versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.113 no.1 São Paulo jul. 2019 Epub 08-Ago-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190131
Os biomarcadores se tornaram uma ferramenta útil para os médicos estabelecerem o diagnóstico e o prognóstico das doenças agudas e crônicas com maior precisão. A rápida expansão das pesquisas nesse campo tem sido estimulada pelo desenvolvimento de técnicas de biologia molecular e ômicas.1
Na doença cardiovascular, a liberação de componentes intracelulares na corrente sanguínea em concentrações mais elevadas que as usuais está relacionada a condições patológicas, como necrose, inflamação, estresse hemodinâmico e trombose, que são considerados potenciais biomarcadores.2 Embora um grande número de biomarcadores cardíacos tenha sido descrito, apenas alguns deles foram incorporados na prática clínica. Sua utilidade depende de sua especificidade e sensibilidade para detectar lesões miocárdicas, reprodutibilidade, precisão e limites discriminatórios para distinguir entre níveis patológicos e fisiológicos.2
A troponina cardíaca (cTn) é um biomarcador que foi estabelecido para o diagnóstico e que também fornece informações prognósticas robustas no infarto agudo do miocárdio (IAM).1 Ela ainda é o biomarcador mais recomendado para detectar lesões miocárdicas, especialmente devido à sua sensibilidade e especificidade, ainda que não indique a etiologia subjacente e o mecanismo fisiopatológico.3 Na Quarta Definição Universal de Infarto do Miocárdio, este é definido quando uma lesão aguda com biomarcadores cardíacos anormais é detectada (um padrão crescente e/ou decrescente de valores de cTn com pelo menos um valor acima do limite de referência superior do percentil 99) associado com evidência de isquemia miocárdica aguda.3
Vários outros biomarcadores representando diferentes eixos fisiopatológicos têm sido considerados uma ferramenta potencial para o diagnóstico e estratificação de risco em pacientes com IAM. Esses biomarcadores emergentes, incluindo a supressão de tumorigenicidade 2 (ST2), galectina-3, copeptina, mieloperoxidase (MPO), proteína C-reativa de alta sensibilidade (PCR-hs), proteína A plasmática associada à gestação (PAPP-A), fator de diferenciação de crescimento -15 (GDF-15), e outros, foram estudados individualmente ou usando uma estratégia multimarcador.4,5 No entanto, mais estudos ainda são necessários para determinar sua utilidade para o diagnóstico e prognóstico do IAM.
Mais recentemente, as sirtuínas têm atraído grande interesse por seus papéis protetores contra a inflamação, câncer, doenças cardiovasculares, envelhecimento vascular e alterações da homeostase da glicose. As sirtuínas foram descobertas pela primeira vez na década de 70; sua principal ação é a remoção de grupos acetilados das proteínas histonas e não histonas na presença de Dinucleótido de Nicotinamida e Adenina (NAD+).6 Os membros da família das sirtuínas estão amplamente distribuídos pela natureza; essa família possui sete isoformas no corpo humano (Sirtuin1-7).7 Entre as sirtuínas, as isoformas 1, 3 e 6 são as mais bem caracterizadas; eles exercem efeitos importantes no sistema cardiovascular contra a aterosclerose, hipertrofia de miócitos, lesão de isquemia-reperfusão, estresse oxidativo, inflamação e estresse do retículo endoplasmático.8-10 Portanto, vários estudos têm se concentrado na modulação de sirtuínas com compostos dietéticos naturais e farmacológicos.9
Nessa edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Kızıltunç et al.,11 publicaram um estudo interessante no qual hipotetizaram o uso do nível sérico das sirtuínas 1, 3 e 6 como possíveis biomarcadores do tamanho do infarto do miocárdio e prognóstico em pacientes com IAM. Os níveis temporais das sirtuínas séricas 1, 3 e 6 e sua associação com os marcadores prognósticos do IAM foram examinados. Pacientes com IAM (n = 40) e pacientes com coronárias normais (n = 40) foram incluídos e avaliados quanto à fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), e níveis séricos de pro-BNP, PCR e sirtuínas 1, 3 e 6. O pico de troponina T, o escore GRACE e os níveis de sirtuína no primeiro/segundo dia foram registrados para pacientes com IAM. Os autores verificaram que os níveis das sirtuínas 1, 3 e 6 no IAM eram semelhantes aos dos pacientes com coronárias normais e que não houve alteração temporal nos níveis de sirtuínas durante o curso do infarto. Além disso, não houve correlação significativa entre os níveis de sirtuínas e os marcadores tradicionais de tamanho do infarto, como pro-BNP, pico de troponina T ou FEVE. Entretanto, os níveis basais das sirtuínas 1 e 6 foram positivamente correlacionados com a duração da reperfusão, e a sirtuína 3 basal foi negativamente correlacionada com o escore GRACE. Como salientado pelos autores, a correlação negativa entre a sirtuína 3 e o escore GRACE sugere um possível papel da sirtuína 3 na avaliação de risco em pacientes com IAM.
Neste estudo, deve-se salientar que 95% dos pacientes com IAM foram classificados como classe funcional Killip I. Portanto, embora os autores tenham observado níveis semelhantes de sirtuínas em pacientes com infarto agudo do miocárdio e pacientes com coronárias normais, é necessária uma investigação mais aprofundada para esclarecer se os níveis séricos de sirtuínas apresentam modificações em pacientes com IAM e pior função cardíaca.12
Na literatura, infarto mediado por oclusão arterial experimental foi combinado com a diminuição da expressão de sirtuína 3 em ratos.13 Além disso, o knockout da sirtuína 3 induziu disfunção microvascular coronária e comprometimento da remodelação cardíaca, enquanto a upregulação da sirtuína 3 melhorou a função cardíaca em camundongos pós-infarto.8 Por outro lado, a deficiência de sirtuína 3 não alterou o tamanho do infarto ou a função cardíaca.14 Assim, estudos adicionais são necessários para esclarecer o papel das sirtuínas na fisiopatologia do infarto do miocárdio.