Compartilhar

Binge drinking e beber frequente ou pesado entre os adolescentes: prevalência e fatores associados

Binge drinking e beber frequente ou pesado entre os adolescentes: prevalência e fatores associados

Autores:

Lara Silvia Oliveira Conegundes,
Juliana Y. Valente,
Camila Bertini Martins,
Solange Andreoni,
Zila M. Sanchez

ARTIGO ORIGINAL

Jornal de Pediatria

versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782

J. Pediatr. (Rio J.) vol.96 no.2 Porto Alegre mar./abr. 2020 Epub 11-Maio-2020

http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2018.08.005

Introdução

No Brasil a média de idade para o primeiro consumo é de 12,5 anos,1 metade dos adolescentes de 13 a 15 anos já bebeu alguma vez na vida.2 Algumas evidências sugerem que quanto mais precoce o início do consumo do álcool, maior a chance de desenvolver padrões nocivos de uso no futuro.3 Para a prevenção desses agravos é fundamental o reconhecimento dos padrões de consumo de álcool que têm despertado maior preocupação no campo da saúde pública: 1) binge drinking (BD) ou beber pesado episódico, definido pelo consumo alcoólico de cinco ou mais doses em uma mesma ocasião;4 2) beber frequente (BF), definido pelo consumo de uma dose de álcool em seis a 19 dias do mês e 3) beber pesado (BP), definido pelo consumo em 20 dias ou mais do mês.5

No Brasil, 32% dos estudantes entre 14 e 18 anos relataram terem feito BD no último ano6 e 8,9% dos estudantes de 10 a 18 anos relataram ter bebido pesadamente no último mês.7 Nos Estados Unidos, o BD já foi apontado como responsável por cerca de 90% do consumo alcoólico entre menores de idade.8 Considerando que o adolescente ainda vive em uma fase de amadurecimento cerebral,9 o consumo de álcool nessa faixa etária pode acarretar sérias consequências: aumento das taxa de atendimentos hospitalares e emergenciais,10 maior risco de suicídio, de envolvimento em acidentes e em episódios de violência conjugal.11

Estudos têm demonstrado que o uso de álcool na adolescência pode estar associado com uma série de fatores individuais e ambientais.1 Dentro dos fatores ambientais, a família tem se mostrado como tendo papel fundamental na proteção e no risco ao consumo alcoólico dos adolescentes.12,13 No âmbito escolar, estudos mostram que o abuso de álcool por adolescentes está associado ao aumento da violência,8 especialmente da prática de bullying,14 e a um pior desempenho escolar.11 Importante destacar que o abuso de álcool na adolescência também está associado ao uso precoce de tabaco e de drogas ilícitas,15 o que potencializa os seus efeitos danosos.

Apesar de os danos causados pelo álcool na adolescência serem bastante evidentes na literatura científica, ainda são poucos os estudos brasileiros que procuram compreender o impacto dos diferentes padrões de consumo de álcool no desenvolvimento dos adolescentes (BF e BP). Considerando que o Brasil tem uma cultura bastante particular relacionada ao consumo de álcool, com alta permissividade de consumo e fraco controle regulatório da promoção e venda de bebidas alcoólicas,16 faz-se necessário o investimento em estudos brasileiros que deem conta de compreender essa realidade. Pode, assim, fornecer subsídios para a construção de medidas preventivas escolares que sejam baseadas em evidências brasileiras, que levem em conta a influência cultural no consumo de álcool por adolescentes. Para tanto, o objetivo deste estudo foi identificar os principais fatores sociodemográficos, escolares e familiares associados ao BD, BF/BP entre estudantes brasileiros recém entrados na adolescência.

Material e métodos

Este é um estudo transversal, aninhado em um ensaio controlado randomizado, que usou os dados da coleta inicial de uma avaliação de programa escolar de prevenção ao uso de drogas denominado #Tamojunto. A amostra é probabilística de estudantes dos 7° e 8° anos de 72 escolas públicas de seis cidades brasileiras (São Paulo, Distrito Federal, São Bernardo do Campo, Florianópolis, Fortaleza e Tubarão). O #Tamojunto é uma adaptação, conduzida pelo Ministério da Saúde em parceria com a UNODC do Brasil (United Nations Office on Drugs and Crime), do programa europeu Unplugged, desenvolvido e testado pela EU-Dap (European Drug Addiction Prevention Trial).17

