versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.7 Rio de Janeiro jul. 2019 Epub 22-Jul-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018247.19992017
O primeiro princípio apresentado pela 2ª edição do Guia Alimentar para a População Brasileira é que a alimentação é mais que a simples ingestão de nutrientes, uma vez que é influenciada pelas dimensões culturais e sociais, devendo ser tratada portanto para além dos aspectos meramente funcionais. Ademais, os padrões de alimentação mudaram rapidamente, especialmente a partir das últimas décadas, tanto nos países de alta renda quanto nos países de média e baixa renda. No caso brasileiro, parece que as principais mudanças envolvem a substituição de alimentos in natura ou minimamente processados de origem vegetal (arroz, feijão, mandioca, batata, legumes e verduras) e preparações culinárias à base desses alimentos por produtos industrializados prontos para consumo. Essas modificações têm contribuído para o desequilíbrio na oferta de nutrientes e a ingestão excessiva de calorias1.
O consumo insuficiente de frutas e vegetais está entre os dez principais fatores de risco de morte por todas as causas. Entre as populações de média renda estima-se que ocorra 0,9 milhões de mortes/ano atribuídas a este fator de risco (3,9% do total de mortes) e para a população de alta renda, aproximadamente, 0,2 milhões de mortes/ano (2,5% do total de mortes)2. Além disso, resultados de meta-análises com estudos prospectivos tem evidenciado que o maior consumo de frutas ou vegetais está associado a um risco significativamente reduzido de diabetes tipo 23-5 e doenças cardiovasculares6.
Dado este contexto, é de grande importância que se busque um maior conhecimento sobre os fatores que dificultam ou facilitam a adoção de hábitos alimentares saudáveis, inclusive para que intervenções mais efetivas possam ser elaboradas para promovê-los. Para tal, faz-se necessário considerar que a adoção ou não de qualquer comportamento é complexa, não uma mera questão de escolha individual.
Foram identificados alguns estudos sobre barreiras para o consumo de frutas e hortaliças. Entre os que utilizaram metodologia qualitativa, Figueira et al.7 entrevistaram 62 usuários do Programa Academia da Saúde de Belo Horizonte. Lucan et al.8entrevistaram 20 americanos negros de baixa renda na Filadélfia. Yeh et al.9, realizaram um estudo a partir de 12 grupos focais, envolvendo 147 participantes de origem afro-americana, hispânica e caucasiana na Carolina do Norte e Connecticut – EUA.
Entre os estudos quantitativos, todos de delineamento transversal, o de Eikenberry e Smith10envolveu 796 indivíduos de baixa renda, recrutados em programas de alimentação, mercearias e outros locais públicos em quatro comunidades dos Estados Unidos da América. Pesquisa desenvolvida em Santiago do Chile teve como sujeitos 449 estudantes universitários11, e outra, no mesmo país, incluiu 463 mães de escolares de distintos níveis socioeconômicos e 412 professores do ensino básico12. Estudo em Brasília investigou 98 adultos13. Entre as barreiras citadas nos referidos estudos encontram-se o alto custo, a falta de tempo, o sabor desagradável, a falta de hábito, a alta perecibilidade destes alimentos, “preguiça”, esquecimento, ausência de saciabilidade, dificuldade de transportar para o trabalho, pouca disponibilidade no comércio, forma de preparo, entre outras.
As pesquisas citadas se referiram, em sua maioria, a populações específicas e apenas duas foram realizadas no Brasil. Considerando-se a importância de conhecer a distribuição destas barreiras na população adulta, possibilitando fornecer informações que auxiliem na elaboração de estratégias e políticas públicas, este estudo teve como objetivo estimar a prevalência das barreiras percebidas para o consumo de frutas e de verduras ou legumes e analisar a sua associação com as características sociodemográficas em adultos de um município de médio porte da região Sul do Brasil.
Trata-se de estudo transversal com indivíduos de 44 anos ou mais de idade residentes na área urbana do município de Cambé-PR, região metropolitana de Londrina. A pesquisa é integrante do projeto VIGICARDIO: “Doenças Cardiovasculares no Estado do Paraná: mortalidade, perfil de risco, terapia medicamentosa e complicações”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR.
