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“Bundle” de Prevenção de Sítio Cirúrgico em Cirurgia Cardíaca

“Bundle” de Prevenção de Sítio Cirúrgico em Cirurgia Cardíaca

Autores:

Lilian Silva de Andrade,
Erci Maria Onzi Siliprandi,
Larissa Lemos Karsburg,
Francine Possebon Berlesi,
Otávio Luiz da Fontoura Carvalho,
Darlan Sebastião da Rosa,
Rodrigo Pires dos Santos

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.6 São Paulo jun. 2019 Epub 08-Abr-2019

https://doi.org/10.5935/abc.20190070

Resumo

Fundamento:

As infecções de sítio cirúrgico (ISC) estão entre as mais prevalentes nas instituições de saúde, atribuindo um risco de morte, variando de 33 a 77%, sendo associado a um aumento de 2 a 11 vezes para o desfecho de óbito. Os pacientes submetidos à cirurgia cardíaca são mais suscetíveis às ISC´s, correspondendo entre as taxas de ISC´s de 3,5% a 21%, e a taxa de mortalidade atribuível a estas causas chegam a 25%. A prevenção de infecção de sítio cirúrgico em cirurgia cardíaca está baseada em medidas preventivas conhecidas como “bundle”, focados nos fatores de risco modificáveis.

Objetivos:

O objetivo deste estudo foi identificar os fatores de risco para ISC´s em cirurgia cardíaca limpa.

Métodos:

Realizou-se um estudo retrospectivo de Coorte analisando 1846 prontuários de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca limpa. Foi utilizado o teste exato de Fischer para a comparação bivariada e regressão de Poisson para análise independente de risco para infecção de sítio cirúrgico. Foi considerado o nível de significância p < 0,05.

Resultados:

O resultado do estudo compreendeu a uma análise multivariada, e as variáveis que se associaram com o diagnóstico de infecção de sítio cirúrgico foram: índice de risco cirúrgico (OR 2,575 IC 1,224-5,416), obesidade (OR 2,068 IC 1,457-2,936), diabete mellitus (OR 1,678 1,168-2,409); nível de glicemia (OR 1,004 IC 1,001-1,007).

Conclusões:

Foi evidenciado no estudo que a adesão completa ao “bundle” não se associou com a redução do risco de infecções cirúrgicas. Entretanto, foi identificado que o fato de ter diabetes mellitus, a obesidade e a avaliação através do índice de risco cirúrgico aumentam a associação e consequentemente ao risco de ISC em cirurgia cardíaca.

Palavras-chave: Procedimentos Cirúrgicos Cardíacos; Adulto; Fatores de Risco; Pacotes de Assistência ao Paciente; Anti-Infecciosos; Infecção da Ferida Cirúrgica; Infecção Hospitalar

Abstract

Background:

Surgical site infections (SSI) are among the most prevalent infections in healthcare institutions, attributing a risk of death which varies from 33% to 77% and a 2- to 11-fold increase in risk of death. Patients submitted to cardiac surgery are more susceptible to SSI, accounting for 3.5% to 21% of SSI. The mortality rate attributable to these causes is as high as 25%. Prevention of SSI in cardiac surgery is based on a bundle of preventive measures, which focus on modifiable risks.

Objective:

The objective of this study was to identify SSI risk factors in clean cardiac surgery.

Methods:

A retrospective cohort study analyzed 1,846 medical records from patients who underwent clean cardiac surgery. Fisher’s exact test was used for bivariate comparison, and Poisson regression was used for independent analysis of SSI risk, considering a significance level of p < 0.05.

Results:

The results of the study comprised a multivariate analysis. The variables that were associated with the diagnosis of SSI were: surgical risk index (OR: 2.575; CI: 1.224-5.416), obesity (OR: 2.068; CI: 1.457-2.936), diabetes mellitus (OR: 1,678; CI: 1.168-2.409), and blood glucose level (OR: 1.004; CI: 1.001-1.007).

Conclusions:

This study evidenced that complete adherence to the bundle was not associated with a reduction in the risk of surgical infections. Diabetes mellitus, obesity, and surgical risk index assessment were, however, identified to increase association and consequently risk of SSI in cardiac surgery.