Os municípios foram selecionados pelo Ministério da Saúde e as escolas foram selecionadas por sorteio aleatório simples a partir do total de escolas dessas séries, de cada cidade, através de lista do Inep (Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) em quantidade proporcional ao total de alunos matriculados em cada cidade. Entre as escolas sorteadas para participar o estudo, um segundo sorteio aleatório simples determinou se cada escola seria alocada ao grupo de controle ou intervenção, para manter um índice de alocação de 1:1 por município. O grupo intervenção recebeu 12 aulas do programa #Tamojunto e o grupo controle não recebeu intervenção. A randomização foi feita no nível da escola através de macro do Excel [comando RAND]. Em cada escola, todas as turmas de oitavo ano foram incluídas. Nos municípios de Florianópolis, Tubarão e Fortaleza, a pedido das Secretarias de Municipais Ensino, foram incluídos também os sétimos anos, devido à transição do novo regime escolar estabelecido no Brasil. Os dados iniciais foram coletados nos dois grupos duas semanas antes do início da implantação do programa.

Este estudo foi registrado no Rebec (Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos), do Ministério da Saúde do Brasil, sob o número RBR-4mnv5 g e seu protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (protocolo #473.498).

Amostragem

A amostra foi composta por 6.387 estudantes dos 7° e 8° anos de ensino fundamental II de 261 turmas de 72 escolas públicas das seis cidades.

O tamanho da amostra foi calculado para estudos longitudinais,18 com um poder de 80%, nível de significância de 5% e uma redução média prevista de 1,5% na prevalência de BD estimada em 5%. Como foram 2.835 para cada grupo (intervenção e controle), gerou-se um total necessário para estudo de 5.670 estudantes. Após definição do tamanho da amostra necessária, calculou-se uma média de quatro turmas por escolas e assim sortearam-se 40 escolas em cada braço. O flowchart com dados das primeiras duas coletas foi publicado em estudo prévio.17

Das escolas que aceitaram participar, esperava-se, considerando o registro de matrículas, a presença de 8.547 estudantes nas salas de aula participantes. Porém, estiveram presentes 6.771 estudantes, dos quais 59 recusaram participar, o que gerou um índice de recusa de 0,8%, apesar de o número de faltantes no dia da coleta representar 20% dos alunos matriculados nessas turmas.

Instrumento e medidas

Os dados foram coletados por meio de questionário anônimo e de autopreenchimento, aplicado por pesquisadores em sala de aula, sem a presença do professor. O instrumento usado para coleta de dados foi desenvolvido e testado pelo EU-DAP e foi aplicado em estudos anteriores do Unplugged19 No Brasil, foi traduzido e adaptado para o português,20 resultou em algumas alterações baseadas em questões de dois questionários amplamente usados em estudos com estudantes brasileiros: questionário da Organização Mundial da Saúde usado pelo Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas21 para pesquisar o uso de drogas nas escolas e questionário usado pela Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar.2

Para identificar os questionários nas fases do estudo, os estudantes geraram um "código secreto", com letras e números, formado a partir de informações pessoais. Esses códigos permitiram que os pesquisadores comparassem os questionários em diferentes momentos do acompanhamento e, simultaneamente, protegessem os participantes, fornececem o anonimato e a confidencialidade essenciais para um estudo de comportamento ilícito.22

Para garantir um viés mínimo de informação nos questionários, foi incluída uma questão sobre o uso de drogas fictícias (Holoten e Carpinol). Essa questão levou à exclusão de 49 estudantes na linha de base.

Variável Resposta: As variáveis respostas (desfechos) consideradas nesse estudo foram: 1) BD durante o último ano, onde BD correspondeu à confirmação para a questão "De um ano para cá, ou seja, nos últimos 12 meses, você tomou 5 doses ou mais de bebida alcoólica em uma única ocasião?"; 2) BF/BP de álcool nos últimos 30 dias. Essa variável foi o resultado do agrupamento das respostas à questão "De um mês para cá, ou seja, nos últimos 30 dias, você tomou alguma bebida alcoólica?". As respostas "Não" e "Sim, tomei de um a cinco dias no mês" foram consideradas como Não bebeu BF/BP; e as respostas "Sim, tomei de seis a 19 dias no mês" e "Sim, tomei 20 dias ou mais no mês" como Sim, bebeu BF/BP. BF e BP foram agrupadas devido à baixa prevalência de BP nesta faixa etária.

