versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.22 no.4 Rio de Janeiro out./dez. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201400040006
The indiscriminate use of an increasing number of chemicals is growing and associated environmental contamination has brought serious consequences for the public health system due to rising damage to human health. One of the substances that have attracted great interest due to contemporary contamination is benzene, aromatic compound classified by International Agency for Research on Cancer as a carcinogen known. The aim of this study was develop and discuss an overview of the contamination by benzene, its metabolism, health endings and their environmental and biological determination based on literature data existing. The survey provided access to more than 200 scientific papers, both nationally and internationally, demonstrating the relevance of the topic and the need to minimize human exposure to this substance. The majority is concerned with exploring the metabolism and investigates indicators of exposure, many already widely studied and with serious limitations. However, a growing number of researchers are committed to elucidate factors related to interference susceptibility and exposure on protein and genetic material. Indicators of innovative exhibition has been proposed with the aim of complementing gaps of information previously obtained, contributing to the design of the structure of the organ biology systems upon exposure to benzene.
Key words: benzene; environmental exposure; toxicity; biological indicators
O número de substâncias químicas (xenobióticos) utilizadas em atividades domésticas e industriais, com as quais temos contato por meio das mais variadas vias, cresce continuamente, e o comprometimento da qualidade da saúde de uma população está diretamente relacionado com as relações sociais e o ambiente. Atualmente, pode-se afirmar que estes são delineados pelos processos produtivos adotados que distribuem possibilidades diferenciadas de exposição a agentes, cargas e riscos1. O avanço na frequência dessa exposição é um dos responsáveis pelo aumento de registros de patologias humanas atualmente observadas, ocupando posição de destaque na saúde pública, com consequentes reflexos sobre sistemas públicos de saúde2.
A contaminação dos diversos segmentos ambientais por esses xenobióticos consiste na principal via de exposição da população em geral, dada a sua presença no ar, alimentos, solo e água3 - 5. Desta forma, são necessários estudos específicos que proporcionem conhecimento das variáveis existentes em cada situação e permitam realizar avaliação completa dos riscos e prevenção dos agravos à saúde advindos dos ambientes contaminados3 , 6 - 8.
Uma das substâncias que requerem atenção dos pesquisadores devido à toxicidade e ampla presença é o benzeno, um hidrocarboneto aromático largamente utilizado como matéria-prima para diversos produtos, como detergentes, gasolina e plásticos9 - 13.
O objetivo deste trabalho foi avaliar abordagens dos diversos estudos cujo tema principal foi a exposição ao benzeno e seus diversos danos à saúde humana. Realizou-se compilação dos biomarcadores utilizados para a determinação da exposição e principais técnicas analíticas atualmente empregadas.
Foram consultadas as bases de dados eletrônicas Medline, PubMed e Scielo, as quais têm ampla abrangência, possibilitando a inclusão de todos os artigos originais indexados retrospectivamente até o ano 1989, quando foram datados registros oficiais sobre o benzeno. Utilizou-se o termo de busca "benzeno" com exposição, metabolismo, câncer, DNA, suscetibilidade, leucemia, revisão, toxicidade, biomarcadores e legislação, além de suas versões em inglês. Contemplaram-se artigos tanto em inglês quanto em português, desde que disponibilizados eletronicamente na íntegra no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Ao fim das pesquisas em cada base, as referências duplicadas foram excluídas.
O processo de pesquisa foi realizado entre os anos 2013 e 2014. Foram selecionados 224 artigos, qualificados, de acordo com os resumos, como possíveis candidatos a fornecer embasamentos técnico-científicos, segundo o conteúdo de caráter inédito, por meio de estudos observacionais (estudos de caso-controle e de coorte) ou que compilavam informações relevantes sobre o assunto em forma de revisões. Os trabalhos que não apresentavam a metodologia adotada para a obtenção dos resultados de forma clara e que não estava disponível na íntegra foram excluídos.
