versão impressa ISSN 1413-8123
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.3 Rio de Janeiro mar. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015203.03702014
A segunda metade do século XX foi marcada por uma série de transformações de ordem política, econômica, tecnológica, demográfica e social. O desenvolvimento de novas tecnologias e procedimentos nas ciências médicas evidenciadas nesse período, aliados a melhorias nas condições vida, saneamento básico e assistência materna infantil, contribuíram para redução das mortes prematuras, o que desencadeou acelerado processo de envelhecimento populacional1.
Entre os anos 2000 e 2010, o número de idosos aumentou de 13,9 milhões para 19,3 milhões, o que representa um crescimento expressivo em relação à população de 15 a 59 anos, que passou de 106,4 milhões para 124,5, enquanto o número de indivíduos com 0 a 14 anos diminuiu de 51 para 49,4 milhões2.
Nesse contexto, a prevalência de morbidades mais características da população jovem e o controle das doenças parasitárias e infecciosas propiciaram o aumento da prevalência de doenças crônico-degenerativas que são características de uma população envelhecida3.
Mudanças no estilo de vida da população, decorrentes do advento de novas tecnologias, a exemplo dos veículos automotores, televisão e internet, substituíram as tradicionais atividades de vida diária, por outras que contam com reduzido gasto energético1.
A redução dos níveis de atividade física, o aumento do consumo de alimentos ricos em açúcares e gordura, e também de substâncias nocivas a saúde como álcool e tabaco, evidenciados nesse período, surgem como fatores de risco relacionado ao desenvolvimento e agravo das doenças crônicas, tais como a obesidade, diabetes e do sistema circulatório4, o que trouxe impactos profundos na organização econômica, social e ambiental no Brasil, e fez surgir a necessidade da implementação de programas voltados para a prática de atividade física5.
A partir de 2005, o Ministério da Saúde (MS) do governo brasileiro, atendendo as diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS) e outros movimentos mundiais, passou a incentivar projetos que ofertassem a prática de atividade física, orientações para uma alimentação saudável, medidas preventivas contra o uso do tabaco, álcool e outras drogas, prevenção de acidentes de trânsito, prevenção de violência e estímulo à cultura de paz e promoção de desenvolvimento sustentável5 , 6.
Essas ações se estabeleceram como eixos da Política Nacional de Promoção de Saúde (PNPS), aprovada em 2006, com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade a riscos de saúde, promover a equidade social e a melhoria da qualidade de vida da população5.
A PNPS surgiu em perspectiva de compreender os fatores ambientais e socioeconômicos relacionados ao desenvolvimento das DCNT (Doenças crônicas não transmissíveis), e através de ações intersetoriais, promover a ampliação dos serviços básicos de saúde no intuito de divulgar, ofertar e avaliar serviços e programas resolutivos para promoção de saúde à população, dentre eles a promoção de atividade física1.
Acompanhando as tendências da mobilização nacional para iniciativas de promoção de saúde, o Programa de Educação em Tempo Integral (Proeti), da secretaria de educação da cidade de Uberaba, implantou em 2005 o Programa Proeti Saúde. Em 2008, foi oficializada a parceria entre as secretarias de Educação, Esporte e Lazer, e Saúde, com o acompanhamento das Equipes de Saúde da Família (ESF) e dos profissionais do Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF).
Os polos do programa Proeti Saúde situam-se em espaços públicos, como praças, parques, ginásios poliesportivos, próximos a unidades da ESF, oferecendo atividades voltadas para a resistência aeróbica, fortalecimento muscular e equilíbrio, em duas sessões semanais de 45 minutos.
Apesar do consenso da população quanto aos benefícios da prática de atividade física à saúde7 , 8, os níveis de inatividade continuam elevados, sendo necessários esforços de diversos setores da sociedade para que a população adote um estilo de vida ativo9.
