versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.105 no.6 São Paulo dez. 2015 Epub 02-Out-2015
https://doi.org/10.5935/abc.20150123
Estudos sugerem que as estatinas possuem efeitos pleotrópicos, como melhora da função endotelial, da rigidez vascular e redução da pressão arterial.
Analisar se o uso prévio de estatina influenciou o efeito sobre a pressão arterial, a função endotelial e a rigidez vascular de drogas inibidoras do sistema renina-angiotensina-aldosterona.
Pacientes hipertensos e diabéticos com pressão arterial de consultório sistólica ≥ 130 mmHg e/ou diastólica ≥ 80 mmHg tiveram suas medicações anti-hipertensivas substituídas por anlodipino durante 6 semanas. Em seguida, foram randomizados para associação de benazepril ou losartana por mais 12 semanas. Pressão arterial (através da monitorização ambulatorial da pressão arterial), função endotelial (dilatação mediada por fluxo da artéria braquial) e rigidez vascular (velocidade da onda de pulso) foram avaliados antes e após o tratamento combinado. Neste trabalho, uma análise post-hoc foi realizada para comparar pacientes que vinham (grupo CE) ou não (grupo SE) em uso de estatina.
O grupo CE apresentou maior redução na pressão arterial sistólica nas 24 horas (134 para 122 mmHg, p = 0,007) e na dilatação mediada por fluxo da artéria braquial (6,5 para 10,9%, p = 0,003) quando comparado com o grupo SE (137 para 128 mmHg, p = 0,362, e 7,5 para 8,3%, p = 0,820). Não houve diferença estatisticamente significante na velocidade de onda de pulso (grupo CE 9,95 para 9,90 m/s, p = 0,650 e grupo SE 10,65 para 11,05 m/s, p = 0,586).
O uso combinado de estatinas, anlodipino e inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona melhora a resposta anti-hipertensiva e a função endotelial em pacientes hipertensos e diabéticos.
Palavras-chave: Hipertensão; Sistema Renina-Angiotensina/efeitos de drogas; Endotélio/fisiopatologia; Diabetes Mellitus
Studies suggest that statins have pleiotropic effects, such as reduction in blood pressure, and improvement in endothelial function and vascular stiffness.
To analyze if prior statin use influences the effect of renin-angiotensin-aldosterone system inhibitors on blood pressure, endothelial function, and vascular stiffness.
Patients with diabetes and hypertension with office systolic blood pressure ≥ 130 mmHg and/or diastolic blood pressure ≥ 80 mmHg had their antihypertensive medications replaced by amlodipine during 6 weeks. They were then randomized to either benazepril or losartan for 12 additional weeks while continuing on amlodipine. Blood pressure (assessed with ambulatory blood pressure monitoring), endothelial function (brachial artery flow-mediated dilation), and vascular stiffness (pulse wave velocity) were evaluated before and after the combined treatment. In this study, a post hoc analysis was performed to compare patients who were or were not on statins (SU and NSU groups, respectively).
The SU group presented a greater reduction in the 24-hour systolic blood pressure (from 134 to 122 mmHg, p = 0.007), and in the brachial artery flow-mediated dilation (from 6.5 to 10.9%, p = 0.003) when compared with the NSU group (from 137 to 128 mmHg, p = 0.362, and from 7.5 to 8.3%, p = 0.820). There was no statistically significant difference in pulse wave velocity (SU group: from 9.95 to 9.90 m/s, p = 0.650; NSU group: from 10.65 to 11.05 m/s, p = 0.586).
Combined use of statins, amlodipine, and renin-angiotensin-aldosterone system inhibitors improves the antihypertensive response and endothelial function in patients with hypertension and diabetes.
Keywords: Hypertension; Renin-Angiotensin System/drug effects; Endothelium/physiopathology; Diabetes Mellitus
As estatinas são as principais drogas redutoras do LDL colesterol. Pesquisas mostram que estes fármacos possuem outros efeitos relevantes, chamados de pleiotrópicos, como, por exemplo, melhora na resposta vasodilatadora do endotélio, aumento da biodisponibilidade do óxido nítrico e redução dos níveis de endotelina1,2. Acredita-se que estes efeitos estejam relacionados com seu benefício em populações de alto risco cardiovascular, na qual seu uso está associado com redução no risco de eventos cardiovasculares3,4.
