Compartilhar

Biomarcadores na doença de Parkinson: avaliação da expressão gênica no sangue periférico de pacientes com e sem mutações nos genes PARK2 e PARK8

Biomarcadores na doença de Parkinson: avaliação da expressão gênica no sangue periférico de pacientes com e sem mutações nos genes PARK2 e PARK8

Autores:

Patricia Maria de Carvalho Aguiar,
Patricia Severino

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.8 no.3 São Paulo jul./set. 2010

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1674

INTRODUÇÃO

A doença de Parkinson (DP) é a segunda doença neurodegenerativa mais comum e possui etiologia multifatorial, envolvendo fatores genéticos e ambientais. Muito embora os pacientes com etiologia claramente genética não sejam os mais comuns, a descoberta de genes relacionados à DP tem contribuído para o esclarecimento da fisiopatologia da doença, possibilitando desvendar a cadeia de eventos relacionados ao processo neurodegenerativo, bem como de que forma os fatores ambientais estariam interagindo com os fatores genéticos, predispondo à morte neuronal(1).

Nos últimos anos, uma série de genes relacionados à DP foram clonados: SNCA (alfa-sinucleína); PARK2 (Parkin), PARK5 (UCHL1), PARK6 (PINK1), PARK7 (DJ1), PARK8 (LRRK2), PARK9 (ATP13A2). Destes, as alterações mais frequentemente encontradas estão nos genes PARK2, nas formas com herança autossômica recessiva, e PARK8, nas formas com herança autossômica dominante. Mutações no gene PARK2 estão predominantemente relacionadas à DP de início precoce (com início antes dos 50 anos), enquanto as mutações no PARK8 foram inicialmente descritas em pacientes com início da doença após essa idade, mas há descrições recentes de pacientes com início precoce(2). Muito embora o gene PARK2 tenha sido inicialmente relacionado à herança autossômica recessiva, há um crescente número de relatos de casos de parkinsonianos que apresentam uma única mutação nesse gene, e questiona-se se um único alelo mutado seria apenas uma fator de risco ou um fator causal para a DP(3). Nossos resultados preliminares mostram que mutações nos genes PARK2 ou PARK8 associam-se a 18% dos casos de DP de início precoce entre brasileiros(2).

É provável que diferentes causas genéticas de parkinsonismo estejam conectadas por meio de vias metabólicas em comum. As funções e interações das proteínas produzidas por esses genes ainda não estão completamente esclarecidas, porém, alguns estudos já nos permitem afirmar que mutações nesses genes levam a disfunções na via ubiquitina-proteassoma (UP) e/ou à maior suscetibilidade ao estresse oxidativo(4,5). Em cultura de células, verificou-se que há interação entre os produtos dos genes PARK2 (Parkina) e PARK8 (LRRK2). Parkina é uma ubiquitina-ligase E3 e LRRK2 é uma quinase. Aparentemente, as duas interagem por meio do domínio RING2 da parkina(5). Sabe-se que a proteína sinfilina-1, encontrada nos corpúsculos de Lewy, interage com a parkina, mas uma série de outros substratos ligados a essas proteínas e à via UP ainda são desconhecidos.

Atualmente, não existe tratamento curativo para a DP, apenas sintomático, não sendo possível evitar sua progressão. O processo neurodegenerativo começa muito antes de as primeiras manifestações clínicas aparecerem. Ao surgimento dos primeiros sintomas, estima-se que já tenha havido uma perda de 75% da população de neurônios dopaminérgicos na substância negra pars compacta, uma das principais regiões afetadas na DP. Não se sabe exatamente em que época da vida esse processo se inicia. O diagnóstico pré-sintomático desses indivíduos seria de grande valia tanto para a melhor compreensão da fisiopatologia da doença, como para a possibilidade de tratamento precoce, uma vez que terapias neuroprotetoras se tornem disponíveis.

A descoberta de biomarcadores para a DP traria grande benefício para a identificação de pacientes em risco de desenvolver a doença, bem como para o diagnóstico e acompanhamento de sua progressão. Além disso, a descoberta de novas vias envolvidas no processo neurodegenerativo possibilitaria a identificação de potenciais novos alvos terapêuticos.