Os resumos foram compilados, analisados e classificados separadamente por dois pesquisadores como "fora do escopo" ou "dentro no escopo", de acordo com critérios de inclusão e exclusão estabelecidos e citados. Após a leitura completa de cada resumo, cerca de 150 artigos foram selecionados e utilizados como base teórica para a elaboração do presente trabalho.
O benzeno é uma das substâncias mais produzidas em quantidade e diversidade, presente na composição de óleos naturais, gasolina e fumaça de cigarros14 , 15. Por sua ação carcinogênica, exige maior controle e precaução, admitindo-se que para substâncias carcinogênicas e genotóxicas não há limite seguro de exposição16 - 18.
No passado, o benzeno teve ampla utilização, inclusive como loção pós-barba por seu aroma adocicado19. Foi adicionado à gasolina como aditivo, temporariamente substituído pelo chumbo tetraetila20 e retomado até agora21 , 22. No Brasil, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), por meio da resolução n° 40, de 25/10/2013, determina o máximo de benzeno de 1% em volume, na gasolina do tipo C ou Premium tipo C23.
Em geral, a população está exposta ao benzeno pela inalação de ar contaminado. A sua presença na atmosfera vem sendo registrada em áreas industriais, ambientes urbanos e rurais, sendo ele considerado contaminante global3 , 24 - 27.
Os efeitos tóxicos sobre o organismo fizeram com que o benzeno tivesse sua concentração no ar de ambientes de trabalho, ou mesmo na atmosfera, regulada em diversos países, minimizando a exposição crônica. A União Europeia28 definiu como limite para a exposição ocupacional o valor de 1 mg dm- 3 e a American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH) estabeleceu que o limite de Threshold limit value - Time weighted average (TLV-TWA) era 0,5 mg dm- 3 (média ponderada por 8 horas de exposição)29.
A concentração atmosférica desse contaminante varia conforme a localização das fontes emissoras. Assim, locais próximos ou com aglomeração de várias fontes, tanto pontuais quanto difusas, apresentam concentrações mais elevadas30 - 32, superiores a 10 mg/dm3. Moradores que residem ou trabalham no entorno de indústrias químicas, postos de gasolinas, oficinas mecânicas e de exploração petrolífera estarão sujeitos à exposição ambiental mais elevada deste xenobiótico do que a recomendada pelos órgãos regulamentadores26 , 33.
Além da contaminação atmosférica, há estudos que descrevem a existência da contaminação de outros compartimentos ambientais, como água e solo, por vazamentos oriundos de tanques das indústrias petroquímicas e de postos de armazenamento e distribuição de combustíveis. Brito et al. relataram que em 2005 o Brasil havia registrado cerca de 30.000 postos de combustíveis, dos quais 20 a 30% possuíam pequenos e contínuos vazamentos em virtude do envelhecimento dos taques de estocagem. Essa falha atinge principalmente a população que reside próximo a eles e muitas vezes consome água proveniente de poços artesianos34 - 37.
Essa fonte de contaminação é preocupante devido ao benzeno ser um hidrocarboneto monoaromático, possuindo ligeira solubilidade em água, o que possibilita a chegada deste xenobiótico com maior facilidade ao lençol freático35. O contato com o benzeno por via oral pode ocorrer de forma direta, pela ingestão de água contaminada, consumo de alimentos irrigados por ela ou que a utilizaram no preparo.
Contudo, a Agência de Proteção Ambiental Norte-americana (EPA) estabelece os limites máximos para a concentração de benzeno em 5 μg/L para água potável38. No Brasil, a portaria nº 2914, de 12 de dezembro de 2011, segue o mesmo valor para os limites máximos permitidos em água classificada como potável39. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), na resolução n° 396, de 3 de abril de 200840, estabelece que o valor máximo de benzeno permitido em água subterrânea para consumo é 5 μg/L e para recreação, 10 μg/L. Estes limites máximos de valores de concentração permitem que os riscos potenciais de exposição ao benzeno sejam minimizados.