Keywords: Cardiac Surgical Procedures; Adult; Risk Factors/prevention and control; Patient Care Bundles; Anti-Infective Agents; Surgical Wound Infection; Cross Infection

Introdução

As infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) são definidas como toda infecção que ocorre no paciente durante o processo de atendimento em algum estabelecimento de saúde, no período de 48 a 72 horas do primeiro contato com o sistema de saúde. As taxas de infecções são maiores em países em desenvolvimento e em unidades de terapia intensiva.1,2

As infecções de sitio cirúrgico (ISC) estão entre as mais prevalentes nas instituições de saúde. No ano de 2011 nos EUA, as ISC acometeram em média 157.500 mil pacientes. O risco de morte atribuível a este tipo de infecção é alto, variando de 33 a 77%, sendo associado a um aumento de 2 a 11 vezes para o desfecho de óbito.3

Os pacientes submetidos à cirurgia cardíaca são particularmente suscetíveis a infecções hospitalares e as ISC, acarretando intervenções e custos adicionais à instituição de saúde. As taxas de infecção de sítio cirúrgico podem variar de 3,5% a 21%, e a taxa de mortalidade pelas mesmas causas pode chegar a 25%.4,5

Vários fatores de risco estão associados às ISC em cirurgia cardíaca, entre eles: idade, estado nutricional, diabetes mellitus, tabagismo, obesidade, infecções coexistentes em outro sítio, tempo de permanência no pré-operatório, preparo da pele, ventilação mecânica, quebra de técnicas assépticas, a inadequação da higiene das mãos, distrações no campo operatório, número de abertura de portas, ou outros fatores relacionados ao ambiente.6

Medidas preventivas “bundle” aplicadas aos procedimentos cirúrgicos têm sido efetivos na redução das taxas de infecção. Dentre elas: o uso de antibiótico profilático até 1 hora antes da incisão, e a suspensão do antibiótico até 48 horas de cirurgia cardíaca, remoção dos pelos no período pré-operatório imediato, temperatura até 36,5ºC no intra-operatório e o controle glicêmico no pós-operatório imediato e estendendo-se após 48 horas do procedimento.7

O objetivo deste estudo foi identificar fatores de risco para ISC em grandes procedimentos de cirurgia cardíaca limpa em um centro de referência em cardiologia.

Métodos

Trata-se de um estudo retrospectivo de Coorte, realizado no Instituto de Cardiologia, um hospital de 250 leitos para pacientes de cardiologia no sul do Brasil. O estudo avaliou pacientes submetidos a grandes procedimentos cirúrgicos com e sem a utilização da circulação extracorpórea no período entre Janeiro de 2013 a Dezembro de 2014. Foram incluídas todas as cirurgias de grande porte em adultos (maiores de 18 anos). Foram excluídos pacientes pediátricos, dados incompletos no prontuário, pacientes com óbito no pré, intra e/ou no pós-operatório imediato e internações com menos de 48 horas.

O diagnóstico epidemiológico das infecções seguiu os critérios do Centro de Controle de Doenças americano (CDC). As infecções foram classificadas conforme o nível superficial, profundo ou órgão-espaço. Desde o ano de 2003 é utilizado um protocolo de prevenção de ISC na instituição.

O “bundle” de medidas preventivas da instituição inclui 6 itens de execução entre os períodos pré e pós-operatórios. Entre eles inclui-se: banho pré-operatório com clorexidina 2%, 24 horas antes do procedimento; tricotomia com tricotomizador elétrico, até duas horas antes do início da cirurgia; normotermia, manutenção da temperatura maior ou igual a 36ºC, no pós-operatório imediato; glicemia menor que 200 mg/dl mensurado às 06 horas do primeiro dia pós operatório; antibioticoprofilaxia cirúrgica, infundida na indução anestésica em até 60 minutos antes da incisão; e dose adicional se o procedimento durar mais de 4 horas e tempo máximo de uso por 24-48 horas.

Foi considerado como escore de risco o A.S.A. que segue os padrões da Sociedade Americana de Anestesiologia e o Índice de Risco de Infecção Cirúrgica (IRIC).

Para coleta de dados foi utilizado sistema de informações do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH). Além disso, foi revisado o prontuário dos pacientes no Serviço de Arquivo Médico e Estatística (SAME). A revisão dos prontuários foi realizada no segundo semestre de 2015.

Análises estatísticas

Para o cálculo amostral foi considerado as taxas de infecção dos períodos entre 2003 a 2012. Considerando um número de 900 procedimentos cirúrgicos ano no hospital e uma taxa média de ISC de 3,23%, no período de 2003 até 2012 e, que pelo menos a aplicação de um “bundle” de prevenção reduza as taxas de infecção em 60%.8 Calculou-se uma amostra de 1846 prontuários de pacientes, com um erro alfa de 5%, beta de 20%.