Um dos efeitos pleiotrópicos das estatinas seria a redução da pressão arterial (PA). Uma meta-análise recente, com mais de 20 mil pacientes, observou uma redução de 2,6 mmHg na PA sistólica com o uso de estatinas5. Além disso, esse efeito foi maior em pacientes sob tratamento medicamentoso para hipertensão arterial sistêmica (HAS), sugerindo um potencial mecanismo de sinergia entre as drogas anti-hipertensivas e as estatinas.
O objetivo deste estudo foi analisar se o uso de estatina influenciou o efeito sobre a pressão arterial, a função endotelial e a rigidez vascular de drogas inibidoras do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) em uma população de pacientes com HAS e diabetes melito tipo 2 (DM2).
Foram selecionados para o projeto pacientes com HAS e DM2 em acompanhamento ambulatorial no serviço de clínica médica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Os critérios de inclusão foram: diagnóstico prévio de HAS e DM2, idade entre 40 e 70 anos e pressão arterial sistólica ≥ 130 mmHg e/ou diastólica ≥ 80 mmHg. Os critérios de exclusão foram: hipertensão resistente, uso de insulina, doença renal crônica estágios 4 e 5, história prévia de infarto do miocárdio e/ou acidente vascular encefálico, insuficiência cardíaca estágios C e D, fibrilação atrial, doença arterial periférica sintomática, retinopatia com redução da acuidade visual, síndrome nefrótica e neuropatia sintomática pelo DM2. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto (UERJ) sob o número 01539612.6.0000.5259 e todos os participantes leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi registrado no Clinical Trials sob o número NCT01603940.
O estudo foi um ensaio clínico randomizado, aberto, com dois grupos de tratamento ativo sem uso de placebo. Na visita 1, os pacientes foram submetidos a avaliação clínica e suas medicações anti-hipertensivas foram substituídas por anlodipino 5 mg/dia. Após 6 semanas, foi realizada a visita 2, com avaliação clínica e laboratorial, monitorização ambulatorial da PA e realização de exames para avaliar a função endotelial e a rigidez vascular. Nessa visita os pacientes foram randomizados para benazepril 10 mg/dia ou losartana 50 mg/dia; o anlodipino foi mantido. Duas reavaliações (visitas 3 e 4) foram feitas com 4 semanas de intervalo para ajuste da PA, tendo como meta valores < 130 x 80 mmHg. As medicações anti-hipertensivas do estudo poderiam ter a dose dobrada (20 mg benazepril e 100 mg losartana), bem como foi permitido associar hidroclorotiazida 25 mg/dia nas visitas 3 e 4. A dose de anlodipino foi mantida em 5 mg/dia. Ao final de 12 semanas de tratamento com os inibidores do SRAA, foi realizada a visita final (visita 5) e repetidas as avaliações da visita 2. A dose da medicação para o DM2 foi mantida constante. A adesão ao tratamento foi avaliada pela comparação entre o consumo real e o esperado dos comprimidos. Foi avaliado o uso dos anti-hipertensivos, das estatinas, do ácido acetilsalicílico e dos hipoglicemiantes orais. Os pacientes foram considerados com boa adesão quando o consumo real foi igual ou maior a 80% do esperado.
Na visita 1 os pacientes foram classificados como usuários ou não de estatina, respectivamente, grupo com estatina (CE) e sem estatina (SE). Durante todo o período de estudo, no total de 18 semanas, a estatina foi mantida em quem já usava e não permitido início para aqueles que estavam sem a medicação. A estatina utilizada foi a sinvastatina na dose de 20 mg/dia. Todos os pacientes do grupo CE faziam uso da medicação por indicação do médico assistente há mais de 12 semanas.
Todos os exames foram feitos no período da manhã, com o paciente em jejum (12 horas), sendo orientados a não fumar, nem ingerir cafeína, e tampouco praticar atividade física nas 24 horas que precedessem os exames. As salas eram climatizadas, com temperatura em torno de 23 ± 2 graus Celsius e umidade relativa do ar entre 50 e 70%. Os pacientes foram orientados a fazer uso das medicações anti-hipertensivas 1 a 2 horas antes da avaliação.
