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Bons professores de enfermagem, medicina e odontologia: Percepção acerca do conhecimento sobre os alunos

Bons professores de enfermagem, medicina e odontologia: Percepção acerca do conhecimento sobre os alunos

Autores:

Jouhanna do Carmo Menegaz,
Vânia Marli Schubert Backes

ARTIGO ORIGINAL

Escola Anna Nery

versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465

Esc. Anna Nery vol.20 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2016

http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20160036

RESUMEN

Objetivo:

Evaluar el conocimiento de buenos profesores de Enfermería, Medicina y Odontología sobre los alumnos y sus características a partir de la percepción de los estudiantes de una universidad pública del sur de Brasil.

Métodos:

Estudio cualitativo, exploratorio-descriptivo. Los datos fueron recogidos entre Octubre/2011 y Enero/2012, a través de entrevista con 16 estudiantes. El Análisis Temático de Contenido y el conocimiento sobre los alumnos y sus características fueron utilizados en el procesamiento de los datos.

Resultados:

El conocimiento se manifiesta durante el proceso de aprendizaje. Se percibe a través de una postura más acogedora, flexible y por la voluntad de observar y comprender las demandas específicas de los estudiantes, actuando pedagógicamente en ellas.

Conclusión:

Según los estudiantes, es reducido el conocimiento sobre los alumnos y sus características por parte de los maestros, y esta sería la categoría de conocimiento-base para desarrollar el aprendizaje.

Palabras clave: Enseñanza; Docentes; Estudiantes de Enfermería; Estudiantes de Medicina; Estudiantes de Odontología

INTRODUÇÃO

Tem sido destacada a potencialidade para o ensino da manutenção de uma boa relação entre professor e estudante, particularmente de uma relação de conhecimento mútuo e não tão assentada em um distanciamento imposto pela atribuição de papéis e de hierarquia1. Dentre os aspectos positivos do conhecimento de um pelo outro, está a capacidade de mobilização para não apenas assumir compromissos curriculares, mas, para, juntos, aprenderem e se desenvolverem. Esta disposição se torna particularmente interessante em cenários de mudanças nas políticas educacionais e em desejadas mudanças de perfil profissional como as que vivenciamos atualmente na formação em saúde no Brasil2.

As atuais diretrizes curriculares para os cursos de graduação na área da saúde apontam3 que, para que o estudante possa desenvolver as competências requeridas para atuação no Sistema Único de Saúde, é necessária a assunção de uma compreensão pedagógica mais ampla por parte do professor, de que o estudante não é objeto de intervenção educativa, mas um ser histórico, ativo, crítico, com condições de pensar, criar e intervir na realidade onde está inserido. O estudante deve, portanto, ser considerado ator, construtor de seu processo de aprendizagem4 e o professor deve conhecê-lo do ponto de vista pedagógico e humano, auxiliando em seu percurso de aprendizado e desenvolvimento.

Para tanto, é necessário avanço na investigação sobre posturas e sentimentos que permeiam a relação entre estudante e professor, visto que se trata de uma realidade complexa e não existem concepções e práticas uníssonas sobre a forma mais adequada de ambos se relacionarem para que o melhor da experiência de ensino seja produzido e para que ambos deixem-se conhecer5.

Deseja-se um estudante mais ativo, participativo6, assim como um professor com capacidade de diálogo, flexível, capaz de fazer com que o estudante se sinta autor da sua caminhada, apto a conhecer e deixar-se ser conhecido7. Para que isto ocorra, além de mudanças de compreensão, serão necessárias mudanças nas práticas, pois ainda predominam práticas pedagógicas transmissivas, conteudistas e fragmentadas8, onde há pouco conhecimento sobre os alunos e valorização das demandas individuais de aprendizagem, possivelmente fruto de deficiências na formação docente, mesmo em um período onde, por conta do desejo de mudanças de perfil do egresso, compreensão e práticas pedagógicas, esta fosse tão demandada9.