Apesar do sucesso do Proeti Saúde durante aproximadamente uma década de existência, o mesmo possui condições de ser ampliado com a maior participação de idosos nos 18 polos do programa distribuídos no município. O entendimento das características dos idosos residentes nos bairros próximos aos polos e que não são participantes do programa é útil no aperfeiçoamento de programas comunitários direcionados à promoção de práticas de atividades físicas.
O propósito deste estudo foi analisar as características sociodemográficas, de saúde e comportamentais relacionadas a não participação das idosas nas atividades oferecidas pelo programa Proeti Saúde de Uberaba, Minas Gerais.
Os resultados desta investigação fazem parte do Estudo de Avaliação do Programa Proeti Saúde realizado no município de Uberaba, Minas Gerais, no ano de 2013. Trata-se de estudo observacional, do tipo caso controle, com pareamento 1:1 (sexo, idade e vizinhança), através de métodos exploratórios surveys.
A amostra foi composta por 220 idosas de 60 a 80 anos, selecionadas por conveniência, sendo 110 usuárias do programa Proeti Saúde (grupo caso) e 110 não usuárias (grupo controle).
As idosas participantes do estudo não apresentavam dificuldades na acuidade visual e auditiva ou alterações cognitivas em grau severo. A avaliação foi realizada pelo entrevistador de forma subjetiva, perante o padrão de argumento das idosas no discurso ou pela dificuldade da entrevistada no entendimento das perguntas.
Para os participantes do estudo do grupo denominado de "casos", os mesmos estavam vinculados ao "Programa Proeti Saúde" por um período mínimo de 12 meses. O grupo controle foi estabelecido por não participantes do "Programa Proeti Saúde" considerando o pareamento dos participantes por local de residência (vizinhança) e faixa etária (60-64, 65-69, 70-74, 75-80 anos).
Na avaliação, foi elaborada uma entrevista multidimensional, aplicada de forma individual, sendo constituída por questões relacionadas aos aspectos sociodemográficos: idade, escolaridade, estado civil, situação ocupacional, arranjo familiar e a classificação econômica seguindo diretrizes de estudo prévio10; indicadores de saúde: percepção de saúde11, declínio cognitivo avaliado pelo Mini Exame do Estado Mental12, sintomatologia depressiva pela Escala de Depressão Geriátrica13, capacidade funcional pelas escalas de avaliação das atividades básicas e instrumentais da vida diária14 , 15, e aspectos comportamentais: consumo de álcool e tabaco; autoestima16, autoeficácia17 e nível de atividade física avaliado pelo Questionário Internacional de Atividade Física18. Foram consideradas ativas as idosas que praticavam 150 minutos ou mais por semana de atividade física moderada por semana19.
Para confecção do banco de dados, foi utilizado o software Epidata, versão 3.1b, e as análises por meio do pacote estatístico SPSS 15.0 (Statistical Package for the Social Sciences).
Na análise dos dados foram realizados procedimentos da estatística descritiva (frequência, média, desvio padrão e intervalo de confiança) e inferencial, por meio do teste de normalidade dos dados (Kolmogorov-Smirnov), distribuição das variáveis sociodemográficas, comportamentais e de saúde entre os grupos (Qui-quadrado ou teste exato de Fischer) e a análise bruta e multivariável dos fatores sociodemográficos, de saúde e comportamentais associados ao não engajamento das não usuárias no Programa Proeti Saúde (Regresão logística binária)
Na análise bruta as variáveis para as quais se obteve valores p < 0,20 (teste de Wald) foram candidatas aos modelos múltiplos (hierarquizada). No bloco 1 estão as condições sociodemográficas; bloco 2, problemas de saúde referidos e no bloco 3, variáveis comportamentais. Para as análises inferenciais foi considerado nível de significância de p ≤ 0,05 e intervalo de confiança (IC) de 95%.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
As características sociodemográficas das idosas do grupo caso e do controle (n = 220) são apresentadas na Tabela 1. Identificou-se predominância de idosas com idade entre 60 a 69 anos e estado civil casado (ou vivendo com o parceiro) em ambos os grupos.
