versão impressa ISSN 1677-5449versão On-line ISSN 1677-7301
J. vasc. bras. vol.13 no.3 Porto Alegre jul./set. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/jvb.2014.045
A síntese hepática de proteína C-reativa (PCR) corresponde a um mecanismo de defesa imunológica inato inespecífico1, ativando o sistema do complemento e promovendo fagocitose. Em grande parte, sua síntese é regulada pela interleucina 6 (IL-6), citoquina inflamatória secretada principalmente por macrófagos e adipócitos2. Estudos experimentais indicam que também células endoteliais e musculares lisas, tanto de artérias normais como aneurismáticas, podem produzir IL-63.
Ensaios ultrassensíveis permitem a determinação de discretas elevações nas concentrações sanguíneas de PCR (PCR-us), que caracterizam inflamação crônica subclínica. Em se tratando da doença aterosclerótica, alguns autores acreditam que a PCR possa ser também produzida em células musculares lisas das artérias coronarianas doentes4, porém este achado é questionável5.
As diferentes etapas da aterogênese envolvem a liberação de citocinas que estimulam a síntese de PCR, cuja determinação sanguínea funciona como marcador inflamatório no monitoramento do risco cardiovascular6. Entretanto, meta-análise sobre seu papel na predição de risco cardiovascular concluiu que PCR-us pode ser promissora, porém, até o momento, não há estudos com delineamento e duração adequados que justifiquem sua ampla utilização na prática clínica7.
Um estímulo inicial para a formação da estria gordurosa é a disfunção endotelial, que pode ser precipitada por tabagismo, hipertensão arterial, hiperglicemia, hipercolesterolemia, hiperhomocisteinemia e mesmo infecções. Moléculas de adesão e a transmigração dos monócitos para o espaço subendotelial, que internalizam lipídeos originando as células espumosas, são passos iniciais da aterosclerose. Estas células secretam mediadores inflamatórios, dentre os quais a IL-6, que atua diminuindo a atividade da lipase de lipoproteína, favorecendo ainda mais a fagocitose dos lipídeos. Há evidências de que PCR e IL-6 amplificam e perpetuam a resposta inflamatória no ateroma8.
Entre os principais sítios acometidos pela aterosclerose, destaca-se a doença arterial obstrutiva periférica (DAOP). Sua importância baseia-se no fato de ser cada vez mais prevalente na sociedade moderna, devido ao aumento da expectativa de vida. Estima-se que 202 milhões de indivíduos no mundo estavam acometidos em 2010 pela DAOP. Na última década, foi registrado aumento de 28,7% na sua prevalência nos países de baixa e média renda per capita, e de 13,1% nos de alta renda9. Crescente interesse no diagnóstico precoce da DAOP vem ocorrendo não apenas pelo aumento de prevalência, mas também por estar relacionada à doença em outros territórios, como coronariano e cerebral10. Dessa forma, é desejável sua identificação, bem como de indicadores de sua gravidade, no sentido de programar intervenções.
Apesar de evidências de que elevações das concentrações de PCR e IL-6 são indicativas de processo inflamatório subclínico presente na doença cardiovascular aterosclerótica, ainda não existe consenso sobre um papel etiopatogênico destas substâncias na lesão arterial, particularmente na investigação da DAOP.
Este estudo se propôs a investigar se concentrações de PCR e IL-6 associam-se aos diferentes graus de DAOP, em estudo de base populacional em nipo-brasileiros, reconhecidos pelo alto risco cardiovascular11–13.
A presente análise foi realizada numa população nipo-brasileira residente em Bauru-SP, de ambos os sexos, com idade ≥30 anos. Detalhes do estudo matriz sobre prevalência de diabetes e síndrome metabólica foram previamente descritos11–13. O Comitê de Ética Institucional aprovou o estudo e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi obtido de todos os participantes. Um total de 1.330 indivíduos submeteu-se a exame clínico, incluindo medidas antropométricas, de pressão arterial e do índice de Doppler tornozelo-braço (ITB), além de coleta de sangue após 12 horas de jejum. Os critérios de exclusão para esta análise foram dados incompletos da avaliação clínico-laboratorial (255 participantes), ITB >1,40 (um participante) e concentração de PCR-us >10 mg/L (36 participantes). Dessa forma, 1.038 indivíduos foram incluídos no presente estudo.
