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Capacidade de automonitoramento da compreensão leitora no Ensino Fundamental

Capacidade de automonitoramento da compreensão leitora no Ensino Fundamental

Autores:

Gabriela Juliane Bueno,
Carolina Alves Ferreira Carvalho,
Clara Regina Brandão de Ávila

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.29 no.3 São Paulo 2017 Epub 08-Jun-2017

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016044

INTRODUÇÃO

A compreensão leitora eficiente exige monitorar o conteúdo lido e as estratégias utilizadas para a leitura, até que se alcance a compreensão do texto. Dentre outras capacidades necessárias, ressalta-se o papel do automonitoramento e da avaliação do conhecimento adquirido. Durante a leitura, estas funções executivas(1,2) devem ser direcionadas para o alcance do próprio objetivo da leitura: o de obter significado ou uma representação coerente do que propõe o texto. O monitoramento efetivo deve evidenciar a percepção de que houve falha na compreensão e que esta deve ser reparada para garantir a compreensão plena do texto(3-5). A capacidade de definir estratégias para melhorar a compreensão pode distinguir bons e maus leitores(3,6-9). A hipótese de que condições da capacidade de automonitoramento na leitura possam estar associadas a déficits específicos de compreensão leitora(10,11) conduziu esta pesquisa.

O presente estudo mostrará dados preliminares da pesquisa que teve por objetivo investigar a capacidade de automonitoramento da compreensão leitora de escolares brasileiros do Ensino Fundamental. O experimento foi baseado em procedimentos, já descritos na literatura, para diferenciar bons e maus leitores.

MÉTODO

Estudo prospectivo, observacional (CAAE: 33421614500005505), contou com a assinatura dos Termos de Anuência e de Consentimento Livre e Esclarecido pelas Instituições de Ensino, escolares e seus responsáveis.

Amostra

Avaliaram-se 53 alunos (34 meninas) matriculados no 5º (N = 34) e 9º anos (N = 19) do Ensino Fundamental de duas escolas da rede pública municipal de ensino da cidade de São Paulo. Os professores os indicaram atendendo aos critérios de inclusão: ausência de queixas ou de indicadores de déficits auditivos, visuais (não corrigidos), distúrbios neurológicos, comportamentais ou cognitivos e histórico de retenção escolar.

Para garantir o nível de compreensão leitora, excluíram-se escolares com valores de taxa de leitura abaixo de: 5º ano = 91 p.p.m e 9º ano = 110 p.p.m(12). Os participantes foram agrupados a partir do desempenho em testes de avaliação da compreensão leitora, realizados com textos adequados para a escolaridade(13,14): Grupo de melhor compreensão (G1); Grupo de pior compreensão (G2).

Material

Para avaliar o automonitoramento da compreensão leitora, uma equipe, composta por 6 fonoaudiólogos e 1 linguista, elaborou o protocolo que constou, ao final, de 4 textos narrativos - 2 para cada ano escolar, - e 8 questões, entre literais e inferenciais, para cada texto. Um deles, assim como as 8 questões que o acompanhavam, compunha o protocolo original(10) e foi traduzido e adaptado linguística e culturalmente para o Português Brasileiro. Outros 3 textos narrativos e suas questões foram elaborados pela mesma equipe. Em cada texto, duas sentenças foram alteradas quanto à ordem das palavras, resultando em estruturas agramaticais. Além dessas modificações, em diferentes parágrafos, duas pseudopalavras substituíram palavras correspondentes às originais. Esta pesquisa foi precedida por pilotos que permitiram verificar a adequação linguística dos textos.

Procedimentos

Os participantes foram avaliados individualmente em horários previamente estabelecidos pela direção da escola.

Cada escolar leu 2 textos: um para avaliação do monitoramento espontâneo e outro para a avaliação do monitoramento dirigido. Para evitar viés do procedimento, uma vez que além de pequena, a amostra foi coletada em duas escolas diferentes, neste experimento, manteve-se a ordem de apresentação dos textos para a amostra total. Então, primeiramente foi avaliada a condição de monitoramento espontâneo e posteriormente, a de monitoramento dirigido. As instruções seguiram o indicado por Oakhill et al.(10).