Tabela 1. Distribuição das variáveis sociodemográficas das mulheres idosas nos grupos caso e controle. Uberaba, MG.
Caso | Controle | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Variável | % | N | % | N | p* | |
Faixa Etária | 0,585 | |||||
60-69 anos | 71,8 | 79 | 70,9 | 78 | ||
70-79 anos | 27,3 | 30 | 29,1 | 32 | ||
≥ 80 anos | 0,9 | 1 | 0 | 0 | ||
Estado Civil | 0,338 | |||||
Solteiro | 9,1 | 10 | 10 | 11 | ||
Casado/vivendo com parceiro | 50 | 55 | 40 | 44 | ||
Viúvo | 28,2 | 31 | 39,1 | 43 | ||
Divorciado ou separado | 12,7 | 14 | 10,9 | 12 | ||
Pessoas na mesma residência | 0,04 | |||||
Mora só | 17,3 | 19 | 19,1 | 21 | ||
Só o cônjuge | 25,5 | 28 | 14,5 | 16 | ||
+ filhos | 31,8 | 35 | 25,5 | 28 | ||
+ netos | 14,5 | 16 | 30 | 33 | ||
Outros | 10,9 | 12 | 10,9 | 12 | ||
Escolaridade | 0,018 | |||||
Analfabeto | 6,4 | 7 | 10 | 11 | ||
1 a 2 anos | 14,5 | 16 | 28,2 | 31 | ||
≥ 3 anos | 79,1 | 87 | 61,8 | 68 | ||
Nível socioeconômico | 0,01 | |||||
Classes A e B | 25,5 | 28 | 10 | 11 | ||
Classe C | 46,4 | 51 | 53,6 | 59 | ||
Classes D e E | 28,2 | 31 | 36,4 | 40 |
* teste de Qui-quadrado.
No arranjo familiar, observou-se diferença entre os grupos, com maior frequência de usuárias do programa Proeti Saúde vivendo com os filhos e as não usuárias com os netos.
Quanto ao nível de instrução, constatou-se maior concentração de idosas do grupo caso com três ou mais anos de estudo em relação à amostra do grupo controle, no qual predominou idosas analfabetas ou até dois anos de estudo. Em relação à classificação econômica, verificou-se maior frequência de idosas em ambos os grupos na classe C.
Em relação às condições de saúde, apresentadas na Tabela 2, verificou-se que o grupo caso apresentou predominância de percepção positiva de saúde. Constatou-se melhor qualidade de sono entre as usuárias do programa Proeti Saúde em relação às não usuárias, e maior concentração de idosas do grupo controle com consumo superior a quatro medicamentos por dia.
Tabela 2. Distribuição das variáveis de saúde das mulheres idosas nos grupos caso e controle. Uberaba, MG.
Caso | Controle | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | % | N | % | N | p | |
Percepção de Saúde | 0,01* | |||||
Positiva | 50,9 | 56 | 30 | 33 | ||
Negativa | 49,1 | 54 | 70 | 77 | ||
Qualidade do sono (dormir bem) | 0,05* | |||||
Positiva | 65,5 | 72 | 53,6 | 59 | ||
Negativa | 34,5 | 38 | 46,4 | 51 | ||
Medicamentos consumidos | 0,024** | |||||
≤ 1 | 27,3 | 30 | 20,9 | 23 | ||
2 a 4 | 53,6 | 59 | 43,6 | 48 | ||
> 4 | 19,1 | 21 | 35,5 | 39 | ||
Declínio Cognitivo | ||||||
Ausência | 75,5 | 83 | 62,7 | 69 | 0,029* | |
Presença | 24,5 | 27 | 37,3 | 41 | ||
Sintomatologia depressiva | 0,000* | |||||
Ausência | 85,5 | 94 | 57,3 | 63 | ||
Presença | 14,5 | 16 | 42,7 | 47 | ||
ABVD | 0,116* | |||||
Independente | 90 | 99 | 83,6 | 92 | ||
Dependente | 10 | 11 | 16,4 | 18 | ||
AIVD | 0,002* | |||||
Independente | 89,1 | 98 | 72,7 | 80 | ||
Dependente | 10,9 | 12 | 27,3 | 30 |
* teste exato de Fischer (teste unilateral);