O projeto teve início em 2011, com amostragem de base populacional em que foram entrevistados 1180 sujeitos de 40 anos ou mais de idade. Na ocasião, a população de estudo foi constituída por todos os residentes na área urbana do município, com idade igual ou superior a 40 anos. Optou-se pela escolha por esta faixa etária de maneira proposital, considerando a maior ocorrência de complicações cardiovasculares em indivíduos com 40 anos ou mais, que era o foco central do projeto maior. O município localiza-se na região Norte do Paraná, na região metropolitana de Londrina. Em 2010, segundo o Censo demográfico14, Cambé tinha 93.733 habitantes com densidade demográfica de 195.54 hab/km2. O Índice de Desenvolvimento Humano do município, em 2000, era de 0,793 (desenvolvimento humano médio) e Índice de Gini para renda familiar de 0,40. Maiores detalhes sobre o processo de amostragem do estudo realizado em 2011, bem como das características dos sujeitos investigados estão disponíveis em Souza et al.15.
Em 2015, os mesmos sujeitos foram procurados novamente. Esta nova coleta de dados ocorreu entre março e outubro de 2015 por meio de entrevistas domiciliares. Para aproximadamente 2/3 dos dados foi utilizado formulário físico (que posteriormente foram duplamente digitados e as inconsistências corrigidas) e para o restante foram utilizados tablets. As entrevistas foram agendadas por telefone, e para os casos não localizados desta forma, realizou-se diretamente a visita domiciliar. Foram consideradas perdas os sujeitos não encontrados em três visitas, realizadas em dias e períodos distintos, incluindo um dia no final de semana.
Como em 2011 não foram levantadas informações sobre barreiras percebidas para o consumo de frutas, verduras ou legumes e não foi encontrado na literatura, à época do planejamento do estudo, um instrumento específico para sua avaliação, optou-se pela elaboração de perguntas, cujo processo de construção se deu em diferentes etapas:
Usuários em salas de espera de algumas Unidades Básicas de Saúde da cidade de Londrina – PR, responderam a seguinte pergunta: a) Para o(a) senhor(a), quais as principais barreiras/dificuldades para se ter uma alimentação saudável?
Devido à dificuldade de compreensão por parte das pessoas entrevistadas da pergunta apresentada na etapa anterior, elaborou-se pergunta mais específica sobre o consumo de frutas, verduras ou legumes, também aplicada a usuários de Unidades Básicas de Saúde: Para o(a) senhor(a) quais as principais barreiras/dificuldades para o consumo de frutas, verduras ou legumes?
A partir das respostas obtidas na segunda etapa, foram elaboradas perguntas com base naquelas mais frequentes, com alternativas de respostas dicotômicas, conforme se segue:
a) Em geral, o (a) Sr(a) gosta do sabor das frutas?; b) Sua família tem hábito/costume de comer frutas?; c) O custo das frutas pesa no orçamento da família? (ou pesaria, caso fossem compradas); d) A necessidade do preparo das frutas (ter que lavar e descascar, por exemplo) é uma dificuldade para comer (comer mais) frutas?; e) O (a) Sr (a) tem tempo para ir ao mercado/feira com frequência para comprar frutas frescas?
Para as questões “d” e “e”, além das alternativas “sim” e “não” havia as seguintes opções de resposta: “outras pessoas realizam essa atividade/tarefa” e “tenho alguma limitação que impede essa atividade/tarefa”. Para estes casos, foi considerada a presença da barreira somente se o sujeito tivesse respondido “sim” à pergunta “d” e “não” para a “e”.
Além destas cinco perguntas, foi realizada a pergunta: “Existe mais algum fator que atrapalha que o (a) Sr (a) coma (ou coma mais) frutas?”. As mesmas perguntas foram repetidas em relação ao consumo de verduras ou legumes.
As variáveis independentes (também utilizadas como controle) foram coletadas a partir de informações auto referidas pelos sujeitos no momento da entrevista. As variáveis utilizadas neste estudo e as respectivas categorias foram: gênero (masculino e feminino); faixa etária, em anos (44 a 49; 50 a 59; 60 ou mais); raça/cor autorreferida (branca/amarela e parda/preta/indígena); escolaridade, em anos de estudo (0 a 4; 5 a 8; 9 ou mais); classe econômica, agrupadas como A; B e C; D e E16 e situação conjugal (com companheiro; sem companheiro).