No Brasil, a preocupação com exposição de grupos populacionais ao benzeno teve início com denúncias pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Santos (SP), na década de 1980, de casos de leucopenia em trabalhadores da Companhia Siderúrgica Paulista (COSIPA), em Cubatão41.
As principais fontes produtivas de benzeno no Brasil estão concentradas nos centros de produção petroquímica e refino de petróleo, responsáveis por aproximadamente 95% da produção nacional42.
Em 1993 foi realizado, em Belo Horizonte, o "Seminário Nacional sobre Exposição ao Benzeno e outros Mielotóxicos", que posteriormente resultou na revisão da Norma Regulamentadora do Trabalho (NR) n° 15, em seu tópico relativo ao benzeno43.
No ano seguinte, uma Comissão Tripartite (portaria 10 de 8 de setembro de 1994) da qual participavam representantes dos Ministérios do Trabalho, Saúde e Previdência Social, dos Empregadores e dos Trabalhadores criou a Comissão Nacional Permanente do Benzeno, e em 28 de setembro de 1995 foi pactuado o Acordo sobre o Benzeno44 , 45. Também ficou definido que a Valor de Referência Tecnológico ponderada pelo tempo (VRT-MTP), que é calculado pela concentração média ponderada pelo tempo, medida na zona respiratória, para jornada de 8 horas, fosse estabelecida em 2,5 ppm para siderúrgicas e 1,0 ppm para outras indústrias.
De acordo com Norma Técnica do Ministério da Saúde de 2006, a análise dos riscos relacionados a agentes químicos é atividade prioritária para qualificar intervenção na vigilância em saúde, e reconhece que a complexidade desta atividade não deve se restringir meramente a uma determinação da concentração ambiental à qual a população está exposta46.
Estudos científicos relacionados ao benzeno, desenvolvidos em âmbito nacional a partir do ano 2000, evidenciam a crescente preocupação com exposição e possíveis consequências para a população em geral. Esta coletânea de trabalhos compreende desde a avaliação ambiental utilizando como matriz o ar47 - 49, ou a água e alimentos21, à avaliação biológica dos biomarcadores em urina16 , 50 - 54 e sangue55. Outros trabalhos foram direcionados para a verificação da suscetibilidade da população por meio de um estudo de polimorfismo56 , 57 e avaliação dos efeitos genotóxicos associados à exposição ao benzeno58 - 61 e os demais desfechos62 , 63.
As principais formas de introdução do benzeno no organismo são as vias respiratória (vapores) e oral (alimentos e água). A via cutânea é mais rara, sendo necessário contato dérmico com essa substância na forma líquida, porém, quando ocorre, possui alto índice de absorção33. Em termos de saúde pública, a via de contaminação com maior relevância é a respiratória e a maior parte do benzeno inalado é eliminada pela expiração, ficando a parte que é absorvida acumulada principalmente em tecidos com alto teor lipídico64. Após a absorção, a metabolização do benzeno ocorre preferencialmente no fígado, conforme representado nas Figuras 1 e 2. No processo de excreção dos metabólitos gerados, o rim é o principal responsável por tal função26.
Figura 1. Representação do metabolismo do benzeno em humanos e de seus metabólitos capazes de reagir com macromoléculas, formando adutos
A primeira etapa do metabolismo envolve participação de enzimas da família do citocromo P450 2E1 (CYP2E1), levando à formação de um intermediário eletrofílico reativo65 - 68, o óxido de benzeno (BO), que possui tempo de meia-vida in vivo estimado em 7,9 minutos15 , 69. Esse metabólito tem a capacidade de se ligar covalentemente com sítios nucleofílicos de proteínas e DNA65 e pode sofrer nova metabolização, gerando novos metabólitos reativos (muconaldeídos e benzoquinonas), que ainda detêm a capacidade de ligação ao DNA e às proteínas65. Também promove aumento na formação de espécies reativas de oxigênio (EROs) que comprometem o sistema antioxidante, gerando estresse oxidativo60 , 70 - 72. Os adutos formados nas reações entre óxido de benzeno e macromoléculas (proteínas ou DNA)15 , 73 , 74 são considerados pré-cancerígenos75 - 77.