** teste de Qui-quadrado.
O declínio cognitivo e a sintomatologia depressiva foram mais frequentes entre as idosas não usuárias do programa. Quando analisadas as variáveis referentes à capacidade funcional, ambos os grupos apresentaram predominância de independência para a realização das ABVD, entretanto, em relação às AIVD, houve maior fre quência de idosas do grupo caso classificadas como independentes.
Quanto aos aspectos comportamentais apresentados na Tabela 3, não foram identificadas diferenças entre os grupos para as variáveis relacionadas ao consumo de tabaco e bebidas alcoólicas. Em relação à autoestima e à autoeficácia na realização de atividade física moderada ou vigorosa, verificou-se predominância de idosas do grupo caso em relação as não usuárias.
Tabela 3. Distribuição das variáveis comportamentais das mulheres idosas nos grupos caso e controle. Uberaba, MG.
Caso | Controle | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Variável | % | N | % | N | p* | |
Tabagista | 0,412 | |||||
Não | 71,8 | 79 | 61,8 | 68 | ||
Sim | 28,2 | 31 | 38,2 | 42 | ||
Consumo de bebidas alcoólicas | 0,484 | |||||
Não | 73,4 | 80 | 74,5 | 82 | ||
Sim | 26,6 | 29 | 25,5 | 28 | ||
Autoestima | 0,003 | |||||
Elevada | 66,4 | 73 | 47,3 | 52 | ||
Baixa a moderada | 33,6 | 37 | 52,7 | 58 | ||
Autoeficácia (caminhada) | 0,000 | |||||
Elevada | 47,3 | 52 | 17,3 | 19 | ||
Baixa a moderada | 52,7 | 58 | 82,7 | 91 | ||
Autoeficácia (atividades físicas em | 0,000 | |||||
intensidade moderada a vigorosa) | ||||||
Elevada | 77,3 | 85 | 15,5 | 17 | ||
Baixa a moderada | 22,7 | 25 | 84,5 | 93 |
* teste exato de Fischer (teste unilateral).
A Tabela 4 discrimina os resultados da análise bruta e multivariável hierarquizada, apresentando o respectivo Odds Ratio (OR) na análise univariada e ajustada para associação entre as variáveis independentes e o não engajamento dos idosos às práticas de atividades físicas.
Tabela 4. Fatores associados ao não engajamento dos idosos ao Programa Proeti Saúde de Uberaba, MG.