As informações obtidas em formulário físico foram digitadas duplamente em banco de dados do programa Microsoft Office Excel® 2010. Somente estas informações, que foram transcritas, foram comparadas para verificar inconsistências utilizando o programa Spreadsheet Compare. As informações coletadas utilizando ODK Collect não necessitaram de transcrição nem validação já que eram concomitantemente coletadas e armazenadas em formato Excel na nuvem (Servidor Ona). As análises foram realizadas no programa Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 19.0. Para caracterização da amostra foi utilizada estatística descritiva e para se verificar a associação entre as variáveis demográficas e as barreiras foi utilizada regressão logística binária, análise bruta e ajustada (por todas variáveis sociodemográficas), sendo calculado os valores de Odds Ratio.
Dos 1180 sujeitos que participaram do estudo Vigicardio em 2011, houve 295 perdas (108 por mudança de endereço e sem a nova localização; 87 recusas; 51 óbitos; 49 não foram encontradas após três visitas e 8 pessoas tiveram que ser excluídas por não resposta às questões relacionadas aos objetivos deste estudo). Assim, o presente estudo considerou dados de 877 sujeitos de 44 anos ou mais de idade.
Dos entrevistados, a maioria era mulher (55,9%), tinha entre 44 e 59 anos de idade (60,6%), se declarou de cor branca (60,2%), tinha até oito anos de estudo (71,3%), foi classificada no nível econômico C ou inferior (64,4%) e tinha companheiro(a) (68,9% casados ou com união estável) (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição da amostra segundo características demográficas, Cambé – PR, 2015.
Características | n | % |
---|---|---|
Gênero | ||
Feminino | 490 | 55,9 |
Masculino | 387 | 44,1 |
Faixa Etária (anos) | ||
44 a 49 | 197 | 22,5 |
50 a 59 | 334 | 38,1 |
60 a 69 | 225 | 25,7 |
70 a 79 | 100 | 11,4 |
80 ou mais | 21 | 2,4 |
Raça/Cor | ||
Branca | 528 | 60,2 |
Amarela | 26 | 3,0 |
Indígena | 6 | 0,7 |
Parda | 258 | 29,4 |
Preta | 59 | 6,7 |
Escolaridade(anos de estudo) | ||
0 a 4 | 392 | 44,7 |
5 a 8 | 233 | 26,6 |
9 ou mais | 252 | 28,7 |
Nível Econômico | ||
A | 50 | 5,7 |
B | 262 | 29,9 |
C | 464 | 52,9 |
D – E | 101 | 11,5 |
Situação Conjugal* | ||
Solteiro | 70 | 8,0 |
Casado ou com união estável | 604 | 68,9 |
Divorciado/separado | 78 | 8,9 |
Viúvo | 123 | 14,0 |
* Diferença no valor de n devido a não respostas de dois entrevistados.
Em relação às barreiras para o consumo de frutas, a mais mencionada foi “o custo pesa no orçamento da família” (57,7%). A chance de apresentar esta barreira foi significativamente maior entre as mulheres (OR = 1,93; IC95% = 1,45-2,57) e nos que tinham escolaridade entre 0 e 4 anos (OR = 1,57; IC95% = 1,07-2,31). A barreira “a família não tem hábito/costume de consumir frutas” foi citada por 16,4% da amostra e a chance de apresentar esta barreira foi maior entre os indivíduos com idade entre 50 a 59 anos (OR = 2,01; IC95% = 1,30-3,10). A barreira “falta de tempo para ir ao mercado/feira com frequência para comprar frutas frescas” foi citada por 8,0% da amostra e a chance de apresentar esta barreira foi maior entre as mulheres (OR = 1,79; IC95% = 1,03-3,12) e entre os que não tinham companheiro (OR = 1,92; IC95% = 1,14-3,24). A barreira “necessidade de preparo” foi citada por 7,6% da amostra e a chance de apresentar esta barreira foi maior entre os indivíduos da faixa etária de 44 a 49 anos (OR = 2,37; IC95% = 1,10-5,12) e 50 a 59 anos (OR = 2,35; IC95% = 1,22-4,51). A barreira “não gostar do sabor das frutas” foi citada por 6,2% da amostra e não foi associada a nenhuma variável demográfica (Tabela 2).