Peso e altura foram obtidos com o mínimo de roupa, sem sapatos, e usados para o cálculo do índice de massa corpórea (IMC). A circunferência da cintura foi medida com fita métrica não distensível, no ponto médio entre a última costela flutuante e a crista ilíaca, em um plano paralelo ao chão. A circunferência do quadril foi medida na altura dos glúteos, passando pela sínfise púbica. A razão cintura-quadril foi obtida pelo quociente entre a medida da circunferência da cintura dividida pela do quadril.
Por se tratar de população de origem asiática, para diagnóstico de obesidade e obesidade central, foram utilizados os valores de IMC e circunferência da cintura preconizados pela Japan Society for the Study of Obesity (JASO)14 e os da razão cintura-quadril da World Health Organization (WHO)15.
A pressão arterial foi medida em aparelho automático (Omron HEM-712C, Omron Health Care, USA), após 5 minutos, na posição sentada. Foram considerados, os valores finais de pressão sistólica e diastólica, as médias aritméticas das duas últimas medidas. Hipertensão arterial foi diagnosticada naqueles que apresentaram valores pressóricos >140×90 mmHg ou que referiram tratamento medicamentoso16.
Participantes com glicemia capilar após 12 horas de jejum ≥200 mg/dL foram dispensados da realização do teste oral de tolerância à glicose. Amostras de sangue venoso em jejum e após 2 horas da ingestão de 75 gramas de glicose foram coletadas. As categorias de tolerância à glicose foram diagnosticadas segundo os critérios da American Diabetes Association17. Assim, participantes com glicemia de jejum <100 mg/dL ou glicemia após sobrecarga <140 mg/dL foram considerados normoglicêmicos. Aqueles com glicemia de jejum com valor igual ou superior a 100 mg/dL mas <126 mg/dL, e glicemia 2 horas após sobrecarga <140 mg/dL foram considerados portadores de glicemia de jejum alterada (GJA). Tolerância à glicose diminuída (TGD) foi diagnosticada através de glicemia de jejum maior ou igual a 100 mg/dL, porém com glicemia após sobrecarga com valor entre 140 e 199 mg/dL. Foram considerados diabéticos os participantes que apresentassem glicemia de jejum igual ou superior a 126 mg/dL, ou glicemia após sobrecarga igual ou superior a 200 mg/dL, ou que estavam em uso de terapias hipoglicemiantes.
Os valores de referência para diagnóstico de dislipidemias foram os preconizados pelo NCEP naquela ocasião18. Foram considerados normais, quanto ao perfil lipídico, participantes com colesterol total ≤200 mg/dL, LDL-colesterol ≤130 mg/dL, HDL-colesterol ≥35 mg/dL para homens e ≥45 mg/dL para mulheres, e triglicérides ≤200 mg/dL. Foram considerados dislipidêmicos indivíduos com alterações em pelo menos uma destas variáveis.
Os valores de ácido úrico foram considerados normais até 6 mg/dL para mulheres e até 7 mg/dL para homens19. A determinação da homocisteína foi realizada por cromatografia líquida de alto desempenho. Foram considerados normais valores de homocisteína até 15 mmol/L20. As concentrações de PCR-us e IL-6 foram determinadas por quimioluminescência (Immulite, Diagnostic Products Corporation, USA).
Este diagnóstico foi estabelecido através da utilização de aparelho de Doppler de onda contínua da marca Imbracios® de 8 mHz. O valor do ITB foi calculado pelo quociente da pressão auscultada nas artérias do tornozelo pela maior pressão obtida nas artérias braquiais. Conforme preconizado pelo TASC II (Transatlantic Society Consensus)21, foi considerado alterado índice ≤0,90 e >1,40. Analisou-se também o ITB após estratificação em três categorias: ≤0,70, 0,71 a 0,90 e >0,9022.
As variáveis foram apresentadas como percentuais, valores médios e desvios padrão. Os indivíduos foram estratificados por sexo ou segundo a presença de DAOP, diagnosticada com base nos valores do ITB.
Em análise bruta, verificou-se a existência de associações entre as variáveis mediante emprego do qui-quadrado e das razões de prevalências (RP) por ponto e por intervalo, com 95% de confiança. Utilizaram-se, na comparação dos valores médios de variáveis dos indivíduos, segundo a presença de DAOP (sim ou não) ou categorias do ITB (≤0,70; 0,71-0,90; >0,90), respectivamente, o teste t de Student ou a análise de variância (ANOVA) com correção de Bonferroni.