Uma das maiores dificuldades em se encontrarem bons biomarcadores para a DP é o fato de que suas manifestações ocorrem predominantemente no sistema nervoso central (SNC) e esse tecido não é facilmente acessível em vida. Estudos recentes mostraram modificações importantes da expressão gênica na substância negra de pacientes com DP(68). Entretanto, para que marcadores moleculares tenham aplicação clínica, sua detecção por meio de métodos pouco invasivos, como em sangue periférico, é desejável. Embora a DP tenha seus sinais cardinais relacionados à degeneração de células do SNC, modificações pró-apoptóticas e alterações da atividade do sistema UP, possivelmente relacionadas à ativação das caspases, já foram observadas em leucócitos do sangue periférico de pacientes(9,10). Verificou-se, também, que linfócitos do sangue periférico podem ser utilizados para estudar modificações nos sistemas de receptores e neurotransmissores de algumas doenças neurodegenerativas. Na DP, constatou-se uma redução da imunorreatividade do transportador de dopamina (DAT) em linfócitos do sangue periférico(11). Um estudo recente utilizando microarrays identificou marcadores moleculares da DP de início precoce no sangue periférico(12). A utilização de microarrays de DNA pode avaliar a expressão gênica de milhares de genes em paralelo, permitindo uma rápida triagem de possíveis biomarcadores.

Assim, estudos da expressão gênica em pacientes com DP com mutações genéticas caracterizadas poderiam fornecer, potencialmente, novos dados sobre genes e proteínas associados ao processo neurodegerativo.

OBJETIVO

Avaliar por microarrays a expressão gênica no sangue periférico de pacientes com DP portadores e não-portadores das mutações nos genes PARK2 e PARK8, comparando-os a controles sadios. Comparar os resultados obtidos quanto à expressão global com informações disponíveis na literatura de forma a contribuir para a validação dos biomarcadores já descritos e avaliar a utilização desse tipo de abordagem para a identificação de marcadores de interesse.

MÉTODOS

Amostra

Foram recrutados 15 pacientes com DP, clinicamente diagnosticados de acordo com os critérios do banco de cérebros da UK Parkinson's Disease Society e provenientes do ambulatório de distúrbios do movimento do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa institucional e todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Dez desses pacientes eram portadores de mutações nos genes PARK2 ou PARK8 (cinco em cada grupo) previamente identificadas(2) e cinco pacientes não possuíam mutações nesses genes. Cinco controles sadios pareados por sexo e idade foram recrutados para comparação com o grupo de parkinsonianos. A pesquisa de mutações nos genes PARK2 e PARK8 foi realizada de acordo com critérios previamente publicados(2). As características desses indivíduos estão ilustradas na tabela 1.

Tabela 1 Características clínicas e moleculares de pacientes e controles 

Grupo Sexo F/M Média de idade e faixa etária (anos) Mutações (número de pacientes)
DP PARK2 3/2 51,8 (41 – 71) C1286-3G (3) A633T (1) 156_157insT (1)
DP PARK8 2/3 42,8 (35 – 51) G6055A (5)
DP sem mutação 3/2 47,8 (42 – 56)
Controles 4/1 46,0 (32 – 68)

F: feminino; M: masculino; DP: doença de Parkinson.

Análise da expressão gênica

Extração de RNA

Para análise da expressão gênica, foi utilizado RNA extraído de 2,5 ml de sangue periférico estabilizado por meio do sistema PAXgene™ Blood RNA System (PreAnalytiX GmbH, Germany), de acordo com as instruções do fabricante. O RNA de todos os indivíduos foi extraído num mesmo dia, em duas etapas e de forma randomizada. A qualidade do RNA obtido foi avaliada com o equipamento Agilent 2100 Eletrophoresis Bioanalyser (Agilent Technologies), que também foi utilizado para a quantificação do RNA para os experimentos com microarrays.

Plataforma de microarrays e desenho experimental

Do ponto de vista de delineamento dos experimentos de microarray, foi utilizado o sistema de uma cor (single-color ou single-channel microarray). Nesse sistema, em que as hibridizações são independentes, cada amostra de RNA foi marcada e hibridizada individualmente em um array. Foram realizadas 20 hibridizações, uma para cada indivíduo do estudo.

