versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.114 no.1 São Paulo jan. 2020 Epub 28-Out-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190230
As pessoas que vivem com HIV têm um risco aumentado de doença cardiovascular e espessamento da carótida, devido à inflamação causada pelo vírus, à terapia antirretroviral e a outros fatores de risco. No entanto, poucos estudos observaram a ocorrência de doenças cardiovasculares e espessamento carotídeo na população soropositiva com baixo risco cardiovascular e carga viral indetectável.
Avaliar a associação entre níveis de marcadores inflamatórios e espessura da carótida em pessoas vivendo com HIV, sob terapia antirretroviral e com baixo risco cardiovascular.
Para determinar o baixo risco cardiovascular em ambos os grupos (indivíduos infectados e não-infectados pelo HIV), foi utilizado o Escore de Risco de Framingham. Os marcadores inflamatórios (IFN-γ, TNF-α, IL-1β, IL-6, sVCAM-1 e sICAM-1) foram avaliados por citometria de fluxo. A espessura da carótida (mm) foi mensurada por meio de ultrassom com Doppler. O nível de significância foi de p < 0,05.
Em pessoas vivendo com HIV, a idade e o tabagismo foram associados a alterações da espessura da carótida. No grupo não-HIV, idade e níveis mais altos de colesterol total e LDL foram associados ao aumento da espessura da carótida. Utilizando a análise multivariada, observou-se associação significativa entre os níveis de TNF-α e IL-1β e maior chance de desenvolvimento de aterosclerose no grupo com HIV.
Ambos os grupos têm risco semelhante de desenvolver doença cardiovascular, portanto, nosso estudo demonstra que indivíduos HIV-positivos com carga viral indetectável em terapia antirretroviral sem inibidores de protease e com baixo risco cardiovascular não apresentam diferenças na espessura da carótida em relação aos indivíduos não-infectados.
Palavras-chave: HIV; Infecções por HIV; Doenças Cardiovasculares; Terapia Antirretroviral; Fatores de Risco; Doenças das Artérias Carótidas; Aterosclerose
People living with HIV are at increased risk of cardiovascular disease and carotid thickness, due to the inflammation caused by the virus, the antiretroviral therapy, and other risk factors. However, few studies have observed the occurrence of cardiovascular diseases and carotid thickness in HIV-positive population at low cardiovascular risk and with undetectable viral load.
To evaluate the association between levels of inflammatory markers and carotid thickness in people living with HIV, under antiretroviral therapy and at low cardiovascular risk.
To determine low cardiovascular risk in both groups (HIV infected and non-infected individuals), the Framingham Risk Score was used. Inflammatory markers (IFN-γ, TNF-α, IL-1β, IL-6, sVCAM-1, and sICAM-1) were assessed using flow cytometry. Carotid thickness (mm) was measured using Doppler ultrasound. Level of significance was p < 0.05.
In People living with HIV, age and smoking status were associated with carotid thickness alterations. In the non-HIV group, age, higher total cholesterol, and LDL levels were associated with increased carotid thickness. Using the multivariate analysis, a significant association between TNF-α and IL- 1( levels, and a higher chance of atherosclerosis development in HIV group were observed.
Both groups have a similar risk for developing cardiovascular disease, therefore our study demonstrates that HIV-positive individuals with undetectable viral load in antiretroviral therapy without protease inhibitors and with low cardiovascular risk do not present differences in carotid thickness in relation to uninfected individuals.