Empregou-se modelo de regressão de Poisson na obtenção das RP de DAOP, segundo fatores de risco cardiovascular. No modelo inicial, incluíram-se todas as variáveis que, em análise bruta, associaram-se com a presença de DAOP (p<0,150). Uma a uma, foram retiradas aquelas cuja saída não alterou a capacidade de predição do modelo. Adotou-se procedimento semelhante na obtenção dos valores das odds ratios em modelo de regressão logística ordenado, segundo categorias do ITB (≤0,70; 0,71-0,90; >0,90). Estimou-se o coeficiente de correlação linear de Pearson para examinar possíveis relações entre os valores de PCR e IL-6. Para complementar esta análise, foram comparadas as médias das concentrações de IL-6 nos tercis de PCR-us por meio de ANOVA. O índice P<0,05 foi considerado significante.
Utilizou-se, nestas análises, o software Stata 8.0 (Statacorp, 2004. Stata statistical software release 7.0 College Station, TX Stata Corporation).
A média de idade dos 1.038 participantes (54% do sexo feminino) foi 56,8 (±12,9) anos. Homens apresentaram valores médios mais elevados de IMC, razão cintura-quadril, pressão arterial, glicemia de jejum, triglicérides, ácido úrico, homocisteína e IL-6 do que as mulheres, as quais tiveram maiores concentrações de colesterol total, LDL-colesterol, HDL-colesterol e PCR-us (Tabela 1).
Tabela 1 Média (DP) de variáveis demográficas, antropométricas, clínicas e bioquímicas, segundo o sexo.
Homens N=473 | Mulheres N=565 | Total N=1038 | p | |
---|---|---|---|---|
Idade (anos) | 56,7 (12,9) | 56,9(12,4) | 56,8(12,6) | 0,364 |
Cigarros por dia* | 18,1 (7,5) | 16,8(7,7) | 17,7(7,6) | 0,138 |
Índice de massa corporal (kg/m2) | 25,2 (3,8) | 24,5(3,8) | 24,8(3,8) | 0,001 |
Razão cintura-quadril | 0,91 (0,06) | 0,84(0,07) | 0,88(0,08) | <0,001 |
Pressão arterial diastólica (mmHg) | 81 (13) | 77(13) | 79(13) | <0,001 |
Pressão arterial sistólica (mmHg) | 135 (23) | 132(25) | 133(24) | 0,006 |
Glicose de jejum (mg/dL)* | 127 (31) | 122 (37) | 124 (34) | <0,001 |
Glicose 2 horas (mg/dL)* | 168 (86) | 160(69) | 164(77) | 0,169 |
Colesterol total (mg/dL) | 212 (42) | 217 (43) | 215 (43) | 0,030 |
Triglicérides (mg/dL)* | 279 (244) | 199 (139) | 232(197) | <0,001 |
HDL-colesterol (mg/dL)* | 49 (12) | 52 (10) | 51 (11) | <0,001 |
LDL-colesterol (mg/dL) | 127 (38) | 133 (380) | 130 (38) | 0,009 |
Homocisteína (mg/dL)* | 13,1 (7,5) | 9,9 (4,1) | 11,4 (6,1) | <0,001 |
Proteína C reativa (mg/L)* | 1,6 (1,7) | 1,9 (1,8) | 1,8 (1,8) | 0,015 |
Ácido úrico (mg/L* | 7,0 (1,8) | 5,3 (1,3) | 6,1 (1,8) | <0,001 |
IL-6 (pg/dL)* | 1,19 (0,94) | 1,03 (1,08) | 1,10 (1,02) | 0,003 |
*Valores transformados em logaritmo para análise.
As prevalências de fatores de risco estratificadas por sexo estão na Tabela 2. As prevalências de diabetes, tabagismo, hipertrigliceridemia, hiperuricemia, hiper-homocisteinemia, HDLcolesterol baixo e valores elevados de IL-6 foram maiores nos homens, enquanto que valores altos de LDL-colesterol e PCR-us foram mais frequentes nas mulheres. Quanto à antropometria, homens apresentaram maior frequência de IMC elevado, enquanto obesidade abdominal foi mais prevalente nas mulheres (Tabela 2).
Tabela 2 Prevalências de fatores de risco cardiovascular na população nipo-brasileira, segundo o sexo.
