versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.29 no.3 São Paulo 2017 Epub 08-Jun-2017
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016044
A compreensão leitora eficiente exige monitorar o conteúdo lido e as estratégias utilizadas para a leitura, até que se alcance a compreensão do texto. Dentre outras capacidades necessárias, ressalta-se o papel do automonitoramento e da avaliação do conhecimento adquirido. Durante a leitura, estas funções executivas(1,2) devem ser direcionadas para o alcance do próprio objetivo da leitura: o de obter significado ou uma representação coerente do que propõe o texto. O monitoramento efetivo deve evidenciar a percepção de que houve falha na compreensão e que esta deve ser reparada para garantir a compreensão plena do texto(3-5). A capacidade de definir estratégias para melhorar a compreensão pode distinguir bons e maus leitores(3,6-9). A hipótese de que condições da capacidade de automonitoramento na leitura possam estar associadas a déficits específicos de compreensão leitora(10,11) conduziu esta pesquisa.
O presente estudo mostrará dados preliminares da pesquisa que teve por objetivo investigar a capacidade de automonitoramento da compreensão leitora de escolares brasileiros do Ensino Fundamental. O experimento foi baseado em procedimentos, já descritos na literatura, para diferenciar bons e maus leitores.
Estudo prospectivo, observacional (CAAE: 33421614500005505), contou com a assinatura dos Termos de Anuência e de Consentimento Livre e Esclarecido pelas Instituições de Ensino, escolares e seus responsáveis.
Avaliaram-se 53 alunos (34 meninas) matriculados no 5º (N = 34) e 9º anos (N = 19) do Ensino Fundamental de duas escolas da rede pública municipal de ensino da cidade de São Paulo. Os professores os indicaram atendendo aos critérios de inclusão: ausência de queixas ou de indicadores de déficits auditivos, visuais (não corrigidos), distúrbios neurológicos, comportamentais ou cognitivos e histórico de retenção escolar.
Para garantir o nível de compreensão leitora, excluíram-se escolares com valores de taxa de leitura abaixo de: 5º ano = 91 p.p.m e 9º ano = 110 p.p.m(12). Os participantes foram agrupados a partir do desempenho em testes de avaliação da compreensão leitora, realizados com textos adequados para a escolaridade(13,14): Grupo de melhor compreensão (G1); Grupo de pior compreensão (G2).
Para avaliar o automonitoramento da compreensão leitora, uma equipe, composta por 6 fonoaudiólogos e 1 linguista, elaborou o protocolo que constou, ao final, de 4 textos narrativos - 2 para cada ano escolar, - e 8 questões, entre literais e inferenciais, para cada texto. Um deles, assim como as 8 questões que o acompanhavam, compunha o protocolo original(10) e foi traduzido e adaptado linguística e culturalmente para o Português Brasileiro. Outros 3 textos narrativos e suas questões foram elaborados pela mesma equipe. Em cada texto, duas sentenças foram alteradas quanto à ordem das palavras, resultando em estruturas agramaticais. Além dessas modificações, em diferentes parágrafos, duas pseudopalavras substituíram palavras correspondentes às originais. Esta pesquisa foi precedida por pilotos que permitiram verificar a adequação linguística dos textos.
Os participantes foram avaliados individualmente em horários previamente estabelecidos pela direção da escola.
Cada escolar leu 2 textos: um para avaliação do monitoramento espontâneo e outro para a avaliação do monitoramento dirigido. Para evitar viés do procedimento, uma vez que além de pequena, a amostra foi coletada em duas escolas diferentes, neste experimento, manteve-se a ordem de apresentação dos textos para a amostra total. Então, primeiramente foi avaliada a condição de monitoramento espontâneo e posteriormente, a de monitoramento dirigido. As instruções seguiram o indicado por Oakhill et al.(10).
Os escolares receberam a instrução: “Você deverá ler este texto em voz alta, para responder a questões”. A análise foi realizada por meio do cômputo das hesitações, autocorreções, repetições ou erros durante a leitura do texto.
Os escolares receberam a seguinte instrução: “Você deverá ler este texto silenciosamente ou em voz alta, para responder a questões. Algumas partes do texto podem não fazer sentido. Sublinhe as palavras ou frases que não entender”.
Computou-se o número de pseudopalavras e frases sublinhadas (palavras sublinhadas não foram consideradas erro).
As comparações entre os grupos foram feitas por meio do teste de Mann-Whitney (valores significativos: p-valor < 0,05).
A Tabela 1 apresenta estatísticas descritivas para Pseudopalavras 1 e 2 e Sentenças Agramaticais 1 e 2, em monitoramento espontâneo. Apenas a variável “hesitação” determinou diferenças significantes no 9º ano, com maior número de hesitações do G2, para o erro de reestruturação sintática 1.