Keywords: HIV; HIV Infections; Cardiovascular Diseases; Antiretroviral Therapy; Risk Factors; Caroti Artery Diseases; Atherosclerosis
O aumento da longevidade em pessoas vivendo com HIV (PVHIV) devido à terapia antirretroviral de alta atividade (HAART) aumentou a incidência de condições crônicas, como as doenças cardiovasculares.1 Segundo alguns estudos, o vírus e a terapia antirretroviral (TARV) são fatores que favorecem o aumento de fatores inflamatórios e o espessamento da carótida.2,3 Indivíduos infectados por HIV apresentam altos níveis de proteína C-reativa, associada à aterosclerose e ao infarto do miocárdio. Os níveis de interleucina-6 (IL-6), fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), interferon gama (IFN-γ), interleucina-1 (IL-1), moléculas de adesão intracelular (sICAM) e de adesão vacular (sVCAM), que aumentam na progressão da doença cardiovascular, também encontram-se aumentados nessa população.4-6
Estudos anteriores não avaliaram fatores de progressão da doença cardiovascular na população considerada de baixo risco cardiovascular, deixando de observar o verdadeiro possível efeito da inflamação causada pelo vírus e o efeito adverso dos antirretrovirais sem a interferência de fatores intrínsecos que afetam o risco cardiovascular nesses pacientes. Além disso, ainda não foi estudada uma população na qual todos os pacientes apresentassem carga viral indetectável de RNA do HIV-1 e usassem apenas inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos (NRTIs) e Inibidores da transcriptase reversa não-nucleosídeos (NNRTIs), uma vez que inibidores de protease (IP) têm alto efeito adverso sobre distúrbios cardiovasculares.
O presente estudo avaliou a associação de marcadores inflamatórios IFN-γ, IL-1β, IL-6, TNF-α, proteína C-reativa, sVCAM-1 e sICAM-1 e a espessura da carótida em pessoas infectadas pelo HIV, em uso de NRTIs análogos e NNRTIs e baixo risco cardiovascular. Além disso, foram comparados os níveis de espessura da camada íntima-média de artéria carótida (EMIC) e marcadores inflamatórios entre indivíduos infectados e não infectados pelo HIV, estratificados por idade.
Este estudo analítico transversal com 115 pacientes foi realizado no Hospital das Clínicas - Universidade Federal de Pernambuco, na região Nordeste do Brasil. Os participantes foram selecionados por amostragem de conveniência. Noventa e nove pacientes eram portadores de HIV (grupo HIV) e foram atendidos no Serviço Especializado de Saúde em HIV/AIDS, outros 16 indivíduos eram saudáveis e foram utilizados como controle (grupo não HIV); ambos os grupos tinham idade entre ≥ 18 e ≤ 60 anos. Todos os pacientes com HIV estavam sob TARV iniciada a qualquer momento a partir do diagnóstico com dois NRTIs e um NNRTI, tinham carga viral de RNA do HIV-1 indetectável e não se encontravam sob tratamento para dislipidemia. Os controles saudáveis foram acompanhantes de pacientes atendidos no Serviço de Urologia do mesmo hospital. O baixo risco de doença cardiovascular também foi um critério de inclusão para ambos os grupos, calculado pelo Escore de Risco de Framingham (ERF). O ERF estima a probabilidade de infarto do miocárdio ou morte por doença coronariana em 10 anos em indivíduos sem aterosclerose clínica prévia. O cálculo do risco utiliza parâmetros como sexo, idade, níveis de colesterol total e HDL, pressão arterial sistólica e tabagismo.7
Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), os dados foram coletados através de questionários padronizados, com base em prontuários e/ou entrevistas, de acordo com: idade, sexo, raça, tipo e tempo da TARV, contagem de células T CD4 +, carga viral de RNA do HIV-1, tabagismo e diabetes. As contagens de células T CD4 + foram estimadas através da citometria de fluxo usando o FACSCalibur (Becton-Dickinson, EUA) e os resultados foram expressos em células/mm3. A carga viral do HIV foi medida usando a reação em cadeia da polimerase em tempo real (RT-PCR) (Roche Diagnostics, Alemanha) com limite de detecção de 50 cópias/mL. Posteriormente, foram realizados os exames de lipidograma, as medidas de medidas da espessura mediointimal de carótida (EMIC) e a avaliação dos níveis de biomarcadores inflamatórios. No momento em que o paciente foi incluído no estudo, o sangue deste foi coletado para determinações de lipidogramas e biomarcadores inflamatórios. Também foram realizados avaliação da pressão arterial e ultrassom de carótida com Doppler.
O colesterol total, HDL e triglicerídeos foram examinados usando o analisador automático CMD800i (Wiener LAB) com metodologia fotométrica. O sangue foi coletado sem anticoagulante e imediatamente enviado ao laboratório para análise. Os valores de colesterol LDL e VLDL foram obtidos pela fórmula de Friedwald.