A disposição do professor para uma relação que favoreça o conhecimento sobre os alunos e reconheça o seu valor pedagógico tem correspondência com experiências de ensino pregressas, formação acadêmica, contato com a literatura especializada e o contexto educacional onde o professor está inserido. Todas estas fontes se relacionam com um conhecimento base para o ensino10, que, a depender do grau de desenvolvimento, favorece a reflexão e escolha de abordagens e elementos que possivelmente resultem em experiências e percepções distintas do professor acerca cada estudante11.

Estes conhecimentos base para o ensino10 são apontados como pilares de uma prática pedagógica eficaz, devendo ser entendido o termo "eficaz" como a potencialidade de formar profissionais de acordo com o perfil delineado pelas políticas públicas, neste caso, as políticas públicas de saúde. Para o estabelecimento de uma relação entre professor e estudante, uma categoria em particular de conhecimento base, denominada de conhecimento sobre os alunos e suas características, é de presença relevante.

O conhecimento sobre os alunos e suas características consiste tanto em um conhecimento coletivo quanto individual acerca dos estudantes por parte do professor. O conhecimento coletivo envolve características gerais de uma turma, como, por exemplo, número total de estudantes, sexo, idade, status sociocultural, se falam muito ou pouco, se possuem bom ou mau desempenho em atividades curriculares10.

O conhecimento individual consiste na capacidade de valorar, reconhecer as particularidades de cada um dos estudantes, a maneira específica de compreender, o que mais motiva, o que desmotiva, as fragilidades, as potencialidades. Consiste em conseguir identificar o que o torna singular e o que o aproxima dos demais10, tornando-se essencialmente um saber que auxilia no estabelecimento de um recurso pedagógico e interativo eficaz12.

De posse do conhecimento sobre os alunos e suas características, assim como de outras categorias de conhecimento base para o ensino, é maior a possibilidade de alcançar um desempenho eficaz da docência10. Portanto, considerando a relevância para o ensino da existência de uma relação de conhecimento entre professor e estudante, a qual implica no reconhecimento do outro, expresso da parte do professor na manifestação do que se denomina, de acordo com Shulman10, conhecimento sobre os alunos e suas características, este estudo, parte da questão norteadora: "Qual a percepção dos estudantes de Enfermagem, Medicina e Odontologia quanto ao conhecimento sobre os alunos e suas características daqueles que consideram bons professores?" O estudo objetivou analisar o conhecimento sobre os alunos e suas características de bons professores de Enfermagem, Medicina e Odontologia de uma universidade pública do Sul do Brasil, a partir da percepção dos estudantes.

MÉTODOS

Este manuscrito origina-se da dissertação de mestrado em Enfermagem intitulada "Práticas de bons professores de Enfermagem, Medicina e Odontologia na percepção dos estudantes" e apresenta dados e análises relacionados à vinheta correspondente ao conhecimento sobre os alunos e suas características. Trata-se de pesquisa qualitativa com abordagem exploratório-descritiva que teve como participantes 16 estudantes concluintes dos cursos de Enfermagem, Medicina e Odontologia de uma universidade pública do Sul do Brasil, respectivamente, seis, cinco e cinco.

A seleção dos participantes foi intencional, selecionando-se estudantes concluintes de cada curso. Cabe destacar que os cursos possuíam quantidade de semestres distinta. Enfermagem possuía oito semestres, Odontologia, nove e Medicina, doze. A escolha por estes cursos decorre da compreensão de que suas categorias profissionais constituem a maior parte da força de trabalho em saúde, assim como são objeto da maioria das políticas governamentais de formação. Escolheram-se estudantes concluintes pelo entendimento de que possuiriam maior conhecimento do curso e dos professores.

A identificação dos participantes foi construída a partir do conceito de amostra em rede13 iniciada pelo representante de turma, que, depois de convidado a participar do estudo, era convidado a indicar dois colegas e seus respectivos contatos. Estes, por sua vez, indicavam mais um ou dois nomes, sucessivamente. Estes novos estudantes eram contatados e convidados também a participar do estudo. Para cessar a inclusão de novos participantes, levamos em consideração o conceito de saturação teórica dos dados por curso. Dessa forma, a inclusão de novos participantes foi cessada no momento em que os mesmos atribuíam percepções semelhantes dos seus entendidos bons professores. Este fato justifica números diferentes de participantes.