Tabela 2 Associação entre barreiras percebidas para o consumo de frutas e variáveis demográficas. Dados ajustados para todas as variáveis demográficas. Cambé, PR., 2015.
Não gostar do sabor OR (IC 95%) | Família não tem hábito/costume OR (IC 95%) | Custo pesa no orçamento da família OR (IC 95%) | Necessidade do preparo OR (IC 95%) | Falta de tempo para ir ao mercado/feira com frequência OR (IC 95%) | |
---|---|---|---|---|---|
Prevalência total (%) | 6,2 | 16,4 | 57,7 | 7,6 | 8,0 |
Gênero | |||||
Masculino | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 |
Feminino | 0,98 (0,55-1,74) | 1,15 (0,79 – 1,67) | 1,93 (1,45 – 2,57) | 1,00 (0,59 – 1,69) | 1,79 (1,03 – 3,12) |
Faixa Etária (anos) | |||||
60 ou mais | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 |
50 a 59 | 1,66 (0,83- 3,30) | 2,01 (1,30 – 3,10) | 1,02 (0,73 – 1,41) | 2,35 (1,22 – 4,51) | 1,37 (0,75 – 2,53) |
44 a 49 | 2,00 (0,89-4,50) | 1,12 (0,64 – 1,95) | 1,08 (0,73 – 1,61) | 2,37 (1,10 – 5,12) | 1,56 (0,76 – 3,20) |
Raça/Cor | |||||
Branca/Amarela | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 |
Parda/Preta/Indígena | 1,12 (0,63- 1,99) | 1,02 (0,69 – 1,50) | 1,08 (0,81 – 1,46) | 0,67 (0,38 – 1,19) | 0,94 (0,55 – 1,62) |
Anos de estudo | |||||
9 ou mais | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 |
5 a 8 anos | 1,68 (0,72- 3,91) | 0,98 (0,59 – 1,62) | 1,19 (0,81 – 1,76) | 0,74 (0,35 – 1,57) | 1,01 (0,49 – 2,07) |
0 a 4 anos | 1,95 (0,84- 4,53) | 0,92 (0,56 – 1,52) | 1,57 (1,07 – 2,31) | 1,16 (0,57 – 2,34) | 1,07 (0,53 – 2,17) |
Nível Econômico | |||||
A | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 |
B e C | 1,09 (0,23- 5,25) | 1,04 (0,46 – 2,35) | 1,72 (0,90 – 3,28) | 0,50 (0,20 – 1,26) | 0,89 (0,28 – 2,83) |
D e E | 0,81 (0,13- 5,15) | 0,65 (0,23 – 1,89) | 2,18 (0,98 – 4,85) | 0,48 (0,13 – 1,77) | 0,81 (0,19 – 3,34) |
Situação Conjugal | |||||
Com companheiro | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 |
Sem companheiro | 1,09 (0,58- 2,01) | 1,24 (0,83 – 1,85) | 0,93 (0,68 – 1,27) | 1,07 (0,60 – 1,89) | 1,92 (1,14 – 3,24) |
Quanto às barreiras para o consumo de verduras ou legumes a mais mencionada foi o “custo pesa no orçamento da família”, com prevalência de 49,9%. A chance de apresentar esta barreira foi maior entre as mulheres (OR = 1,63; IC95% = 1,23-2,16), indivíduos com até 4 anos de estudo (OR = 1,79; IC95% = 1,22-2,63) e com nível econômico B e C (OR = 2,01; IC95% = 1,01-3,99). A barreira a “família não tem hábito/costume de consumir verduras ou legumes” foi citada por 10,9% da amostra e não foi observada associação com as variáveis demográficas. A barreira “necessidade de preparo” foi citada por 9,7% da amostra e a chance de apresentar esta barreira foi maior entre as mulheres (OR = 1,69; IC95% = 1,03-2,76). A barreira “falta de tempo para ir ao mercado/feira com frequência para comprar verduras ou legumes frescos” foi citada por 7,6% da amostra e não foi observada associação com as variáveis demográficas. A barreira “não gostar do sabor das verduras ou legumes” foi citada por 6,6% da amostra e a chance de apresentar esta barreira foi maior entre os indivíduos com cor da pele parda/preta/indígena (OR = 2,43; IC95% = 1,38-4,26) (Tabela 3).