Não usuários do programa Proeti Saúde | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | Prevalência | Análise Bruta | Análise Multivariável** | |||||
OR (IC 95%) | Wald | |||||||
% | OR (IC 95%) | p* | ||||||
Bloco 1 - Aspectos sociodemográficos | ||||||||
Nível socioeconômico | 1,35 | |||||||
A,B | 28,2 | 1 | 8,58 | 1 | ||||
C | 53,6 | 2,94 [1,33-6,50] | 2,03 [0,61-6,76] | |||||
D,E | 56,3 | 3,28 [1,41-7,61] | 1,65 [0,46-5,88] | |||||
Bloco 2 - Aspectos funcionais e clínicos | ||||||||
de saúde* | ||||||||
Percepção de Saúde | 9,80 | |||||||
Positiva | 37,1 | 1 | 1 | |||||
Negativa | 58,8 | 2,42 [1,39-4,20] | ||||||
Labirintite | 6,94 | 0,60 | ||||||
Não | 43 | 1 | 1 | |||||
Sim | 62,7 | 2,15 [1,21-3,82] | 1,55 [0,64-3,7] | |||||
Qualidade do sono (dormir bem) | 6,25 | |||||||
Sempre | 46,3 | 1 | ||||||
Quase sempre | 22,3 | 0,86 [0,42-1,77] | ||||||
Às vezes | 25,5 | 1,15 [0,58-2,28] | ||||||
Nunca/raramente | 15 | 2,66 [1,12-6,29] | ||||||
Medicamentos | 7,27 | |||||||
< 2 medicamentos | 43,4 | 1 | ||||||
2 a 4 medicamentos | 44,9 | 1,06 [0,54-2,06] | ||||||
> 4 medicamentos | 65 | 2,42 [1,13-5,17] | ||||||
Declínio cognitivo | 4,12 | |||||||
Ausência | 45,4 | 1 | ||||||
Presença | 60,3 | 1,82 [1,02-3,26] | ||||||
Sintomatologia depressiva | 19,8 | 7,28 | ||||||
Ausência | 40,1 | 1 | 1 | |||||
Presença | 74,6 | 4,38 [2,28-8,40] | 3,50 [1,40-8,69] | |||||
AIVDa | 8,98 | |||||||
Independente | 44,9 | 1 | ||||||
Dependente | 71,4 | 3,06 [1,47- 6,36] | ||||||
Bloco 3 - Aspectos Comportamentais** | ||||||||
Autoestima | 8,05 | |||||||
Positiva | 41,6 | 1 | ||||||
Negativa | 61,1 | 2,20 [1,27-3,79] | ||||||
Atividade física de lazer | 53,88 | 31,48 | ||||||
≥ 150 min/sem | 16,3 | 1 | 1 | |||||
< 150 min/sem | 71,6 | 12,9 [6,55-25,7] | 12,8-[5,26-31,3] | |||||
Autoeficácia (caminhada) | 21,21 | |||||||
Positiva | 26,8 | 1 | ||||||
Negativa | 61,1 | 4,3 [2,31-7,98] | ||||||
Autoeficácia (atividades físicas | 70,42 | 41,61 | ||||||
moderadas/vigorosas) | ||||||||
Elevada | 16,7 | 1 | 1 | |||||
Reduzida | 78,8 | 18,6 [9,39- 36,8] | 15,5 [6,76-35,8] |
a Atividades instrumentais da vida diária.
* Controlado por aspectos sociodemográficos e aspectos funcionais e clínicos de saúde;
** Controlado por nível socioeconômico, labirintite, sintomatologia depressiva, atividade física de lazer, Autoeficácia em atividades físicas moderadas ou vigorosas.
Na análise bruta o não engajamento das idosas às atividades do programa associou-se com o nível socioeconômico, percepção negativa de saúde, presença de labirintite, qualidade do sono, número de medicamentos consumidos diariamente, declínio cognitivo, sintomatologia depressiva, dependência para realização das AIVD, baixa autoestima, insuficiência de atividade física no domínio do lazer, baixa autoeficácia para realização de caminhada e atividade física vigorosa.
Quando realizada a análise ajustada, permaneceram associadas com a não adesão ao programa as variáveis de sintomatologia depressiva, prática insuficiente de atividade física no domínio do lazer e autoeficácia reduzida para a realização de atividade física moderada ou vigorosa.
As características sociodemográficas e de saúde das participantes deste estudo são similares a de outras pesquisas que analisaram o perfil dos usuários dos serviços de saúde pública20 , 21. A similaridade de características favorece a generalização dos resultados e melhor compreensão das necessidades dos indivíduos que buscam tais serviços.
A prática regular de atividade física favorece a percepção positiva de saúde11; melhoria da capacidade funcional7; ausência de declínio cognitivo22; menor ocorrência de sintomatologia depressiva23; autoestima elevada16; melhor qualidade do sono24; e maior autoeficácia para atividades físicas vigorosas8.