A anuência do participante foi obtida mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O termo foi disponibilizado em duas vias, ficando uma com o pesquisador e a outra com o participante. Os participantes foram entrevistados individualmente e em local de sua escolha, entre outubro de 2011 e janeiro de 2012, por meio de um roteiro de entrevista focalizada por vinheta.

Quatro vinhetas foram elaboradas para a coleta de dados. Cada vinheta foi construída a partir de uma das quatro categorias de conhecimento base para o ensino, referencial teórico eleito para o estudo. Foram elas: conhecimento de conteúdo, conhecimento pedagógico geral, conhecimento pedagógico de conteúdo, conhecimento sobre os alunos e suas características e conhecimento dos objetivos, finalidades, valores educativos e seus fundamentos histórico-filosóficos. Além das categorias utilizadas, o conhecimento base para o ensino possui outras três: conhecimento do contexto educacional; conhecimento do currículo; e conhecimento pedagógico geral, totalizando sete categorias.

As categorias de conhecimento base para o ensino foram eleitas como referencial teórico do estudo por destacar conhecimentos relevantes para uma prática pedagógica exitosa e mobilizados através dela10. A vinheta conhecimento sobre os alunos e suas características continha descrição fictícia do relato de um estudante sobre um professor. Frente a ela o estudante era convidado a se manifestar, relacionando com a percepção da sua realidade e tendo em mente seus exemplos de bons professores. Optamos pelo enfoque nos bons professores para que fosse proporcionada uma reflexão acerca da condição ideal percebida pelos estudantes, para que a mesma evidenciasse o que consideravam como ideal ao mesmo tempo em que refletiam sobre as lacunas percebidas na sua experiência de ensino.

Os dados coletados nas entrevistas foram analisados por meio da proposta de análise temática de conteúdo, que possui as etapas de pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação14. Do processo de análise da vinheta de conhecimento sobre os alunos e suas características emergiram as seguintes categorias: empatia e estabelecimento de vínculo; reconhecimento das demandas dos estudantes nos cenários de ensino; e habilidade de intervenção sobre necessidades de aprendizagem.

Neste texto, as falas provenientes das entrevistas são destacadas pelas letras iniciais de Enfermagem (E), Medicina (M) e Odontologia (O), as quais são acompanhadas por números relativos ao processo de codificação, com o intuito de preservar o anonimato. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina por meio do Parecer Consubstanciado nº 2317/2011. Os princípios éticos do estudo foram respeitados, de acordo com as orientações da Resolução nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde15, vigente no período do estudo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apresentaremos nesta seção os principais aspectos do conhecimento sobre os alunos e suas características percebidos pelos estudantes em seus melhores professores. Quando os aspectos forem de consenso entre os estudantes dos três cursos, utilizaremos a palavra estudantes. Quando guardarem aspectos específicos de estudantes de um curso, utilizaremos estudantes de enfermagem, estudantes de medicina ou estudantes de odontologia.

É relevante justificar neste texto o uso dos substantivos "alunos" e "estudantes". Utilizamos "alunos" quando mencionada a categoria de conhecimento base de Shulman10 conhecimento sobre os alunos e suas características, pois a tradução de learners para o espanhol é alumnos e para o português, alunos. Utilizamos também "alunos" em algumas falas por uso do participante. Empregamos "estudantes" quando nos referimos aos participantes ou aos estudantes em geral, tanto para diferenciar da denominação da categoria de conhecimento base quanto por preferência.

Empatia e estabelecimento de vínculo

Para os estudantes a presença e desenvolvimento do conhecimento sobre os alunos e suas características em bons professores envolve disposição de se relacionar, interagir em sala, com capacidade de sentir empatia, de se colocar no lugar do outro em alguns momentos, em especial os conflituosos, buscando evitar julgamentos negativos.

Ao perceber em bons professores uma prática que transcende a relação pedagógica formal, que extrapola o reconhecimento por parte do professor de informações concernentes ao que ele necessita para ensinar determinados conteúdos, a percepção dos estudantes quanto ao conhecimento sobre os alunos e suas características ultrapassa a definição básica desta categoria de conhecimento base, assim como apresenta a relação desta com outra categoria: o conhecimento pedagógico geral10.