Covariáveis investigadas: As covariáveis de interesse foram as variáveis 1) sociodemográficas (gênero, idade, classe socioeconômica e composição familiar); 2) prática de violência da escola nos últimos 30 dias (bullying, agressões física e verbal) medida através de três questões dicotômicas (s/n); 3) desempenho escolar dos estudantes no último ano onde o estudante deveria classificar as suas notas como baixas, medias ou altas; 4) uso de álcool esporádico e exposição a episódios de embriaguez dos parentes (pais/irmãos), ambas variáveis coletadas através de questões dicotômicas (s/n); 5) uso de outras drogas (cigarro, inalantes e maconha) no último ano e no último mês medidas através de questões dicotômicas (s/n); 6) BD durante o último ano e consumo BF/BP de álcool nos últimos 30 dias (variáveis de controle).

A avaliação da classe socioeconômica foi feita através da escala da ABEP,23 que leva em conta a escolaridade do chefe da família, bens e serviços usados, com escores de 0 a 46, quanto maior a pontuação, melhor a condição social do aluno.

Análise estatística

Foi conduzida com os dados ponderados para corrigir probabilidades desiguais de seleção na amostra. Os pesos amostrais levaram em consideração a escola como unidade primária de amostragem, estratificação por cidade, o número total de alunos previstos em cada sala de aula e os presentes no dia da pesquisa. Um modelo inicial de regressão logística múltipla que incluiu as variáveis explicativas com valor de p igual ou inferior a 0,20 foi considerado. Um procedimento de remoção de variáveis explicativas do tipo backward foi usado, a fim de se obter um modelo final para cada variável resposta.

Foi aplicado o teste de qui-quadrado para verificar a associação entre as variáveis resposta e as covariáveis. Para verificar a associação conjunta das variáveis, foram estimados modelos de regressão logística múltipla para cada variável resposta. O nível de significância adotado foi de 5%.

As análises foram feitas em Stata 14 (SPSS para Windows, versão 14.0. Chicago, EUA) como comando svyset para garantir a inclusão dos pesos amostrais e determinar estimativa de variância adequada dessa amostra complexa.

Resultados

A tabela 1 apresenta as principais características dos estudantes. A média de idade dos entrevistados foi 12,6 anos (EP = 0,3), as meninas representavam metade dos entrevistados. No último mês, 2,2% reportaram BF/BP e no último ano, 16,5% reportaram BD. 11% dos estudantes que relataram fazer BD no último ano também relataram BF/BP no último mês. Por outro lado, 80% dos estudantes que relataram fazer BF/BP também relataram o comportamento de BD.

Tabela 1 Características sociodemográficas, comportamentais, familiares e uso de drogas dos estudantes (n = 6.387) 

Características n wg% IC 95%
Sexo
Masculino 3.127 48,8 47,03; 50,56
Feminino 3.260 51,2 49,44; 52,97
Idade
11 139 1,7 1,23; 2,22
12 3.204 52,2 49,30; 55,04
13 2.199 32,9 31,26; 34,56
14 628 9,6 8,22; 11,26
15 217 3,6 2,93; 4,54
ABEP média (EP) 6.387 27,7 (0,4) 26,92; 28,41
A (35-42) 244 3,78 26,92; 28,41
B (23-34) 2467 36,64 2,80; 5,11
C (14-22) 3343 53,98 33,54; 39,85
D/E (0-13) 322 5,6 50,41; 57,50
Pai mora na mesma casa 3.749 57,1 4,60; 6,80
Mãe mora na mesma casa 5.691 88,9 87,54; 90,04
Prática de violência na escola pelo adolescente nos últimos 30 dias
Bullying 1.156 18,8 17,31; 20,42
Agressão física 501 8,1 7,12; 9,23
Agressão verbal 725 11,8 10,48; 13,17
Notas escolares no último ano
Altas 1.869 29,2 27,49; 30,87
Média/Baixa 4.375 70,9 69,13; 72,51
Consumo esporádico de álcool (pais e/ou irmãos) 3.187 51,4 48,50;51,23
Exposição de familiar (pais e/ou irmãos) bêbado 858 14,1 12,89; 15,34
Uso de drogas pelo adolescente nos últimos 30 dias
Beber pesado 141 2,2 1,77; 2,73
Uso de cigarro 115 1,8 1,39; 2,42
Uso de inalantes 176 2,8 2,26; 3,35
Uso de maconha 76 1,2 0,89; 1,67
Uso de drogas pelo adolescente nos últimos 12 meses
Binge drinking 1.006 16,5 15,10; 18,01
Uso de cigarro 243 4,0 3,31; 4,86
Uso de inalantes 525 8,2 7,45; 9,07
Uso de maconha 156 2,6 2,05; 3,20

ABEP, escala usada para avaliação da classe socioeconômica.