Para a medida da PA em consultório, os pacientes ficaram previamente em repouso, sentados, por 10 minutos. Foi utilizado um aparelho semiautomático, modelo HEM-705CP (Omron Healthcare Inc, IL, Estados Unidos), calibrado e com manguito ajustado para a circunferência do braço. Foram obtidas três medidas em cada um dos membros superiores e calculadas suas respectivas médias. A média de maior valor foi utilizada para análise dos dados.
A MAPA foi realizada com o aparelho SpaceLabs 90207 (SpaceLabs Inc, WA, Estados Unidos), programado para iniciar o exame entre 8 e 9 horas da manhã e com duração mínima de 24 horas. A PA foi medida a cada 20 minutos das 6 às 23 horas e a cada 30 minutos das 23 às 6 horas. O exame foi considerado satisfatório quando houve, no mínimo, 70% das leituras válidas e um mínimo de 16 leituras na vigília e 8 no sono e nenhum período superior a duas horas sem medidas. O período do sono foi aquele relatado pelo paciente no diário de atividades. O descenso noturno da PA foi calculado como [(média da PA na vigília - média da PA no sono)/média da PA na vigília] x 100.
Uma amostra de sangue venoso foi coletada após jejum de 12 horas para exames bioquímicos. Quando o valor dos triglicerídeos foi < 400 mg/dL, a fração LDL-colesterol foi calculada a partir da fórmula de Friedewald. A taxa de filtração glomerular (TFGe) foi estimada pela fórmula MDRD: TFGe = 186*Creatinina-1,154*Idade-0,203(*0,742 se sexo feminino). Para dosagem da proteína C reativa o método utilizado foi o de nefelometria (Siemens AG Inc, Munique, Alemanha). Para determinação da microalbuminúria foi utilizada a relação albuminúria/creatinúria obtida em amostra urinária coletada na primeira urina da manhã.
O exame foi realizado segundo as últimas diretrizes sobre o método6. O examinador estava “cego” em relação ao tratamento do paciente. Foi utilizado um aparelho de ultrassom Vivid 3 (GE Healthcare, Milwaukee, WI, Estados Unidos) com transdutor linear de alta resolução de 10 MHz. O paciente foi colocado em decúbito dorsal, com o membro superior direito abduzido. Depois de localizada a artéria braquial, o transdutor foi colocado na face anteromedial do membro superior direito, perpendicularmente ao eixo do braço, 2 a 5 cm acima da prega antecubital, na topografia da artéria braquial. As medidas foram realizadas no fim da diástole (onda R no eletrocardiograma). A isquemia foi induzida pela insuflação do manguito 50 mmHg acima da PA sistólica durante 5 minutos. O maior diâmetro do vaso foi registrado 30, 60 e 90 segundos após a desinsuflação. A DMF foi calculada como a variação no maior diâmetro do vaso em relação ao seu valor basal.
Ondas de pulso foram obtidas com o aparelho Complior SP (Alam Medical, Paris, França). Os transdutores foram posicionados sobre a artéria carótida direita, radial direita (crVOP) e femoral direita (cfVOP)7. As medidas das distâncias entre os pulsos foram obtidas diretamente com o auxílio de uma fita métrica. A distância carótida-femoral foi multiplicada por 0,8 e esse valor foi utilizado para o cálculo pelo aparelho. Duas medidas da VOP foram realizadas e quando a diferença entre elas foi maior que 0,5 m/s, uma terceira medida foi feita. A médias dessas medidas foi utilizada para análise.
Ondas de pulso da artéria radial direita foram obtidas por meio de um tonômetro (SPC-301 - Millar Instruments, Texas, Estados Unidos), calibrado de acordo com a pressão na artéria braquial. A análise dessa onda arterial por tonometria de aplanação foi realizada para derivar pressões aórticas centrais e outros parâmetros hemodinâmicos utilizando o sistema SphygmoCor (Atcor Medical, Sidnei, Austrália)8. Esse software calculou a PA sistólica central, a pressão de pulso (PP) central, a pressão de incremento (augmentation pressure, AP) e o índice de incremento (augmentation index, AIx). Duas medidas foram realizadas e quando a diferença entre elas foi maior que 10%, uma terceira medida foi feita. A médias dessas medidas foi utilizada para análise.