Masculino | Feminino | Valor de p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | |||
Idade | ≤60 anos | 284 | 60,0 | 335 | 59,3 | 0,806 |
<60 anos | 189 | 40,0 | 230 | 40,7 | ||
Tabagismo | Não | 218 | 46,2 | 499 | 88,8 | <0,001 |
Sim (passado) | 91 | 19,3 | 39 | 6,9 | ||
Sim (atual) | 163 | 34,5 | 24 | 4,3 | ||
Obesidade central | Não | 350 | 74,3 | 153 | 27,1 | <0,001 |
Sim | 121 | 25,7 | 411 | 72,9 | ||
IMC (kg/m2) | <23 | 131 | 27,8 | 213 | 37,7 | 0,001 |
23,0 a 24,9 | 107 | 22,6 | 130 | 23,0 | ||
≥25 | 234 | 49,6 | 222 | 39,3 | ||
Hipertensão arterial | Não | 250 | 52,8 | 317 | 56,1 | 0,295 |
Sim | 223 | 47,2 | 248 | 43,9 | ||
Tolerância à glicose | Normal | 16 | 3,4 | 42 | 7,5 | 0,008 |
AFG | 170 | 35,9 | 207 | 36,7 | ||
IGT | 104 | 22,0 | 136 | 24,1 | ||
DM | 183 | 38,7 | 179 | 31,7 | ||
Hipercolesterolemia | Não | 189 | 40,0 | 203 | 35,9 | 0,182 |
Sim | 284 | 60,0 | 362 | 64,1 | ||
HDL baixo | Não | 395 | 83,5 | 514 | 91,0 | <0,001 |
LDL aumentado | Sim | 78 | 16,5 | 51 | 9,0 | 0,002 |
Não | 269 | 56,9 | 267 | 47,3 | ||
Sim | 204 | 43,1 | 298 | 52,7 | ||
Hipertrigliceridemia | Não | 131 | 27,7 | 236 | 41,8 | <0,001 |
Sim | 342 | 72,3 | 329 | 58,2 | ||
Homocisteína | ≤15 mg/dL | 286 | 77,3 | 414 | 92,2 | <0,001 |
>15 mg/dL | 84 | 22,7 | 35 | 7,8 | ||
Hiperuricemia | Não | 216 | 45,7 | 139 | 24,6 | <0,001 |
Sim | 257 | 54,3 | 426 | 75,4 | ||
PCR-us (mg/L) | 0,00-0,07 | 184 | 38,9 | 197 | 34,9 | 0,044 |
0,08-0,18 | 163 | 34,5 | 177 | 31,3 | ||
0,19-0,99 | 126 | 26,6 | 191 | 33,8 | ||
IL6 (pg/dL) | 0,00-0,73 | 33 | 25,0 | 66 42,0 | 0,005 | |
0,74-1,10 | 42 | 31,8 | 46 29,3 | |||
1,10-9,3 | 57 | 43,2 | 45 28,7 |
A prevalência de DAOP foi 21,1% (IC95% 18,4-24,1), sem diferença entre os sexos (19,2% vs. 22,7%, p>0,05). Estratificando-se por sexo, as variáveis clínicas daqueles com e sem DAOP comportaram-se de modo similar, sendo os resultados apresentados em conjunto. Indivíduos com DAOP eram, em média, mais velhos do que aqueles sem doença (60,0 vs. 56,0 anos, p<0,001), e tinham maiores valores da pressão arterial sistólica e de homocisteína, mas não de PCR-us ou IL-6 (dados não mostrados em tabela). Logo, foram encontradas maiores prevalências de DAOP no grupo etário mais velho, nos hipertensos e portadores de hiperhomocisteinemia. Não foram detectadas diferenças entre os estratos com e sem DAOP quanto às demais variáveis (Tabela 3).
Tabela 3 Número, porcentagem e razões de prevalências (intervalos com 95% de confiança) de categorias de variáveis demográficas e clínicas de nipo-brasileiros, estratificados segundo a presença de doença arterial obstrutiva periférica (DAOP).
