experimentação humana foram cuidadosamente seguidos, e todos os pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe (CAAE 1818.0.000.107-06).
Foram estudados 10250 pacientes, 4936 (48,2%) do sexo masculino, com média de idade de 57,19 ± 11,24 anos, com idades limítrofes 25 e 93 anos. Não houve registro de complicações maiores como morte, infarto agudo do miocárdio, ruptura cardíaca, fibrilação ventricular e assistolia cardíaca.
As arritmias cardíacas foram as complicações mais frequentemente encontradas durante o exame, com isso, a distribuição por grupos foi a seguinte: 2843 pacientes no grupo G1 (27,7%) e 7407 indivíduos no grupo G2 (72,3%).
Houve um caso para cada uma das seguintes complicações: BAV, espasmo coronário, AVE e hipotensão arterial, representando 0,009% da amostra. Hipertensão arterial no pico do esforço foi observada em 1011 indivíduos, totalizando 9,9% da população, sendo que desses, 82% apresentavam, previamente ao exame, hipertensão arterial sistêmica (HAS).
As complicações mais frequentemente observadas nesse estudo foram as arritmias cardíacas. Os ritmos observados foram as taquicardias ventriculares e supraventriculares não-sustentadas e as extrassístoles ventriculares e supraventriculares, sejam estas isoladas, em salva, bigeminadas, monomórficas ou polimórficas. A frequência delas está descrita na Tabela 1. Em todos os casos, foram revertidas com a interrupção do esforço físico, assim como com o uso de dinitrato de isossorbida e oxigênio inalatório quando na presença de isquemia miocárdica associada, sem repercussões hemodinâmicas que necessitassem internação em unidade de terapia intensiva, uma vez que não foram registradas fibrilação ventricular ou taquicardia ventricular sustentada.
Tabela 1 Frequência de arritmias cardíacas à EEF
Arritmia cardíaca | Frequência n = 10250 |
---|---|
Taquicardia ventricular sustentada | 0 (0%) |
Taquicardia ventricular não sustentada | 114 (1,1%) |
Taquicardia supraventricular sustentada | 0 (0%) |
Taquicardia supraventricular não sustentada | 645 (6,2%) |
Extrassístoles ventriculares | 1186 (11,5%) |
Extrassístoles supraventriculares | 1418 (13,7%) |
EEF: ecocardiografia sob estresse físico.
Dividiu-se, portanto, os 10250 pacientes em dois grupos: o grupo G1- composto por 2843 (27,7%) pacientes que apresentaram arritmias cardíacas ao exame e o grupo G2 - composto por 7407 (72,3%) pacientes com ausência de arritmias.
O grupo G1 apresentou maior idade média, maior frequência de HAS e tabagismo. Com relação ao gênero e demais comorbidades associadas, ambos os grupos apresentaram frequências similares (Tabela 2).
Tabela 2 Características clínicas dos pacientes que apresentaram (G1) ou não (G2) arritmias cardíacas à EEF
Características clínicas | G1 n = 2843 (27,7%) |
G2 n = 7407 (72,2%) |
p |
---|---|---|---|
Sexo masculino | 1410 (49,6%) | 3525 (47,6%) | 0,06 |
Idade (média em anos) | 60,81 ± 10,78 | 55,79 ± 11,1 | < 0,001 |
IMC (kg/m2) | 27,2 ± 4,28 | 27,3 ± 4,43 | 0,3 |
HAS | 1828 (64,3%) | 4251 (57,4%) | < 0,001 |
Diabetes Mellitus | 102 (3,6%) | 637 (8,6%) | 0,12 |
Dislipidemia | 1709 (60,1%) | 4370 (59%) | 0,33 |
Tabagismo | 114 (4%) | 378 (5,1%) | 0,02 |
Antecedentes familiares de cardiopatia | 1595 (56,1%) | 4163 (56,2%) | 0,92 |
Dispneia | 264 (9,3%) | 555 (7,5%) | 0,003 |
Precordialgia | 816 (28,7%) | 2326 (31,4%) | 0,191 |
IAM prévio | 165 (5,8%) | 318 (4,3%) | 0,002 |
Angioplastia | 213 (7,5%) | 533 (7,2%) | 0,639 |
Revascularização miocárdica | 205 (7,2%) | 385 (5,2%) | < 0,001 |
Betabloqueador | 690 (24,3%) | 1555 (21,0%) | < 0,001 |
Bloqueador de canal de cálcio | 239 (8,4%) | 481 (6,5%) | 0,001 |
IECA | 318 (11,2%) | 674 (9,1%) | 0,001 |
BRA | 424 (14,9%) | 1059 (14,3%) | 0,468 |
Estatina | 640 (22,5%) | 1504 (20,3%) | 0,016 |
Glicemia | 100,03 ± 25,26 | 99,72 ± 29,23 | 0,907 |
Colesterol total (mg/dL) | 196,86 ± 47,81 | 192,88 ± 46,28 | 0,364 |
HDL (mg/dL) | 49,95 ± 13,97 | 46,54 ± 13,33 | 0,748 |
LDL (mg/dL) | 123,28 ± 42,16 | 116,87 ± 41,28 | 0,115 |
Triglicérides (mg/dL) | 148,95 ± 89,06 | 154,78 ± 100,74 | 0,535 |
IMC: índice de massa corpórea; HAS: hipertensão arterial sistêmica; IAM: infarto agudo do miocárdio; IECA: inibidor da enzima conversora de angiotensina; BRA: bloqueador de receptor da angiotensina; HDL-C: colesterol de alta densidade; LDL-C: colesterol de baixa densidade.