Tabela 1 Estatísticas descritivas para a não palavra 1 e 2 e reestruturação frasal 1 e 2 na situação de monitoramento espontâneo e resultado do teste de Mann-Whitney da comparação entre os grupos
Pseudopalavra 1 | Pseudopalavra 2 | |||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Ano | Grupos | Variáveis | Mín. | Máx. | Média | D.P. | U | p-valor | Mín. | Máx. | Média | D.P. | U | p-valor |
5º | G1 | Hesitação | 0 | 1 | 0,78 | 0,42 | 0 | 2 | 0,65 | 0,57 | ||||
G2 | 0 | 2 | 0,80 | 0,63 | 114,500 | 0,980 | 0 | 1 | 0,70 | 0,48 | 108,000 | 0,748 | ||
G1 | Repetição | 0 | 2 | 0,43 | 0,59 | 0 | 2 | 0,39 | 0,58 | |||||
G2 | 0 | 1 | 0,30 | 0,48 | 103,000 | 0,576 | 0 | 1 | 0,40 | 0,52 | 111,000 | 0,852 | ||
G1 | Autocorreção | 0 | 0 | 0,00 | 0,00 | 0 | 1 | 0,09 | 0,29 | |||||
G2 | 0 | 0 | 0,00 | 0,00 | 115,000 | 1,000 | 0 | 1 | 0,10 | 0,32 | 113,500 | 0,906 | ||
G1 | Total | 0 | 3 | 1,22 | 0,85 | 0 | 3 | 1,13 | 0,82 | |||||
G2 | 0 | 3 | 1,10 | 0,99 | 104,000 | 0,649 | 0 | 2 | 1,20 | 0,79 | 107,000 | 0,737 | ||
9º | G1 | Hesitação | 0 | 1 | 0,25 | 0,45 | 0 | 1 | 0,67 | 0,49 | ||||
G2 | 0 | 1 | 0,43 | 0,54 | 34,500 | 0,432 | 0 | 1 | 0,86 | 0,38 | 34,000 | 0,376 | ||
G1 | Repetição | 0 | 1 | 0,08 | 0,29 | 0 | 2 | 0,42 | 0,67 | |||||
G2 | 0 | 1 | 0,14 | 0,38 | 39,500 | 0,691 | 0 | 1 | 0,14 | 0,38 | 33,500 | 0,351 | ||
G1 | Autocorreção | 0 | 0 | 0,00 | 0,00 | 0 | 0 | 0,00 | 0,00 | |||||
G2 | 0 | 0 | 0,00 | 0,00 | 42,000 | 1,000 | 0 | 0 | 0,00 | 0,00 | 42,000 | 1,000 | ||
G1 | Total | 0 | 1 | 0,33 | 0,49 | 0 | 2 | 1,08 | 0,52 | |||||
G2 | 0 | 2 | 0,57 | 0,79 | 36,000 | 0,550 | 0 | 2 | 1,00 | 0,58 | 39,000 | 0,743 | ||
Sentença Agramatical 1 | Sentença Agramatical 2 | |||||||||||||
5º | G1 | Hesitação | 0 | 2 | 0,91 | 0,52 | 0 | 4 | 1,35 | 0,89 | ||||
G2 | 0 | 1 | 0,60 | 0,52 | 83,000 | 0,119 | 0 | 2 | 1,00 | 0,67 | 93,000 | 0,325 | ||
G1 | Repetição | 0 | 2 | 0,70 | 0,56 | 0 | 4 | 0,83 | 1,11 | |||||
G2 | 0 | 2 | 0,70 | 0,68 | 113,500 | 0,946 | 0 | 2 | 0,90 | 0,88 | 102,500 | 0,598 | ||
G1 | Autocorreção | 0 | 1 | 0,22 | 0,42 | 0 | 2 | 0,39 | 0,66 | |||||
G2 | 0 | 1 | 0,20 | 0,42 | 113,000 | 0,912 | 0 | 1 | 0,30 | 0,48 | 111,500 | 0,865 | ||
G1 | Total | 1 | 3 | 1,83 | 0,65 | 1 | 7 | 2,57 | 1,44 | |||||
G2 | 0 | 4 | 1,80 | 1,03 | 111,000 | 0,860 | 0 | 3 | 2,20 | 1,03 | 109,500 | 0,822 | ||
9º | G1 | Hesitação | 0 | 2 | 0,83 | 0,72 | 0 | 3 | 1,08 | 0,79 | ||||
G2 | 1 | 2 | 1,57 | 0,54 | 19,000 | 0,036* | 1 | 1 | 1,00 | 0,00 | 42,000 | 1,000 | ||
G1 | Repetição | 0 | 1 | 0,50 | 0,52 | 0 | 2 | 0,58 | 0,79 | |||||
G2 | 0 | 1 | 0,29 | 0,49 | 33,000 | 0,374 | 0 | 2 | 1,14 | 0,90 | 27,000 | 0,172 | ||
G1 | Autocorreção | 0 | 1 | 0,17 | 0,39 | 0 | 2 | 0,50 | 0,67 | |||||
G2 | 0 | 1 | 0,29 | 0,49 | 37,000 | 0,550 | 0 | 1 | 0,57 | 0,54 | 37,500 | 0,667 | ||
G1 | Total | 0 | 3 | 1,58 | 0,79 | 0 | 3 | 2,17 | 0,94 | |||||
G2 | 2 | 3 | 2,29 | 0,49 | 21,000 | 0,046* | 2 | 3 | 2,71 | 0,49 | 27,500 | 0,172 |
*Valores estatisticamente significantes (p≤0.05)
Legenda: G1 = Grupo de melhor compreensão; G2 = Grupo de pior compreensão; DP = Desvio Padrão
A Tabela 2 apresenta estatísticas descritivas e comparações no monitoramento dirigido: Pseudopalavras 1 e 2 e Sentenças Agramaticais 1 e 2.