Com DAOP n=219 | Sem DAOP n=819 | Total n=1038 | Qui-quadrado | RP | IC95% | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | |||||
Sexo | Feminino | 128 | 22,7 | 437 | 77,3 | 565 | 100 | 1,80 | 1 | |
Masculino | 91 | 19,2 | 382 | 80,8 | 473 | 100 | 0,85 | 0,67-1,08 | ||
Idade | ≤60 anos | 110 | 17,8 | 509 | 82,2 | 619 | 100 | 10,2 | 1 | |
>60 anos | 109 | 26,0 | 310 | 74,0 | 419 | 100 | 1,46 | 1,16-1,85 | ||
Tabagismo | Não | 150 | 20,9 | 567 | 79,1 | 717 | 100 | 0,39 | 1 | |
Sim (passado) | 38 | 20,3 | 149 | 79,7 | 187 | 100 | 0,97 | 0,71-1,33 | ||
Sim (atual) | 30 | 23,1 | 100 | 76,9 | 130 | 100 | 1,10 | 0,78-1,56 | ||
Razão cintura-quadril elevada | Não | 101 | 20,1 | 402 | 79,9 | 503 | 100 | 0,57 | 1 | |
Sim | 117 | 22,0 | 415 | 78,0 | 532 | 100 | 1,10 | 0,86-1,39 | ||
Índice de massa corporal (kg/m2) | <23 | 76 | 22,1 | 268 | 77,9 | 344 | 100 | 3,10 | 1 | |
23,0 a 24,9 | 57 | 24,1 | 180 | 75,9 | 237 | 100 | 1,09 | 0,81-1,47 | ||
≥25 | 85 | 18,6 | 371 | 81,4 | 456 | 100 | 0,84 | 0,64-1,11 | ||
Hipertensão arterial | Não | 101 | 17,8 | 466 | 82,2 | 567 | 100 | 8,1 | 1 | |
Sim | 118 | 25,1 | 353 | 74,9 | 471 | 100 | 1,41 | 1,11-1,78 | ||
Tolerância à glicose | Normal | 8 | 13,8 | 50 | 86,2 | 58 | 100 | 4,40 | 1 | |
AFG | 73 | 19,4 | 304 | 80,6 | 377 | 100 | 1,40 | 0,71-2,76 | ||
IGT | 59 | 24,6 | 181 | 75,4 | 240 | 100 | 1,78 | 0,90-3,52 | ||
DM | 79 | 21,8 | 283 | 78,1 | 362 | 100 | 1,58 | 0,81-3,10 | ||
Hipercolesterolemia | Não | 81 | 20,7 | 311 | 79,3 | 392 | 100 | 0,07 | 1 | |
Sim | 138 | 21,4 | 508 | 78,6 | 646 | 100 | 1,03 | 0,81-1,32 | ||
HDL baixo | Não | 190 | 20,9 | 719 | 79,1 | 909 | 100 | 0,17 | 1 | |
Sim | 29 | 22,5 | 100 | 77,5 | 129 | 100 | 1,08 | 0,72-1,52 | ||
LDL elevado | Não | 112 | 20,9 | 424 | 79,1 | 536 | 100 | 0,03 | 1 | |
Sim | 107 | 21,3 | 395 | 78,7 | 502 | 100 | 1,02 | 0,81-1,29 | ||
Hipertrigliceridemia | Não | 76 | 20,7 | 291 | 79,3 | 367 | 100 | 0,05 | 1 | |
Sim | 143 | 21,3 | 528 | 78,7 | 671 | 100 | 1,03 | 0,80-1,32 | ||
PCR-us# (mg/L) | 0,00-0,07 | 72 | 18,9 | 309 | 81,1 | 381 | 100 | 0,38 | 1 | |
0,08-0,18 | 62 | 18,2 | 279 | 81,8 | 341 | 100 | 0,96 | 0,71-1,31 | ||
0,19-0,99 | 64 | 20,1 | 255 | 79,9 | 319 | 100 | 1,06 | 0,78-1,44 | ||
Homocisteína (mg/dL) | ≤15 | 140 | 20,0 | 560 | 80,0 | 700 | 100 | 5,36 | 1 | |
IL-6#(pg/dL) | >15 | 35 | 29,4 | 84 | 70,6 | 119 | 100 | 2,59 | 1,47 | 1,07-2,02 |
0,00-0,73 | 35 | 35,4 | 64 | 64,6 | 99 | 100 | 1 | 0,93-1,87 | ||
0,74-1,10 | 41 | 46,6 | 47 | 53,4 | 88 | 100 | 1,32 | 0,86-1,73 | ||
1,10-9,3 | 44 | 43,1 | 58 | 56,9 | 102 | 100 | 1,22 |
#Valores transformados em logaritmo para teste estatístico; RP: razão de prevalência; IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Ajustando-se as razões de prevalência de DAOP para as variáveis consideradas, somente tabagismo e hipertensão arterial mantiveram-se independentemente associados à doença (Tabela 4).