Tabela 3 Associação entre barreiras percebidas para o consumo de verduras ou legumes e variáveis demográficas. Dados ajustados para todas as variáveis demográficas. Cambé, PR, 2015.
Não gostar do sabor OR (IC 95%) | Família não tem hábito/costume OR (IC 95%) | Custo pesa no orçamento da família OR (IC 95%) | Necessidade do preparo OR (IC 95%) | Falta de tempo para ir ao mercado/feira com frequência OR (IC 95%) | |
---|---|---|---|---|---|
Prevalência total (%) | 6,6 | 10,9 | 49,9 | 9,7 | 7,6 |
Gênero | |||||
Masculino | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,69 | 1,0 |
Feminino | 0,94 (0,54-1,64) | 1,23 (0,79 – 1,93) | 1,63 (1,23 – 2,16) | 1,00 (1,03 – 2,76) | 1,46 (0,85 – 2,52) |
Faixa Etária (anos) | |||||
60 ou mais | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 |
50 a 59 | 0,73 (0,39- 1,35) | 1,43 (0,86 – 2,38) | 1,07 (0,78 – 1,48) | 1,34 (0,78 – 2,31) | 1,61 (0,85 – 3,04) |
44 a 49 | 0,52 (0,22-1,25) | 1,24 (0,66 – 2,35) | 1,23 (0,83 – 1,82) | 1,31 (0,68 – 2,54) | 1,85 (0,89 – 3,86) |
Raça/Cor | |||||
Branca/Amarela | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 |
Parda/Preta/Indígena | 2,43 (1,38- 4,26) | 0,89 (0,56 – 1,41) | 0,97 (0,72 – 1,29) | 0,92 (0,57 – 1,50) | 1,08 (0,63 – 1,86) |
Anos de estudo | |||||
9 ou mais | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 |
5 a 8 anos | 0,83 (0,34- 204) | 0,71 (0,38 – 1,33) | 1,20 (0,82 – 1,76) | 0,81 (0,43 – 1,56) | 1,28 (0,62 – 2,64) |
0 a 4 anos | 1,65 (0,76- 3,59) | 0,97 (0,54 – 1,73) | 1,79 (1,22 – 2,63) | 1,05 (0,57 – 1,94) | 1,12 (0,53 – 2,35) |
Nível Econômico | |||||
A | * | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 |
B e C | 1,0 | 1,29 (0,46 – 3,57) | 2,01 (1,01 – 3,99) | 2,89 (0,65 – 12,8) | 0,50 (0,18 – 1,40) |
D e E | 0,38 (0,13- 1,11) | 1,44 (0,42 – 4,92) | 2,05 (0,91 – 4,66) | 2,15 (0,40 – 11,7) | 0,40 (0,10 – 1,58) |
Situação Conjugal | |||||
Com companheiro | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 |
Sem companheiro | 0,75 (0,40- 1,42) | 1,20 (0,75 – 1,92) | 0,88 (0,64 – 1,19) | 1,15 (0,70 – 1,90) | 1,57 (0,91 – 2,69) |
*não houve casos entre nível econômico A.
Quanto às outras barreiras mencionadas pelos entrevistados, observou-se que 16 e 17 outras barreiras foram citadas, para o consumo de frutas e de verduras ou legumes, respectivamente. Dentre estas, as mais citadas sobre o consumo de frutas foram: “falta de hábito pessoal” (4,3%), seguida por “problemas relacionados à saúde” (2,1%) e “falta de tempo para consumir no trabalho (1,9%). Para o consumo de verduras ou legumes, as mais citadas como “outras barreiras” foram: “falta de hábito pessoal” (2,1%) e “não encontrar verduras variadas e/ou de qualidade no mercado” (1%) (dados não apresentados nas tabelas).
Os resultados do estudo apontam que a principal barreira percebida para o consumo de frutas, verduras e legumes está relacionado ao custo dos mesmos, sendo a chance de perceber esta barreira maior entre as mulheres e indivíduos com menor escolaridade. As demais barreiras investigadas tiveram uma frequência bastante inferior àquela relativa ao custo.