No presente estudo, em relação aos aspectos sociodemográficos, foi observado que parte considerável de ambos os grupos (caso/controle) residem em ambiente multigeracional, fato que diferencia da realidade de idosos de outras localidades25 , 26.
As idosas participantes do programa Proeti Saúde apresentam maior escolaridade do que as do grupo controle. A prática de atividade física, em especial no domínio de lazer, pode estar relacionada à quantidade de anos de estudo devido à relação com a renda e o acesso a informações relacionadas ao benefício da prática de atividade física à saúde, ou mesmo, às estruturas de lazer27.
Em relação aos aspectos socioeconômicos, observou-se que ambos os grupos apresentaram predominância de idosas pertencentes à classificação econômica C. Entretanto, parte do grupo de idosas participantes do programa Proeti Saúde também apresentou ser pertencente aos estratos superiores de classificação econômica (classes A e B) característica esta que o diferencia do grupo controle, que por sua vez teve representatividade nos estratos inferiores de classificação denominados classes D e E.
A maior adesão por idosas com melhores condições financeiras às práticas de atividade física é corroborado por estudo realizado no país28. No entanto, tal fato não é consenso na literatura, visto que alguns estudos têm demonstrado que em regiões de menor aporte financeiro há relação inversa entre renda e maiores níveis de atividade física26 , 29, sendo tal diferença marcada pelo tempo despendido pelas idosas em atividades domés ticas26.
Em relação à percepção de saúde, verificou-se que as usuárias do programa Proeti Saúde relataram mais otimismo do que as não usuárias. Esses dados corroboram com os resultados de outros estudos que buscaram comparar a percepção de saúde de idosos expostos e não expostos à prática de atividade física11 , 30.
Entre as usuárias, o elevado percentual de idosas que relataram percepção negativa, pode estar relacionado à procura pelo programa por pessoas que já apresentam algum problema de saúde, uma vez que as ESF fazem o encaminhamento de idosos com DCNT para o programa Proeti Saúde. O direcionamento de indivíduos já doentes para os serviços promotores de atividade física é tendência observada em outros programas e reflete a herança do modelo curativista, focada nos sintomas, o que pode contribuir para redução da eficácia da intervenção31.
Quanto à qualidade do sono, observou-se que as idosas do grupo caso relataram com maior frequência a percepção positiva em relação às idosas do grupo controle, resultados estes que são corroborados pela literatura32. Entre as possíveis explicações para tal relação está no fato de que distúrbios do sono estão relacionados à diminuição da disposição física e piora em indicadores físicos e psicossociais da qualidade de vida24.
Referente ao consumo de medicamentos, constatou-se que mais de 1/3 das não usuárias do programa Proeti Saúde consomem mais do que 4 medicamentos por dia, percentual consideravelmente mais elevado do que entre as usuárias. Outros estudos também identificaram a relação inversa entre a prática regular de atividade física e o consumo de medicamentos31 , 33.
O consumo de alguns medicamentos, além de ser sinalizador da condição clínica de saúde, pode produzir efeitos colaterais, a exemplo da vertigem, que por sua vez está relacionada a maior prevalência de quedas, podendo ser esta a razão das não usuárias não aderirem a programas de atividades físicas34.
O declínio cognitivo é considerado um grave problema de saúde pública em diversos países, estando o mesmo relacionado ao risco aumentado do desenvolvimento de demência, incapacidade funcional e a hábitos negativos de saúde, entre os quais encontra-se a inatividade física35 , 36.
Foi identificado o declínio cognitivo leve em mais de 1/3 das idosas do grupo controle, sendo esta prevalência superior a do grupo caso. A relação inversa entre prática de atividade física e a presença de declínio cognitivo leve tem sido pronunciada com frequência na literatura22 , 37 , 38. Há que destacar-se a limitação em explorar a variável cognitiva em estudos populacionais, devido a impossibilidade de obtenção de dados confiáveis por meio de questionários a pessoas com déficit cognitivo leve.