Tabela 4 Razões de prevalências (RP) de DAOP e respectivos intervalos com 95% de confiança (IC95%) em nipo-brasileiros, segundo a presença de variáveis selecionadas (modelo inicial e final).
Variável | Modelo inicial | Modelo ajustado | |||
---|---|---|---|---|---|
RP | IC95% | RP | IC95% | ||
Sexo | Feminino | 1 | 1 | ||
Masculino | 0,66 | 0,42-1,02 | 0,66 | 0,44-1,01 | |
Idade | ≤60 anos | 1 | 1 | ||
>60 anos | 0,98 | 0,71-1,36 | 0,94 | 0,69-1,23 | |
Tabagismo | Não | 1 | 1 | ||
Sim (passado) | 1,45 | 0,91-2,31 | 1,44 | 0,92-2,33 | |
Sim (atual) | 2,14 | 1,32-3,50 | 2,16 | 1,34-3,48 | |
Hipertensão arterial | Não | 1 | 1 | ||
Sim | 1,61 | 1,12-2,31 | 1,56 | 1,12-2,22 | |
Tolerância à glicose | Normal | 1 | |||
AFG | 0,67 | 0,38-1,21 | 0,71 | 0,40-1,32 | |
IGT | 0,76 | 0,42-1,38 | 0,65 | 0,43-1,44 | |
DM | 0,66 | 0,37-1,17 | 0,65 | 0,39-1,23 | |
Homocisteína (mg/dL) | ≤15 | 1 | 1 | ||
>15 | 1,25 | 0,88-1,77 | 1,26 | 0,89-1,78 | |
PCR-us# (mg/L) | 0,00-0,07 | 1 | 1 | ||
0,08-0,18 | 0,62 | 0,35-1,10 | 0,77 | 0,52-1,14 | |
IL-6#(pg/dL) | 0,19-0,99 | 0,72 | 0,40-1,30 | 0,97 | 0,66-1,41 |
0,00-0,73 | 1 | 0,70-2,26 | 1 | 0,76-1,05 | |
0,74-1,10 | 1,26 | 0,88 | |||
1,10-9,3 | 1,09 | 0,60-1,98 | 0,91 | 0,88-1,18 |
#Valores transformados em logaritmo para teste estatístico.
Ao estratificar o ITB em três categorias, as associações se mantiveram (dados não mostrados nas Tabelas).
Analisando-se isoladamente indivíduos com ITB ≤0,70, estes eram mais velhos, fumavam o maior número de cigarros/dia e apresentavam valores médios de PCR-us e IL-6 mais elevados. Além disso, tinham maiores médias de pressão sistólica, glicemia de jejum e de 2 horas, triglicérides e homocisteína (Tabela 5). Um percentual de 85% dos indivíduos com ITB ≤0,70 eram hipertensos, 70% apresentavam diabetes e razão cintura-quadril aumentada (dados não mostrados nas Tabelas).
Tabela 5 Valores médios e do desvio padrão (DP) de variáveis demográficas, antropométricas e clínicas de nipo-brasileiros, segundo valores do índice tornozelo-braquial.