A plataforma escolhida foi a Affymetrix® (Santa Clara, Califórnia, USA) e o microarray Human Gene 1.0 st. Essa lâmina contém 28.969 genes, cada um deles representado por, aproximadamente, 26 sondas distribuídas ao longo do gene. Os experimentos foram todos realizados de acordo com as instruções do fabricante e serão descritos, de forma resumida, a seguir.

Síntese de cDNA e marcação do cRNA

O protocolo teve início com a síntese e marcação de cDNA a partir do RNA com o kit GeneChip Whole Transcript Sense Target Labelling Assay (Affymetrix®, Santa Clara, Califórnia, USA). Foram utilizados 100 ng de RNA total para o início do experimento, de acordo com recomendações do fabricante. Para a síntese de cDNA dupla fita, foram utilizados hexâmeros randômicos contendo uma sequência promotora de T7. Esse material foi amplificado pela RNA polimerase T7 gerando cópias de cRNA antissenso. Em um segundo ciclo de síntese de cDNA, hexâmeros randômicos foram utilizados como iniciadores para a transcrição reversa do cRNA obtido no primeiro ciclo. Essa etapa produziu DNA simples fita na orientação senso que foi marcado com um reagente específico (Affymetrix® proprietary DNA Labeling Reagent) covalentemente ligado à biotina pela deoxinucleotidil transferase (TdT). Para os procedimentos iniciais, utilizou-se o kit WT cDNA Synthesis and Amplification (Affymetrix®). Esse kit foi usado para a síntese de cDNA no primeiro e no segundo ciclo, e também para os procedimentos de amplificação linear através da transcrição in vitro. Uma vez realizados esses procedimentos, o DNA de fita única gerado foi fragmentado e marcado com o kit GeneChip® WT Terminal Labeling.

Hibridização e aquisição de dados

O Kit GeneChip Hybridization, Wash and Stain (Affymetrix®) foi utilizado para o preparo das soluções de hibridização e lavagem das lâminas. As amostras de cDNA sintetizadas e marcadas de RNA foram hibridizadas na lâmina Human Gene 1.0 st (Affymetrix®). Foi utilizada uma lâmina por paciente selecionado neste estudo. As lâminas foram incubadas em estufa a 45°C, sendo submetidas a 60 rotações por minuto por 17 horas e, em seguida, lavadas utilizando-se tampões adequados. A aquisição das imagens das lâminas foi realizada com o GeneChip® Scanner 3000 7G, controlado pelo GeneChip Operating Software.

Quantificação da expressão gênica e análise dos dados

Os dados gerados foram normalizados por Robust Multichip Analysis (RMA) com o programa Expression Console (Affymetrix®), utilizando-se os parâmetros RMA background correction, quantile normalization e mean summarization.

A Análise das Componentes Principais (PCA) foi utilizada para avaliar as principais fontes de variação na expressão gênica global entre amostras distintas. A identificação de genes diferencialmente expressos entre grupos de amostras de pacientes foi realizada pelo teste ANOVA. Essas análises foram realizadas com o programa Partek® versão 6.4 (Copyright© 2009 Partek Inc., St. Louis, MO, USA).

RESULTADOS

O presente estudo procurou identificar, em sangue periférico, alterações na expressão de genes possivelmente relacionados com o desenvolvimento da DP em indivíduos portadores de mutações específicas nos genes PARK2 ou PARK8 em comparação com parkinsonianos sem mutações nesses genes e controles normais. Conforme detalhado a seguir, observou-se grande variabilidade entre as amostras estudadas com relação à expressão gênica global, não sendo possível identificar um padrão que diferenciasse esses pacientes de forma clara. Em contrapartida, identificou-se que a expressão de alguns genes estava alterada entre grupos de pacientes, sugerindo um possível papel desses genes na DP.