O conhecimento pedagógico geral denota a maneira com que o professor compreende o ensinar e aprender, o modo com que compreende papéis, relações e espaços de ensino10; acaba apresentando um pano de fundo da percepção que possui sobre a maneira com a qual bons professores estabelecem relações. Logo, trata-se de uma percepção que, além de apresentar a demanda por determinado tipo de conhecimento pedagógico geral, conhecimento sustentado no reconhecimento do estudante como autor de sua formação5, apresenta demanda de que, quando se trata de conhecimento sobre os alunos e suas características, mais elementos, dentre eles os subjetivos, sejam considerados, como se pode observar nas falas abaixo.

Geralmente eles [os professores] não estão nem aí pra o que você está sentindo e os melhores professores são diferentes, porque a gente é profissional da saúde, mas também temos que cuidar da nossa saúde, do nosso bem-estar. Tem dias em que não estamos nos sentindo bem, tem algum problema pessoal, algum motivo de doença. (O4R163)

Essa coisa de saber reconhecer o contexto do outro, que envolve essa coisa de saber trabalhar em equipe, reconhecer que o paciente, a pessoa, não é por partes, ela tem todo, ela é um todo, e reconhecer isso no estudante. Também o estudante não é só aquele menino que chegou atrasado, tem todo um contexto por trás, a gente nunca sabe o que cada um passa, qual o momento de cada um. (M2R50)

As falas apontam que esta empatia, disposição de conhecer e relacionar-se, é pequena, apenas percebida nos bons professores, possivelmente apresentando-se de forma deficiente no conjunto de professores. É interessante destacar que, no que tange ao grau de empatia e estabelecimento de vínculo para desenvolvimento de conhecimento sobre os alunos, apresentam-se percepções distintas para os estudantes de cada curso. Para os estudantes do curso de Enfermagem a percepção de conhecimento sobre os alunos incorpora a presença um vínculo afetivo maior, um relacionamento de amizade que vá para além dos espaços de ensino e que tenha objetivos além dos pedagógicos.

Para os estudantes do curso de Medicina a percepção de conhecimento sobre os alunos consiste em algo mais elementar, que é a disposição de ampliar o olhar e de permitir que exista nos espaços de ensino o reconhecimento do estudante como um ser humano1, assim como lhes é orientado que se perceba o paciente nos serviços de saúde. O mesmo elemento foi destacado pelos estudantes do curso de Odontologia. Estes estudantes apontam que bons professores considerem-nos pessoas e que o reconhecimento de suas preferências, assim como de seu estado de espírito, tem impacto no aprendizado16.

Um exemplo aparentemente simples, mas que elucida a percepção dos participantes, foi a menção de que bons professores os conhecem pelo nome e por suas características pessoais. Trata-se de uma prática tão valorizada, que o professor que a exerce obtém considerável reconhecimento por parte dos alunos. Para os estudantes de Medicina, saber o nome dos estudantes é pressuposto elementar, mas não se trata de uma prática comum dos professores.

A gente vê o professor sempre e conhece todos, acho muito ruim aquele professor que não tenta conhecer. Eu digo de até passar na rua e de cumprimentar, tem professor que não se esforça e dá uma aula, duas, três e não sabe quem é ninguém. (O1R109)

Entendemos que é válido considerar estes aspectos percebidos nos professores pelos estudantes, pois, quando há relação entre professor e aluno, há reconhecimento e cooperação no processo de aprendizagem. Nesse sentido, ao conhecer os estudantes e entender os sentimentos vivenciados pelos mesmos, além de demonstrar conhecimento sobre os alunos, favorece vínculo, confiança e respeito, potencializando, assim, a qualidade de ensino17. Um estudante que se sinta respeitado, motivado, consciente de seu papel e atividades5 demonstra maior satisfação com a aprendizagem e pode vir a ter uma melhor experiência formativa, a qual pode influenciar suas práticas profissionais futuras18.