Os dados estão apresentados como mediana (intervalo interquartílico) para variáveis numéricas e distribuição de frequências e proporções para variáveis categóricas. O teste de Mann-Whitney e o teste exato de Fisher forem utilizados para comparar variáveis numéricas e categóricas, respectivamente. O teste de Wilcoxon foi utilizado para comparação pareada das variáveis. Com base em um erro tipo I máximo de 0,05 e um desvio-padrão de 3,5%, 14 pacientes em cada grupo teriam 80% de poder para encontrar uma diferença ≥ 4% na DMF. O cálculo do tamanho da amostra utilizou a diferença esperada na DMF entre os grupos benazepril e losartana, em função do desenho do estudo original9. A análise estatística foi efetuada utilizando-se nível de significância igual a 5% e o software Statistica 12 (Statsoft Inc, Tulsa, OK, Estados Unidos).
De acordo com os critérios de inclusão, 47 pacientes foram selecionados e 30 randomizados para um dos grupos de tratamento (Figura 1). Na visita 1 havia 13 pacientes no grupo CE e 17 pacientes no grupo SE. Todos os pacientes tiveram boa adesão ao tratamento. As características basais demográficas, clínicas e laboratoriais desses pacientes encontram-se na Tabela 1. Após o tratamento com inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA) ou com bloqueadores do receptor de angiotensina (BRA), os parâmetros laboratoriais não apresentaram diferença estatisticamente significativa entre os grupos (dados não mostrados).
Tabela 1 Características basais clínicas e laboratoriais
Variáveis | CE (n = 13) | SE (n = 17) | Valor de p |
---|---|---|---|
Idade (anos) | 58 (55-60) | 57 (52-62) | 0,401 |
Sexo Masculino, n (%) | 7 (53,8) | 4 (23,5) | 0,098 |
Tabagismo, n (%) | 2 (15,3) | 2 (11,7) | 0,972 |
IMC (kg/m2) | 29,4 (26,9-33,3) | 31,2 (28,1-32,9) | 0,999 |
Glicose (mg/dL) | 107 (96-119) | 117 (102-160) | 0,438 |
HgbA1c (%) | 6,25 (5,80-6,70) | 6,85 (6,30-7,60) | 0,278 |
Creatinina (mg/dL) | 0,76 (0,60-0,80) | 0,70 (0,50-0,90) | 0,899 |
TGFe (ml/min) | 82,8 (77,8-105,7) | 90,4 (72,6-130,8) | 0,900 |
Potássio (mEq/L) | 4,5 (4,3-4,7) | 4,4 (4,0-4,7) | 0,659 |
Ácido Úrico (mg/dL) | 6,0 (4,5-6,1) | 3,6 (3,2-5,1) | 0,530 |
Triglicerídeos (mg/dL) | 120 (95-174) | 132 (102-162) | 0,964 |
Colesterol Total (mg/dL) | 186 (167-218) | 195 (171-217) | 0,785 |
LDL-colesterol (mg/dL) | 106 (87-125) | 117 (103-131) | 0,645 |
HDL-colesterol (mg/dL) | 53 (49-56) | 49 (44-59) | 0,524 |
Proteína C reativa (mg/dL) | 0,18 (0,07-0,50) | 0,48 (0,18-0,63) | 0,089 |
UACR (mg/g) | 16 (10-24) | 14 (9-24) | 0,747 |
Benazepril, n(%) | 7 (53,8) | 7 (41,1) | 0,513 |
Metformina, n(%) | 12 (92,3) | 15 (88,2) | 0,747 |
Sulfoniluréia, n(%) | 4 (30,7) | 6 (35,3) | 0,817 |
Valores expressos em mediana (intervalo interquartílico), salvo quando especificado diferente; CE: Grupo usuário de estatina; SE: Grupo não usuário de estatina; IMC: Índice de massa corporal; HgbA1c: Hemoglobina glicada; TGFe: Taxa de filtração glomerular estimada; LDL: Lipoproteína de baixa densidade; HDL: Lipoproteína de alta densidade; UACR: Relação albumina/creatinina urinária.
O grupo CE apresentou uma redução significativa na PA diastólica de consultório (8,0 mmHg ou 9% de redução) e uma redução na PA sistólica (11,6 mmHg ou 8% de redução), embora sem significância estatística (Figura 2). Na análise da MAPA, o grupo CE apresentou maior redução na PA sistólica na média das 24 horas (11,5 mmHg ou 9% de redução) (Figura 3 e Tabela 2). Efeito similar foi observado com a PA diastólica (4,0 mmHg ou 5% de redução) e a PP (7,0 mmHg ou 13% de redução) na média das 24 horas (Tabela 2).