Padrões de expressão gênica global

Em um primeiro momento, avaliou-se o perfil de expressão gênica global das amostras selecionadas. Com esse propósito, utilizou-se um método de análise das componentes principais de variação (PCA) nesse conjunto de dados (Figura 1). A PCA ressalta que as amostras possuem uma variação de expressão muito acentuada. No sangue periférico, a presença das mutações estudadas não teve impacto global significativo passível de ser constatado em nível de genoma total.

Figura 1 PCA mostrando a projeção dos valores de expressão gênica obtidos por microarrays. Cada esfera representa a expressão global de uma amostra. Cada cor representa um tipo de amostra. Azul: parkinsonianos sem mutação em PARK2 ou PARK8; vermelho: pacientes portadores de mutação em PARK2; roxo: pacientes portadores de mutação em PARK8; verde: controles sadios. 

Investigação de genes diferencialmente expressos entre grupos de pacientes

Uma vez que um padrão de expressão gênica global não refletia as diferenças entre os grupos aqui analisados, foram investigadas diferenças na expressão de genes específicos que poderiam ter um papel significativo no desenvolvimento da DP. Em um primeiro momento, identificou-se um pequeno grupo de genes bem anotados que apresentaram expressão diferencial entre os três grupos de parkinsonianos e indivíduos sadios quando utilizamos como critério de seleção p < 0,005 e fold-change ≥ 1,2. O mesmo critério foi utilizado para a busca de genes diferencialmente expressos entre os grupos, dois a dois. Os dez genes que apresentaram expressão diferencial com maior significância estatística por grupo analisado foram destacados nas tabelas 2 a 6. A escolha do critério para a seleção de genes diferencialmente expressos levou em consideração a grande heterogeneidade entre as amostras.

Tabela 2 Relação de genes diferencialmente expressos entre amostras de parkinsonianos e indivíduos sadios 

Gene RefSeq Fold-change*
TRIM24 NM_015905 1,2
RUFY1 NM_025158 1,38
RICS NM_001142685 1,2
PLCL1 NM_001114661 1,36
NOG NM_005450 1,53
PAIP2B NM_020459 1,27
NUDC NM_006600 1,2
CDR2 NM_001802 1,26
DSC1 NM_024421 1,36
DNM3 NM_015569 1,32

*Fold-change: razão entre a intensidade de expressão dos genes em parkinsonianos comparados aos indivíduos sadios (números negativos indicam maior expressão em parkinsonianos). Essa tabela inclui apenas os genes que apresentaram valor de p < 0,005 e fold-change ≥ 1,2.

Tabela 3 Relação de genes diferencialmente expressos entre parkinsonianos não-portadores de mutações em PARK2 ou PARK8 e indivíduos sadios 

Gene RefSeq Fold-change*
CACHD1 NM_020925 1,20
TRIM24 NM_015905 1,21
PEA15 NM_003768 1,22
RICS NM_001142685 1,22
SORCS3 NM_014978 1,22
TMEM173 NM_198282 1,27
SDHC NM_003001 1,28
ARRB1 NM_004041 1,30
RUFY1 NM_025158 1,39
SIDT2 NM_001040455 1,43

*Fold-change: razão entre a intensidade de expressão dos genes em parkinsonianos não portadores de mutações em PARK2 e PARK8 comparados aos indivíduos sadios (números negativos indicam maior expressão em parkinsonianos). Essa tabela inclui apenas os genes que apresentaram valor de p < 0,005 e fold-change ≥ 1,2.

Tabela 4 Relação de genes diferencialmente expressos entre parkinsonianos portadores de mutação em PARK8 e indivíduos sadios 

Gene RefSeq Fold-change*
TRIM24 NM_015905 1,20
LRRC47 NM_020710 1,20
PPYR1 NM_005972 1,20
LTA NM_001159740 1,21
B3GALTL NM_194318 1,21
IKZF2 NM_016260 1,40
FMN1 NM_001103184 1,86
OCR1 AF314543 -1,74
ARG1 NM_000045 -1,63
SLC26A8 NM_052961 -1,61

*Fold-change: razão entre a intensidade de expressão dos genes em portadores de mutação em PARK8 comparados aos indivíduos sadios (números negativos indicam maior expressão em portadores de mutação em PARK8). Esta tabela inclui apenas os genes que apresentaram valor de p < 0,005 e fold-change ≥ 1,2.