Reconhecimento de demandas dos estudantes nos cenários de ensino

Nesta categoria os estudantes compartilham a percepção de que o conhecimento sobre os alunos e suas características em bons professores é percebido na capacidade do professor de reconhecer fragilidades e potencialidades nos espaços de ensino, tanto na perspectiva individual quanto coletiva, pois conhecer cada um e todos os estudantes é relevante para escolher estratégias de ensino. Sob este aspecto, a percepção dos estudantes dialoga com o conhecimento sobre os alunos e suas características10.

Para Shulman10 é importante que o professor conheça os estudantes, a turma, para que tenha condições de avaliar quais metodologias de ensino podem ser mais bem utilizadas. Para os participantes deste estudo, o bom professor, ao conhecer o estudante, não considera somente uma ou outra situação, mas sim o estudante em um acompanhamento mais amplo.

Nessa direção, foi percebida a presença de conhecimento sobre os alunos e suas características na capacidade de perceber quando os estudantes não estão compreendendo ou ainda não estão gostando da abordagem pedagógica escolhida, e de ajustá-la, de modo que seja mais satisfatória19. Estas foram particularmente percepções dos estudantes de Enfermagem e Odontologia.

Essa professora que eu estou falando, ela pegou o perfil do grupo que ela estava ministrando, que eram pequenos grupos que a gente trabalhava, e a partir deste perfil ela desenvolvia as atividades dela. Isso foi bem importante, ela foi vendo que éramos mais extrovertidas, mais falantes e em cima disso ela foi criando as dinâmicas que ela achava mais apropriadas. (E5R376)

Considera-se uma das características principais da presença de conhecimento sobre os alunos e suas características a sensibilidade do professor em perceber, identificar e readequar novos modelos de ensino conforme o perfil dos estudantes. A inserção de novas estratégias qualifica as discussões entre professor e estudantes, legitimando e garantindo o espaço de aprendizagem. Soma-se também a importância do estímulo ao outro, propondo-se novos desafios, para que professor e estudantes construam juntos novos contextos da realidade20.

Este último aspecto denota particularmente a reflexão na ação realizada por bons professores. Essa reflexão está expressa no que Shulman10 denominou Modelo de Ação e Raciocínio Pedagógico. O modelo representa em seis fases todo o processo de reflexão e articulação das sete categorias de conhecimento base para o ensino realizado pelo professor ao ensinar. Engloba a compreensão da matéria (fase um), transformação e eleição de recursos (fase dois) para o ensino (fase três), avaliação (fase quatro) e reflexão (fase cinco), que constituem novas formas de compreender (fase seis) sua prática. De forma simples, podemos dizer que neste exemplo percebido pelos estudantes, durante a fase de ensino, a professora, fazendo uso do conhecimento sobre os alunos e suas características, ajustou sua abordagem de modo a atingir com mais êxito os objetivos de aprendizagem10.

A partir do diálogo horizontal e do momento em que o professor passa a considerar o estudante um participante ativo, com capacidade de buscar e produzir conhecimento, surgem novas expectativas no que concerne à formação dos futuros profissionais da saúde comprometidos com a transformação da sociedade2.

Na categoria anterior destacamos que os estudantes percebem conhecimento sobre os alunos em professores que demonstram ter um entendimento e postura distintos sobre a forma com que devem se relacionar com eles, o que caracteriza que o conhecimento sobre os alunos e suas características é percebido em professores que são capazes de reconhecer a subjetividade do estudante e traduzi-la em informação de uso pedagógico.

Um professor que conhece a turma inteira, que não faça distinção de ninguém, que não trate os alunos mal quando eles não atendem às suas expectativas. A maioria dos professores é bem focada na aula, mas não perde muito tempo conhecendo seus alunos, acaba conhecendo um ou outro que tem mais interesse pela matéria que ele dá, mas é difícil. (M4R78)

Estudantes de Medicina e Odontologia sinalizaram também que o fato de o professor conhecer ou dialogar apenas com alguns estudantes da turma, aqueles que ele demonstra ter preferência ou ainda os que têm melhores notas, desconsiderando relacionar-se com os demais, é negativo e demonstra ausência de conhecimento sobre os alunos e suas características, pois nega a subjetividade das relações. Além deste fato, os estudantes demonstraram descontentamento com professores que os distinguiram de maneira pejorativa ou discriminatória por suas condições para aprender, em comparação com os colegas. Discriminações desta ou de qualquer ordem foram recriminadas por todos os participantes e entendidas como prática inadequada. O respeito novamente aparece como princípio fundamental na relação entre professores e estudantes7.