O óxido de benzeno espontaneamente se transforma em fenol in vivo, metabolizado posteriormente com participação da CYP2E1, à hidroquinona considerada precursora de metabólitos mielotóxicos78. As benzoquinonas também são capazes de formar adutos de DNA em sistemas celulares e humanos13. Esses adutos podem gerar desde mutações proto-oncogenes ou formação de genes supressores de tumor à iniciação de processos de carcinogênese química79, como exemplificado na Figura 3.
Figura 3. Representação esquemática da síntese de proteína a partir do DNA ligado a um carcinógeno (estrela vermelha). A mutação ocorrida no DNA gera um RNA modificado, que posteriormente é traduzido em proteína modificada. Essa pode resultar em uma expressão aumentada ou diminuída da proteína ou em uma síntese de proteína modificada, com a possibilidade de levar a uma proliferação exacerbada de células modificadas e, consequentemente, ao desenvolvimento do tumor
Suspeita-se que na presença concomitante do fenol e hidroquinona no organismo ocorra interação farmacocinética, resultando em aumento na toxicidade dos metabólitos e diminuição das células da medula óssea de camundongos80. A presença da hidroquinona no organismo pode promover a inibição da ribonucleotídio redutase, uma enzina essencial para a síntese de DNA69.
Os adutos produzidos por reações desses metabolitos reativos com albumina, hemoglobina ou com DNA têm sido utilizados para avaliação da exposição e relacionados com efeitos tardios à saúde, como o desenvolvimento da leucemia15 , 73 , 81 - 83.
O aduto S-(2-hidroxiciclohexa-3,5-dien-1-ila) cisteína da albumina, por exemplo, pode ser detectado no sangue até um mês após a sua formação, e quando a proteína é a hemoglobina, até quatro meses. Apesar de menor estabilidade in vivo, o aduto formado com albumina é geralmente preferido como biomarcador quando a exposição é curta, visto ser mais abundante que aquele formado com hemoglobina84, e se acumula ao longo de três a quatro semanas73. O aduto produzido na ligação do óxido de benzeno à albumina (BO-Alb), outro potencial biomarcador, tem tempo de meia-vida de 21 dias, limitando a sua utilização como aqueles formados pelas benzoquinonas15.
Devido à participação de várias enzimas nas rotas metabólicas do benzeno, diferenças genéticas podem alterar sua eficiência, com consequente aumento ou diminuição da concentração de metabólitos toxicologicamente relevantes. Estudos indicam que os polimorfismos das glutationa S-transferase (GSTT1, GSTM1) e citocromos P450 (CYP2E1) têm grande importância neste processo26 , 85 - 88 e, sendo características individuais, estas variações devem ser consideradas nas avaliações dos impactos potenciais sobre a saúde de grupos populacionais.
Além da determinação dos adutos, outros indicadores utilizados na avaliação da exposição, como o ácido trans,trans-mucônico (ttAM) e o ácido S-fenilmercaptúrico (S-PMA), metabólitos alifáticos eliminados pela urina33. A avaliação biológica em diferentes matrizes usualmente utiliza biomarcadores distintos, como o próprio benzeno no ar expirado, o ttAM ou o S-PMA na urina e adutos de DNA ou de proteína no sangue89 - 91.
Os fatores limitantes para a determinação da escolha do bioindicador a ser utilizado na avaliação biológica são o tempo de permanência no organismo após a exposição, a sensibilidade de cada um frente à exposição a baixas concentrações33 , 92 , 93 e disponibilidade instrumental. A avaliação biológica deve considerar informações a respeito da coleta do material a ser analisado, como o momento da coleta6.