As características das barreiras identificadas reforçam a urgência de se tratar o tema de maneira intersetorial, por envolver elementos estruturais como os econômicos, culturais, educacionais, sociais, que não podem ser esquecidos no estudo das questões relativas à alimentação humana. Apesar de, em alguma medida, a definição sobre o tipo de alimentação de cada pessoa ou família depender de escolhas individuais, estas dependem de conjunturas maiores e muitas vezes os sujeitos têm menor poder de escolha do que de fato acreditam ter.
O preço dos produtos envolve mais do que a organização orçamentária individual ou familiar. É determinado por escolhas econômicas e políticas que nem sempre privilegiam a alimentação saudável. Este contexto reflete a influência da indústria alimentícia, inclusive com lobby, junto aos poderes legislativo e executivo17e as políticas públicas agrícolas no Brasil que muitas vezes privilegiam o agronegócio em detrimento da agricultura familiar18.
Outro ponto importante diz respeito à publicidade. As preferências pessoais em diversos campos são, ao menos parcialmente, determinadas pela mídia, o que, por vezes, se dá me maneira sutil e acontece sem que as próprias pessoas percebam. Mesmo as matérias de aparente cunho meramente jornalístico não são isentas e muitas vezes parecem atender mais o interesse dos anunciantes do que o interesse público19,20. O Guia Alimentar para a População Brasileira enfatiza como um dos 10 passos para uma alimentação adequada e saudável o “ser crítico quanto às informações, orientações e mensagens sobre alimentação vinculadas em programas comerciais”, inclusive porque parece existir muita informação disponível sobre alimentação saudável, mas poucas são de fonte seguras e baseadas em evidências1.
Apesar de o presente estudo não ter analisado a feminização da pobreza, entendida como “mudança nos níveis de pobreza partindo de um viés desfavorável às mulheres ou aos domicílios chefiados por mulheres”21, a coincidência de barreiras associadas ao sexo feminino e à baixa escolaridade ou à condição de estar sem companheiro pode apontar para a ocorrência deste fenômeno na população estudada tendo sido desfavorável ao consumo adequado de frutas e verduras ou legumes.
No Brasil, um dos países mais desiguais do mundo e que possui parte importante da população brasileira com baixa renda22-24 a percepção do custo como uma barreira é de grande importância. Dois estudos brasileiros que utilizaram dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares para abordar a questão do custo dos alimentos e a sua obtenção. Claro e Monteiro25analisaram, em 48.470 domicílios entre 2002 e 2003, a influência da renda familiar e do preço de alimentos sobre a participação de frutas e hortaliças dentre os alimentos adquiridos pelas famílias, e observaram, para o conjunto dos estratos de domicílios analisados, que as frutas e hortaliças representaram 2,5% de calorias obtidas, com preço quatro vezes maior que o dos outros alimentos. Uma redução de 1% no preço de frutas e hortaliças aumentaria 0,79% no total calórico e o aumento de 1% na renda familiar acrescentaria 0,27% ao total calórico a ser obtido. Os autores concluíram que o aumento da renda e a diminuição dos preços de frutas e hortaliças podem melhorar sua participação na dieta dos brasileiros. Borges et al.26analisaram a aquisição de alimentos durante sete dias, de 55.970 famílias, em 2008. Foram calculados calorias, despesas e preço médio e comparados gastos atuais e ideais para os oito grupos de alimentos propostos pelo guia alimentar brasileiro de 2006. As aquisições não atingiram as quantidades recomendadas para frutas, hortaliças, lácteos e cereais e ultrapassaram as de feijões, óleos/gorduras, doces, carnes e ovos. Para que indivíduos de menor renda (R$ 71,40 per capita/mês) pudessem atingir as recomendações, os gastos com alimentação teriam que aumentar em 58% e para aqueles com renda ≤ R$ 415,00 per capita/mês, os gastos com alimentos teriam que acrescer 39%. Os autores salientam que para esse grupo de brasileiros, esse aumento na despesa com alimentação comprometeria quase toda a renda familiar.