O teste exato de Fischer foi utilizado para a comparação bivariada. Na análise multivariada foi utilizada regressão de Poisson e incluídas variáveis com p < 0,20 na análise bivariada.9 Foi considerado o nível de significância p < 0,05.

Os dados coletados foram codificados e digitados em uma tabela do programa Microsoft Office Excel 2007 criando um banco de dados, após as análises complementares foram realizadas utilizando o programa SPSS versão 18.0.

O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Instituto Cardiologia - Fundação Universitária Cardiologia, no dia 17 de setembro de 2014, sob o número de registro 4997/14, sendo credenciado junto à CONEP, e em anexo o Termo de Confiabilidade para Utilização de Dados

Resultados

Mil oitocentos e quarenta e seis prontuários de pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos de grande porte foram analisados, destes, 138 foram excluídos da pesquisa. Ainda destes, 23 eram pacientes pediátricos, 85 óbitos ou internações com menos de 48 horas e 30 prontuários com dados incompletos, não atendendo os critérios de inclusão do estudo. No periodo estudado foram incluídos um total de 1846 grandes procedimentos cirúrgicos cardíacos, de 1708 pacientes.

Cento e quarenta e dois (8,3%) procedimentos desenvolveram infecção de sitio cirúrgico. Destes 48,0% (n = 69) foram infecção de sitio torácico (13,3% incisional superficial; 24,5% incisional profunda; 11,2% órgão-espaço); 40,6% (n = 58) foram de infecção safena; 7,7% (n = 9) foram de sitio torácico e infecção de safena; e 3,0% (n = 4) foram endocardite. Um em cada quatro procedimentos de transplantes cardíacos infectaram.

Os dados sóciodemográficos dos pacientes que apresentaram infecção e sem infecção de sítio cirúrgico estão descritos na Tabela 1.

Tabela 1 Dados sóciodemográficos associados à infecção de sítio cirúrgico 

ISC (N/%) Sem infecção (N/%) Total (N)
Sexo masculino 92 (64,8%) 1057 (67,9%) 1149
Tipo de procedimento
- Revascularização do miocárdio 85 (8,4%) 923 (91,6%) 1008
- Substituição valvar 49 (34,5%) 545 (35,0%) 594
- Dissecção de aorta 8 (5,6%) 88 (5,7%) 96
Hipertensão 133 (94,3%) 1345 (87,2%) 1478
Tabagismo 63 (44,7%) 620 (40,2%) 683
Diabetes mellitus 75 (53,2%) 484 (31,4%) 559
Dislipidemia 58 (41,1%) 504 (32,7%) 562
Obesidade 38 (27,1%) 169 (11,0%%) 207
DPOC 7 (5,0%) 70 (4,5%) 77
Insuficiência Renal 9 (6,3%) 84 (5,4%) 93
Atendimento pelo SUS 112 (78,9%) 1061 (68,2%) 1173
A.S.A III 111 (78,2%) 1282 (82,4%) 1393
"Bundle" do uso de antibiótico adequado 33 (23,2%) 332 (21,4%) 365
"Bundle" Total de adequação completo 6 (4,3%) 61 (3,9%) 67
Óbito 11 (7,7%) 165 (10,6%) 176

ISC: infecções de sítio cirúrgico; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; SUS: Sistema Único de Saúde.

Na análise bivariada as variáveis que se correlacionaram com infecção de sítio cirúrgico foram: hipertensão arterial (p = 0,01), diabete mellitus (p = 0,001), dislipidemia (p = 0,05), obesidade (p = 0,001), glicemia maior ou igual a 200 mg/dl (p = 0,03), tipo de internação SUS ou convênio (p = 0,008), índice de risco cirúrgico (p = 0,001). Na análise multivariada as variáveis que se associaram com o diagnóstico de infecção de sítio cirúrgico foram: índice de risco cirúrgico, obesidade, diabete mellitus e nível de glicemia (Tabela 2).

Tabela 2 Análise Multivariada. Regressão de Poisson 

Fator de Risco Razão de Chances (OR) Intervalo de Confiança (IC) p
Índice de Risco Cirúrgico 2,575 1,224-5416 0,013
SUS x Convênio 1,473 0,974-2,229 0,067
Hipertensão arterial sistêmica 1,770 0,877-3,573 0,111
Diabete mellitus 1,678 1,168-2,409 0,005
Dislipidemia 1,083 0,777-1,510 0,637
Obesidade 2,068 1,457-2,936 < 0,001
Glicemia adequada (< 200 mg/dl) 1,077 0,724-1,601 0,715
Nível de Glicemia 1,004 1,001-1,007 0,007

SUS: Sistema Único de Saúde.