Rappaport et al.25 apresentaram o conceito de que o metabolismo do benzeno ocorre por duas vias, ainda sem a clareza de todo o mecanismo envolvido. Outros estudos observaram que a curva da dose específica relacionada à formação dos metabólitos totais frente à exposição de altas concentrações de benzeno (>1 ppm) atinge um platô justificado por saturação no metabolismo, o que inviabiliza a relação direta da formação de metabólitos com a dose de benzeno que o indivíduo está exposto13 , 94.
A exposição crônica a baixas concentrações de benzeno está associada a enfermidades como anemia aplástica e leucemia10 , 95 - 97. Há também estudos que sugerem que tal exposição em diferentes concentrações podem aumentar o risco de desenvolver linfoma não-Hodgkin14 , 95 , 98 - 100, mieloma múltiplo95 , 98 , 101 e várias outras desordens hematopoiéticas. Encontram-se relatos de que a exposição média de oito a nove horas por dia por um longo período induz a alterações de cromossomas anormais que levam à má formação do feto ou até mesmo à infertilidade do homem102 - 104.
Outros efeitos resultantes da exposição aguda são dor de cabeça, fadiga, tontura, irritação das mucosas, convulsões, excitação, depressão e, eventualmente, morte por falência respiratória105 , 106. A medula óssea é o principal órgão alvo de sua toxicidade4 , 107.
Rejeitos contendo benzeno, bem como os responsáveis por sua remoção e/ou biodegradação, são responsáveis pelas concentrações encontradas nos diversos tipos de ambientes (urbano, rural e indoor). Sua permanência na atmosfera é limitada por reações com radicais hidroxilas (.OH), que fazem com que esse tempo seja de apenas algumas horas ou dias108. Entretanto, habitações situadas na vizinhança de indústrias ou outros locais onde se utiliza o benzeno sob a forma pura ou não, constituem situações preocupantes para a contaminação da população residente. O solo e as águas também podem ser contaminados por rejeitos industriais e vazamento de tanques de gasolina33 , 109 - 111.
Para controle de benzeno na atmosfera, a ACGIH adota como controle para exposição os seguintes parâmetros e valores: média ponderada pelo tempo para 40 horas de exposição (time-weighted average - TWA) de 0,5 ppm; e concentração máxima (short-term exposure level - STEL/Teto) de 2,5 ppm29.
A avaliação biológica é um instrumento importante na determinação da seriedade ou não da contaminação. Para isto se usa a comparação com o Valor de Referência da Normalidade, que no Brasil é definido pela NR-7 do Ministério do Trabalho e Emprego, como o valor do agente químico ou de seus metabólitos possíveis de serem encontrados em populações não ocupacionalmente expostas112.
A Associação Brasileira de Higienistas Ocupacionais ratifica os valores de referência adotados pela ACGIH, que prescreve como indicadores da exposição ocupacional ao benzeno a determinação dos ácidos S-PMA e t,t-mucônico, ambos a partir de amostra de urina coletada ao final da jornada de trabalho, e estabelece como Indicador Biológico de Exposição (BEI) os valores 25 µg/g de creatinina e 500 µg/g de creatinina respectivamente29.
Em linhas gerais, a avaliação biológica permite o diagnóstico dos desvios das condições padrões do ambiente; a avaliação dos hábitos próprios de cada indivíduo; a estimativa da dose absorvida, evidenciando melhor os efeitos sobre a saúde do que a concentração ambiental; a identificação de outras vias de absorção, como a cutânea; e o acompanhamento das diferenças individuais que tornam algumas pessoas mais vulneráveis a determinados compostos químicos, seja devido a fatores endógenos (constituição genética, antropométricos, estado de saúde) e/ou exógenos (hábito de fumar, dieta alimentar, coexposição)93.