Os marcadores inflamatórios (IFN-γ, TNF-α, IL-1β, IL-6, sVCAM-1 e sICAM-1) foram avaliados pelo método citometric bead array (CBA). Os resultados foram gerados em formato tabular e gráfico usando o BD CBA Software FCAP Array, versão 3.01. A proteína C-reativa ultrassensível foi medida através da técnica de imunoturbidimetria usando o analisador automático CMD800i (Wiener LAB), reagindo com o anticorpo específico para formar imunocomplexos insolúveis. A turbidez produzida pelos imunocomplexos é proporcional à concentração de PCR na amostra.
A mensuração foi realizada com aparelho de ultrassom (General Eletric, modelo LOGIQe BT12), que possui o software DICOM 3.0 e o Auto IMT, com imagens automáticas e bem monitoradas. Os exames de imagem foram realizados por dois médicos cirurgiões vasculares. As medidas foram realizadas na parede posterior do vaso estudado em uma área livre de platô e definida como a distância entre duas linhas ecogênicas representadas pela interface lúmen-íntima e adventícia mediana da parede arterial. A medida automática média da artéria carótida comum espessada foi definida como direita (CCD) ou esquerda (CCE). A presença de placa foi considerada quando espessamento médio-íntimal (EMI) > 1,5 mm foi observado.8-10
As análises estatísticas foram realizadas no software STATA, versão 11.0. O nível de significância foi de p < 0,05. As variáveis também foram analisadas estratificadas por idade, com limite de 40 anos devido à distribuição de N no grupo de casos. As variáveis qualitativas foram expressas por frequências absolutas e relativas, e as quantitativas, por estatísticas descritivas, como média, desvio padrão, mediana, e percentil de 25 e 75. As variáveis contínuas que apresentaram distribuição normal foram descritas por média e desvio padrão; no caso de distribuição anormal, elas foram descritas através de mediana e intervalo interquartil. Foi observada distribuição normal para as variáveis quantitativas idade, colesterol total, HDL e LDL, enquanto triglicerídeos, EMIC e marcadores inflamatórios não apresentaram distribuição normal. A normalidade dos dados foi avaliada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Os testes não paramétricos de Kruskal-Wallis e Mann-Whitney foram utilizados para comparar as medianas. O teste t independente de Student foi usado para comparar as médias entre os grupos (HIV+ e HIV-). A análise de correlação foi realizada usando o coeficiente de Spearman. Para selecionar as variáveis mais significativas, foi utilizada uma regressão logística stepwise. As variáveis moderadamente associadas (p < 0,2) à variável dependente foram incluídas no modelo, enquanto um limiar de p < 0,05 foi adotado para a eliminação gradual das variáveis consideradas como fatores de risco.
O Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco (nº 307087) aprovou esta pesquisa e o protocolo do estudo está em conformidade com as diretrizes éticas da Declaração de Helsinque de 1975. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
Participaram do estudo 99 indivíduos HIV-positivos e 16 não-infectados. Indivíduos com 40 anos ou mais representaram 59,6% das pessoas infectadas pelo HIV e 75% do grupo controle. Comparando as características dos grupos, houve diferenças nos marcadores inflamatórios IFN-γ, IL-1 e TNF-α, com níveis mais elevados no grupo controle. Em relação à EMIC, não houve diferença significativa entre os grupos, e a distribuição de gênero, bem como o tabagismo e a diabetes, foram semelhantes entre si. As duas variáveis a seguir apresentaram significância limítrofe: os níveis de colesterol HDL foram maiores nos pacientes com HIV, enquanto o LDL médio foi menor nesse grupo. No grupo HIV-positivo, 37% dos pacientes tinham menos de cinco anos de TARV, 29,3% entre 5 e 10 anos e 33,7% mais de 10 anos. Em relação aos níveis de CD4 e de carga viral durante o período de admissão no estudo, 90,5% dos indivíduos apresentavam níveis de CD4 acima de 350 células/mm3 e todos tinham carga viral indetectável. Entre os esquemas terapêuticos com NRTIs, 98 (98,98%) deles continham lamivudina, 65 (65,65%) continha zidovudina, 32 (32,32%) continham tenofovir e três (3,03%) continham didanosina. Para os NNRTIs, 93 (93,93%) usaram efavirenz e seis (6,06%) usaram nevirapina (Tabela 1).