Monitoramento espontâneo

Os escolares receberam a instrução: “Você deverá ler este texto em voz alta, para responder a questões”. A análise foi realizada por meio do cômputo das hesitações, autocorreções, repetições ou erros durante a leitura do texto.

Monitoramento dirigido

Os escolares receberam a seguinte instrução: “Você deverá ler este texto silenciosamente ou em voz alta, para responder a questões. Algumas partes do texto podem não fazer sentido. Sublinhe as palavras ou frases que não entender”.

Computou-se o número de pseudopalavras e frases sublinhadas (palavras sublinhadas não foram consideradas erro).

As comparações entre os grupos foram feitas por meio do teste de Mann-Whitney (valores significativos: p-valor < 0,05).

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta estatísticas descritivas para Pseudopalavras 1 e 2 e Sentenças Agramaticais 1 e 2, em monitoramento espontâneo. Apenas a variável “hesitação” determinou diferenças significantes no 9º ano, com maior número de hesitações do G2, para o erro de reestruturação sintática 1.

Tabela 1 Estatísticas descritivas para a não palavra 1 e 2 e reestruturação frasal 1 e 2 na situação de monitoramento espontâneo e resultado do teste de Mann-Whitney da comparação entre os grupos 

Pseudopalavra 1 Pseudopalavra 2
Ano Grupos Variáveis Mín. Máx. Média D.P. U p-valor Mín. Máx. Média D.P. U p-valor
G1 Hesitação 0 1 0,78 0,42 0 2 0,65 0,57
G2 0 2 0,80 0,63 114,500 0,980 0 1 0,70 0,48 108,000 0,748
G1 Repetição 0 2 0,43 0,59 0 2 0,39 0,58
G2 0 1 0,30 0,48 103,000 0,576 0 1 0,40 0,52 111,000 0,852
G1 Autocorreção 0 0 0,00 0,00 0 1 0,09 0,29
G2 0 0 0,00 0,00 115,000 1,000 0 1 0,10 0,32 113,500 0,906
G1 Total 0 3 1,22 0,85 0 3 1,13 0,82
G2 0 3 1,10 0,99 104,000 0,649 0 2 1,20 0,79 107,000 0,737
G1 Hesitação 0 1 0,25 0,45 0 1 0,67 0,49
G2 0 1 0,43 0,54 34,500 0,432 0 1 0,86 0,38 34,000 0,376
G1 Repetição 0 1 0,08 0,29 0 2 0,42 0,67
G2 0 1 0,14 0,38 39,500 0,691 0 1 0,14 0,38 33,500 0,351
G1 Autocorreção 0 0 0,00 0,00 0 0 0,00 0,00
G2 0 0 0,00 0,00 42,000 1,000 0 0 0,00 0,00 42,000 1,000
G1 Total 0 1 0,33 0,49 0 2 1,08 0,52
G2 0 2 0,57 0,79 36,000 0,550 0 2 1,00 0,58 39,000 0,743
Sentença Agramatical 1 Sentença Agramatical 2
G1 Hesitação 0 2 0,91 0,52 0 4 1,35 0,89
G2 0 1 0,60 0,52 83,000 0,119 0 2 1,00 0,67 93,000 0,325
G1 Repetição 0 2 0,70 0,56 0 4 0,83 1,11
G2 0 2 0,70 0,68 113,500 0,946 0 2 0,90 0,88 102,500 0,598
G1 Autocorreção 0 1 0,22 0,42 0 2 0,39 0,66
G2 0 1 0,20 0,42 113,000 0,912 0 1 0,30 0,48 111,500 0,865
G1 Total 1 3 1,83 0,65 1 7 2,57 1,44
G2 0 4 1,80 1,03 111,000 0,860 0 3 2,20 1,03 109,500 0,822
G1 Hesitação 0 2 0,83 0,72 0 3 1,08 0,79
G2 1 2 1,57 0,54 19,000 0,036* 1 1 1,00 0,00 42,000 1,000
G1 Repetição 0 1 0,50 0,52 0 2 0,58 0,79
G2 0 1 0,29 0,49 33,000 0,374 0 2 1,14 0,90 27,000 0,172
G1 Autocorreção 0 1 0,17 0,39 0 2 0,50 0,67
G2 0 1 0,29 0,49 37,000 0,550 0 1 0,57 0,54 37,500 0,667
G1 Total 0 3 1,58 0,79 0 3 2,17 0,94
G2 2 3 2,29 0,49 21,000 0,046* 2 3 2,71 0,49 27,500 0,172

*Valores estatisticamente significantes (p≤0.05)

Legenda: G1 = Grupo de melhor compreensão; G2 = Grupo de pior compreensão; DP = Desvio Padrão

A Tabela 2 apresenta estatísticas descritivas e comparações no monitoramento dirigido: Pseudopalavras 1 e 2 e Sentenças Agramaticais 1 e 2.