Discussão

A taxa de infecção de sítio cirúrgico em nosso estudo foi de 8,3%. Nos países desenvolvidos a taxa de infecção de sitio cirúrgico variam de 1,2-5,2%. Enquanto que em países em desenvolvimento esta taxa pode chegar a 11,8%. Índice superior às taxas de infecção geral em países desenvolvidos que variam de 1,2 a 5,2%, mas abaixo das taxas de países em desenvolvimento (11,8%).3

As ISC pós cirurgia cardíaca em países em desenvolvimento podem variar de 3,5% a 21,0%.4,5

Diabetes mellitus, nível de glicemia, obesidade e índice de risco cirúrgico são fatores associados com ISC, conforme o último relatório mundial da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2016) que reforça estes fatores em relação aos riscos que afetam as IRAS.3

Os fatores de risco para as ISC são complexos, e a prevenção requer a integração de uma série de medidas antes, durante e depois da cirurgia. A prevenção é o principal foco do Institute for Healthcare Improvement (IHI) e do Projeto de Melhoria do Cuidado (SCIP) realizados nos EUA, onde recomendam um pacote de medidas preventivas para serem realizadas.10 Estas medidas chamadas de “bundle” são realizadas em conjunto para obtermos melhores resultados do que quando aplicadas individualmente. Os “bundles” de prevenção de infecção de sitio cirúrgico em cirurgia cardíaca, envolvem o uso profilático de antibióticos no pré e pós-operatório imediato (até 48 horas da incisão); controle do nível glicêmico no primeiro e segundo pós-operatório; contorle de temperatura e oxigenação; e descoloniação dos pacientes com mupirocina intra-nasal e banho com clorexidina no pré-operatório.3,7,10

Em nosso estudo, a adequação ao protocolo de profilaxia cirúrgica não se associou com redução das taxas de infecção de sitio cirúrgico. Estudos em procedimentos cirúrgicos indicam que o uso de antimicrobianos em até 60 minutos do início do procedimento tem se associado com a redução das taxas de infecção.3,11,12

Em nosso estudo, 96% dos pacientes fizeram uso de uma cefalosporina de primeira geração ou uma cefalosporina de segunda geração. Meta análise evidenciou que o uso de cefuroxima como profilaxia de cirurgia cardíaca, demonstrou uma melhor proteção contra infecções respiratórias no pré-operatório imediato. Apesar de o nosso estudo não ter avaliado este tipo de desfecho, não houve diferença na comparação de cefazolina (protocolo institucional vigente antes de maio de 2014) e cefuroxima (recomendação da instituição após junho de 2014) para a infecção de sitio cirúrgico - dado não demonstrado.

O “bundle” de prevenção utilizado em nossa instituição de pesquisa incluiu seis medidas preventivas. A adesão completa ao “bundle” não se associou com redução do risco de infecções cirúrgicas. Em relação ao “bundle” de medidas do CDC, onde este estabelece medidas preventivas no que acerca o período perioperatório, estas sendo: a antibióticoprofilaxia nos períodos, pré, trans e pós operatório; a realização de tricotomia quando necessário, e sem o uso de lâminas; a realização dos cuidados com nível de glicemia no período pré e pós operatório; a normoterapia no que tange o perioperatório; a otimização de oxigenação tecidual; a preparação da pele com soluções alcoólicas; e por fim a utilização da Lista de Verificação de Segurança Cirúrgica.3