Tabela 1 Comparação entre os grupos de pacientes infectados e não-infectados pelo HIV em relação às características demográficas e clínicas, fatores de risco para doenças cardiovasculares, marcadores inflamatórios, medidas de espessura da camada íntima-média da artéria carótida e fatores de risco para infecção
Variáveis | Grupos | Valor de p | |
---|---|---|---|
HIV+ (n = 99) | HIV- (n = 16) | ||
Idadea (anos) | 42,2 ± 8,9 | 48,7 ± 9,1 | 0,007 |
Faixa etária | |||
<40 anos | 40 (40,4%) | 4 (25,0%) | 0,239 |
40 anos ou mais | 59 (59,6%) | 12 (75,0%) | |
Sexo | |||
Feminino | 39 (39,4%) | 4 (25,0%) | 0,404 |
Masculino | 60 (60,6%) | 12 (75,0%) | |
Tabagismo | |||
Sim | 12 (12,1%) | 0 (-) | 0,213 |
Não | 87 (87,9%) | 16 (100%) | |
Diabetes | |||
Sim | 3 (3,0%) | 0 (-) | 1,000 |
Não | 96 (97,0%) | 16 (100%) | |
Lipidograma (mg/dL) | |||
Colesterol Total* | 184,0 ± 35,4 | 190,37 ± 48,9 | 0,528 |
HDL* | 50,3 ± 14,2 | 43,6 ± 7,8 | 0,069 |
LDL* | 105,3 ± 27,2 | 118,5 ± 38,2 | 0,093 |
Triglicerides† | 116,2 (79,6; 176) | 120,1 (90,1; 191,3) | 0,695 |
EIMC (mm) | |||
EIMC média* | 0,573 ± 0,123 | 0,586 ± 0,116 | 0,697 |
Marcadores inflamatórios† | |||
PCR US | 0,1 (0; 0,4) | 0,1 (0; 0,3) | 0,680 |
ICAM-1 | 0 (0; 0) | 0 (0; 0) | 1,000 |
VCAM-1(x10-3) | 12,12 (11,42; 12,62) | 12,94 (10,59; 13,47) | 0,071 |
IFN | 2,16 (1,98; 2,40) | 2,67 (2,29; 2,91) | 0,002 |
IL-1 | 2,87 (2,87; 2,87)‡ | 2,87 (2,87; 4,08) | 0,027 |
IL-6 | 2,1 (2,1; 2,1)‡ | 2,1 (2,1; 2,1)‡ | 0,689 |
TNF-α | 2,26 (2,26; 2,26)‡ | 2,26 (2,26; 7,55) | 0,005 |
Tempo de TARV (anos) | |||
< 5 anos | 34 (37,0%) | - | - |
> 5 e < 10 anos | 27 (29,3%) | - | |
≥ 10 anos | 31 (33,7%) | - | |
CD4+ ContagemCelular (Celulas/mm3) | |||
< 200 | 2 (2,1%) | - | - |
200-349 | 7 (7,4%) | - | |
≥ 350 | 86 (90,5%) | - | |
Antirretrovirais | |||
Lamivudina | 98 (98,98%) | ||
Zidovudina | 65 (65,65%) | ||
Tenofovir | 32 (32,32%) | ||
Didanosina | 3 (3,03 %) | ||
Efavirenz | 93 (93,93%) | ||
Nevirapina | 6 (6,06%) |
*Média ± DP - foi aplicado o teste t de Student.
†Mediana (P25; P75) - foi aplicado o teste de Kruskall-Wallis.
‡Valores abaixo do limite de detecção do teste.
HDL: lipoproteina de alta densidade; LDL: lipoproteína de baixa densidade; EIMC: espessura da camada íntima-média de artéria carótida; TARV: terapia antirretroviral.