A depressão é reconhecida como doença extremamente onerosa em diversos países, sendo apontada na literatura como a quarta principal causa de incapacidade precoce, estando a mesma relacionada a alterações de humor, tristeza e desânimo23 , 39.
Em relação à sintomatologia depressiva, constatou-se que as não usuárias do programa apresentaram elevada prevalência de tais sintomas em relação às usuárias, sendo tal resultado similar a levantamentos nacionais39 , 40. A relação inversa entre a prática de atividade física e a presença dos sintomas depressivos, pode ser justificada pelo fato de que a variável comportamental possui dimensões psicossociais que favorece a comunicação e a diminuição do isolamento social40.
A prevalência de dependência para as ABVD foi similar nos dois grupos, enquanto a prevalência de dependência para as AIVD foi superior no grupo controle em relação ao grupo caso.
A incapacidade funcional do grupo controle na realização das ABVD foi similar à levantamentos realizados em outras localidades do país, porém com prevalência inferior em relação às AIVD10 , 41. As idosas do grupo caso apresentaram prevalência de incapacidade para ABVD e AIVD inferior a estudos conduzidos no país10 , 41. A prática regular de atividade física contribui para manutenção e/ou desenvolvimento da aptidão física e em aspectos psicossociais, o que por sua vez atua de forma positiva no desempenho funcional de idosos42.
Em relação aos aspectos comportamentais, verificou-se que a percepção elevada de autoestima das idosas do grupo caso foi superior aos escores do grupo controle. Os resultados observados corroboram com evidências encontradas em outro estudo, que compararam esse aspecto comportamental entre idosos ativos e inativos16. O aumento do nível de atividade física está relacionado com maior autoestima, que por sua vez, está relacionada a menores índices de sintomas depressivos16.
Em relação à autoeficácia, observaram-se níveis baixos para realização de caminhada em ambos os grupos. Entretanto, entre as usuárias do programa, 47,3% relataram ter elevada autoeficácia para realização dessa atividade, índice superior do que observado entre as não usuárias (17,3%). Para realização das atividades físicas moderadas ou vigorosa, a diferença observada entre os dois grupos foi mais acentuada, com nível elevado de autoeficácia para realização dessas atividades entre as idosas do grupo caso e reduzido para as idosas do grupo controle.
A elevada autoeficácia está relacionada à realização e manutenção de hábitos saudáveis, bem como à participação em atividades sociais, enquanto níveis reduzidos de autoeficácia relacionam-se com percepção subestimada das capacidades do idoso para enfrentar mudanças e realizar novas atividades43. Evidências demonstram que elevada autoeficácia propicia ao idoso a busca de hábitos que promovam benefícios para sua saúde44.
Em relação aos fatores associados ao não engajamento das idosas às atividades oferecidas pelo programa Proeti Saúde, na análise ajustada permaneceu associada com o não engajamento ao programa a sintomatologia depressiva, prática insuficiente de atividade física no domínio do lazer e autoeficácia reduzida para a realização de atividade física moderada ou vigorosa.
Algumas características sociodemográficas atuam como determinantes para o estilo de vida ativo, sendo identificadas na análise bruta, que as idosas pertencentes às classes econômicas C, D e E eram mais frequentes no grupo controle, porém tal associação não permaneceu na análise ajustada. Em alguns estudos foram identificadas a relação inversa do nível socioeconômico com o engajamento de idosos em práticas de atividades físicas26 , 29.
A condição socioeconômica está relacionada à educação, cuidados e assistência de saúde26, porém tal variável pode ter sido inibida na análise pela maior força de interação apresentada pelas variáveis comportamentais.
Entre as doenças crônicas reportadas, a labirintite, apesar de não ter permanecido na análise ajustada, foi associada ao não engajamento das idosas na análise bruta, sendo uma doença comum durante o envelhecimento que está relacionada à tontura, perda de equilíbrio e que contribui ao favorecimento da ocorrência de quedas, que consequentemente gera uma série de transtornos para os indivíduos34.