A proporção de meninos entre os que praticaram BF/BP (tabela 2) foi de 58,5%. Foram evidenciadas associações positivas comuns entre a prática de BF/BP e de BD e os seguintes comportamentos: consumo de drogas no último mês (cigarro, inalantes e maconha), episódios de violência no último mês (agressão física, verbal e prática de bullying) e o relato de notas médias e baixas no último ano. Além disso, foi encontrado que não morar junto com o pai também está associado com a prática de BF/BP. Ainda foi observada associação do padrão BD (tabela 2) com a exposição a algum parente que consumia álcool ou estava embriagado.

Tabela 2 Características sociodemográficas, comportamentais, familiares e uso de drogas dos estudantes em relação ao: 1) hábito de beber frequente/pesado no último mês, e 2) Binge drinking no último ano 

1) BF/BP, mês anterior 2) BD, ano anterior
Sim Não Sim Não
N % N % p-valor N % N % p-valor
Sexo
Masculino 82 58,1 3.031 48,5 0,061 510 49,6 2.570 48,5 0,591
Feminino 59 41,9 3.188 51,5 496 50,4 2.741 51,5
Idade 141 12,9(0,03) 6.223 12,6 (0,10) 0,001 1.006 12,9 (0,05) 5.315 12,56 (0,03) < 0,001
Pontuação Abep 141 29,8 (1,14) 6.219 27,6 (0,36) 0,031 1.006 28,4 (0,50) 5.311 27,5 (0,38) 0,017
Pai mora na mesma casa (não) 70 53,4 2.545 42,7 0,015 476 48,8 2.122 41,7 < 0,001
Mãe mora na mesma casa (não) 22 15,4 661 11,0 0,108 132 13,0 545 10,8 0,023
Uso de cigarro (sim)a 28 20,5 87 1,4 < 0,001 176 17,5 66 1,3 < 0,001
Uso de inalantes (sim)a 20 14,7 156 2,5 < 0,001 209 21,8 313 5,5 < 0,001
Uso de maconha (sim)a 21 15,4 55 0,9 < 0,001 114 11,4 42 0,8 < 0,001
Notas escolares no último ano
Altas 22 15,5 1.840 29,4 0,004 189 18,8 1.666 31,2 < 0,001
Média/Baixa 116 84,5 4.246 70,6 792 81,2 3.540 68,8
Prática de agressão física na escola (30 dias)
Sim 39 28,8 460 7,6 < 0,001 170 16,8 326 6,5 < 0,001
Prática de agressão verbal na escola (30 dias)
Sim 47 35,0 677 11,2 < 0,001 237 23,7 480 9,4 < 0,001
Prática de bullying na escola (30 dias)
Sim 65 45,6 1.086 18,2 < 0,001 340 34,5 802 15,7 < 0,001
Consumo esporádico de álcool (pais e/ou irmãos)
Sim 81 58,7 3.098 51,2 0,311 558 55,4 2.598 50,5 0,020
Exposição de familiar (pais e/ou irmãos) bêbado
Sim 28 16,4 830 14,1 0,582 226 23,0 623 12,3 < 0,001

ABEP, escala usada para avaliação da classe socioeconômica.

aDevido à diferença temporal do desfecho, quando BD era a variável dependente, as variáveis uso de cigarro, inalantes e maconha foram consideradas nos últimos 12 meses. Quando BF/BP eram a variável dependente, as variáveis uso de cigarro, inalantes e maconha foram consideradas nos últimos 30 dias.

No modelo ajustado de regressão logística para a prática de BF/BP (tabela 3), independentemente do BD, os fatores que apresentaram associação foram consumo de drogas (cigarro e maconha), agressão física e BD.