Nos indivíduos infectados pelo HIV, foram observados níveis mais altos de HDL e LDL, EMIC, contagem de células T CD4+ e tempo de TARV nos indivíduos mais velhos (Tabela 2). O percentil 75 calculado para 115 pacientes foi de 0,61 mm. Portanto, a IMC foi considerada espessada se >0,61 mm. No grupo HIV-positivo, foi detectada EMIC ≥0,61 mm em 51 indivíduos (51,51%), dos quais 78,4% tinham 40 anos ou mais. Para o grupo não-HIV, a presença de EMIC ≥ 0,61 mm foi de 56,25% (nove indivíduos), sendo que 88,9% desses pacientes tinham 40 anos ou mais. Embora tenha sido evidenciada associação entre indivíduos infectados pelo HIV com 40 anos ou mais e o aumento da espessura da carótida, uma comparação entre as razões de chances (odds ratio) brutas e de Mantel-Haenszel mostrou que a associação entre idade e espessura maiores é independente do status da infecção. Níveis mais altos de colesterol total e LDL foram associados à EMIC ≥ 0,61 mm no grupo não-HIV (Tabela 3). Foi observada uma associação significativa com os níveis de TNF-α na análise multivariada após ajustes por idade, tabagismo e nível de colesterol. Assim, níveis aumentados de TNF-α foram associados a maior chance de aterosclerose. Indivíduos com níveis elevados de IL1-β tiveram maior chance de aterosclerose com valor de p próximo à significância (Tabela 4).
Tabela 2 Comparação das características demográficas, clínicas e laboratoriais, espessura da camada íntima-média da artéria carótida e características da terapia antirretroviral relacionada à idade de indivíduos infectados pelo HIV
Variáveis | Faixa etária | Valor de p | |
---|---|---|---|
< 40 anos (n = 40) | ≥ 40 anos (n = 59) | ||
Sexo | |||
Feminino | 14 (35,0%) | 25 (42,4%) | 0,461 |
Masculino | 26 (65,0%) | 34 (57,6%) | |
Tabagismo | |||
Sim | 3 (7,5%) | 9 (15,2%) | 0,246 |
Não | 37 (92,5%) | 50 (84,8%) | |
Diabetes | |||
Sim | 1 (2,5%) | 2 (3,4%) | 0,800 |
Não | 39 (97,5%) | 57 (96,6%) | |
Lipidograma (mg/dL) | |||
Colesterol total* | 169,3 ± 33,1 | 193,9 ± 33,8 | 0,001 |
HDL* | 45,6 ± 9,9 | 53,4 ± 15,8 | 0,007 |
LDL* | 97,5 ± 23,4 | 110,9 ± 28,5 | 0,002 |
Triglicérides† | 130,5 (76; 199) | 111,4 (81; 174) | 0,571 |
EIMC (mm)* | |||
EIMC media | 0,521 ± 0,070 | 0,609 ± 0,138 | < 0,001 |
Marcadores inflamatórios† | |||
PCR US | 0,2 (0; 0,4) | 0,1 (0; 0,3) | 0,298 |
ICAM-1 | 0 (0; 0) | 0 (0; 0) | 1,000 |
VCAM-1(x10-3) | 12,06 (11,59; 12,49) | 12,12 (10,42; 12,75) | 0,764 |
IFN | 2,18 (2,05; 2,42) | 2,16 (1,91; 2,37) | 0,255 |
IL-1 | 2,87 (2,87; 2,87) | 2,87 (2,87; 2,87) | 0,529 |
IL-6 | 2,1 (2,1; 2,1) | 2,1 (2,1; 2,1) | 0,689 |
TNF-α | 2,26 (2,26; 2,26) | 2,26 (2,26; 2,26) | 0,522 |
Tempo de TARV (anos) | |||
< 5 | 20 (54,1%) | 14 (25,5%) | 0,005 |
5-10 | 11 (29,7%) | 16 (29,1%) | |
≥ 10 | 6 (16,2%) | 25 (45,4%) | |
CD4+ T Contagem Celular (Células/mm3) | |||
< 200 | 0 (2,1%) | 2 (3,5%) | 0,013 |
200-349 | 6 (7,4%) | 1 (1,8%) | |
≥ 350 | 32 (84,2%) | 54 (94,7%) |
*Média ± DP - foi aplicado o teste t de Student.
†Mediana (P25; P75) - foi aplicado o teste de Kruskall-Wallis.