Tabela 2 Estatísticas descritivas e resultados das comparações entre os grupos nas tarefas de monitoramento dirigido, analisadas pelo teste de Mann-Whitney
Ano | Grupos | Variáveis | Mínimo | Máximo | Média | D.P. | U | p-valor |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
5º | G1 | MDP1 | 0 | 1 | 0,46 | 0,51 | 115,000 | 0,827 |
G2 | 0 | 1 | 0,50 | 0,53 | ||||
G1 | MDP2 | 0 | 1 | 0,17 | 0,38 | 104,000 | 0,388 | |
G2 | 0 | 1 | 0,30 | 0,48 | 0,388 | |||
G1 | MDSA1 | 0 | 1 | 0,37 | 0,50 | 0 | 0 | |
G2 | 0 | 0 | 0,00 | 0,00 | 75,000 | 0,026* | ||
G1 | MDSA2 | 0 | 1 | 0,54 | 0,51 | 91,000 | 0,205 | |
G2 | 0 | 1 | 0,30 | 0,48 | ||||
9º | G1 | MDNP1 | 0 | 1 | 0,50 | 0,52 | 39,000 | 0,770 |
G2 | 0 | 1 | 0,57 | 0,54 | ||||
G1 | MDNP2 | 0 | 1 | 0,75 | 0,45 | 40,500 | 0,868 | |
G2 | 0 | 1 | 0,71 | 0,49 | ||||
G1 | MDSA1 | 0 | 1 | 0,33 | 0,49 | 26,000 | 0,118 | |
G2 | 0 | 1 | 0,71 | 0,49 | ||||
G1 | MDSA2 | 0 | 1 | 0,58 | 0,52 | 35,500 | 0,526 | |
G2 | 0 | 1 | 0,43 | 0,54 |
*Valores estatisticamente significantes (p≤0.05)
Legenda: G1 = Grupo de melhor compreensão; G2 = Grupo de pior compreensão; MDP1 = Monitoramento Dirigido Pseudopalavras 1; MDP2 = Monitoramento Dirigido Pseudopalavras 2; MDSA1 = Monitoramento Dirigido Sentenças agramaticais 1; MDSA2 = Monitoramento Dirigido Sentenças agramaticais 2; DP = Desvio Padrão
O monitoramento do sentido é habilidade necessária para a eficiência da compreensão(1,2). Diferenças de capacidade de automonitoramento devem determinar o melhor ou pior resultado em tarefa de compreensão de leitura. Por isso, as hesitações observadas durante toda a prova do 9° ano indicaram a presença de diferença entre os grupos de melhor e pior condição de compreensão leitora, quando no experimento para identificação das sentenças agramaticais (Tabela 1). A precisão para detectar incoerências em um texto mostrou-se mais baixa, quando o G2 foi comparado ao G1.
Por outro lado, nem todas as tarefas elaboradas para avaliar o automonitoramento durante a leitura puderam evidenciar a diferença esperada. A avaliação do automonitoramento espontâneo no nível da palavra não evidenciou diferenças de desempenho entre os escolares de melhor e pior compreensão(10) (Tabela 1). Tanto G1 quanto G2 apresentaram médias de desempenho semelhantes. O nível de vocabulário dos escolares (variável não controlada neste experimento) pode ter influenciado este resultado.
No que se refere à investigação da condição de monitoramento dirigido (Tabela 2), observou-se que as crianças de melhor compreensão do 5º ano identificaram mais erros no nível frasal quando comparadas às de pior compreensão, conforme o esperado. Esses resultados corroboram a literatura: em escolares do 4º ano, maus compreendedores não se envolveram no monitoramento preciso, principalmente quando foi avaliado de forma dirigida(3).
Assim, o melhor desempenho dos escolares do G1 do 5º ano e do 9º ano, ao identificarem erros no nível frasal, corroboram parcialmente os achados de Oakhill et al.(10), cujo experimento evidenciou o desempenho superior dos bons compreendedores, embora apenas no nível das sentenças.
Escolares de pior compreensão leitora apresentaram desempenho inferior ao monitorar a presença de sentenças agramaticais. No 9o ano, a diferença foi evidenciada durante o automonitoramento espontâneo e, no 5o, quando o monitoramento foi dirigido.