Tabela 3 Estimativa da razão de chances bruta (cOR) e ajustada (aOR) para hábito de beber pesado/frequente no último mês, segundo as características sociodemográficas, comportamentais, familiares e uso de drogas dos estudantes 

Beber frequente/pesado, mês anterior
cOR IC95% p-valor aOR IC95% p-valor
Sexo (M) 0,7 0,44; 1,02 0,063
Idade (ano incremento) 1,5 1,23; 1,88 < 0,001
ABEP (ponto) 1 1,00; 1,10 0,013
Pai mora na mesma casa (N) 1,5 1,09; 2,17 0,016
Mãe mora na mesma casa (N) 1,5 0,91; 2,36 0,110
Uso de cigarro nos últimos 30 dias 17,8 10,32; 30,61 < 0,001 2,5 1,16; 5,22 0,020
Uso de inalantes nos últimos 30 dias 6,7 3,72; 12,18 < 0,001
Uso de maconha nos últimos 30 dias 20 9,46; 42,26 < 0,001 3,2 1,32; 7,72 0,011
Notas escolares média/baixa no último ano 2,3 1,29; 4,02 0,005
Agressão física na escola, últimos 30 dias 4,9 3,11; 7,69 < 0,001 2,2 1,36; 3,50 0,001
Agressão verbal na escola, últimos 30 dias 4,2 2,75; 6,55 < 0,001
Prática de bullying na escola, últimos 30 dias 3,8 2,62; 5,39 < 0,001
Consumo esporádico de álcool (pais e/ou irmãos) 1,4 0,75; 2,45 0,313
Exposição de familiar (pais e/ou irmãos) bêbado 1,2 0,62; 2,33 0,583
Binge Drinking 24,6 13,86; 43,76 < 0,001 19,1 10,44; 35,09 < 0,001

ABEP, escala usada para avaliação da classe socioeconômica.

No modelo ajustado de regressão logística para a prática de BD (tabela 4), controlado por BF/BP, os fatores associados foram consumo de cigarro, maconha e inalantes, exposição a parente embriagado, prática de bullying, agressão verbal, notas médias e baixas e idade.

Tabela 4 Estimativa da razão de chances bruta (cOR) e ajustada (aOR) para Binge drinking no último ano, segundo as características sociodemográficas, comportamentais, familiares e uso de drogas dos estudantes 

Binge drinking, ano anterior
cOR IC95% p-valor aOR IC95% p-valor
Sexo (M) 1 0,81; 1,13 0,592
Idade (ano incremento) 1,6 1,43; 1,71 < 0,001 1,4 1,22; 1,49 < 0,001
ABEP (ponto) 1 1,00; 1,02 0,015
Pai mora na mesma casa (N) 1,3 1,15; 1,54 < 0,001
Mãe mora na mesma casa (N) 1,2 1,03; 1,47 0,023
Uso de cigarro nos últimos 12 meses 15,6 10,68; 22,68 < 0,001 6,7 3,96; 11,23 < 0,001
Uso de inalantes nos últimos 12 meses 4,8 3,57; 6,35 < 0,001 3,0 1,98; 4,43 < 0,001
Uso de maconha nos últimos 12 meses 15,4 10,35; 22,78 < 0,001 2,2 1,17; 4,31 0,016
Notas escolares média/baixa no último ano 2 1,61; 2,39 < 0,001 1,7 1,35; 2,20 < 0,001
Agressão física na escola, últimos 30 dias 2,9 2,32; 3,68 < 0,001
Agressão verbal na escola, últimos 30 dias 3 2,53; 3,55 < 0,001 1,7 1,40; 2,14 < 0,001
Prática de bullying na escola, últimos 30 dias 2,8 2,42; 3,31 < 0,001 1,8 1,47; 2,17 < 0,001
Consumo esporádico de álcool (pais e/ou irmãos) 1,2 1,03; 1,43 0,020
Exposição de familiar (pais e/ou irmãos) bêbado 2,1 1,79; 2,53 < 0,001 2,1 1,67; 2,53 < 0,001
Beber pesado/frequente no último mês 24,6 13,86; 43,76 < 0,001 15,0 7,96; 28,28 < 0,001

ABEP, escala usada para avaliação da classe socioeconômica.