Figura 2 Comparação dos valores da pressão arterial sistólica e diastólica de consultório entre os grupos CE e SE antes e após o tratamento anti-hipertensivo associado; CE: Grupo usuário de estatina; SE: Grupo não usuário de estatina; *p = 0,100, pacientes do grupo CE antes e após tratamento; p = 0,016, pacientes do grupo CE antes e após tratamento.
Figura 3 Comparação dos valores da pressão arterial média nas 24 horas, sistólica e diastólica, entre os grupos CE e SE antes e após o tratamento anti-hipertensivo associado; CE: Grupo usuário de estatina; SE: Grupo não usuário de estatina; *p = 0,007, pacientes do grupo CE antes e após tratamento.
Tabela 2 Efeito do uso de estatina na MAPA
Variáveis | CE | SE | Valor de p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Antes | Após | Antes | Após | p1 | p2 | p3 | |
PAS MAPA 24h | 134 (120-146) | 122 (114-135) | 137 (122-149) | 128 (122-140) | 0,007 | 0,362 | 0,333 |
PAD MAPA 24h | 79 (73-86) | 75 (67-84) | 78 (76-89) | 78 (63-90) | 0,007 | 0,209 | 0,976 |
PP MAPA 24h | 56 (49-61) | 49 (41-55) | 51 (45-62) | 56 (44-61) | 0,032 | 0,813 | 0,177 |
PAS Vigília | 139 (121-149) | 125 (115-136) | 139 (125-156) | 130 (123-147) | 0,015 | 0,167 | 0,333 |
PAD Vigília | 81 (74-89) | 77 (72-83) | 81 (78-92) | 80 (66-90) | 0,058 | 0,099 | 0,930 |
PAS Noite | 125 (112-139) | 113 (109-119) | 134 (116-137) | 121 (109-132) | 0,035 | 0,396 | 0,278 |
PAD Noite | 72 (67-76) | 67 (58-73) | 73 (66-83) | 67 (62-80) | 0,035 | 0,615 | 0,769 |
Descenso Noturno (%) | 5,0 (2,2-11,7) | 7,4 (2,9-11,5) | 10,2 (4,3-13,3) | 6,4 (4,6-8,2) | 0,374 | 0,432 | 0,578 |
Valores expressos em mediana (intervalo interquartílico), salvo quando especificado diferente; unidade: mmHg; p1: Pacientes do grupo CE antes e após tratamento; p2: Pacientes do grupo SE antes e após tratamento; p3: Comparação entre os grupos CE e SE ao final do tratamento; CE: Grupo usuário de estatina; SE: Grupo não usuário de estatina; PAS: Pressão arterial sistólica; PAD: Pressão arterial diastólica; PP: Pressão de pulso; MAPA: Monitorização ambulatorial da pressão arterial.
O percentual de pacientes em uso de iECA (54 vs 41%) ou BRA (46 vs 59%) foi semelhante nos grupos CE e SE, assim como a proporção de pacientes que necessitou de ajuste na dose destas medicações (61% vs 47%, p = 0,430) e/ou associação de hidroclorotiazida (15% vs 17%, p = 0,865) para o controle da PA.
O grupo CE apresentou maior resposta na DMF e maior redução na PA sistólica aórtica em relação ao grupo SE (Figura 4). Não houve diferença estatisticamente significativa na resposta do AIx, da cfVOP e da crVOP (Tabela 3).
Figura 4 Comparação dos valores de dilatação mediada por fluxo da artéria braquial entre os grupos CE e SE antes e após o tratamento anti-hipertensivo associado; CE: Grupo usuário de estatina; DMF: Dilatação mediada por fluxo da artéria braquial; SE: Grupo não usuário de estatina; *p = 0,003, pacientes do grupo CE antes e após tratamento.