HDL: lipoproteina de alta densidade; LDL: lipoproteína de baixa densidade; EIMC: espessura da camada íntima-média de artéria carótida; TARV: terapia antirretroviral.
Tabela 3 Fatores de risco relacionados à espessura da camada íntima-média da artéria carótida, estratificados de acordo com a condição de infecção pelo HIV
Variáveis | HIV+ | HIV- | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
< 0,61 mm | ≥ 0,61 mm | Valor de p | < 0,61 mm | ≥ 0,61 mm | Valor de p | |
Idadea (anos) | 37,9 ± 7,1 | 46,3 ± 8,5 | < 0,001 | 44,0 ± 9,8 | 52,4 ± 7,0 | 0,063 |
Faixa etária | ||||||
< 40 | 29 (60,4%) | 11 (21,6%) | < 0,001b | 3 (42,9%) | 1 (11,1%) | 0,192† |
≥ 40 | 19 (39,6%) | 40 (78,4%) | 4 (57,1%) | 8 (88,9%) | ||
Sexo | ||||||
Feminino | 19 (39,6%) | 20 (39,2%) | 0,970 | 2 (28,6%) | 2 (22,2%) | 0,608 |
Masculino | 29 (60,4%) | 31 (60,8%) | 5 (71,4%) | 7 (77,8%) | ||
Tabagismo | ||||||
Sim | 3 (6,3%) | 9 (17,7%) | 0,082 | 0 (-) | 0 (-) | - |
Não | 45 (93,7%) | 42 (82,3%) | 7 (100%) | 9 (100%) | ||
Diabetes | ||||||
Sim | 1 (2,1%) | 2 (3,9%) | 0,594 | 0 (-) | 0 (-) | - |
Não | 47 (97,9%) | 49 (96,1%) | 7 (100%) | 9 (100%) | ||
Lipidograma (mg/dL) | ||||||
Colesterol total * | 178,1 ± 33,8 | 199,9 ± 58,3 | 0,395 | 175,7 ± 31,5 | 191,8 ± 37,4 | 0,023 |
HDL* | 41,5 ± 9,8 | 45,2 ± 5,9 | 0,362 | 50,4 ± 17,6 | 50,1 ± 10,3 | 0,931 |
LDL* | 110,9 ± 23,3 | 124,4 ± 47,4 | 0,504 | 98,5 ± 21,7 | 111,4 ± 30,2 | 0,020 |
Triglicérides‡ | 113 (72; 181) | 118 (86; 174) | 0,459 | 117 (86; 169) | 122 (101; 200) | 0,560 |
Marcadores inflamatórios ‡ | ||||||
PCR US | 0,1 (0; 0,4) | 0,1 (0; 0,4) | 0,966 | 0,1 (0; 0,6) | 0,1 (0; 0,1) | 0,581 |
ICAM-1¥ | - | - | - | - | - | - |
VCAM-1(x10-3) | 12,1 (11,3; 12,6) | 12,0 (11,4; 12,6) | 0,931 | 13,0 (6,6; 13,6) | 12,9 (10,8; 13,4) | 1,000 |
IFN | 2,16 (1,98; 2,37) | 2,21 (1,93; 2,43) | 0,481 | 2,91 (1,96; 3,24) | 2,66 (2,32; 2,72) | 0,368 |
IL-1 | 2,87 (2,87; 2,87) | 2,87 (2,87; 2,87) | 1,000 | 2,87 (2,87; 4,40) | 2,87 (2,87; 3,77) | 0,597 |
IL-6¥ | - | - | - | - | - | 0,149 |
TNF-α | 2,26 (2,26; 2,26) | 2,26 (2,26; 2,26) | 0,328 | 2,26 (2,26; 6,75) | 2,26 (2,26; 13,7) | 0,634 |
Tempo de TARV (anos) | ||||||
≤ 5 | 19 (43,2%) | 15 (31,2%) | 0,383 | - | - | - |
5-10 | 13 (29,5%) | 14 (29,2%) | - | - | - | |
≥ 10 | 12 (27,3%) | 19 (39,6%) | - | - | - |
*Média ± DP - foi aplicado o teste t de Student.