A sintomatologia depressiva foi associada a não participação do grupo controle às atividades oferecidas pelo programa Proeti Saúde, mesmo quando controlada por outras variáveis. Essa relação é compreensível, ao verificar-se que a doença está associada a sofrimento psíquico, falta de apetite e descaso com o autocuidado23 , 39.
Por ser doença de complexo diagnóstico, a mesma representa obstáculo para os serviços de saúde, que devem se organizar para a identificação dos seus sintomas e prestar a atenção adequada a idosos mais suscetíveis a tal condição39. A elevada prevalência de idosas com sintomatologia depressiva no grupo controle, e a relação inversa entre a prática de atividade física e a prevalência de depressão encontrada na literatura22 , 28 sugerem que ações específicas sejam desenvolvidas para incentivar a adesão das idosas não usuárias ao programa Proeti Saúde.
O nível insuficiente de atividade física no lazer também foi associado a não adesão de idosas do grupo controle às atividades oferecidas pelo programa Proeti Saúde. A prática de atividade física como lazer é necessária para indivíduos de todas as faixas etárias, sobretudo para os idosos, uma vez que estes são mais suscetíveis a níveis reduzidos da mesma no total, em especial no domínio do trabalho, devido à aposentadoria que também está relacionada à redução da interação social45.
Evidências na literatura apontam que classes econômicas menos favorecidas, baixa escolaridade, presença de transtornos mentais, a exemplo da depressão, perdas funcionais decorrentes do processo de envelhecimento e a inviabilização de espaços públicos adequados, possuem relação estreita com a inatividade física no domínio do lazer27 , 45. Tais evidências corroboram com alguns achados deste estudo quanto aos fatores determinantes ao não engajamento ao programa.
Na presente investigação foi identificado que baixa autoeficácia para atividades físicas moderadas e vigorosas se apresenta como fator determinante para a não adesão das idosas do grupo controle ao programa Proeti Saúde. A autoeficácia, compreendida como a disposição, o interesse e a determinação que o indivíduo possui para adquirir novos hábitos, quando elevada configura-se como um dos fatores relacionados à adoção de hábitos saudáveis de vida, dos quais se encontra a atividade física46.
Nesse contexto, é compreensível que a baixa autoeficácia para realização das atividades moderadas e vigorosas esteja relacionada com a não adesão das idosas do grupo controle ao programa Proeti Saúde. É necessária a elaboração de estratégias que possam identificar o estágio de disposição para mudança de comportamento em que se encontram as idosas não usuárias, para que sejam implantadas estratégias motivacionais e de encorajamento direcionadas ao desenvolvimento da autoeficácia e consequentemente à adesão ao programa47.
Algumas limitações foram observadas no presente estudo: 1) uso do questionário pode subestimar ou superestimar algumas informações encontradas; 2) a não exigência de uma frequência regular no programa, bem como a ausência de registro formal dos idosos frequentes dificulta a análise dos indicadores de desempenho, bem como o desenvolvimento de cada unidade específica, visto que alguns idosos realizam atividades em diferentes unidades durante a semana.
Por outro lado, a possibilidade de viés na seleção da amostra está reduzida devido ao pareamento feito por sexo, faixa etária e vizinhança, o que permitiu comparar idosas usuárias e não usuárias com características similares reduzindo assim a influência de possíveis fatores de confusão nos resultados encontrados.
Os dados analisados neste estudo permitem concluir que a sintomatologia, o baixo nível de atividade física no lazer e a reduzida autoeficácia em atividades físicas de moderada e/ou vigorosa intensidade são fatores determinantes para o não engajamento das idosas do grupo controle ao Programa Proeti/Saúde, mesmo quando controlado para aspectos sociodemográficos e clínicos de saúde.