Tabela 3 Efeito do uso de estatina nos exames vasculares
Variáveis | CE | SE | Valor de p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Antes | Após | Antes | Após | p 1 | p 2 | p 3 | |
DMF braquial (%) | 6,50 (5,10-7,10) | 10,90 (7,30-12,20) | 7,50 (6,00-10,20) | 8,30 (7,50-9,95) | 0,003 | 0,820 | 0,211 |
cfVOP (m/s) | 9,95 (9,35-10,55) | 9,90 (8,50-11,05) | 10,65 (9,60-12,35) | 11,05 (10,20-11,70) | 0,650 | 0,586 | 0,111 |
crVOP (m/s) | 9,85 (9,05-10,40) | 10,00 (9,05-10,55) | 9,70 (9,35-10,90) | 9,65 (9,35-10,20) | 0,972 | 0,570 | 0,490 |
PA sistólica aórtica (mmHg) | 139 (128-143) | 125 (117-128) | 127 (121-140) | 126 (119-139) | 0,046 | 0,623 | 0,477 |
PP aórtica (mmHg) | 86 (84-92) | 82 (68-84) | 82 (79-87) | 79 (74-88) | 0,018 | 0,508 | 0,706 |
AIx (%) | 30 (28-43) | 33 (25-40) | 31 (23-33) | 33 (27-37) | 0,263 | 0,308 | 0,916 |
AP (mmHg) | 15 (13-24) | 17 (10-21) | 13 (9-18) | 16 (10-20) | 0,278 | 0,320 | 0,966 |
Valores expressos em mediana (intervalo interquartílico), salvo quando especificado diferente; p1: Pacientes do grupo CE antes e após tratamento; p2: Pacientes do grupo SE antes e após tratamento; p3: Comparação entre os grupos CE e SE ao final do tratamento; CE: Grupo usuário de estatina; SE: Grupo não usuário de estatina; DMF: Dilatação mediada por fluxo da artéria braquial; cfVOP: Velocidade da onda de pulso carótida-femoral; crVOP: Velocidade da onda de pulso carótida-radial; PA: Pressão arterial; PP: Pressão de pulso; AIx: Augmentation index (índice de incremento); AP: Augmentation pressure (pressão de incremento).
As Diretrizes mais recentes recomendam que pacientes com DM2 façam uso de drogas inibidoras do SRAA (iECA ou BRA) e de estatinas10-13. O presente estudo mostrou que, em pacientes hipertensos e diabéticos, a associação de iECA ou BRA com anlodipino aumenta o efeito anti-hipertensivo e melhora a função endotelial naqueles em uso prévio de estatina.
Os prováveis mecanismos anti-hipertensivos das estatinas seriam aumento na biodisponibilidade do óxido nítrico, com maior resposta vasodilatadora endotélio-dependente, e redução na concentração de endotelina-1 e na formação de radicais livres1,2,14. Além disso, especula-se um sinergismo entre as estatinas e as drogas inibidoras do SRAA através da diminuição da expressão dos receptores tipo 1 de angiotensina e do bloqueio de vias intracelulares de ação da angiotensina-II, ambos causados pela estatina15. Muitos destes mecanismos de benefício da estatina são independentes da redução do LDL-colesterol. No presente estudo, a redução da pressão arterial e a melhora na função endotelial ocorreram a despeito de valores estatisticamente similares do LDL-colesterol entre os grupos CE e SE.
Em uma meta-análise recente, Briasoulis e cols.5 observaram redução média de 2,6 mmHg na PA sistólica em pacientes em uso de estatinas, mesmo naqueles sem diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica5. Em pacientes hipertensos, esse efeito poderia chegar a 5,8 mmHg de redução na PA sistólica5. Já em diabéticos, o estudo estima uma redução de 6,5 mmHg na PA sistólica e de 4,0 mmHg na diastólica5. Um outra meta-análise, por Strazzullo e cols, também analisou o efeito anti-hipertensivo das estatinas e observou uma redução média de 4,0 mmHg na PA sistólica e 1,2 mmHg na diastólica16. Strazzullo e cols.16 observaram no subgrupo de diabéticos uma redução de 3,7 mmHg na PA sistólica e de 0,8 mmHg na diastólica16. Em nenhuma dessas pesquisas foi investigada a associação de estatinas com iECA ou BRA.