Variável | Índice tornozelo-braquial | Estatística F (Anova) |
P | ||
---|---|---|---|---|---|
≤0,70 | 0,71-0,90 | >0,90 | |||
Idade (anos) | 65,1 (12,7) | 59,3 (13,2) | 56,0 (12,3) | 10,14 | < 0,001 |
Número de cigarros/dia* | 22,5 (6,1) | 17,9 (6,7) | 17,3 (7,8) | 1,99 | 0,141 |
Perímetro da cintura (cm) | 86,0 (10,3) | 82,5 (9,4) | 84,2 (10,5) | 2,56 | 0,078 |
Razão cintura-quadril | 0,91 (0,08) | 0,87 (0,07) | 0,88 (0,08) | 3,06 | 0,047 |
IMC (kg/m2) | 25,2 (4,8) | 24,4 (3,7) | 24,9 (3,8) | 1,34 | 0,263 |
PAD (mm/Hg) | 85,2 (11,7) | 79,7 (13,9) | 79,1 (13,2) | 2,09 | 0,125 |
PAS (mm/Hg) | 151,3 (23,0) | 137,6 (27,5) | 1312,0 (23,4) | 9,86 | < 0,001 |
Glicemia de jejum (mg/dL)* | 148,0 (49,1) | 120,5 (28,3) | 124,9 (35,2) | 6,56 | 0,002 |
Glicemia de 2 horas (mg/dL)* | 239,2 (115,9) | 164,1 (70,4) | 162,2 (77,0) | 7,45 | 0,001 |
Colesterol total (mg/dL) | 209,3 (31,2) | 214,3 (40,8) | 214,8 (43,1) | 0,17 | 0,840 |
HDL (mg/dL)* | 49,5 (10,8) | 50,4 (10,2) | 51,4 (11,7) | 0,65 | 0,523 |
LDL (mg/dL) | 126,1 (26,5) | 130,0 (38,8) | 130,6 (38,1) | 0,15 | 0,864 |
Triglicérides (mg/dL)* | 282,0 (226,1) | 227,3 (185,1) | 231,4 (199,7) | 1,09 | 0,336 |
PCR*(mg/L) | 0,21 (0,23) | 0,18 (0,16) | 0,18 (0,18) | 0,21 | 0,813 |
IL6*(pg/dL) | 1,25 (0,64) | 0,98 (0,50) | 1,17 (1,27) | 0,74 | 0,478 |
Homocisteína* | 12,3 (5,8) | 12,2 (6,5) | 11,1 (6,0) | 3,48 | 0,031 |
*Valores transformados em logaritmo para teste estatístico.
Nas Figuras 1 e 2, apresentam-se gráficos de dispersão dos valores de PCR-us e IL-6 entre indivíduos com e sem DAOP, respectivamente. Foi detectada correlação significante entre estes valores apenas entre os portadores de DAOP (r=0,24, p=0,010). Quando as concentrações de PCR-us foram estratificadas em tercis (Figuras 3 e 4), apenas nos indivíduos com DAOP, houve diferença significante entre as concentrações médias de IL-6.
Neste estudo populacional de nipo-brasileiros, uma prevalência relativamente elevada de DAOP (21,1%) era esperada, considerando o perfil cardiometabólico desfavorável previamente descrito11–13,23. Apesar de maiores valores médios e frequências de fatores de risco entre os homens, a prevalência de DAOP foi semelhante entre os sexos. Em outras populações de alto risco cardiovascular, cifras semelhantes de DAOP foram observadas. O programa US PARTNERS, desenhado para estudar a prevalência de DAOP e outras doenças cardiovasculares, encontrou prevalência de DAOP de 29% em indivíduos >70 anos ou com idade >50 anos com comorbidades (diabetes e tabagismo)24. O POPADAD, avaliando 8.000 indivíduos diabéticos com idade ≥40 anos, encontrou prevalência de DAOP de 20,1%25.
Não nosso meio, estudo multicêntrico sobre prevalência de DAOP, conduzido na população geral de 72 centros urbanos (n=1.170), encontrou prevalência de apenas 10,5%. Vale ressaltar que a faixa etária era mais baixa (≥18 anos) e que aquela amostra melhor representava a população brasileira por não incluir indivíduos geneticamente homogêneos, nem de alto risco cardiovascular26. Publicações do nosso grupo comprovam ser os nipo-brasileiros de alto risco com base nas cifras de obesidade, diabetes mellitus, hipertensão arterial e dislipidemias11–13,23.
Encontramos associação significante da DAOP com dois fatores de risco clássicos: tabagismo e hipertensão arterial. Com relação aos biomarcadores (não clássicos) PCR-us e IL-6, seus valores se apresentaram mais elevados naqueles com doença mais avançada (ITB ≤0,70). Esse grupo de nipo-brasileiros apresentou o pior perfil cardiometabólico. Apesar do pequeno número de indivíduos neste subgrupo (n=20), diferenças estatisticamente significantes foram detectadas. Vale ressaltar que correlação significante entre os valores de PCR e IL-6 só foi detectada nos portadores de DAOP (Figura 2). Coerente com este achado, foi o aumento significante das concentrações de IL-6 nos tercis de PCR (Figura 4).