Discussão

O presente estudo analisou as associações entre os fatores sociodemográficos, escolares e familiares e os padrões de consumo de risco álcool (BD, BF/BP) no início da adolescência, através de uma grande amostra de estudantes de escolas públicas brasileiras. Os principais resultados deste estudo foram: 1) os padrões nocivos de uso de álcool já são prevalentes no início da adolescência; 2) o uso de drogas mostrou estar associado tanto com BD, BF/BP; 3) notas médias e baixas também mostraram associação com BD; 4) violência escolar mostrou associação tanto com os comportamentos de BD como de BF/BP; e 5) episódios de embriaguez dos parentes estiveram associados apenas à prática de BD dos adolescentes.

Este estudo identificou uma prevalência de 16,5% na prática de BD anual e de 2,2% de BP/BF mensal entre os estudantes com idade média de 12,6 anos da rede pública brasileira. Destaca-se que foi usada a medida anual para avaliar o BD, pois se trata de um consumo mais agudo, com maiores quantidades em menor tempo, mais comum em fins de semana, em festas e bares.4 Estudo anterior revelou uma prevalência de 53% de BD anual entre os adolescentes brasileiros do sexo masculino na faixa de 14 a 19 anos e 9,1% de BF.24 Outro estudo brasileiro feito com adolescentes em faixa de 14 a 18 anos encontrou prevalência de 32% de BD anual.6 Também se observou alta prevalência de BD anual na adolescência em países europeus, tais como Inglaterra (47,0%)25 e na Suécia (30,8%).26 As prevalências dos estudos prévios foram mais elevadas quando comparadas com presente estudo, provavelmente devido ao fato de os estudantes participantes dos estudos anteriores serem mais velhos. O presente estudo é um dos poucos que se atêm a estudantes recém-entrados na adolescência, o que o torna inovador, por avaliar os padrões de consumos nocivos mais próximo do início de suas ocorrências. Outro ponto importante de ser mencionado é que 80% dos estudantes com padrão BF/BP também apresentaram comportamento BD, dado que aponta para uma associação entre os diversos padrões de consumo de risco de álcool na adolescência.

Os resultados deste estudo apontam que o uso de outras drogas está associado com os diversos padrões de consumo de risco de álcool, tanto com BD, BF/BP. Outro estudo brasileiro também encontrou associação entre o BD e o uso de drogas ilícitas27 e estudos internacionais longitudinais confirmam essa tendência.15 Esses achados sugerem que o consumo de risco de álcool na adolescência pode estar precedendo o uso de outras drogas, o que corrobora evidências anteriores que mostraram que o álcool é a primeira droga consumida pelos adolescentes e que parte deles acaba progredindo para o uso de outras drogas. No entanto, como este estudo tem um desenho transversal, não podemos estabelecer a ordem temporal dos fatos.

No que se refere aos fatores escolares, este estudo encontrou associação dos desfechos de consumo de risco de álcool com a prática de violência. Outros estudos também encontraram essa relação entre álcool e violência entre adolescentes.8,14 Estudantes que praticam bullying podem ter dificuldades emocionais e de adaptação no ambiente escolar, que podem interferir até no processo de aprendizado,28 fazer com que eles fiquem mais vulneráveis a se envolver em outros comportamentos de risco, tais como o uso de risco de álcool. O relato de notas médias e baixas mostrou estar associado ao BD, uma vez que o aluno tirar notas baixas e médias também pode aumentar o risco de consumo problemático de álcool, devido à consequente queda da autoestima,11 relação com pares desviantes29 ou devido à presença de alguma comorbidade psiquiátrica.30 Por outro lado, o baixo rendimento escolar e a prática de violência podem também ser explicados como consequência do uso de álcool, pelas alterações no desenvolvimento cognitivo causadas pelo consumo de risco do álcool na adolescência.31

Importante destacar que a exposição a um dos pais embriagados pareceu ter associação com o BD no início da adolescência. Muitos estudos sugerem que pais podem servir como modelo de comportamento para os filhos, o que reforça os achados deste estudo.3,12 Dessa forma, parece que pais que bebem de forma abusiva são mais tolerantes com a iniciação do consumo de álcool dos filhos e acabam por criar um ambiente favorável para a ocorrência desse consumo.32 Esses achados indicam a necessidade de que programas preventivos sejam direcionados aos pais, em paralelo àqueles destinados exclusivamente aos adolescentes, na busca de alertar para a influência do consumo de risco de álcool dos pais no uso de álcool dos filhos.