Tabela 2 Estatísticas descritivas e resultados das comparações entre os grupos nas tarefas de monitoramento dirigido, analisadas pelo teste de Mann-Whitney 

Ano Grupos Variáveis Mínimo Máximo Média D.P. U p-valor
G1 MDP1 0 1 0,46 0,51 115,000 0,827
G2 0 1 0,50 0,53
G1 MDP2 0 1 0,17 0,38 104,000 0,388
G2 0 1 0,30 0,48 0,388
G1 MDSA1 0 1 0,37 0,50 0 0
G2 0 0 0,00 0,00 75,000 0,026*
G1 MDSA2 0 1 0,54 0,51 91,000 0,205
G2 0 1 0,30 0,48
G1 MDNP1 0 1 0,50 0,52 39,000 0,770
G2 0 1 0,57 0,54
G1 MDNP2 0 1 0,75 0,45 40,500 0,868
G2 0 1 0,71 0,49
G1 MDSA1 0 1 0,33 0,49 26,000 0,118
G2 0 1 0,71 0,49
G1 MDSA2 0 1 0,58 0,52 35,500 0,526
G2 0 1 0,43 0,54

*Valores estatisticamente significantes (p≤0.05)

Legenda: G1 = Grupo de melhor compreensão; G2 = Grupo de pior compreensão; MDP1 = Monitoramento Dirigido Pseudopalavras 1; MDP2 = Monitoramento Dirigido Pseudopalavras 2; MDSA1 = Monitoramento Dirigido Sentenças agramaticais 1; MDSA2 = Monitoramento Dirigido Sentenças agramaticais 2; DP = Desvio Padrão

DISCUSSÃO

O monitoramento do sentido é habilidade necessária para a eficiência da compreensão(1,2). Diferenças de capacidade de automonitoramento devem determinar o melhor ou pior resultado em tarefa de compreensão de leitura. Por isso, as hesitações observadas durante toda a prova do 9° ano indicaram a presença de diferença entre os grupos de melhor e pior condição de compreensão leitora, quando no experimento para identificação das sentenças agramaticais (Tabela 1). A precisão para detectar incoerências em um texto mostrou-se mais baixa, quando o G2 foi comparado ao G1.

Por outro lado, nem todas as tarefas elaboradas para avaliar o automonitoramento durante a leitura puderam evidenciar a diferença esperada. A avaliação do automonitoramento espontâneo no nível da palavra não evidenciou diferenças de desempenho entre os escolares de melhor e pior compreensão(10) (Tabela 1). Tanto G1 quanto G2 apresentaram médias de desempenho semelhantes. O nível de vocabulário dos escolares (variável não controlada neste experimento) pode ter influenciado este resultado.

No que se refere à investigação da condição de monitoramento dirigido (Tabela 2), observou-se que as crianças de melhor compreensão do 5º ano identificaram mais erros no nível frasal quando comparadas às de pior compreensão, conforme o esperado. Esses resultados corroboram a literatura: em escolares do 4º ano, maus compreendedores não se envolveram no monitoramento preciso, principalmente quando foi avaliado de forma dirigida(3).

Assim, o melhor desempenho dos escolares do G1 do 5º ano e do 9º ano, ao identificarem erros no nível frasal, corroboram parcialmente os achados de Oakhill et al.(10), cujo experimento evidenciou o desempenho superior dos bons compreendedores, embora apenas no nível das sentenças.

CONCLUSÃO

Escolares de pior compreensão leitora apresentaram desempenho inferior ao monitorar a presença de sentenças agramaticais. No 9o ano, a diferença foi evidenciada durante o automonitoramento espontâneo e, no 5o, quando o monitoramento foi dirigido.

REFERÊNCIAS

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