Tzoulaki et al., avaliando 1592 tabagistas, com idade entre 55 e 74 anos, encontraram prevalência de 23% de DAOP assintomática e observaram aumento dos valores de IL-6 concomitante à queda no ITB no acompanhamento de 5 e 12 anos destes pacientes27. Seus achados são coerentes com a hipótese de que há acentuação do estado pró-inflamatório concomitante com o agravamento da doença. De modo semelhante, encontramos relação entre gravidade da DAOP e valores dos marcadores inflamatórios. Porém, é sabido que o tabagismo influencia os valores de IL-6 e PCR28. Os níveis de IL6 e PCR se associam ao uso cumulativo do tabaco (anos/maço) e, também, nos ex-usuários, ao tempo livre de tabagismo29. Signorelli et al. também encontraram valores de IL-6 elevados em 20 pacientes não tabagistas, com média de ITB de 0,72 (p<0,001)30.
Os mesmos achados foram descritos por Danielsson et al., analisando cinco grupos de pacientes: portadores de claudicação intermitente e isquemia crítica, ambos com e sem diabetes e grupo controle. Em análise ajustada para múltiplos fatores, encontraram relação dos marcadores inflamatórios (IL-6 e PCR-us) apenas com isquemia crítica. Os autores concluíram que a relação depende da gravidade da DAOP, independentemente da presença de outros fatores de risco31.
A relação entre os marcadores inflamatórios e a gravidade da DAOP também foi avaliada no território carotídeo. Não foi detectada associação entre IL-6 e PCR-us com aterosclerose subclínica avaliada em 1.111 indivíduos com espessamento miointimal carotídeo32, achado semelhante ao nosso, uma vez que não encontramos relação entre marcadores inflamatórios naqueles com DAOP em fase inicial. Entretanto, relação positiva foi encontrada entre estenose carotídea (≥25%) e PCR-us. Estes autores também não encontraram relação entre o marcador e a hiperplasia miointimal carotídea, sugerindo ser a PCR-us um marcador de doença mais avançada33.
Os mesmos achados foram observados no território coronariano. Estudo de caso controle, envolvendo 926 homens com idade entre 50 e 59 anos, encontrou níveis aumentados de IL6 e PCR no início do estudo naqueles que, durante acompanhamento de cinco anos, evoluíram com infarto ou morte súbita. Os pacientes que apresentaram apenas quadro anginoso na evolução apresentavam níveis normais desses marcadores no início do estudo. Ainda, o risco relativo de infarto e morte aumentou conforme o aumento dos valores de IL634.
Outro estudo prospectivo, analisando a associação entre de IL-6 e mortalidade em 718 pacientes com doença coronariana, mostrou que os níveis séricos de IL-6 eram significantemente mais elevados, no início do estudo, nos pacientes que morriam por doença coronariana durante acompanhamento de 2,3 anos. O valor de IL-6 se mostrou associado à mortalidade cardiovascular com uma razão de risco de 2,04 (IC 95% 1,34-3,68). Os achados dão suporte à hipótese de que processo inflamatório crônico subclínico tem papel no prognóstico da doença aterosclerótica, sinalizando pacientes com pior evolução35. Concordantemente, Biasucci et al., avaliando portadores de angina instável, encontraram aumento nos níveis de IL-6 após internação naqueles que evoluíram com complicação da doença36.
Nãossos achados estão coerentes com a revisão da literatura. As concentrações de IL-6 e PCR-us parecem refletir a intensidade da inflamação oculta na placa aterosclerótica, podendo determinar a vulnerabilidade desta à ruptura e, consequentemente, a gravidade da doença37.
Apesar de limitações decorrentes do delineamento transversal, que nos impede de assegurar relações do tipo causa-efeito, a fortaleza do nosso estudo está na base populacional e na homogeneidade da população investigada.
Em suma, nossos dados sugerem existir uma relação entre aterosclerose nas artérias periféricas e marcadores inflamatórios, e que esta sinaliza para a gravidade da doença. Na DAOP, pacientes com doença avançada podem ser pouco sintomáticos ou assintomáticos, se apresentarem pouca ou nenhuma atividade, como no caso dos pacientes acamados. O mesmo pode acontecer na doença aterosclerótica nos territórios cerebral e coronariano. A sinalização destes doentes com doença avançada é de grande valia, merecendo a hipótese ser testada em estudos prospectivos, uma vez que esta informação pode auxiliar no mapeamento de pacientes com prognóstico mais desfavorável da doença aterosclerótica e no planejamento terapêutico mais agressivo.