†OR brute, 5,47 (2,41-12,93); OR Mantel-Haenszel, 5,60 (2,43-12,9).
‡Mediana (P25; P75) - foi aplicado o teste de Mann-Whitney.
¥Não há variação (todos os valores são iguais ao mínimo).
HDL: lipoproteina de alta densidade; LDL: lipoproteína de baixa densidade; TARV: terapia antirretroviral.
Tabela 4 Associação dos fatores de risco relacionados à espessura da camada íntima-média da artéria carótida, análise multivariada estratificada de acordo com o status de infecção pelo HIV
Marcadores inflamatórios‡ | HIV+ | HIV- | ||
---|---|---|---|---|
EIMC > 0,61 mm OR (IC 95%)* | Valor de p | EIMC > 0,61 mm OR (IC 95%)† | Valor de p | |
PCR US | 1, 17 (0,45-2,98) | 0,747 | 0,31 (0,02-5,31) | 0,425 |
VCAM-1(x10-3) | 0, 54 (0,21-1,38) | 0,197 | 1,08 (0,07-17,4) | 0,954 |
IFN | 1, 76 (0,69-4,51) | 0,238 | - | - |
IL-1 | 10,4 (0,71-151,2) | 0,087 | 6,14 (0,24-156) | 0,272 |
TNF-α | 31,2 (2,70-361) | 0,006 | 3,06 (0,12-79,3) | 0,500 |
*Ajustado por idade e tabagismo.
†Ajustado por idade e colesterol total.
‡Análise considerando o valor mediano dos marcadores.
EIMC: espessura da camada íntima-média de artéria carótida; OR: odds ratio.
Até onde sabemos, este é o primeiro estudo a avaliar biomarcadores inflamatórios com presença de EMIC apenas em indivíduos considerados de baixo risco cardiovascular, com uso exclusivo de NRTIs e NNRTIs e com carga viral indetectável de RNA do HIV-1 em uma população de pacientes infectados com HIV.
Na análise univariada, verificou-se que os biomarcadores inflamatórios (IFN-γ, IL-1β e TNF-α) foram mais altos no grupo não-HIV. Esses dados contrastam com os de Ross et al.,2 que descobriram que TNF-α, hs-CRP, IL-6 e sVCAM-1 eram significativamente maiores no grupo infectado pelo HIV. Bethan et al.11 também observaram aumentos mais significativos das proteínas IL-6 e C-reativa nos soropositivos para o HIV em comparação aos controles. Nosso estudo excluiu pacientes com carga viral detectável, o que contribui para o aumento desses marcadores. Por outro lado, os estudos citados não utilizaram a carga viral detectável como critério de exclusão, o que pode ter influenciado na discordância dos resultados. As amostras obtidas de doadores de plasma antes, durante e após a aquisição do HIV demonstraram elevações em várias citocinas durante a expansão viral,12 e o início da TARV na infecção crônica está associado a um declínio nos níveis circulantes de algumas citocinas, incluindo IL-1β, IL- 6 e TNF-α, possivelmente pela redução da carga viral.13 Uma limitação importante do presente estudo é o fato de o grupo não-HIV consistir em indivíduos mais velhos em comparação com os infectados. Esse fator pode ter contribuído para a determinação de níveis mais elevados dos marcadores inflamatórios e colesterol total e LDL mencionados acima e, consequentemente, também pode ter distorcido os resultados da associação do colesterol total e LDL com a EIMC ≥0,61 mm. No entanto, vale ressaltar que há uma grande divergência em vários estudos sobre alterações de lipidograma em indivíduos infectados pelo HIV.2,14 Por exemplo, no estudo de Ross et al.,2 o grupo infectado pelo HIV apresentou HDL médio mais baixo, mas o colesterol total, triglicerídeos e LDL foram semelhantes entre os grupos. Os níveis de LDL e triglicerídeos foram correlacionados positivamente com a EMIC. Os indivíduos infectados pelo HIV apresentaram valores significativamente mais altos de triglicerídeos e valores mais baixos de colesterol total, HDL e LDL em comparação ao grupo controle.14,15
Foi demonstrado que indivíduos acima de 40 anos apresentaram níveis significativamente mais altos de colesterol total, HDL e LDL, além de EMIC média mais alta, reforçando que a idade mais avançada é um fator associado à sua medida de espessura alterada. As médias da EMIC não mostraram diferença estatisticamente significativa quando comparadas a indivíduos com e sem HIV. Lorenz et al.16 demonstraram maior EMIC no grupo HIV quando comparado ao grupo controle. Segundo Falcão et al.,17 os pacientes classificados como de risco cardiovascular médio ou alto, com base no escore de Framingham, apresentaram 3,7 vezes mais chances de apresentar aterosclerose do que os pacientes considerados de baixo risco. Em outro estudo, pacientes com aterosclerose subclínica apresentaram maior escore de risco em comparação àqueles com espessura normal a média-normal. Para cada aumento de 10% no ERF, as chances de EMIC anormal triplicaram.18 No entanto, o baixo número de indivíduos no grupo controle indica outra limitação importante para nossos resultados, o que pode explicar a falta de associação estatística da espessura da carótida e infecção pelo HIV. Assim, em estudos posteriores, seria necessário um grupo maior de indivíduos para investigar melhor essa hipótese.