À ecodopplercardiografia transtorácica, houve diferença significativa nos diâmetros da aorta, átrio esquerdo, espessura e massa do VE. A fração de ejeção do VE esteve preservada em ambos os grupos, encontrando-se mais baixa nos pacientes do grupo G1 (Tabela 3).
Tabela 3 Características ecocardiográficas dos pacientes que apresentaram (G1) ou não (G2) arritmias cardíacas à EEF
Características ecocardiográficas | G1 n = 2843 (27,7%) |
G2 n = 7407 (72,3%) |
p | |
---|---|---|---|---|
Aorta (cm) | 3,23 ± 0,39 | 3,17 ± 0,4 | < 0,001 | |
AE (cm) | 3,87 ± 0,47 | 3,76 ± 0,43 | < 0,001 | |
Volume do AE (ml/m2) | 24,26 ± 24,25 | 22,52 ± 26,02 | 0,11 | |
Relação E/e´ | 9,94 ± 3,4 | 9,41 ± 3,36 | 0,005 | |
Índice de massa de VE (g/m2) | 95,2 ± 87,74 | 97,9 ± 62,88 | < 0,001 | |
Espessura relativa da parede de VE | 31,9 ± 5,42 | 32,3 ± 6,77 | 0,005 | |
Fração de ejeção (%) | 0,66 ± 0,06 | 0,67 ± 0,06 | < 0,001 | |
IEMVE em repouso | 1,039 ± 0,141 | 1,022 ± 0,104 | < 0,001 | |
IEMVE ao esforço | 1,056 ± 0,153 | 1,035 ± 0,117 | < 0,001 | |
Resultado da EEF < 0,001 | ||||
– Normal | 71,4% | 78,8% | < 0,001 | |
– Isquêmico | 12,8% | 10% | ||
– Isquemia fixa | 10,9% | 8,7% | ||
– Isquemia fixa e induzida | 4,9% | 2,4% |
AE: átrio esquerdo; VE: ventrículo esquerdo; IEMVE: índice de escore e motilidade ventricular esquerda; EEF: ecocardiografia sob estresse físico.
À EEF, foi observada diferença no índice de escore de motilidade do VE tanto em repouso quanto no esforço. Observou-se, mais frequentemente, presença de isquemia miocárdica no grupo G1.
Ao realizar-se teste para contemplar os possíveis fatores de confusão no modelo, apenas duas variáveis estiveram independentemente associadas à ocorrência de complicações. Não houve interações entre as variáveis analisadas (Tabela 4).
Tabela 4 Regressão logística multivariada com parâmetros associados à presença de arritmias cardíacas à EEF
Variável | Odds Ratio | IC 95% | p |
---|---|---|---|
Idade | 1,04 | 1,038 – 1,049 | < 0,001 |
Átrio esquerdo | 1,64 | 1,448 – 1,872 | < 0,001 |
IC: intervalo de confiança; AE: átrio esquerdo; EEF: ecocardiografia sob estresse físico.
A EEF mostrou-se segura neste estudo, com baixa frequência de complicações, nenhuma delas apresentando desfecho fatal. Óbito à EE é observado com mais frequência ao estresse farmacológico.29 Pode ser que esse fato ocorra devido ao próprio mecanismo por intermédio do qual as drogas estressoras atuam no coração: a dobutamina o faz estimulando receptores adrenérgicos, aumentando cronotropismo e inotropismo e possuindo também grande potencial arritmogênico e hipertensor; o dipiridamol estressa o músculo cardíaco ao estimular receptores de adenosina e reduzir o fluxo subendocárdico, apresenta também um efeito cronotrópico e dromotrópico negativo, além de atividade broncoconstritora. O exercício físico, no entanto, representa uma modalidade mais fisiológica de estresse, sem apresentar os efeitos colaterais acima descritos.18 Há ainda um viés de seleção: os candidatos elegíveis ao teste por esforço físico apresentam-se com fração de ejeção preservada, enquanto aqueles do estresse farmacológico podem encontrar-se em estágios mais avançados de cardiopatia.