Por meio da portaria nº 34, de 20 de dezembro de 2001, do Ministério do Trabalho e Emprego113 ficou estabelecido que a monitorização da exposição ao benzeno deve ser realizada através da determinação da concentração do ttAM presente na urina114 , 115 e tem valor limite urinário de 500 µg/g de creatinina29. Segundo o estudo realizado por Coutrim et al.16, a concentração máxima deste metabólito no organismo ocorre 5,1 horas após uma jornada de trabalho (6 a 8 horas), sendo apenas 3,9% do benzeno absorvido excretado sob tal forma na urina16.
O ttAM é um indicador sensível à exposição mesmo às baixas concentrações ambientais. No entanto, a utilização deste ácido como indicador biológico apresenta certa fragilidade, uma vez que já é conhecido uma série de interferentes que fazem os valores destes aumentar116 - 118, como a ingestão de ácido sórbico e seus sais, muito utilizados na indústria alimentícia119 , 120, e de bebida alcoólica121, o tabagismo6 , 122, ou a exposição simultânea ao tolueno123 , 124 e aos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs)16 , 125.
Existem diversas técnicas preconizadas para a determinação do ttAM, como a cromatografia gasosa com detecção por espectrometria de massas (CG-MS) ou por ionização em chama (CG-FID), a eletroforese capilar e a cromatografia líquida de alta eficiência com detecção por absorção no UV (HPLC-UV) ou espectrometria de massas (HPLC-MS) ou espectrometria de massas sequencial (HPLC-MS/MS)115 - 127. As duas primeiras técnicas supracitadas têm como desvantagem a necessidade de uma etapa de derivatização, que é um procedimento dispendioso, demorado e com rendimento variável115.
Entretanto, uma grande limitação ao uso do ttAM como indicador biológico de exposição se deve ao fato de que exposições a baixa concentração de benzeno podem gerar variação no nível deste metabólito na urina por conta de diferenças individuais no metabolismo do benzeno que fazem com que a curva dose/resposta não seja linear16.
Assim como o ttAM, o ácido S-PMA é um metabólito alifático excretado pela urina, sendo que apenas 0,11% do benzeno absorvido é biotransformado neste produto. O tempo de meia-vida de eliminação é de aproximadamente 10 horas, o que o torna um forte candidato a biomarcador de exposição devido ao fato de ter permanência maior quando comparado ao ttAM no organismo. O seu nível na urina não sofre interferência da dieta, porém, assim como o ttAM, o hábito de fumar atua como fator de confundimento nas análises do S-PMA, cujo valor limite urinário é de 25 µg/g de creatinina29.
O método empregado para a determinação do S-PMA deve ter eficiência o suficiente para detectar pequenas variações nos níveis urinários, uma vez que este metabólito encontra-se em baixas concentrações.
As técnicas descritas para a sua determinação são o Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay (ELISA), a cromatografia gasosa com detecção por espectrometria de massas (CG-MS) ou por captura de elétron (GC-ECD) ou por fluorescência, e a cromatografia líquida de alta eficiência, com detecção por espectroscopia de absorção UV (HPLC-UV) ou por fluorescência, ou espectrometria de massas (HPLC-MS) ou espectrometria de massas sequencial (HPLC-MS/MS)6 , 16 , 128 - 131. Assim como na análise do ttAM, a técnica que emprega a cromatografia gasosa necessita que haja uma etapa prévia de derivatização, que, como já citado anteriormente, é um procedimento dispendioso e com rendimento variável. Além disso, há a necessidade de uso do diazometano, classificado como substância carcinogênica115 , 128.
É importante ressaltar que os indicadores descritos nas distintas matrizes devem ser entendidos como um valor útil para a prevenção de possíveis enfermidades, porém não expressam a certeza da ocorrência de um desfecho mesmo com o indivíduo exposto a altas concentrações de benzeno. Tal acontecimento se justifica pela complexidade e variabilidade orgânicas de cada indivíduo e pelo tipo de exposição ao qual está submetido.