A segunda barreira mais prevalente, tanto para o consumo de frutas como para o de verduras ou legumes, foi “a família não tem o hábito/costume”, o que possivelmente tem relação com as importantes mudanças nos hábitos alimentares dos brasileiros nas últimas décadas27. A Política Nacional de Alimentação e Nutrição28, busca, entre outros objetivos, a valorização da cultura alimentar. Assim, estratégias de educação em saúde se fazem importante, e buscar uma abordagem familiar, coerente com a Estratégia Saúde da Família, pode ser um caminho interessante. Vale mencionar que o conhecimento, em geral, não é suficiente para modificar comportamentos e fazer com que as pessoas adotem comportamentos mais saudáveis. Muitas vezes as estratégias superestimam o potencial da informação na mudança de hábitos e ignoram a complexidade dos comportamentos relacionados à saúde.
A terceira barreira mais citada para o consumo de frutas foi a “falta de tempo para ir ao mercado/feira com frequência para comprar frutas frescas” e esta foi a quarta barreira mais prevalente para o consumo de verduras ou legumes. Estudo realizado com adultos em 11 municípios da região central do Rio Grande do Sul, observou que a maioria dos entrevistados realizavam suas compras de frutas e hortaliças uma vez por semana, e apenas 10% adquiriam esses alimentos diariamente29.
Para o consumo de verduras ou legumes a terceira barreira mais citada foi a “necessidade do preparo” e esta foi a quarta barreira mais prevalente no caso das frutas. Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, o enfraquecimento da transmissão de habilidades culinárias entre gerações favorece o consumo de alimentos ultraprocessados. Em contraste com estes alimentos, os alimentos in natura ou minimamente processados usualmente precisam ser selecionados, pré-preparados, temperados, cozidos, combinados a outros alimentos e apresentados na forma de pratos para que possam ser consumidos. Isso evidentemente requer tempo da própria pessoa ou de quem, na sua casa, é responsável pela preparação das refeições1. Os alimentos frescos e nutritivos, muitas vezes, requerem habilidades culinárias, são mais caros e necessitam mais tempo para serem preparados.
Não gostar do sabor para o consumo de frutas e de verduras ou legumes foi, das cinco barreiras investigadas nas questões fechadas, a que apresentou menor prevalência. Geralmente os alimentos com baixa densidade energética são menos palatáveis, e muitas hortaliças são consideradas como tendo sabor amargo, o que leva muitas pessoas a substituírem estes alimentos por outros mais agradáveis ao consumo e dificultam o seguimento das recomendações nutricionais30. Estudo de Pollard et al.31observou que as características sensoriais foram relatadas como um motivo importante para o menor consumo destes alimentos em indivíduos que não consumiam quantidades adequadas de frutas e de verduras ou legumes. Importante destacar que o “gosto” não é uma questão meramente biológica, mas é também uma construção social e histórica, uma vez que a cultura não indica somente o que é e o que não é comida, estabelecendo prescrições e proibições, mas também estabelece distinções sobre o que é considerado “bom” e “ruim”32. Assim, qualquer estratégia de promoção de alimentação saudável deve considerar este aspecto.
No presente estudo observou-se que as mulheres tiveram maior chance de apresentar as barreiras “o custo das frutas e verduras ou legumes pesam no orçamento da família”, a “necessidade de preparo” das verduras ou legumes, como também a “falta de tempo para ir ao mercado/feira com frequência” para comprar frutas frescas. A entrada das mulheres no mercado de trabalho principalmente a partir da década de 1970 e a dependência da participação da renda da mulher no sustento da família não a afastou da centralidade nos afazeres domésticos, gerando muitas vezes uma segunda jornada de trabalho33. Mesmo as mulheres que trabalham fora de suas residências ainda são as principais, quando não únicas, responsáveis pela seleção e aquisição dos alimentos e preparo das refeições, o que faz com que elas provavelmente tenham maior noção sobre o peso do custo da alimentação nos orçamentos familiares. O fato de terem, em média, menor tempo livre do que os homens, incluído aí o tempo para preparar as refeições, pode levar a escolhas que privilegiam a praticidade em detrimento da qualidade nutricional dos alimentos.