Tabela 5 Relação de genes diferencialmente expressos entre parkinsonianos portadores de mutação em PARK2 e indivíduos sadios 

Gene RefSeq Fold-change*
KLHL32 NM_052904 1,20
OR13G1 NM_001005487 1,20
RICS NM_001142685 1,20
RABGEF1 NM_014504 1,20
PTK2 NM_153831 1,20
PTX3 NM_002852 1,22
TRIM24 NM_015905 1,23
NUDC NM_006600 1,23
GCOM1 NM_001018100 1,23
ARHGAP21 NM_020824 1,25

*Fold-change: razão entre a intensidade de expressão dos genes em portadores de mutação em PARK2 comparados aos indivíduos sadios (números negativos indicam maior expressão em portadores de mutação em PARK2). Esta tabela inclui apenas os genes que apresentaram valor de p < 0,005 e fold-change ≥ 1,2.

Tabela 6 Relação de genes diferencialmente expressos entre parkinsonianos portadores de mutação em PARK2 e em PARK8 

Gene RefSeq Fold-change*
INPP1 NM_001128928 1,21
MGC14436 NR_026661 1,23
PGBD4 NM_152595 1,23
PPYR1 NM_005972 1,26
RPL14P3 XR_038338 1,30
PDE4D NM_001104631 1,32
IKZF2 NM_016260 1,39
GNLY NM_012483 1,69
CYSLTR2 NM_020377 1,73
SNORA22 NR_002961 1,79

*Fold-change: razão entre a intensidade de expressão dos genes em portadores de mutação em PARK2 comparados com portadores de mutação em PARK8 (números negativos indicam maior expressão em portadores de mutação em PARK8). Esta tabela inclui apenas os genes que apresentaram valor de p < 0,005 e fold-change ≥ 1,2.

DISCUSSÃO

A tecnologia de microarrays vem reformulando a maneira tradicional de se fazer pesquisa, pois permite que questões relevantes sejam abordadas sob uma perspectiva integrada, favorecendo o surgimento de novos paradigmas. Os microarrays permitem a avaliação simultânea da expressão de milhares de genes, tendo sido largamente utilizados em experimentos projetados para estudar as funções e as interações de genes dentro de um contexto global. Uma questão central no estudo apresentado aqui é a aplicação de microarrays para a compreensão da biologia da DP. Com essa estratégia, podem-se inferir, por exemplo, vias de sinalização ativadas ou desativadas em pacientes com características genéticas particulares. Uma vez que esse tipo de abordagem estabelece associações entre o genoma e processos biológicos envolvidos na manifestação do fenótipo, a tecnologia gera novas hipóteses que deverão ser testadas em estudos posteriores mediante uso de abordagens mais direcionadas.

A avaliação dos padrões de expressão global das 20 amostras não foi capaz de segregar parkinsonianos de indivíduos sadios, nem de distinguir pacientes portadores de mutações específicas, sugerindo que os efeitos globais dessas mutações no sangue periférico são modestos quando comparados com a variabilidade geral na expressão gênica do material estudado. Essa variabilidade na expressão gênica representa uma combinação entre a variabilidade metodológica e a variação biológica inerente aos pacientes selecionados.

Dentre as variáveis metodológicas, a natureza do ensaio escolhido, análise de expressão gênica por microarrays, traz consigo um número bastante grande de etapas que agregam variáveis à análise. Dentre essas etapas, merecem destaque os processos de coleta, armazenamento de amostras, extração de RNA e protocolo experimental para a hibridização dos arrays. Quanto ao protocolo de hibridização dos arrays, todos os cuidados para a diminuição da variabilidade experimental foram tomados; em particular, ressaltamos a seleção de amostras com qualidade de RNA semelhante, a randomização na seleção da ordem das amostras hibridizadas nos arrays e a realização das etapas experimentais para todas as amostras em um mesmo dia. Dessa forma, pode-se atestar que as diferenças observadas são inerentes às amostras analisadas, podendo ser de natureza biológica. Muito embora a via final comum da DP seja a degeneração neuronal, principalmente no que diz respeito aos neurônios dopaminérgicos da substância negra pars compacta, existe grande dificuldade clínica de se obter amostra homogênea de pacientes, pois eles diferem entre si no que diz respeito à sintomatologia, esquema terapêutico e idade de início da doença, dentre outros aspectos.