Habilidade de intervenção sobre necessidades de aprendizagem

Nesta categoria apresentamos práticas mencionadas pelos estudantes que abordam exemplos de práticas que, em sua percepção, evidenciam a presença de conhecimento sobre os alunos e suas caraterísticas. É interessante observar que a maior parte delas relaciona-se com as atividades práticas desenvolvidas nos serviços de saúde.

Para os estudantes de Enfermagem, professores com conhecimento sobre os alunos conseguem antecipar eventuais dificuldades que serão percebidas e sentidas pelos estudantes em seu processo de aprendizagem, mesmo que elas não sejam verbalizadas. Além disso, auxiliam na resolução de eventuais conflitos19, como os que porventura acontecem na inserção dos estudantes nos campos de estágios, em virtude da adaptação com o ambiente e com a equipe.

É uma característica importante o reconhecimento de questões que podem gerar desconfortos, insegurança e até mesmo sofrimento aos estudantes nos cenários de prática, visto que, devido à dinâmica acelerada que possuem, muitas vezes os estudantes não têm um momento específico para expor seus sentimentos, o que pode resultar em um descompasso entre professor e estudantes, afetando, consequentemente, o processo de aprendizagem20.

Para os estudantes de Medicina, um professor que possui conhecimento sobre os alunos e suas características, o qual os estudantes perceberam por meio do reconhecimento das lacunas de aprendizagem, possibilita que supram suas necessidades de aprendizagem ou, ainda, transcendam o aprendizado curricular.

A gente que está na área da saúde depende muito de adquirir habilidades, e aí às vezes no horário da aula não acontecem muitas coisas interessantes, e aí vai ter um procedimento outro dia, em outro horário, daí o professor fala 'acho que seria interessante vocês participarem, vem pra cá quem quiser', avisa o que está acontecendo, te convida. Às vezes não faz parte do cronograma, mas ele fala 'eu atendo no ambulatório tal dia, vamos lá, acho que é interessante pra vocês'. (M2R49)

Enquanto os estudantes de Medicina reivindicaram que seus professores os auxiliem no desenvolvimento de competências ditas técnicas, alguns estudantes de Enfermagem sinalizaram que é necessário que o professor auxilie no fortalecimento da autoestima do estudante, possibilitando também, de certa forma, um auxílio no desenvolvimento de habilidades relacionais. Este é um dado importante, pois, quando o estudante valoriza no professor não apenas a intervenção pedagógica no âmbito da técnica, mas também no campo humano, é possível que sua formação já esteja assimilando novos valores21. Os estudantes de Odontologia não se expressaram sobre esta questão.

Os estudantes sinalizaram ainda que, neste processo de gerenciamento de fragilidades individuais e coletivas, o bom professor, com conhecimento sobre os alunos é capaz de criar um clima de cooperação entre os estudantes, o que auxilia na superação de dificuldades e respeito do grupo ao tempo de aprendizado de cada um.

Acho que partindo do pressuposto de que eles já nos conhecem, falando ainda naquele assunto deles se preocuparem em nos conhecer, acho que depois que eles nos conhecem, tentam aliar as dificuldades de um com as potencialidades do outro. Eu via isso bastante nos estágios. Tinha colegas meus que tinham dificuldade num aspecto e tinha outro que naquele aspecto ele era muito bom, então eles geralmente juntavam essas duas pessoas pra desenvolver atividades naquele dia. (E4R253)

Todavia, apesar de também reconhecer esta como uma tática interessante, os estudantes de Odontologia ressaltaram que o bom professor sempre é cauteloso com relação a este gerenciamento e ao modo de abordar os estudantes e suas eventuais dificuldades.