O nível de glicemia isoladamente se associou com redução do risco de infecção cirúrgica, apesar disso, níveis dicotomizados abaixo de 200 mg/dl não se associaram com redução das taxas de infecção. Diversos estudos têm associado o nível de glicemia com o risco de infecção cirúrgica em cirurgia cardíaca. Existem evidências recentes de que com o rigoroso controle glicêmico (níveis menores que 180 mg/dl) pode se reduzir as taxas de ISC em pacientes que se submetem a procedimentos cirúrgicos.3 Além disso, confirmando achado do nosso estudo o diagnóstico de diabetes mellitus, independente no nível de glicemia, aumenta o risco de ISC em cirurgia cardíaca. O Projeto de Melhoria do Cuidado Cirúrgico (SCIP), que foi desenvolvido em 2003 como uma parceria de qualidade nacional de organizações comprometidas com a melhoria da segurança da assistência cirúrgica através da redução de complicações pós-operatórias, desenvolveu uma medida de núcleo para manter a glicose no sangue em um nível ≤ 180mg/dL durante o período peri-operatório e pós-operatório com base em evidências de diminuição de ISC em cirurgia cardíaca.10,13,14 A Sociedade Americana de Epidemiologia Hospitalar (SHEA) e a Sociedade Americana de Doenças (IDSA) também recomendam uma meta de ≤ 180 mg/dL de glicemia no período pós-operatório imediato. Demonstrando que mantendo os níveis de glicemia a partir de 150 mg/dL a ≤ 180mg/dL há uma redução do risco de infecção de sítio cirúrgico em cirurgia cardíaca.7,15 Em um estudo controlado randomizado, com um protocolo de insulina intravenosa utilizado para manter a glicemia ≤ 150 mg/dL, em 5510 pacientes submetidos a cirurgia cardíaca e com patologia de base de Diabetes Mellitus, demonstrou que a utilização deste protocolo é seguro e levou a uma redução de 77% das infecções do sítio cirúrgico.16

Obesidade é um fator de risco para infecção de sitio cirúrgico em cirurgia cardíaca, colo-retal, ortopédica, cesarianas e cirurgia geral, pois o procedimento torna-se mais complexo e aumenta o tempo de permanencia cirúrgico, causando hipoxia tecidual, e hiperglicemia relacionada com a resistência a insulina do paciente obeso, contribuindo para o risco em ISC. Pacientes obesos tem maior risco de adquirir infecções, principalmente quando expostos a procedimentos cirúrgicos e internação em unidades de terapia intensiva.17-19 Em um estudo nos EUA avaliou que pacientes cirurgicos obesos tem 4,7 vezes maior chance de risco de infecção e pacientes com obesidade mórbida apresentavam 6 vezes mais risco de infecção em comparação com pacientes de peso normal.19 Ainda, estudo recente acompanhou 33.936 mil pacientes após cirurgia de revascularização do miocardio, e mostrou que os fatores que determinaram de alto risco de infecção cirúrgica incluíram mulheres, obesidade, reoperações não planejadas e pacientes que permaneceram mais tempo internados.20 Em nosso estudo o risco de infecção relacionado à obesidade foi de 2 vezes maior.

O índice de risco cirúrgico é um bom preditor de risco em cirurgias. Em um estudo, o uso do IRIC contribuiu para estratificar as taxas de incidências de ISC em cirurgia cardiaca. Neste estudo a incidência de mediastinite foi de 0% quando o paciente teve uma pontuação de zero; 1,2%, o escore era de 1; e 2,3% quando era 2.21,22 Nosso estudo demonstrou que em cirurgias limpas, o componente relacionado às patologias de base e estado físico do paciente (ASA) e o tempo de procedimento, mensurado pelo IRIC foi associado a um risco maior de infecção.

Embora a obesidade e a diabetes mellitus sejam fatores não modificáveis na maioria das vezes, estas patologias podem sinalizar riscos maiores em que o profissional de saúde possa assumir um maior cuidado com o paciente, como por exemplo, cuidado estrito com a técnica cirúrgica, redução do espaço morto, circulação tecidual, cuidados no pós-operatório.

Nosso estudo tem limitações. É um estudo retrospectivo a partir de um único centro de cardiologia. Embora tenhamos usado a avaliação de estado fisico do paciente e seus fatores de risco (ASA) e os riscos do procedimento (tempo de permanencia cirurgica), não incluímos na análise final alguns fatores de risco, tais como: antisepsia da pele do paciente (pré-operatório), habilidades da equipe cirúrgica e comportamente dos profissionais da assistência no teatro operatório (intra-operatório), práticas material de esterilização cirúrgica, e outros fatores de risco relacionados a infecção como uso de procedimentos invasivos no pós-operatório como cateteres, sondas, ventilação mecânica.

Conclusão

Obesidade, diabetes e nível de glicemia foram fatores independentes que se associaram com ISC em pacientes submetidos a grandes procedimentos cirúrgicos cardíacos. O índice de risco cirúrgico foi um bom escore preditor para ISC em cirurgia cardíaca. Profiláxia cirúrgica com antibióticos ou adesão ao “bundle” de prevenção de infecção em cirurgia cardíaca não foram associados com a diminuição de risco de ISC.

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