A primeira limitação a ser considerada neste estudo se refere ao fato de todas as informações terem sido obtidas através de um questionário de autopreenchimento, o que pode conferir viés de informação ao estudo. Entretanto, esse é um viés comum à grande maioria dos estudos no campo das drogas de abuso21 e que tentou ser minimizado através da garantia do anonimato e através da ausência do professor em sala de aula durante a coleta. Outra limitação é o fato dos resultados se referirem a estudantes de escolas públicas, assim os dados não podem ser extrapolados aos estudantes de ensino privado, para os quais as prevalências de BD podem ser maiores.6 Também precisamos mencionar a perda potencial de 20% dos estudantes que não estavam presentes na sala no dia do estudo. O número inicial de alunos potencialmente inscritos no estudo (n = 8.247) foi estimado a partir da base de dados de estudantes cedida pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira); no entanto, identificou-se que nem todos os alunos matriculados realmente frequentavam a escola. Essa discrepância é um problema do contexto social brasileiro, no qual a frequência escolar das crianças matriculadas tem sido um desafio. Além disso, o fato de se tratar de um estudo transversal limitou a interpretação causal das associações entre os fatores analisados e os desfechos.

Concluindo, este estudo identificou os padrões de consumo BD e BF/BP entre estudantes brasileiros recém-entrados na adolescência e uma série de fatores de risco está associada a esses padrões: envolvimento com outras drogas, baixo desempenho escolar, agressividade e embriaguez dos parentes. Compreendendo esses comportamentos associados ao beber de risco adolescência, sugere-se que programas escolares de prevenção integrem a temática do uso de drogas e da violência em seus currículos, através de intervenções multicomponentes, e que complementarmente possam oferecer intervenção breve aos pais que necessitam de apoio para reduzir seu consumo nocivo de álcool.