Precisa saber incentivar a buscar mais ou valorizar aquele que tem facilidades, não colocar ele no mesmo nível dos outros, porque talvez ele se sinta subvalorizado e acabe perdendo aquela função que ele tem, aquela habilidade que ele tem. (O2R132)

Como se pode constatar, cada vez mais surgem grupos diversificados de estudantes que possuem necessidades individuais e peculiares, sendo que as mesmas podem estar relacionadas a fatores como idade, expectativa profissional, experiência prévia e cultura. Assim sendo, surge a necessidade de o professor ter conhecimento sobre os alunos e suas características para que possa ajudá-los a se desenvolver.

A amálgama entre sensibilidade, reflexão e conhecimentos percebida nas falas dos estudantes expressa que bons professores possuem não apenas conhecimento sobre os alunos e um determinado conhecimento pedagógico geral, mas que se utilizam destes conhecimentos para produzir uma amostra diferenciada de conhecimento pedagógico de conteúdo, categoria de conhecimento base para o ensino10, que é a expressão concreta do domínio por parte do professor de todas as demais categorias.

Este conhecimento, que é como uma ampla caixa de ferramentas, onde o professor escolhe, adapta e avalia estratégias e modalidades de ensino, no intuito de proporcionar a melhor e mais eficaz experiência formativa, reforça a compreensão de que, ainda que abordemos os conhecimentos separadamente para ser didáticos e dar-lhes a devida importância no processo, o que existe é um conjunto de conhecimentos necessários à prática docente dita de excelência, mobilizados contingencialmente pelo professor a partir de seu processo de reflexão10.

CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

Apresentamos a percepção dos participantes acerca das características do conhecimento sobre os alunos de seus melhores professores. É percebido pelos estudantes que o conhecimento sobre os alunos e suas características de bons professores de enfermagem, medicina e odontologia se expressa por meio de empatia e estabelecimento de vínculo, reconhecimento dos estudantes e dos cenários de ensino e pela habilidade de identificação e intervenção frente a necessidades de aprendizagem. Todavia, sua percepção é de que é baixo o conhecimento sobre os alunos e suas características que o coletivo de professores possui e que esta é uma categoria de conhecimento base relevante para que desenvolvam a aprendizagem.

Das sete categorias de conhecimento base, no que tange à relação professor e estudante, é possível dizer que são particularmente relevantes duas categorias: o conhecimento pedagógico geral e o conhecimento sobre os alunos e suas características. Dessa forma, podemos dizer que o conhecimento sobre os alunos e suas características interfere na relação pedagógica e isto é percebido pelos estudantes.

Destacam-se nos dados a demanda por afetuosidade e o potencial subjetivo que ser tratado como pessoa tem na relação entre professor e estudante. Este dado vai além do que Shulman10 apresenta no conceito de conhecimento sobre os alunos e suas características, pois demonstra que não apenas componentes pragmáticos do ensino-aprendizagem, como o conhecimento de habilidades e deficiência pedagógicas são relevantes, mas também a subjetividade humana.

O estudante percebe e requer que seus professores sejam, além de bons mediadores de aprendizado, pessoas com sensibilidade para auxiliá-los a não apenas ser um profissional com competências técnico-científicas, mas também um profissional capaz de perceber, compreender e auxiliar o outro. Professores que ousam conhecer características individuais e coletivas dos estudantes fomentam boas experiências e registram-se na memória como melhores justamente por resgatar a dimensão subjetiva da relação pedagógica.

Frente aos resultados deste estudo, percebemos uma latente e necessária discussão para o campo da formação em saúde. Até que ponto a relação pedagógica hoje estabelecida nos cursos de graduação proporciona esse tipo de experiência aos estudantes e professores? Os professores atualmente são formados para reconhecer estes aspectos e desenvolver um conhecimento sobre os alunos e suas características como o descrito neste estudo? Quão preparados pedagogicamente são os professores de ensino superior para proporcionar uma experiência formativa desta envergadura? De quanto tempo dispõem para se aproximar dos estudantes, em um ambiente de trabalho cada vez mais abarrotado de demandas e responsabilidades?

Entendemos que uma limitação do estudo consiste em analisar o conhecimento sobre os alunos e suas características por professores a partir da percepção dos estudantes. Considerando esta limitação, sugerimos que novos estudos sejam desenvolvidos junto aos professores para observar o processo de construção e expressão do mesmo durante a prática pedagógica.

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