Entretanto, a relação entre os dados obtidos pelas medidas desses indicadores de dose interna e os efeitos sobre a saúde não é direta, uma vez que vários fatores genéticos e ambientais interferem nesse processo. Alguns deles, como o polimorfismo enzimático, já foram discutidos anteriormente.
Os adutos formados com DNA, hemoglobina ou albumina têm sido utilizados atualmente como biomarcadores da dose efetiva60 , 82 , 132. Dentre estes, os adutos de proteínas podem ser considerados os que expressam mais fidedignamente a relação entre a exposição e o dano por ela causado, devido ao fato do organismo não ter capacidade de reparar esta alteração (dano irreversível). Ao contrário, para o aduto de DNA o organismo possui sistemas de reparação que restauram a estrutura do DNA, como representado na Figura 4. Além disso, os adutos formados com proteínas são muito mais abundantes do que os formados com o DNA, isto é, cada 1 mL de sangue contém cerca de 150 mg de hemoglobina, 30 mg de albumina, que está presente no soro, e 0,003 a 0,008 mg de DNA74.
Na detecção e quantificação dos adutos de DNA, as técnicas atualmente utilizadas são os imunoensaios, a marcação com fósforo radioativo (32 P- Postlabelling) e a cromatografia líquida de alta eficiência acoplada a detectores de massa sequenciais (HPLC/MS/MS)81.
Os imunoensaios utilizam anticorpos retidos em uma placa capazes de reconhecer e se ligar aos adutos de DNA ou ao DNA modificado presentes em fluidos biológicos. Dependo do tipo de ligante utilizado, quando ocorre a ligação, alguns emitem luminescência e outros promovem a mudança na coloração, que pode ser visualizada pela observação da absorvância da luz emitida por um espectrofotômetro. Porém, a ligação que deveria ser específica para cada estrutura de aduto pode ocorrer com estruturas semelhantes, levando a interpretações equivocadas dos resultados, sendo esta uma das principais limitações dessa técnica76.
Outra técnica utilizada é a imuno-histoquímica, que permite a visualização de danos no DNA em amostras de tecidos parafinados, caso os adutos formados sejam quimicamente estáveis. Os adutos são semiquantificados por sistemas computacionais acoplados à microscopia eletrônica76.
Tais técnicas têm como vantagens: ótima sensibilidade; quantificação por curva de calibração; permitem a "localização" dos adutos e o uso de amostras de tecido humano; e possibilitam analisar elevado número de amostras com boa relação custo-benefício. Como desvantagens é possível descrever: a reação cruzada dos anticorpos com adutos similares; baixa especificidade; necessidade de número elevado de controles; e o fato de ser uma análise semiquantitativa76. Os imunoensaios são capazes de detectar 1 aduto a cada 108 nucleotídeos analisados em uma alíquota de 1 a 100 µg de DNA133.
A técnica da marcação com fósforo radioativo (32P- Postlabelling) é uma análise qualitativa que consiste na hidrólise enzimática do DNA com a nuclease micrococalfosfodiesterase, uma endo-exonuclease que digere preferencialmente ácidos nucleicos de cadeia simples. Em seguida, essa mistura passa pelo processo de separação pela cromatografia líquida de alta resolução (HPLC) e a fração de interesse é identificada e recolhida. Esta fração na presença da nuclease P1 ou butanol promove a formação dos 3´-nucleosídeos monofosfatos, que, em contato com a [γ-32P] -ATP, geram o produto denominado 5´-32P-desoxirribonucleosídeos-3´,5´-bifosfato, identificado pela cromatografia em camada delgada. Esta técnica possui alta sensibilidade e não requer equipamento de elevado custo. Porém, a estrutura molecular do aduto não é identificada, além de utilizar material radioativo durante o processo, que é relativamente dispendioso134. A técnica de 32P- Postlabelling permite a detecção de 1 aduto a cada 109 a 1010 nucleotídeos analisados em uma alíquota de 1 a 10 µg de DNA, sendo considerada de excelente sensibilidade133.