Spósito e cols.17 estudaram a interação entre iECA e estatinas e observaram que o grupo com combinação apresentou maior redução na PA em relação ao grupo apenas com iECA (21 vs 14 mmHg, p < 0,05)17. Contudo, Mancia e cols.18 não observaram redução na PA com a associação de pravastatina e fosinopril. Koh e cols.19 estudaram losartana e ramipril combinados com sinvastatina e não observaram maior redução da PA com a associação19,20. No presente estudo, a associação de benazepril ou losartana em pacientes já sob uso de sinvastatina e anlodipino promoveu maior redução na PA sistólica e diastólica, tanto na medida casual de consultório como durante as 24 horas.
Zhang e cols.21 publicaram recentemente uma meta-análise sobre os efeitos das estatinas na DMF da artéria braquial em pacientes com DM2. O resultado final mostrou uma melhora na DMF, em valores absolutos, de 0,94% (IC 95%, 0,38-1,50%, p < 0,001). Koh e cols.19 realizaram um estudo no qual os pacientes foram randomizados para três grupos: ramipril, sinvastatina ou a associação entre as duas. Sua amostra tinha idade média de 60 anos, todos os pacientes com DM2 e LDL-colesterol > 100 mg/dl sendo 76% hipertensos. Os autores observaram que o uso combinado da estatina e do iECA promoveu maior aumento na DMF que o uso isolado de cada uma das substâncias. Já Van Venrooij e cols.22 estudando atorvastatinaa e Beishizen e cols. a cerivastatina e sinvastatina não observaram melhora na DMF22,23. Tan e cols.24, em uma população com DM2 e dislipidemia, observaram que a atorvastatina melhorou a DMF em relação ao placebo. No presente estudo, com uma população de diabéticos onde todos eram hipertensos, apenas os pacientes que já estavam em uso de sinvastatina apresentaram melhora estatisticamente significativa na DMF da artéria braquial quando associaram benazepril ou losartana.
Kanaki e cols.25 avaliaram o uso de sinvastatina em pacientes com hipertensão e dislipidemia e observaram melhora na VOP, na PA aórtica e no AIx. Contudo,William e cols.26 em pacientes hipertensos e Fasset e cols.27,em pacientes renais crônicos, não observaram melhora na pressão aórtica com o uso de atorvastatina26,27. Raison e cols.28 foram um dos poucos a observar uma piora da VOP com o uso de atorvastatina. Já Pirro e cols.29 e Maki-Petaja e cols.30 observaram melhora da VOP com o uso de estatinas. Até o momento, não há estudos do efeito das estatinas na pressão aórtica e na VOP de pacientes diabéticos com HAS. O presente estudo demonstrou uma redução na pressão aórtica central, em paralelo às reduções observadas na PA de consultório e na MAPA, no grupo usuário de sinvastatina, porém não houve alteração estatisticamente significativa no AIx e na VOP.
O estudo possui algumas limitações. Os grupos não foram randomizados quanto ao uso de estatina, visto que se trata de uma análise post-hoc. Além disso, cerca de metade da amostra do estudo não era usuária prévia de estatina. Apesar de não ter sido possível avaliar os motivos, o grupo sem uso prévio de sinvastatina poderia estar pré-selecionando pacientes com má adesão a anti-hipertensivos antes do recrutamento para o estudo. Estes pacientes poderiam ter a pressão arterial acima da meta recomendada, prevalência maior de lesão vascular e, em consequência, apresentar resposta inadequada aos anti-hipertensivos ou melhora menos expressiva da função endotelial com o tratamento quando comparados ao grupo que usava estatina. Houve, ainda, uma tendência a ter mais pacientes do sexo masculino no grupo usuário de sinvastatina. Acreditamos que esse fato tenha tido pouca relevância, pois esse é um grupo de maior risco cardiovascular e mesmo assim foi o que teve maior benefício na redução da PA. O uso aberto da medicação é também um fator limitante. Porém, a redução da PA foi comprovada na MAPA e nas medidas aórticas centrais, reforçando os resultados encontrados, pois esses métodos são conhecidos por terem mínima influência do efeito placebo.
O uso prévio de estatina em pacientes hipertensos com DM2 tratados com anlodipino associado com inibidor do SRAA aumenta o efeito anti-hipertensivo e melhora a função endotelial. Torna-se necessária a realização de estudos com amostras maiores e randomizados, em desenho 2 x 2, para avaliação das interações entre as estatinas e os inibidores do SRAA.