Identificou-se uma série de genes diferencialmente expressos em comum entre parkinsonianos, bem como algumas diferenças particulares a cada padrão genético. Dentre esses genes, para efeito de ilustração, destacamos o gene TRIM24. Esse gene apresenta expressão reduzida em todos os grupos de parkinsonianos (p < 0,005; fold-change = 1,2) independentemente da presença de mutações. TRIM24 codifica uma proteína de localização nuclear envolvida, dentre outras funções, no controle de transcrição de alguns receptores nucleares. Recentemente, identificou-se que a proteína TRIM24 tem como alvo a proteína p53(13). Esta proteína está envolvida em diversos processos celulares e, entre estes, o de maior interesse do ponto de vista das doenças neurodegenerativas seria o controle dos mecanismos de apoptose e autofagia. No sistema nervoso central (SNC), na presença de citotoxicidade ou isquemia, observa-se aumento dos níveis de p53 e apoptose(14). TRIM24 atua negativamente como reguladora de p53. Estudos em modelo animal mostram que a depleção de TRIM24 pode levar à apoptose induzida por p53(13). Há uma série de estudos demonstrando que os níveis de p53 estão aumentados em algumas regiões do SNC em pacientes com doenças neurodegenerativas, tais como Alzheimer, Parkinson e esclerose lateral amiotrófica(14). O estresse oxidativo é um dos fatores que possivelmente contribuem para a DP. Na presença de danos ao DNA, os quais podem ocorrer, por exemplo, em situações de estresse oxidativo, ocorre apoptose induzida por p53(14). Recentemente, identificou-se que a proteína parkina, que é codificada pelo gene PARK2 (relacionado a uma das formas de DP familiar) é um repressor da transcrição de p53(15). A proteína TRIM24 ainda não foi diretamente relacionada à fisiopatologia da DP, porém identificamos que seu gene encontra-se com a expressão reduzida no sangue periférico de parkinsonianos. Esse achado em particular, se for confirmado com a ampliação da amostra de parkinsonianos e validação da expressão gênica por meio de PCR em tempo real, ilustra como a técnica de microarray em células de sangue periférico pode auxiliar na identificação de biomarcadores, novas vias envolvidas na fisiopatologia da DP e até mesmo na identificação de possíveis alvos terapêuticos.

O foco deste estudo foi analisar o perfil de expressão de pacientes portadores e não-portadores de mutações genéticas relacionadas à DP, verificando se métodos pouco invasivos, como a análise em sangue periférico, podem contribuir para a identificação de biomarcadores e elucidação da fisiopatologia da doença. A hipótese é que o padrão de expressão de genes poderia mostrar particularidades associadas à presença dessas mutações. A avaliação dos padrões de expressão global das amostras não foi capaz de segregar pacientes com base nesses critérios, sugerindo que seus efeitos globais na expressão gênica são modestos quando comparados com a variabilidade geral na expressão gênica do material estudado. Entretanto, a investigação da expressão diferencial de genes específicos pode nos ajudar a inferir mecanismos distintos entre grupos de pacientes e, assim, contribuir para a compreensão da fisiopatologia da DP.

CONCLUSÕES

O pequeno número de amostras estudadas aqui não permitiu conclusões definitivas, mas ofereceu indícios de que alterações moleculares específicas podem existir no sangue periférico de pacientes com DP portadores de mutações com alterações funcionais específicas e que esses também apresentam algumas alterações em comum com pacientes sem mutação. O desafio para esse tipo de estudo reside principalmente na seleção de amostras homogêneas quanto às características clínicopatológicas que permitam uma avaliação consistente do impacto da mutação no desenvolvimento da doença.