Os sujeitos com escolaridade de até quatro anos tiveram maior chance de referirem a barreira o “custo pesa no orçamento da família” para comprar frutas e verduras ou legumes, o que pode estar relacionado a salários mais baixos devido ao menor grau de escolaridade, o que também pode ter um efeito direto na taxa de empregabilidade. Os indivíduos sem companheiro tiveram maior chance de referirem à barreira “falta de tempo para ir ao mercado/feira com frequência para comprar frutas frescas”, o que talvez tenha acontecido por estas pessoas terem um maior acúmulo de funções e consequentemente, menor tempo para este tipo de atividade.
Quanto à raça/cor os sujeitos que se declararam com cor da pele parda/preta/indígena tiveram maior chance de apresentarem a barreira “não gostar do sabor de verduras ou legumes”, o que pode estar relacionado ao menor acesso deste grupo às frutas e verduras em outras fases do ciclo da vida. Porém, este achado precisa ser confirmado por outras investigações, inclusive para a construção de hipóteses mais sólidas que expliquem a relação encontrada neste trabalho.
Algumas características deste estudo devem ser destacadas. Primeiramente, o fato de ter sido realizado a partir de um estudo populacional, o que é um ponto importante frente a escassez de estudos sobre as barreiras percebidas para o consumo de frutas e de verduras ou legumes envolvendo grandes populações. No estudo de base populacional que aconteceu em 2011, não havia informações sobre barreiras percebidas para o consumo de frutas, verduras ou legumes. Elas foram inseridas na investigação de 2015, que buscou todos os sujeitos que haviam participado em 2011. Assim, é preciso cautela ao se fazer generalizações, pois não se pode afirmar que a amostra pesquisada em 2015 é representativa da população atual de Cambé, PR.
Um ponto positivo foi o processo de construção do instrumento em diferentes etapas, conforme descrito na metodologia, e ter se observado no momento da coleta de dados ser de fácil aplicação e entendimento pela população estudada. No entanto, sugere-se que em investigações com populações específicas se considere a possibilidade de investigar outras barreiras, específicas de cada contexto. Por exemplo, em população de idosos, limitações dentárias que dificultem ou impeçam o consumo de determinados alimentos; em população de trabalhadores, questões relativas ao processo de trabalho tais como o tempo disponível para alimentação, número de intervalos, acesso aos alimentos no próprio local de trabalho, etc.
Também é preciso destacar que a investigação de barreiras auto referidas para o consumo de frutas, verduras ou hortaliças necessita da utilização de diferentes métodos e abordagens. Questões em formulário de pesquisa podem revelar parte do fenômeno, mas são insuficientes para explicar completamente um fenômeno tão complexo e subjetivo. Assim, estudos que utilizem outros métodos, incluindo análises qualitativas, podem ser de grande importância e podem envolver não apenas o estudo dos sujeitos mas também de elementos como a publicidade.
Os resultados podem ajudar na orientação de políticas públicas que objetivem o aumento do consumo de frutas, legumes e verduras. As estratégias para a promoção de uma alimentação saudável precisam levar em consideração os hábitos alimentares da população, a acessibilidade ao alimento, a conveniência, a variedade local de alimentos, os preços dos alimentos, pois são barreiras importantes para a manutenção de uma dieta saudável e para mudanças de comportamento alimentar.
É imprescindível um envolvimento dos diversos setores, para além do setor saúde. As ações devem ser integradas e complementares e envolver não apenas mudanças nos indivíduos e famílias, mas também políticas públicas para mudanças em setores como a publicidade dos alimentos, na economia e na agricultura, buscando diminuir os custos e aumentar a oferta destes alimentos, até o enfrentamento da questão do consumo alimentar inadequado para a saúde pelo Sistema Único de Saúde e pelo setor Educação.
Ademais, é preciso considerar, como destacam Burlandy et al.34 que a intersetorialidade não pode ser desvinculada de um processo político que problematize os critérios de participação dos diferentes “atores”, pois não considerar este aspecto pode levar ao favorecimento de interesses comerciais em detrimento ao interesse público. Assim, a promoção de alimentação saudável deve se dar buscando um olhar ampliado do fenômeno, fugindo de práticas simplistas de aconselhamento ou prescrição descontextualizadas das realidades dos sujeitos e famílias.