REFERÊNCIAS

1 Malta DC, Machado IE, Porto DL, Silva MM, Freitas PC, Costa AW, et al. Alcohol consumption among Brazilian adolescents according to the National Adolescent School-based Health Survey (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol. 2014;17:S203-14.
2 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015. Rio de Janeiro: IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais; 2016.
3 Sanchez ZM, Santos MG, Pereira AP, Nappo SA, Carlini EA, Carlini CM, et al. Childhood alcohol use may predict adolescent binge drinking: a multivariate analysis among adolescents in Brazil. J Pediatr. 2013;163:363-8.
4 Hibell B, Guttormsson U, Ahlström S, Balakireva O, Bjarnason T, Kokkevi A, et al. The 2007 ESPAD report: substance use among students in 35 European Countries. Stockholm, Sweden: the Swedish Council for Information on Alcohol and Other Drugs (CAN); 2009.
5 Smart RG, Hughes PH, Johnson LD. A methodology for student drug-use surveys, vol. 50 Geneva: World Health Organization Offset Publication, WHO offset Publication; 1980.
6 Sanchez ZM, Locatelli DP, Noto AR, Martins SS. Binge drinking among Brazilian students: a gradient of association with socioeconomic status in five geo-economic regions. Drug Alcohol Depend. 2013;127:87-93.
7 Galduróz JC, Sanchez Z, Opaleye ES, Noto AR, Fonseca AM, Gomes PL, et al. Factors associated with heavy alcohol use among students in Brazilian capitals. Rev Saude Publ. 2010;44:267-73.
8 Brewer RD. Binge drinking and violence. JAMA. 2005;294:616.
9 Bava S, Tapert SF. Adolescent brain development and the risk for alcohol and other drug problems. Neuropsychol Rev. 2010;20:398-413.
10 Naimi TS, Brewer RD, Mokdad A, Denny C, Serdula MK, Marks JS. Binge drinking among US adults. JAMA. 2003;289:70-5.
11 Miller JW, Naimi TS, Brewer RD, Jones SE. Binge drinking and associated health risk behaviors among high school students. Pediatrics. 2007;119:76-85.
12 Alati R, Baker P, Betts KS, Connor JP, Little K, Sanson A, et al. The role of parental alcohol use, parental discipline and antisocial behaviour on adolescent drinking trajectories. Drug Alcohol Depend. 2014;134:178-84.
13 Ryan SM, Jorm AF, Lubman DI. Parenting factors associated with reduced adolescent alcohol use: a systematic review of longitudinal studies. Aust New Zeal J Psychiatry. 2010;44:774-83.
14 Peleg-Oren N, Cardenas GA, Comerford M, Galea S. An association between bullying behaviors and alcohol use among middle school students. J Early Adolesc. 2012;32:761-75.
15 Chassin L, Pitts SC, Prost J. Binge drinking trajectories from adolescence to emerging adulthood in a high-risk sample: predictors and substance abuse outcomes. J Consult Clin Psychol. 2002;70:67-78.
16 Laranjeira R. Alcohol industry: Brazil's market is unregulated. Br Med J. 2007;335:735.
17 Sanchez ZM, Valente JY, Sanudo A, Pereira AP, Cruz JI, Schneider D, et al. The #Tamojunto drug prevention program in Brazilian schools: a randomized controlled trial. Prev Sci. 2017;18:772-82.
18 Lwanga SK, Lemeshow S. Sample size determination in health studies: a practical manual. Geneva: World Health Organization; 1991. p. 38.
19 Faggiano F, Vigna-Taglianti F, Burkhart G, Bohrn K, Cuomo L, Gregori D, et al. The effectiveness of a school-based substance abuse prevention program: 18-month follow-up of the EU-Dap cluster randomized controlled trial. Drug Alcohol Depend. 2010;108:56-64.
20 Cainelli de Oliveira Prado M, Schneider DR, Sañudo A, Pereira AP, Horr JF, Sanchez ZM. Transcultural adaptation of questionnaire to evaluate drug use among students: the use of the EU-Dap European questionnaire in Brazil. Subst Use Misuse. 2016;51:449-58.
21 Carlini EL, Noto AR, Sanchez Z, Carlini CM, Locatelli DP, Abeid LR, et al. VI Levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio das redes pública e privada de ensino nas 27 capitais brasileiras, vol. 1. Brasília: SENAD - Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas; 2010.
22 Galanti MR, Siliquini R, Cuomo L, Melero JC, Panella M, Faggiano F. Testing anonymous link procedures for follow-up of adolescents in a school-based trial: the EU-DAP pilot study. Prev Med (Baltim). 2007;44:174-7.
23 Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Critério de Classificação Econômica do Brasil [Criteria for Economic Classification in Brazil]. Ibope. 2012 [cited 2017 Feb 15]. Available from: .
24 Pinsky I, Sanches M, Zaleski M, Laranjeira R, Caetano R. Patterns of alcohol use among Brazilian adolescents. Rev Bras Psiquiatr. 2010;32:242-9.
25 Viner RM, Taylor B. Adult outcomes of binge drinking in adolescence: findings from a UK national birth cohort. J Epidemiol Community Heal Community Heal. 2007;61:902-7.
26 Svensson M, Hagquist C. Adolescents alcohol-use and economic conditions: a multilevel analysis of data from a period with big economic changes. Eur J Heal Econ. 2010;11:533-41.
27 Sanchez ZM, Ribeiro LA, Moura YG, Noto AR, Martins SS. Inhalants as intermediate drugs between legal and illegal drugs among middle and high school students. J Addict Dis. 2013;32:217-26.
28 Oliveira WA, Silva MA, da Silva JL, de Mello FC, do Prado RR, Malta DC. Associations between the practice of bullying and individual and contextual variables from the aggressors' perspective. J Pediatr (Rio J). 2016;92:32-9.
29 Kelly AB, Chan GC, Toumbourou JW, O'Flaherty M, Homel R, Patton GC, et al. Very young adolescents and alcohol: evidence of a unique susceptibility to peer alcohol use. Addict Behav. 2012;37:414-9.
30 Brière FN, Rohde P, Seeley JR, Klein D, Lewinsohn PM. Comorbidity between major depression and alcohol use disorder from adolescence to adulthood. Compr Psychiatry. 2014;55:526-33.
31 Zeigler DW, Wang CC, Yoast RA, Dickinson BD, McCaffree MA, Robinowitz CB, et al. The neurocognitive effects of alcohol on adolescents and college students. Prev Med (Balt). 2005;40:23-32.
32 Komro KA, Maldonado-Molina MM, Tobler AL, Bonds JR, Muller KE. Effects of home access and availability of alcohol on young adolescents' alcohol use. Addiction. 2007;102:1597-608.