Em função dos dados preliminares deste estudo piloto, será planejado um segundo projeto, ampliando-se a amostra de pacientes e controles para que se possa realizar a validação desses genes através da técnica de PCR em tempo real e, uma vez confirmada a expressão diferencial de alguns desses genes num grupo maior de parkinsonianos, iniciar estudos funcionais de algumas das proteínas codificadas pelos mesmos para a elucidação de seu papel na DP e investigar seu possível potencial como biomarcadores da doença.

REFERÊNCIAS

1. Klein C, Schlossmacher MG. Parkinson disease, 10 years after its genetic revolution: multiple clues to a complex disorder. Neurology. 2007;69(22):2093-104.
2. Aguiar Pde C, Lessa PS, Godeiro C Jr, Barsottini O, Felício AC, Borges V, et al. Genetic and environmental findings in early-onset Parkinsons disease Brazilian patients. Mov Disord. 2008;23(9):1228-33.
3. Klein C, Lohmann-Hedrich K, Rogaeva E, Schlossmacher MG, Lang AE. Deciphering the role of heterozygous mutations in genes associated with parkinsonism. Lancet Neurol. 2007;6(7):652-62.
4. Moore DJ, West AB, Dawson VL, Dawson TM. Molecular pathophysiology of Parkinsons disease. Annu Rev Neurosci. 2005;28:57-87.
5. Smith WW, Pei Z, Jiang H, Moore DJ, Liang Y, West AB, et al. Leucine-rich repeat kinase 2 (LRRK2) interacts with parkin, and mutant LRRK2 induces neuronal degeneration. Proc Natl Acad Sci U S A. 2005;102(51):18676-81.
6. Duke DC, Moran LB, Kalaitzakis ME, Deprez M, Dexter DT, Pearce RK, et al. Transcriptome analysis reveals link between proteasomal and mitochondrial pathways in Parkinsons disease. Neurogenetics. 2006;7(3):139-48.
7. Hauser MA, Li YJ, Xu H, Noureddine MA, Shao YS, Gullans SR, et al. Expression profiling of substantia nigra in Parkinson disease, progressive supranuclear palsy, and frontotemporal dementia with parkinsonism. Arch Neurol. 2005;62(6):917-21.
8. Mandel S, Grunblatt E, Riederer P, Amariglio N, Jacob-Hirsch J, Rechavi G, et al. Gene expression profiling of sporadic Parkinsons disease substantia nigra pars compacta reveals impairment of ubiquitin-proteasome subunits, SKP1A, aldehyde dehydrogenase, and chaperone HSC-70. Ann NY Acad Sci. 2005;1053:356-75.
9. Blandini F, Cosentino M, Mangiagalli A, Marino F, Samuele A, Rasini E, et al. Modifications of apoptosis-related protein levels in lymphocytes of patients with Parkinsons disease. The effect of dopaminergic treatment. J Neural Transm. 2004;111(8):1017-30.
10. Blandini F, Sinforiani E, Pacchetti C, Samuele A, Bazzini E, Zangaglia R, et al. Peripheral proteasome and caspase activity in Parkinson disease and Alzheimer disease. Neurology. 2006;66(4):529-34.
11. Pellicano C, Buttarelli FR, Circella A, Tiple D, Giovannelli M, Benincasa D, et al. Dopamine transporter immunoreactivity in peripheral blood lymphocytes discriminates Parkinsons disease from essential tremor. J Neural Transm. 2007;114(7):935-8.
12. Scherzer CR, Eklund AC, Morse LJ, Liao Z, Locascio JJ, Fefer D, et al. Molecular markers of early Parkinsons disease based on gene expression in blood. Proc Natl Acad Sci U S A. 2007;104(3):955-60.
13. Allton K, Jain AK, Herz HM, Tsai WW, Jung SY, Qin J, et al. Trim24 targets endogenous p53 for degradation. Proc Natl Acad Sci U S A. 2009;106(28):11612-6.
14. Miller FD, Pozniak CD, Walsh GS. Neuronal life and death: an essential role for the p53 family. Cell Death Differ. 2000;7(10):880-8.
15. da Costa CA, Sunyach C, Giaime E, West A, Corti O, Brice A, et al. Transcriptional repression of p53 by parkin and impairment by mutations associated with autosomal recessive juvenile Parkinsons disease. Nat Cell Biol. 2009;11(11):1370-5.