Em grande estudo multicêntrico com 85997 pacientes submetidos à EE, 26295 havendo realizado o estresse físico e o restante, o farmacológico, não houve nenhum desfecho fatal no grupo submetido à EEF, enquanto no grupo submetido ao estresse por drogas houve 5 óbitos. Quanto à frequência de eventos ameaçadores à vida, a proporção desses à EEF foi de 1 em 6574 casos, ao passo que com o dipiridamol e a dobutamina observou-se 1 a cada 1294 e 1 a cada 557 casos, respectivamente.32
Em estudo marroquino com 311 pacientes, sendo 206 submetidos à EEF, também não foi registrado nenhum evento maior ou fatal.33 Segundo Sicari et al.18 no estresse farmacológico com a dobutamina, ocorrem sérias complicações em 3 de cada 1.000 pacientes e com o dipiridamol em 1 de cada 1.000 pacientes. Já na EEF, tais complicações ocorrem em 1 de cada 10.000 pacientes.
No tocante às complicações menores, as mais frequentes foram as arritmias, principalmente as de menor repercussão hemodinâmica e facilmente reversíveis com a cessação do esforço, como as extrassístoles supraventriculares e ventriculares, sendo este achado de acordo com um estudo33 e não mencionado por outros estudos de maior porte.29,32
A presença de hipertensão arterial ao esforço foi observada em uma porcentagem significativa da amostra (9,9% dos casos), em indivíduos em sua maioria hipertensos crônicos. Uma das razões para essa marcada descompensação da resposta pressórica ao estresse pode ser o protocolo de preparo para o exame de nossa instituição que incluía suspensão de beta-bloqueadores por 3 dias antes desse. Houve uma relevante diferença quanto a achados da literatura, fato que também pode ser devido à maioria dos trabalhos se utilizarem do estresse farmacológico, que pode ter como resposta, em até 7,6% dos casos,29,32 hipotensão severa e choque cardiogênico.
Quanto ao perfil clínico-demográfico da amostra, somente Fennich et al.33 as menciona. Neste estudo, a idade foi semelhante a do presente trabalho (59,2 anos), porém houve uma maior prevalência de diabetes mellitus e tabagismo e uma menor de HAS, diferentemente dos nossos achados.
As variáveis ditas preditoras independentes, átrio esquerdo e idade apresentam uma relação íntima entre si. Alguns estudos reportaram que o tamanho do AE naturalmente aumentaria com a idade.37-39 Desse modo, a senescência proporcionaria alterações que culminariam com a dilatação e a disfunção do AE, aumentando, assim, a predisposição para arritmias atriais,39 o que pode, inclusive, influenciar a ocorrência dessas quando o paciente é submetido ao estresse, como na EEF. Ainda tratando-se da idade, é importante esse achado como preditor independente da ocorrência de complicações à EEF, já que este é um fato corriqueiramente observado na prática clínica, porém ainda não descrito na literatura em relação ao esforço físico.
Uma outra lacuna na literatura diz respeito à relação entre variáveis ecocardiográficas e a ocorrência de complicações à EEF, visto que nosso trabalho encontrou diversas diferenças significativas e não existem ainda estudos sobre as mesmas. Outra relevante observação é a de uma diferença extremamente significativa na presença de isquemia miocárdica em pacientes que desenvolveram eventos adversos à EEF, podendo isso ocorrer devido à doença arterial coronária que altera o sistema de condução elétrico cardíaco e induz a presença de arritmias, fato esse bastante estudado no estresse farmacológico, a exemplo do trabalho de Abreu et al.40 mas ainda sem evidências à EEF.
Apesar de as diretrizes vigentes41 recomendarem a utilização dessa metodologia em pacientes de risco intermediário, na prática clínica, muitas vezes nos deparamos com a realização em pacientes de alto risco. Todavia, mesmo em tais pacientes desse grupo, não logramos complicações identificáveis.
Portanto, este trabalho mostra dados interessantes ainda pouco estudados no campo da EEF, uma metodologia que vem ganhando mais espaço nos últimos anos, por sua versatilidade, reprodutibilidade e custo-efetividade, sendo corroborada pela baixa frequência de eventos adversos. Com isso, espera-se que advenham novos estudos em busca de mais conhecimentos sobre o tema.
Com referência às limitações do estudo, cabe destacar aquelas inerentes a qualquer estudo observacional, nos quais variáveis não mensuradas podem corroborar a diferença estatística entre os grupos. Também existe nesta amostra, o viés de pré-seleção, já que os pacientes submetidos à EEF apresentam cardiopatias de base ou fatores de risco para o desenvolvimento das mesmas.
A EEF mostra-se uma modalidade segura de estresse, não sendo observada no presente estudo a presença de complicações que representem risco de morte. Os eventos adversos ocorridos foram de menor porte, sendo facilmente revertidos com a cessação do esforço físico. A segurança e exequibilidade dessa modalidade de estresse, associadas à sua importante validade diagnóstica e prognóstica, justificam seu uso na prática clínica.