Maior idade média foi associada a maior EMIC em indivíduos infectados e não infectados pelo HIV. Ao controlar a idade e a EMIC pelo status de infecção, a análise estratificada verificou que a infecção pelo HIV não interfere em sua associação, ou seja, a relação mencionada acima é independente do status de infecção na população analisada. No entanto, um tamanho amostral maior seria necessário para dar maior poder estatístico à análise, considerando o amplo intervalo de confiança das odds ratios bruta e de Mantel-Haenszel.
Ao avaliar a associação entre marcadores inflamatórios e EMIC, observou-se associação significativa com TNF-α na análise multivariada, pois o aumento dos níveis de IL1-β(apresentou maior chance de aterosclerose com valor de p próximo à significância. Ssinabulya et al.18 encontraram altos níveis de PCR-us não associados à EMIC. Entretanto, em outros estudos, a maior EMIC foi associada a níveis mais altos de IL-2, IL-6, TNF-α, PCR-us e sVCAM-12,3. Tanto nossos estudos quanto os outros citados têm pequeno tamanho amostral, sendo necessárias mais investigações para confirmar com maior precisão a relação entre marcadores inflamatórios e a ocorrência de aterosclerose carotídea. Nosso resultado pode ser explicado pela seleção cuidadosa de nossos pacientes. Ambos são atendidos em um centro de referência para tratamento do HIV, com bom acompanhamento médico. Nossa amostra avalia um paciente “ideal”, com carga viral indetectável por provavelmente um longo período de tempo, já que o tempo de TARV é superior a cinco anos em 63% deles e não houve uso prévio ou atual de inibidores de protease. Além disso, o cálculo do ERF para doenças cardiovasculares é baixo. Esses dados apontam para a importância da conscientização dos pacientes entre os profissionais de saúde, orientando-os e controlando fatores de risco como tabagismo, diabetes, hipertensão e dislipidemia.
Indivíduos HIV-positivos com carga viral indetectável de RNA HIV-1, com baixo risco de doença cardiovascular, utilizando NRTI e NNRTI apresentaram espessura carotídea semelhante em comparação com pessoas não-infectadas. Os marcadores inflamatórios IL-6, hs-PCR, sVCAM-1 e sICAM-1 apresentaram níveis semelhantes nos grupos estudados e IFN-γ, IL-1 e TNF-α apresentaram níveis mais baixos na população com HIV. Ao avaliar a associação entre marcadores inflamatórios e EMIC na análise multivariada, TNF-α e IL1-β mostraram-se associados a uma maior chance de espessamento da carótida. Nosso estudo demonstra que indivíduos HIV-positivos com carga viral indetectável em TARV sem inibidores de protease e com baixo risco cardiovascular não apresentam diferenças na espessura da carótida em relação aos indivíduos não-infectados. O controle da carga viral com NRTIs e NNRTIs, além da manutenção de parâmetros de risco cardiovascular sob controle - como tabagismo, diabetes e dislipidemia - possivelmente resultam em pacientes com HIV com menor risco de ocorrência de aterosclerose subclínica.