A MS, em conjunto com a separação cromatográfica, seja líquida ou gasosa (LC ou GC), é uma técnica analítica de grande importância para a identificação e quantificação de adutos de DNA presentes em uma amostra. Ela fornece o tempo de retenção, a relação massa/carga (m/z) e informações sobre a abundância dos íons da fragmentação das substâncias que são comparados com uma coleção de informações contidas na biblioteca do software ou com o padrão isotópico, que é um conjunto das abundâncias relativas dos diferentes isótopos de um elemento químico adicionado durante o preparo da amostra135. Esta técnica possui ótima sensibilidade, porém requer equipamento de alto custo e técnicos com habilidades para o seu manuseio e interpretação dos resultados gerados76.
A MS sequencial com ionização do tipo eletrospray e detector do tipo triplo quadrupolo tem capacidade de detectar 1 aduto a cada 107 a 108 nucleotídeos analisados em uma alíquota de 10 a 100 µg de DNA, o mesmo observado pela análise por cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) com detecção eletroquímica ou fluorescência133.
Para a detecção e quantificação dos adutos de proteína, a técnica mais comumente empregada é a cromatografia gasosa ou líquida acoplada à espectrometria de massa, sendo o princípio o mesmo descrito para o aduto de DNA, no qual o tempo de retenção, a relação massa/carga (m/z) e informações sobre a abundância dos íons da fragmentação das substâncias são comparados a uma coleção de informações contida na biblioteca do software ou com o padrão isotópico adicionado durante o preparo da amostra para a elucidação do aduto presente na amostra135.
As técnicas cromatográficas, principalmente a HPLC/MS/MS, têm sido atualmente as que têm demonstrado maior avanço, ampliando consideravelmente as suas aplicabilidades na determinação de adutos.
As legislações atuais mostram grande preocupação com a exposição ambiental ou ocupacional ao benzeno e apresentam tendência de restringir cada vez mais os níveis permitidos de exposição, sendo um consenso à necessidade de substituir a utilização do benzeno a fim de erradicar a sua presença maciça nos aglomerados urbanos e rurais. Porém, a atual demanda de petróleo e de seus derivados dificulta essa tarefa.
Estudos desenvolvidos recentemente têm agregado novos achados e indicadores de suscetibilidade resultantes do maior conhecimento da toxicocinética e da toxicodinâmica do benzeno. Uma busca simplificada feita em uma única base de pesquisa, o PUBMED, utilizando como descritores os termos benzene exposure, benzene metabolism, benzene cancer, benzene DNA e benzene susceptibility resultou em cerca de 800, 2.000, 500, 300 e 100 artigos publicados nos últimos cinco anos, respectivamente, sendo que cerca da metade deles reportam estudos em humanos.
Os dados demonstram a atualidade do tema, visto que ainda há muito a ser esclarecido tanto sob o ponto de vista clínico, quanto genético ou analítico. Por isso, as ações do benzeno sobre o organismo humano e seu controle têm sido explorados por um amplo número de pesquisadores voltados para a elucidação de cada etapa do metabolismo e, principalmente, para a suscetibilidade individual ao benzenismo. Em todos esses casos a necessidade de se conhecer mecanismos de advertência e de controle é fundamental.
Assim, a perspectiva futura das pesquisas científicas é desenvolver metodologias que utilizem indicadores ainda mais específicos ou que permitam identificar populações mais vulneráveis para, assim, minimizar a carga de exposição, prever e evitar os possíveis danos em saúde. Novos indicadores devem ser implementados com o objetivo de complementar as lacunas de informações existentes e contribuir para o entendimento mais aprofundado da biologia de sistemas do ser humano.